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Representações sociais dos moradores da Baía de Camamu sobre o Filo Porifera

Social representations of Camamu Bay, Brazil, inhabitants of the Phylum Porífera

Resumos

O artigo apresenta uma pesquisa que teve o objetivo de traçar um perfil das representações sociais dos moradores de três localidades da Baía de Camamu, Estado da Bahia, sobre o Filo Porifera. O foco nos poríferos foi motivado pela grande biomassa de esponjas no fenômeno de arribação da baía e ausência de pesquisas sobre esses animais na área do ensino. A metodologia esteve pautada nas representações sociais, pois conhecimentos (re)construídos na vivência de um local característico, como o apresentado por esse ambiente, permitem desenhar perspectivas que subsidiam o ensino de Ciências, por exemplo, no tratamento dos obstáculos epistemológicos à aprendizagem de conceitos científicos. Foram realizadas sessenta entrevistas semiestruturadas, vinte em cada lugarejo (Ilha do Contrato, Barra Grande e Ilha dos Tubarões). Os dados foram organizados em categorias que resultaram num perfil de conhecimentos sobre os seguintes aspectos dos poríferos: estado vital, origem, taxonomia, ecologia, anatomia, fisiologia, utilidade antrópica e espongose.

Baía de Camamu; Pescadores; Poríferos; Ensino de Ciências


This study established a profile of social representations by inhabitants in three locations in Camamu Bay (state of Bahia) of the Phylum Porifera. Among other reasons, the focus on Porifera is due to its significant biomass ascertained in the bay region's migration phenomenon and the lack of research on these animals in education. The methodology used was based on social representations because when knowledge is (re)built from experience of a location with a characteristic profile is compared to scientific knowledge, it is possible to draw perspectives for Science education, such as the epistemological obstacles to the learning of scientific concepts. Sixty semi-structured interviews were carried out, twenty in each place (Ilha do Contrato, Barra Grande, and Ilha dos Tubarões). The gathered data was organized into categories that outlined a profile of knowledge that includes characteristics such as seasonality, animism, behavior, classification, physiology, and anthropic utility.

Camamu bay; Fishermen; Porifera; Science education


Representações sociais dos moradores da Baía de Camamu sobre o Filo Porifera

Social representations of Camamu Bay, Brazil, inhabitants of the Phylum Porífera

Loyana DocioI,1 1 Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Departamento de Ciências Biológicas Rua José Moreira Sobrinho, s/n - Jequiézinho - Jequié, BA 45.206-190. ; Júlio César Castilho RazeraII; Ulisses dos Santos PinheiroIII

IBióloga, Mestre em Ciências Biológicas (Zoologia). loydocio@yahoo.com.br IIBiólogo, Doutorando em Educação para a Ciência; Docente, Departamento de Ciências Biológicas, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Jequié, BA, Brasil. juliorazera@yahoo.com.br IIIBacharel em Ciências Biológicas, Doutor em Ciências Biológicas (Zoologia); Docente, Departamento de Zoologia, Centro de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, PE, Brasil. uspinheiro@hotmail.com

RESUMO

O artigo apresenta uma pesquisa que teve o objetivo de traçar um perfil das representações sociais dos moradores de três localidades da Baía de Camamu, Estado da Bahia, sobre o Filo Porifera. O foco nos poríferos foi motivado pela grande biomassa de esponjas no fenômeno de arribação da baía e ausência de pesquisas sobre esses animais na área do ensino. A metodologia esteve pautada nas representações sociais, pois conhecimentos (re)construídos na vivência de um local característico, como o apresentado por esse ambiente, permitem desenhar perspectivas que subsidiam o ensino de Ciências, por exemplo, no tratamento dos obstáculos epistemológicos à aprendizagem de conceitos científicos. Foram realizadas sessenta entrevistas semiestruturadas, vinte em cada lugarejo (Ilha do Contrato, Barra Grande e Ilha dos Tubarões). Os dados foram organizados em categorias que resultaram num perfil de conhecimentos sobre os seguintes aspectos dos poríferos: estado vital, origem, taxonomia, ecologia, anatomia, fisiologia, utilidade antrópica e espongose.

Palavras-chave: Baía de Camamu. Pescadores. Poríferos. Ensino de Ciências.

ABSTRACT

This study established a profile of social representations by inhabitants in three locations in Camamu Bay (state of Bahia) of the Phylum Porifera. Among other reasons, the focus on Porifera is due to its significant biomass ascertained in the bay region's migration phenomenon and the lack of research on these animals in education. The methodology used was based on social representations because when knowledge is (re)built from experience of a location with a characteristic profile is compared to scientific knowledge, it is possible to draw perspectives for Science education, such as the epistemological obstacles to the learning of scientific concepts. Sixty semi-structured interviews were carried out, twenty in each place (Ilha do Contrato, Barra Grande, and Ilha dos Tubarões). The gathered data was organized into categories that outlined a profile of knowledge that includes characteristics such as seasonality, animism, behavior, classification, physiology, and anthropic utility.

Keywords: Camamu bay. Fishermen. Porifera. Science education.

Introdução

O modo de um indivíduo compreender e comunicar o que sabe sobre a realidade em que vive tem influências sociais - "um modo que cria tanto a realidade como o senso comum" (MOSCOVICI, 2003, p. 49). Assim, percepções e conceitos formulados e socialmente compartilhados influenciam na interpretação, criação e reconstrução da realidade.

As ideias centrais dessas argumentações estão inseridas no fenômeno das representações sociais, que, diante da complexidade conceitual que cerca o tema, podem ser entendidas como um conjunto de conceitos, proposições e explicações originadas na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais. São equivalentes, em nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais. Atualmente, podem ser vistas como a versão contemporânea do senso comum (MOSCOVICI, 2003). Entretanto, mito e senso comum não são apenas fenômenos históricos marcados e aprisionados no passado ou nos livros de História das Ciências. Moscovici (2003) amplia a fala sobre o senso comum para o mundo cotidiano atual, no qual as pessoas se apoderam de conhecimentos científicos divulgados pelos meios de comunicação e dão suas próprias interpretações. Surge, assim, nos dias atuais, um senso comum baseado nas informações de segunda mão, apropriadas das noções científicas divulgadas por cientistas amadores nos diferentes meios de comunicação (SOUSA e MOREIRA, 2005).

As representações sociais se desenvolvem da infância à maturidade. Inicialmente chegam, por intermédio das mães, as imagens e conceitos, que são "derivadas dos seus próprios dias de escola, de programas de rádio, de conversas com outras mães e com o pai e de experiên-cias pessoais" (MOSCOVICI, 2003, p. 108). Esses conceitos e imagens, que continuam construídos / reconstruídos ao longo do tempo e cada qual no seu meio, não podem ser ignorados pelo processo de ensino formal. Os alunos não têm as mentes vazias para os conteúdos abordados em sala de aula, mas já trazem consigo um conjunto de representações difundidas e enraizadas em práticas e crenças de seu meio (ALVES-MAZZOTTI, 1994). Para o ensino formal de ciências, ter posse desses conhecimentos do grupo a que pertencem os alunos e usá-los, levando-os em consideração na abordagem de aula, possibilita criar um ambiente propício à "aprendizagem significativa" dos conhecimentos científicos. Afinal, é o conhecimento prévio, contendo representações sociais, concepções espontâneas etc., a variável mais importante que influencia a aprendizagem de novos conhecimentos (SOUSA e MOREIRA, 2005; AUSUBEL apud MOREIRA, 1999).

Baseados nesses rápidos e não exaustivos pressupostos, foi realizada, por nossa equipe (uma bióloga, um professor de Prática de Ensino de Biologia e um professor de Zoologia), uma pesquisa que teve o objetivo de traçar um perfil das representações sociais dos moradores de três localidades da Baía de Camamu, no Estado da Bahia, sobre o Filo Porifera. Entre outros motivos, o foco nos poríferos se deu em razão: i) da grande biomassa aparente de esponjas constatada no fenômeno de arribação na região da baía; ii) da ausência de pesquisas sobre esses animais na área do ensino; iii) do conteúdo reduzido e simplificado sobre o tema nos livros didáticos; iv) do conhecimento restrito dos professores de Ciências dessas localidades sobre o grupo animal (verificação constatada em outra pesquisa desenvolvida paralelamente a esta, no conjunto de um projeto de investigação ampliado na região).

Os poríferos: breve revisão

Esta apresentação resumida dos poríferos tem a intenção de auxiliar o leitor na análise realizada por nós e em algumas compreensões ou correlações entre os relatos dos sujeitos e o conhecimento científico sobre esses animais (exemplo: assentamentos da literatura - "Os indícios de uma espongose são coceiras, além de forte reação alérgica"; relato de um morador local - "Tem uns dele que dá até coceira no corpo").

Os poríferos (ou esponjas) são conhecidos e utilizados desde a antiguidade pelos povos primitivos. Considerados inicialmente como plantas, sua natureza animal só foi reconhecida no final do século XVIII (MURICY e HAJDU, 2006).

Constituem um dos grupos metazoários mais antigos, originados no Pré-Cambriano, e são os mais simples organismos multicelulares, exibindo ausência de órgãos e tecidos verdadeiros. Há espécies marinhas e de água-doce. Possuem internamente um sistema aquífero, por onde a água circula entre os meios externo e interno dos animais (IMSIECKE et al., 1995). Reproduzem-se sexuada ou assexuadamente. São considerados, por muitos, como os mais belos animais invertebrados marinhos, apesar de sua natureza animal dificilmente ser conhecida. Esponjas marinhas, frequentemente, são confundidas com outros seres, como ascídias, briozoários e plantas marinhas (MURICY e HAJDU, 2006).

Acredita-se que a distribuição e abundância de certas esponjas sejam determinadas mais pela predação do que por outros fatores físicos ou biológicos (EPIFANIO et al., 1999). Por outro lado, de maneira geral, em vista do caráter séssil e filtrador, as esponjas são espacialmente influenciadas pela qualidade da água em razão da quantidade de partículas orgânicas, minerais e poluentes. Por isso, é recomendado o seu uso no monitoramento ambiental (MURICY et al., 1989; MURICY, 1991a, 1991b).

No decorrer do tempo, por intermédio do processo de seleção natural, as esponjas constituíram eficazes estratégias de defesa. Dentre elas, podemos destacar: (i) a defesa mecânica, que se dá porque seu esqueleto, composto de espículas silicosas, funciona como microagulhas capazes de provocarem dermatites em eventuais predadores; (ii) a defesa química, efetuada por compostos químicos produzidos pelo corpo das esponjas ou de seus simbiontes.

Além de defesas contra a predação e infecções microbianas, as toxinas das esponjas servem para a competição por espaço com outros invertebrados (PAWLIK, 1993). Para Hooper e Van Soest (2002), os compostos bioativos se constituem em um grande potencial econômico. Uma vez isolados, são drogas terapêuticas utilizadas como antitumorais, antibacterianas e antivirais.

O uso das esponjas como utensílio de banho é amplamente mencionada pelo filósofo grego Homero (750 a.C.); algumas espécies, como Spongia officinalis Linnaeus, 1759, e Hippospongia communis Lamarck, 1813, ainda são usadas como esponjas de banho nos dias atuais (MURICY e HAJDU, 2006).

Segundo Machado (1947), os Carajás (uma das tribos indígenas amazônicas) usavam espículas de esponjas de água doce para fabricar cerâmica. Esse autor descreve que "os indígenas pulverizam espongiários, calcinados previamente ou não, e adicionam à argila com que fabricam peças de sua cerâmica". As mãos das oleiras indígenas que trabalhavam com cauxi (argila misto com espículas de esponjas) possuíam dermatite purulenta. Hilbert (1955) chama a atenção para a preferência dos caboclos pelo caripé (argila misto com cinzas de tecidos vegetais pertencentes à licania, uma rosácea) ao invés do cauxi. Os motivos dessa escolha estavam relacionados com o inchamento das mãos causado pelo cauxi e, ainda, porque os utensílios de cozinha fabricados com esse material causavam desarranjos estomacais.

Os traumatismos na pele humana provocados pelas espículas são denominados de espongoses. Os indícios de uma espongose são coceiras, além de forte reação alérgica, a qual pode requerer cuidados médicos mais urgentes. Espécies de alguns gêneros marinhos, como Tedania e Neofibularia, podem mesmo causar dermatites dolorosas em seres humanos.

Em Araguatins, no Estado de Tocantins, ocorreram recentemente surtos de cegueira, inflamações nas pernas e nos olhos de pessoas que tiveram contato com as águas de um rio da região. A população local assegura que os casos acontecem na época de águas baixas, não ocorrendo sintomas na época da cheia. Segundo parecer científico preliminar, os indícios apontaram para as espículas silicosas das esponjas dulciaquícolas como as causadoras do problema (VOLKMER-RIBEIRO e BATISTA, 2006).

A pesquisa

Os estudos sobre representações sociais são complexos, pois envolvem atenção a múltiplos aspectos teórico-metodológicos. Pensando nisso, optamos por ocupar alguns espaços deste artigo com descrições detalhadas sobre o contexto local e com inserções de diferentes excertos das falas dos sujeitos que, inicialmente, aparentam ser desnecessárias, mas que, a nosso ver, podem auxiliar o leitor numa melhor visualização sobre o trabalho realizado.

A Baía de Camamu é a terceira maior em volume de água do Brasil, ficando atrás apenas das baías de Todos os Santos (BA) e da Guanabara (RJ). No geral, caracteriza-se por possuir águas profundas e rasas, ventos calmos, praias, rios, manguezais, restingas, recifes de corais e várias ilhas, algumas delas habitadas (para detalhes sobre a caracterização da Baía de Camamu, vide AMORIM, 2005). Os moradores locais têm modo de vida pacato e simples, mas com carências nos serviços públicos básicos. O presente estudo foi realizado em três localidades da Baía de Camamu: Ponta do Contrato, Barra Grande e Ilha dos Tubarões (Figura 1).


Barra Grande pertence à península de Maraú. As suas atividades econômicas centram-se no turismo e na pesca. Do outro lado da baía, frontalmente à Barra Grande, ficam as localidades de Ponta do Contrato e Ilha dos Tubarões. Ambas pertencem ao município de Igrapiúna. As suas atividades econômicas baseiam-se na pesca, produção de coco e dendê. Barra Grande possui uma escola de Ensino Fundamental e Médio. Ponta do Contrato possui somente uma escola de Ensino Fundamental de 1ª a 4ª série. Ilha dos Tubarões não possui escola. Os estudantes dessas duas localidades se deslocam para as cidades próximas, como Igrapiúna e Ituberá.

A coleta, na região, recebeu atenção especial, tendo-se em conta que nos estudos sobre representações sociais "a metodologia de coleta aparece como um ponto-chave", e que a qualidade e pertinência das informações são determinantes para a validade dos resultados e das análises (ABRIC, 1994 apud SÁ, 1996, p.101). Dessa forma, os dados foram coletados por meio de entrevista semiestruturada gravada em áudio digital. A abordagem dos sujeitos foi ao acaso, ao longo da orla marítima, com participação autorizada e espontânea após explicação prévia sobre as finalidades da pesquisa. Para obtenção dos elementos e conteúdos de representação, o termo indutor foi substituído pelo próprio objeto em si. Antes do início de cada entrevista, algumas morfoespécies de poríferos (sempre coletadas em intervalos periódicos na própria baía) eram apresentadas em bandeja aos sujeitos (Figura 2).


Foi esclarecido, a cada sujeito, que as perguntas teriam o propósito de um trabalho científico que se destinava a registrar os conhecimentos sobre o material exposto na bandeja, no caso, as esponjas. Diante da bandeja com as morfoespécies, ocorria a sequência da entrevista, tendo-se como eixo norteador as seguintes questões, aqui apresentadas de forma abreviada: "Já viu isso (o material)?", "O que é?", "De onde vem?", "É vivo ou não-vivo?", "Tem serventia?", O que mais sabe sobre isso?" A proposta previamente planejada consistia em obter dados que possibilitassem a construção de um perfil ampliado sobre o grupo animal, destacando-se categorias referentes a: Nome Dado ou Associado, Taxomonima, Estado Vital, Origem, Ecologia, Anatomia, Fisiologia, Utilidade Antrópica e Espongose.

Considerou-se, para análise, o total de sessenta entrevistas, vinte em cada uma das localidades. Os critérios levados em consideração na escolha dos sujeitos de pesquisa foram: i) tempo de moradia ser igual ou superior a três anos na região da baía; ii) limite acima de 15 anos para a faixa etária (Tabela 1). Esses critérios serviram para restringir a investigação em torno de pessoas que supostamente tivessem contato visual e/ou comunicacional com maior frequência e persistência (vivência no meio) com as esponjas, independente do grau de escolaridade.

As entrevistas foram realizadas entre os meses de abril e agosto de 2006. Os dados foram transcritos em fichas individuais contendo os seguintes dados de identificação: número do protocolo de entrevista, identificação do local, idade, tempo de moradia, gênero e grau de escolaridade dos sujeitos. Neste artigo, os sujeitos são identificados pelo número do protocolo da entrevista, local, tempo de moradia e escolarização (exemplo: 5C,11M,7EF, ou seja, protocolo de entrevista número cinco, na Ponta do Contrato, 11 anos de moradia na baía, 7ª série do Ensino Fundamental).

De acordo com Sá (1996, p. 100): "[...] desde a elaboração de instrumentos de coleta de dados e a definição ou criação de técnicas para seu tratamento, a pesquisa das representações sociais é explicitamente orientada pela conceituação e pela construção teórica que o pesquisador tenha adotado". Apesar de algumas particularidades deste estudo, procuramos orientá-lo pelos quatro princípios metodológicos apontados por Moscovici (2003), ou seja, i) na obtenção de amostras de conversações usadas no grupo, com suas características contextuais; ii) na consideração das representações como meios de recriação da realidade por este grupo; iii) nas motivações que levaram os indivíduos a transitarem entre o não-familiar e o familiar; e iv) nas considerações funcionais e representacionais entre o grupo de sujeitos e o nosso grupo (de biólogos e professores universitários). Dessa forma, mesmo sabendo de outras possibilidades estratégicas, acreditamos que os procedimentos adotados na pesquisa permitiram chegar aos propósitos de construção de um perfil de conhecimentos estruturados sobre os poríferos na comunidade estudada. Vejamos.

Resultados e discussão

Percepção visual de presença das esponjas

Dos sessenta sujeitos entrevistados, apenas um deles respondeu nunca ter visto o material apresentado na bandeja (11B, 23M, 4EF). Todos os demais responderam afirmativamente ao primeiro questionamento. A percepção visual positiva dos moradores das três localidades da Baía de Camamu nos afastou dos pesudofenômenos2 2 Referem-se aos dados obtidos por intermédio de uma fala forçada do grupo ou segmento da sociedade sobre um objeto não representado (SÁ, 1996, p. 42). de representação social sobre o grupo animal, possibilitando dar sequência ao processo construtivo de um perfil caracterizado pela proximidade entre sujeito e objeto, com marcas significativas de tempo, caracterização / delimitação geográfica e aspectos comunicacionais.

Nome dado ou associado e aspectos taxonômicos

Uma vez percebido, o objeto tende a receber um nome, uma associação analógica ou classificação. Segundo Moscovici (2003, p. 61), as classificações fazem parte dos dois processos que geram as representações sociais, a ancoragem ("colocá-las em um contexto familiar") e a objetivação ("transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico"), pois o que não é classificado ou que não possui nome torna-se estranho, inexistente e ameaçador. Na fala de um dos entrevistados, pudemos perceber essa necessidade de nomear, associar ou classificar, e a sua angústia de não se lembrar naquele momento: "Oh, isso aqui, eu acredito que deve ser o quê? [pausa] Eu chamo isso aqui de hum [pausa], num tô lembrando, não [pausa]. Eu tenho um nomizinho pra esse negócio aqui, entendeu? Eu é que chamo, né. Cada um tipo de pessoa deve ter um nome que bota nesse tipo de coisa aqui" (14T, 35M, 4EF). Um pouco adiante na conversa: "Eu acredito que deve de ser uma planta. Não tem como ser outro tipo de coisa".

As esponjas receberam diferentes nomes, associações ou classificações (Tabela 2). A maior frequência dos termos evocados centrou-se nas plantas. Até o século XVIII, a ciência também fazia a mesma associação entre poríferos e plantas. Apenas depois desse período os poríferos foram classificados como animais.

Em nossos entrevistados, a correlação correta ou mais aproximada com a da ciência ("porífero", "esponja", "animal") teve maior frequência entre aqueles que apresentavam a escolarização do Ensino Médio: "Ah, se eu não tiver enganado, é esponja, né. São chamados por um nome, porífero, porífero é o nome" (20B, 19M, 2EM); "Isso aí é conhecido como esponja do mar, pelo fato de parecer com uma esponja" (13C, 27M, 3EM).

No entanto, esse tipo de associação também apareceu entre os sujeitos com outras escolarizações: "É, isso aqui se chama esponja do mar. Conhecido como esponja do mar" (11C, 15M, 7EF); "Assim, pelo nome eu não sei dizer. A gente que bota assim o nome de esponja. Isso mesmo, porque parece que tem o jeitozinho de uma esponja, né" (12C, 73M, 0EF).

Não houve intenção prévia ou planejada de confundir os sujeitos quando da escolha das morfoespécies da bandeja, pois houve uma simples coleta sem levar em consideração qualquer tipo de critério na caracterização dos espécimes. Houve apenas a preocupação de coletar e apresentar um material não degenerado aos sujeitos. Como vimos na Figura 1, a bandeja apresentava morfoespécies com aspectos, formatos e colorações diferentes, o que é uma característica desse grupo animal. No entanto, essa característica confundiu alguns sujeitos, que apontaram e indicaram mais de um nome para o que viam na bandeja: "Isso aqui é um coral que dá debaixo d'água [apontou para a morfoespécie vermelha] e esse aqui, alga [mostrou a variante verde]" (3B,3M,6EF); "É, essa é planta, aqui, é. Essa aqui é diferente dessa de cá [separou com as mãos as esponjas vermelhas e verdes presentes na bandeja]. Essa aqui é um tipo e essa é outro tipo" (1B,25M,3EF). Mesmo quando a confusão não era explícita, termos diferentes surgiram nas primeiras evocações dos sujeitos sobre o material, o que explica o total da frequência da Tabela 2 (n=92) ser maior que o número de sujeitos entrevistados (n = 60).

Alguns outros termos (estranhos à equipe de pesquisadores) também apareceram. Verificamos que continham indicações da percepção deles com o ambiente (aspectos ecológicos, que serão discutidos adiante): "Isso aí é a casa do goió. O goió é tipo, assim, feito um caranguejo. Aí ele bota essas coisa aí nas costa, depois sai, né" (6B, 64M, 4EF).

Particularmente, alguns termos ou associações chamaram a nossa atenção, pois se repetiram em mais de um sujeito e em locais diferentes:

a) Bugaial: "Esses pedaços, que vivem geralmente solto, né, é chamado de bugaial. Conhece bugaial? Não? O bugaial é um desse duro, que a gente destrói ele na mão. Aperta, ele quebra. Isso aqui nós chamamos de... têm vários nomes. Isso aqui eu chamo de saputuna [apontou para a esponja vermelha]" (14B, 20M, 4EF); "Bugaial, parece" (7T, 30M, 4EF); "Eu conheço. É o bugaial. Tem o mais inferior e o mais superior, né [questionado sobre a diferença, explicou que o superior é mais duro]" (11T, 10M, 6EF).

b) Espuma: "Eles vêm através da tempestade, né. Da espuma. Da onda batendo. Aí começa, né. Começa a virar ele e vão parar na beira da praia" (11T, 10M, 6EF); "Isso é da espuma. Fiquei sabendo que é da espuma d'água. Eu vi as pessoas falando [Falando o quê?]. Que isso é espuma d'água [...]. Endurece e chama pedra de espuma" (3C, 66M, 0EF); "Rapaz, essa aqui eu vi dizer que é feita de espuma d'água" (2B, 48M, 5EF).

Estado vital e origem

O estado de ser vivo dos poríferos foi caracterizado por aproximadamente 83% dos entrevistados, somando-se as três localidades (Tabela 3).

Na justificativa dessa caracterização, no entanto, a compreensão sobre o conceito de vida necessita ser mais explorada e comparada a outros estudos que enfocam a temática na área do ensino de Ciências. Diante de algumas possibilidades, optamos por sistematizar os nossos dados utilizando as categorias reduzidas sobre o conceito de vida (COUTINHO, MORTIMER e EL-HANI, 2007). Considerando aspectos epistemológicos e ontológicos, Coutinho, Mortimer e El-Hani (2007) associaram as sete categorias "expandidas" que obtiveram sobre o conceito biológico de vida (agente, artificialismo, essencialismo macro, essencialismo micro, finalismo, mecanismo e relacional) e as reduziram em três zonas que representam os níveis de compreensão do conceito de vida: externalismo, internalismo e relacional. Na zona externalista, "a vida é entendida como algo exterior, ou que tende ao exterior, do vivente". Na zona internalista, "a vida é entendida como processo ou propriedades inerentes ao vivente". Na zona relacional, "a vida é entendida como uma relação entre entidades e/ou a definição é dada em termos de relações de conceitos".

Os dados obtidos de nossos sujeitos, referentes ao estado vital, puderam ser categorizados como segue (Tabela 4), demonstrando um perfil conceitual dividido entre duas zonas. Numa, com a compreensão de vida que é externa ao vivente; noutra, que é ligada a alguma de suas propriedades.

Alguns excertos das falas dos sujeitos, apresentados a seguir, demonstram essas duas diferentes compreensões sobre o conceito de vida que circulam na região: "Dizem que é vivo. [Por quê?]. Quando ele fica debaixo d'água, se mexe, né. Ele se mexe pela água e tem uns que por eles mesmo" (3B, 3M, 6EF); "Isto aí é vivo. [Por que acha isso?]. Porque [pausa] acho que é porque é alimento para os peixes, animais, siri. [Como assim?]. Acho que é porque morto ele não oferece nada, né. Fica ali, perde na água" (4B, 20M, 2EM); "Sei que ele é vivo. [...] Que eu sei que ele cresce. [...] Cê vê, ói, como esse aqui tá crescendo em cima das concha [mostrou uma esponja epibionte num bivalve], tá vendo. Aqui ele tava crescendo, agora não cresce mais, porque já morreu" (5B, 37M, 4EF); "São vivo. [Por quê?]. Porque é formação dada [riu]. Sai do mar, tá crescendo, tem vida, né. [...] Você passa num local, você não vê. E de repente, quando vê uma coisa distante é uma coisa mais ou menos assim [gesticulou com as mãos, indicando um tamanho de aproximadamente um palmo]. Olha essas cores aí [apontou para a bandeja]. Você vê que agora, já tá. Já pegou da praia e a cor já não tá mais tão viva, né. Quando você vê, quando ela tá viva dentro do mar, né. [...] A forma muda" (12B, 48M, 5EF); "Rapaz, eu acho que não é vivo. [...] Não sei, um troço criado assim no mar, com a água, não sei se é da espuma do mar, não sei bem lhe informar" (13B, 70M, 3EF); "Agora, eles são vivos. [São vivos?]. São. [Por que a senhora acha que eles são vivos?]. São vivos porque [...] ele não pode ser morto. Só pode ser vivo. Agora, depois ele morre. [Mas como a Senhora tem essa certeza de que eles são vivos?]. Porque eles são cria do mar" (1C, 20M, 1EF); "Ó, eu penso que ela vive. Porque tudo tem vida, né. [Mas, assim, por que o senhor acha que ele é vivo? Porque, por exemplo, essa pedra não tem vida, certo?]. Exatamente. Não tem vida, né. Mas eu tenho para mim que, tudo pra mim, tudo é vivente. Eu tenho pra mim, né" (3C, 66M, 0EF); "Sei que eles são vivo, ele se mexe" (10C, 20M, 3EM); "Vivo, sim, porque eles se multiplicam" (11C, 15M, 7EF); "É vivo. [E por que o senhor acha que é vivo?]. Porque se a senhora colocar ela aqui hoje, amanhã, ela não vai estar no mesmo lugar. E se a senhora botar ela, tirar da água, e quando for no outro dia, ela ta fedendo. Ela fica podre. Então, ela é viva" (14C, 40M, 3EF); "São vivo porque ele é um nascente, vamos dizer, do oceano" (2T, 50M, 0EF); "Nós pode até dizer que é vivo, porque o limo [nome dado ao material] é o que cria o camarão, não é verdade?" (10T, 40M, 0EF).

Sobre a origem das morfoespécies, apareceram afirmações características da abiogênese em uma parcela significativa dos sujeitos (28%) e independente de uma caracterização de estado vital, ou seja, a abiogênese se apresentou em sujeitos que caracterizaram as esponjas como seres vivos e também naqueles que caracterizaram como matéria bruta: "Eu ouvi o povo também dizer que é transformado da areia [...]. Eu vi até na televisão, mostrando que é transformado da areia e leva uns cem anos para transformar assim, ó" (8B, 7M, 7EF).

Morfofisiologia

Uma parte desse tópico já foi discutida anteriormente. Foi comentado que os diferentes formatos, cores e aspectos causaram confusão em alguns sujeitos. No entanto, em um dos relatos houve a classificação das esponjas em duas categorias (rígida e macia): "Essa daqui é uma esponja mais rígida e a de cá é mais macia" (11C, 15M, 7EF).

Os poríferos são os mais simples organismos multicelulares, exibindo ausência de órgãos e tecidos verdadeiros. O corpo desses animais é constituído por canais aquíferos, que se comunicam com o meio externo por meio de orifícios. Esses orifícios são denominados ósculos e óstios.

Nas representações, quando reconhecidos, esses orifícios receberam denominações simples e/ou analógicas, como "olhinhos", "buraquinhos", "furinhos". Os diminutivos denotam o caráter microscópico observado nesses elementos. Houve, ainda, quem reconhecesse os canais internos do corpo do animal: "No buraquinho, bem leve, só se prestar bastante atenção [referiu-se sobre a água no interior do animal]. É só prestar bastante atenção, dá pra ver. Sei que ele faz um pouco de contrações, nos canuduzinho que ele apresenta aqui" (10C, 20M, 3EM); "Esses buracozinho, aqui ó, é onde ela joga a água pra fora, aqui ó. Você olhando aqui, tem um olhinho lá em baixo [pegou o material, ergueu e apontou para mostrar]. Tem, tem um... furozinho no meio delas, aqui " (1B, 25M, 3EF).

Nas representações de alguns sujeitos foi possível observar traços de conhecimento científico que se mesclavam com os de senso comum, ao se referirem a alguns dos aspectos morfofisiológicos dos poríferos: "Rapaz, isso também é um porífero, porque ele tem umas camada aberta, que a água passa por aqui, e a outra por cá. [...] Ele absorve a água mesmo, que nem essas esponja de prato. Depois solta. [Ao ser questionado sobre o processo reprodutivo, dá sua explicação]. Dele vai nascendo um desse aqui, tem uma parada aqui, vai nascendo uma parte daqui. Aí desse cá, sai desse e fica no solo, aí vai nascendo, vai nascendo, depois vem outro" (20B, 19M, 2EM); "Veja bem, é um produto reprodutivo. Por que você vê que é um produto tão reprodutivo que vai passando, que cada vez a tendência é... vai criando outros e outros e outros, né. Como se fosse uma geração de pai para filho e bisneto. E vai passando, e aí vai embora. Porque esse daqui, dá... caracteriza, caracteriza outros [produz outros]. Existem filhotezinhos entre eles. Aí ele vai soltando da pedra... e vai de uma pedra e de uma pedra na outra. E vai produzindo. [E que tipo de vida você disse mesmo que ele é?]. Vegetal, eu creio, vegetal" (9C, 23M, 3EM).

Os poríferos se reproduzem sexuada ou assexuadamente. Segundo Mothes e colaboradores (2006), a fertilização cruzada é a mais comum nesses animais. Na fertilização cruzada, os produtos desta atividade fazem parte da comunidade planctônica, fixando-se logo às pedras, pois são larvas livre-natantes lecitotróficas, que se fixam ao substrato depois de algumas horas. Essas larvas se misturam à comunidade planctônica marinha, pelo menos por um curto período de tempo, compreendido entre o tempo da liberação do corpo da "esponja-mãe" até sua fixação e metamorfose.

Utilidade antrópica

No decorrer da entrevista, questionou-se sobre a serventia ou a utilidade do material. Inicialmente, a pergunta foi dirigida à utilidade antrópica ("pra você, tem serventia, utilidade?"; "já viu alguém utilizar isso?"), e, somente depois da resposta dada e/ou explicada, o questionamento foi redirecionado para os aspectos ecológicos ("e utilidade para o mar, para a natureza?"), o que auxiliou na complementação de dados para a análise do próximo tópico (4.6).

Sobre a utilidade antrópica, as respostas foram sintetizadas na Tabela 5.

As utilidades antrópicas não foram reconhecidas por uma parcela significativa de nossos sujeitos (40%). As demais respostas, no entanto, apresentaram algumas utilidades estéticas ou funcionais, que poderiam se juntar àquelas que a literatura descreve (algumas delas mencionadas anteriormente): "De vez em quando a gente pega essas coisas para fazer presépio" (14B,20M,4EF); "Pra enfeite. Eles, eles pegam essas pedra, assim, tem uns que eles pintam, fica bonitinho, fica bonitinho" (1C, 20M, 1EF); "Tem uns que a gente às vezes pega, bota pra secar. Não sei se é igualmente um desses daqui, que a gente bota na ponta da língua, que ele queima. Eu já vi nego botando mesmo [Já fez isso?]. Já fiz, já. Deixa um pouco... [pausa] anestesiada" (8B,7M, 7EF). "Para adubo eles servem. A gente pega pra adubo. Eu já peguei pros pé de coco. Usar para adubo de coco é bom" (9B, 6M, 5EF); "A pedra de espuma que nós conhecemo lá, ela é mais dura de que essa. Ela é uma pedra que dá, inté antigamente, [tossiu] a gente pegava ela, lá, e usava a pedra de espuma pa passar na mão, tirar os calo, servia pa isso. E ainda tem gente, tem! Ainda existe, ainda, pega pa afinar as mão, né" (3C, 66M, 0EF).

Por fim, no conjunto de respostas dadas, mesmo sendo inicialmente direcionada a pergunta à utilidade antrópica, apareceram quatro respostas ligadas aos aspectos ecológicos: [Para o Homem, isso teria alguma serventia?]. "Tem, tem bastante serventia, sim. Tudo o que há na natureza tem serventia pro homem, porque, aqui, ajuda a alimentar os peixe, aqui, ajuda a oxigenar a água, e mais alguma coisa" (11C, 15M, 7EF). Respostas desse tipo fazem uma aproximação entre Homem e Natureza, diferenciada da visão antropocêntrica sobre o fenômeno, em que a natureza deve servir diretamente ao Homem.

Ecologia

Aspectos ecológicos apareceram em diversos momentos nas explicações que os moradores da baía davam sobre as morfoespécies apresentadas a eles. Os três maiores fatores mencionados foram: "alimentação de outros seres marinhos", "vida séssil" e "proteção para animais marinhos". A esses fatores mais mencionados - de interação e ausência de mobilidade -, somaram-se outros referentes à sazonalidade, ao habitat, e a outras características do modo de vida e interações: "Onde se encontra muito isto aqui é no fundo do mar, né..." (1B, 25M, 3EF); "Não é o ano inteiro que isso começa a dar na praia. Agora, a partir dessas épocas que começa a vir as frentes frias, que vem o mar mais agitado, é que começa a desprender, isso, talvez dos corais, né" (2B, 48M, 5EF); "Aqui no nosso litoral tem muito dessas esponja. É bastante conhecida, aqui, é muito popular, aqui na nossa região. Principalmente agora no inverno, quando dá bagaceira do leste, então acontece de encostar aqui na costa" (11C, 15M, 7EF).

Alguns aspectos representados pelos sujeitos sobre as interações ecológicas entre os poríferos e outros organismos vivos, como relações de mutualismo e predação, apareceram de maneira a aproximar-se daquelas apresentadas pela literatura (RUPPERT e BARNES, 2005; PAWLIK, 1993; RANDALL e HARTMAN, 1968; EPIFANIO et al., 1999; HARTMAN e REISWING, 1993). São muitos os animais que se alimentam das esponjas. Os canais dos poríferos e suas defesas antipredação os tornam excelentes refúgios para invertebrados (crustáceos, ofiuróides, poliquetos) e algumas espécies de peixes (gobiídeos, bleniídeos). Várias espécies dependem dessa proteção para manter suas populações em níveis estáveis. Vejamos algumas falas dos moradores da baía: "É importante para o camarão pequeno. O peixe pequeno, ele faz moradia embaixo" (18B, 30M, 5EF); "Aí sempre tem um matozinho que, aí o peixe vai, já bilisca, aí já come aqueles negocinhos e tal. Aí já se alimenta daqueles, desses, negocinhos aqui [aponta para a bandeja]. Vai que tem um pexizinho, aqui, escondidinho aqui na sobra, o maiorzinho vem lá e créu. [E o senhor conhece algum peixe que se alimenta disso?]. Só o peixe que viva no coral, no coral mesmo. O que tem dentão, esses peixe, saramunete, budião, carapitanga. Esses pexezinho que fique só nessas pedra, com certeza é desses, é dessas pedrinha que eles se alimentam" (6C, 33M, 0EF).

Espongose

As microscópicas espículas das esponjas causam irritação na epiderme de animais que entram em contato com elas, incluindo os seres humanos. É um dos meios de defesa que muitas esponjas possuem. Problemas relacionados a injúrias causadas por esponjas envolvem, por exemplo, a espécie marinha Tedania ignis, espécie descrita por Duchassaing e Michelotti, em 1864. Outros exemplos são as esponjas de água doce do Tocantins, segundo relatos de Volkmer-Ribeiro e Batista (2006), como vimos anteriormente.

Entre os moradores da baía de Camamu que entrevistamos, esse tipo de conhecimento apareceu em algumas descrições: "Tem uns dele que dá até uma coceirazinha no corpo, mas é assim" (10B, 15M); "Você mergulha com o óculos, isso aqui está assim de lagosta. Você mete a mão, assim, ela até meia... dá um certo [gesticula demonstrando como se estivesse com uma coceira nas mãos]. [Coceira?]. Coceira na mão. [Qual?]. É esses tipo aí, dá uma coceira [aponta para a morfoespécie vermelha]. Dá uma coceira na mão, esse vermelho, dá coceira na mão. Quando a gente tá no mar mesmo, tira na hora. [Fica muito irritado?] Depende, depende. Tem gente que fica muito irritada. Irritação besta. Que só coça. Joga uma água doce, o remédio é água doce. Jogou, não cria problema, não" (14B, 20M, 4EF); "Aqui no canal, pega um bucado. Isso aqui é uma esponja. Isso aqui coça a mão" (6C, 33M, 0EF).

As influências comunicacionais

Ao dizer que as representações são sociais, Moscovci (2003, p. 105) enfatiza o aspecto simbólico que elas possuem. "Elas são simbólicas e possuem tantos elementos perceptuais quanto os assim chamados cognitivos". Por esse motivo, não podemos destacar um ou outro mecanismo, atribuir um ou outro valor sem levar em consideração o contexto no qual as pessoas se relacionam e compartilham suas linguagens, memórias e comportamentos. Moscovici apontou outros três aspectos importantes e que, nesse caso, também não podem se dissociar dos estudos sobre representações. Referiu-se à observação, à descrição e ao tempo que, no decorrer da pesquisa, pudemos associar aos dados transcritos, permitindo-nos inferir sobre o fenômeno estudado.

Neste artigo, optamos por abordar brevemente alguns dos aspectos comunicacionais que se ressaltaram nas conversas com os moradores.

As representações dão conta que os conhecimentos sobre os poríferos circulam na comunidade. Um conhecimento marcado pelas percepções visual e experiencial, mas com interferências também de outros fatores, como a própria escola, a mídia televisiva, pessoas estranhas à comunidade etc. A seguir, selecionamos alguns exemplos que ilustram, aos leitores, esse fenômeno: "Rapaz, tava lendo o livro agora, não me lembro dele não. Eu não me lembro mesmo. Eu tava estudando até ontem de noite, agora, só lembro assim, as passagens da água dentro dele" (20B, 19M, 2EM); "Eu ouvi o povo também dizer que é transformado da areia, parece que... que leva cem anos para ficar desse jeito aqui, ó. Aqui ela soltando. Eu vi passar na televisão, né. [Disseram que se transforma da areia?]. Eu vi até na televisão, mostrando que é transformado da areia e leva uns cem anos para transformar assim, ó. Vai fazendo aquela ruminha de areia e aí vai transformando. Vai dando cor e tudo. É, eu vi passar na televisão uma vez" (8B, 7M, 7EF); "É que, como eu estudei, aqui tinha um bucado de coisa, como você vê esse negócio aqui [mostrou um dos orifícios maiores da esponja], ele tira um bucado de alimento para ele. Assim, com a passagem de água por aqui, ao redor dele aqui [gesticulou tentando demonstrar o que ocorreria dentro da esponja], e vem por aqui. [...] Aprendi aqui mesmo [na escola do local], com a professora Marta" (4B, 20M, 2EM); "Me esqueci o nome disso. Um pessoal veio fazer uma entrevista com a gente aí, inclusive tem inté isso filmado [...] Sei lá se é um tipo de fungo, sei lá como é que é. Tavam explicando isso para gente, o pessoal da [mencionou o nome da empresa que fez a reportagem com eles]" (1B, 25M, 3EF); "O pessoal dizem que são alga também, né. Os mais velhos" (3B, 3M, 6EF); "Às vezes eu vejo na televisão. Coisa mais linda, mais linda, mais linda. Tem filme assim na beira, do pessoal mergulhando, aquelas coisa mais linda, os peixes passando. E aí que ainda encontra muito disso [apontou para a bandeja] nas pedra" (19B, 43M,??); "Ficam assim em local... é local em cima assim da... vamo supor, preamar, que o pessoal chama de preamar, entendeu? É o local em cima de limo, né? Eles fica em local assim" (11T, 10M, 6EF); "Oh, isso aqui, eu acredito que deve ser o quê? [pausa] Eu chamo isso aqui de hum, num to lembrando, não [pausa]. Eu tenho um nomizinho pa esse negócio aqui, entendeu? Eu é que chamo, né. Cada um tipo de pessoa deve ter um nome que bota nesse tipo de coisa aqui" (14T, 35M, 4EF); "Eu, hum... diz que é produção do mar mesmo" (1C, 20M, 1EF); "Eu vi as pessoas falando. [Falando o quê?]. Que isso é espuma d'água" (3C, 66M, 0EF); "Assim, pelo nome eu não sei dizer. A gente que bota assim o nome de esponja. Isso mesmo, porque parece que tem o jeitozinho de uma esponja, né" (12C, 73M, 0EF); "Isso aí é conhecido como esponja-do-mar, pelo fato de parecer com uma esponja. Mas, na verdade, é nós que conhecemos como esponja-do-mar. Mas, lá pras pessoas que... pesquisadores, biólogos, eles devem dar outro nome" (13C, 27M, 3EM).

Considerações finais

O estudo realizado traçou um perfil de representações sociais sobre os poríferos, na comunidade da baía de Camamu. Apesar de seu caráter temático específico, o conjunto de resultados pode ser somado ou associado a outros para subsidiar, por exemplo, novas pesquisas locais na área de Zoologia. No entanto, também podemos extrair deste estudo algumas contribuições para a área de Ensino de Ciências. Mesmo com suas especificidades, verificamos algumas possibilidades, em nossas análises, que podem ser estendidas a discussões e/ou temáticas mais abrangentes.

Não cabe somente comparar senso comum e conhecimento científico, mas notadamente investigar o que essas representações podem significar no seu conjunto e que contribuições podem trazer para o processo de ensino de ciências, levando-se em consideração as características dos sujeitos, da comunidade que formam, do modo de vida que levam e dos conhecimentos que recriam sobre os poríferos e como os compartilham socialmente.

O perfil das representações sociais dos moradores expôs conhecimentos categorizados em diferentes aspectos, como taxonômicos, ecológicos, anatômico-fisiológicos e utilidade antrópica. Um conhecimento geral sobre os poríferos que avaliamos como amplo e significativo, construído e reconstruído ao longo do tempo sob diferentes influências, incluindo a escola. No entanto, com peso maior dado a influências evidenciadas pelo ambiente imediato e aspectos experienciais e modo de vida dos moradores.

Alguns aspectos sobre as esponjas são mais conhecidos e difundidos entre os moradores da baía (relações ecológicas, oferecimento de abrigo, proteção e alimento a certas espécies de peixes e crustáceos). Outros, nem tanto (taxonomia, origem). Trata-se de uma comunidade basicamente formada por famílias de pescadores, podendo assentar nesse contexto as explicações dessa diferença observada nos conhecimentos deles, ou seja, um conhecimento maior para um nível de significância maior. Pesquisas complementares podem oferecer resultados mais conclusivos sobre essa relação.

Inconsistências referentes aos nomes dados ou à origem dos poríferos se assemelham aos relatos que a literatura traz sobre o processo histórico de construção conceitual, e que não se restringe apenas aos conhecimentos desse grupo animal.

A bandeja que utilizamos nas entrevistas apresentava morfoespécies com aspectos e colorações diferentes, como já mencionado anteriormente. Essa característica do grupo animal confundiu alguns sujeitos. Voltamos ao tema porque esse resultado provoca dúvidas e questionamentos que não se restringem apenas ao contexto da comunidade local e aos poríferos. A diversidade intraespecífica é característica de muitos grupos de seres vivos. Nesse caso, será que o ensino de Ciências Biológicas leva em consideração esse fenômeno das diferenças intraespecíficas junto aos alunos? Se sim, em quais momentos e com que estratégias de ensino?

Essa questão nos remete a outra semelhante em relação ao fenômeno vida, pois as diferenças entre o que é ser vivo e matéria bruta não apareceram de forma clara nas falas dos sujeitos. Se esse resultado é repetido em outros contextos ou comunidades, podemos trazer o ensino formal às discussões e, por exemplo, questionar: Como o conceito de vida é trabalhado na escola?

No decorrer do processo de elaboração e análise do perfil proposto, algumas evidências aparecem de forma mais inteligível. Outras, não. Mesmo assim, esperamos que a soma de resultados deste trabalho, associados a outros da área, possam ser úteis para subsidiar o entendimento sobre o ambiente no qual vivemos e para que o ensino de Ciências possa tirar proveito desses resultados.

Artigo recebido em novembro de 2008 e aceito em outubro de 2009.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      Out 2009
    • Recebido
      Nov 2008
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