Acessibilidade / Reportar erro

"Poliedro é um sólido, correto?":um estudo com graduandos interagindo em um chat sobre a definição de poliedro

"A Polyhedron is a solid, right?" a study with pre-service teachers interacting in a chat about the definition of a polyhedron

Resumos

Na pesquisa educacional, são escassos os estudos que analisam a construção de conceitos geométricos mediante interações à distância. Essa investigação está focada no entendimento de futuros professores sobre a definição de poliedro. O artigo é fruto de uma pesquisa que analisa interações em ambientes virtuais de aprendizagem. Apresentaremos, resumidamente, o cenário que foi elaborado para ser um curso sobre poliedros estrelados e, posteriormente, analisaremos as interações em um de seus espaços: o chat. A investigação sublinha que a análise em um chat deve movimentar-se de uma visão global para uma visão focada nas reflexões individuais/coletivas. O chat mostrou ser um cenário que oportunizou, aos graduandos, refletirem sobre a definição de poliedros em três âmbitos: um no contexto dos sólidos geométricos, um focado nos seus elementos (faces, arestas e vértices) e outro centrado no número de dimensões.

Ambiente virtual de aprendizagem; Chat; Ensino de matemática; Poliedro; Geometria


Educational research studies that analyze the construction of geometric concepts through distance interactions are scarce. This study is focused on pre-service teachers' understanding about the definition of a polyhedron. The article is based on research that analyses interactions in virtual scenarios of learning. Briefly, we will present the environment that was designed to be a course about star polyhedrons and, later, we analyze the interactions in one of its forms: that of chat. The investigation and analysis of one chat shows that it must move from a global vision to one focused on individual and collective reflections. The chat was shown to be a scenario that improved pre-service teachers' reflection about the definition of polyhedrons in three areas: in the context of geometric solids; of its elements (faces, vertices and edges); and in the number of dimensions.

Virtual learning environment; Ler foneticamente Chat; Mathematics teaching; Polyhedron; Geometry


"Poliedro é um sólido, correto?": um estudo com graduandos interagindo em um chat sobre a definição de poliedro

"A Polyhedron is a solid, right?" a study with pre-service teachers interacting in a chat about the definition of a polyhedron

Rodrigo Zuza NietoI; Marcelo Almeida BairralII

IDepartamento de Matemática, Instituto de Ciências Exatas, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Rodovia BR-465, Km 7. Seropédica, RJ, Brasil. 23.890-000. rodrigozuza@hotmail.com

IIDepartamento de Teoria e Prática do Ensino, Instituto de Educação, UFRRJ. Seropédica, RJ, Brasil

RESUMO

Na pesquisa educacional, são escassos os estudos que analisam a construção de conceitos geométricos mediante interações à distância. Essa investigação está focada no entendimento de futuros professores sobre a definição de poliedro. O artigo é fruto de uma pesquisa que analisa interações em ambientes virtuais de aprendizagem. Apresentaremos, resumidamente, o cenário que foi elaborado para ser um curso sobre poliedros estrelados e, posteriormente, analisaremos as interações em um de seus espaços: o chat. A investigação sublinha que a análise em um chat deve movimentar-se de uma visão global para uma visão focada nas reflexões individuais/coletivas. O chat mostrou ser um cenário que oportunizou, aos graduandos, refletirem sobre a definição de poliedros em três âmbitos: um no contexto dos sólidos geométricos, um focado nos seus elementos (faces, arestas e vértices) e outro centrado no número de dimensões.

Palavras-chave: Ambiente virtual de aprendizagem. Chat. Ensino de matemática. Poliedro. Geometria.

ABSTRACT

Educational research studies that analyze the construction of geometric concepts through distance interactions are scarce. This study is focused on pre-service teachers' understanding about the definition of a polyhedron. The article is based on research that analyses interactions in virtual scenarios of learning. Briefly, we will present the environment that was designed to be a course about star polyhedrons and, later, we analyze the interactions in one of its forms: that of chat. The investigation and analysis of one chat shows that it must move from a global vision to one focused on individual and collective reflections. The chat was shown to be a scenario that improved pre-service teachers' reflection about the definition of polyhedrons in three areas: in the context of geometric solids; of its elements (faces, vertices and edges); and in the number of dimensions.

Keywords: Virtual learning environment.Ler foneticamente Chat. Mathematics teaching. Polyhedron. Geometry.

Introdução

A presença cada vez mais frequente das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no cotidiano e na vida profissional dos indivíduos tem trazido novos desafios para a educação científica e matemática. Nessa trajetória, o uso das TIC deslocou o foco da implementação de softwares (NASCIMENTO, 2004) ou ambientes específicos (SOUZA; DE BASTOS, 2006) utilizados em dinâmica presencial, para a constituição de cenários de aprendizagem que permitem, inclusive, o rompimento do espaço físico da sala de aula (SANTOS, 2008). A constituição desses contextos tem permitido aos estudiosos nacionais analisarem diferentes perspectivas teóricas, por exemplo: a constituição identitária (GARBIN, 2003; ROSA, 2008), a escrita (POWELL; BAIRRAL, 2006), a colaboração dos participantes (BORBA; MALHEIROS; ZULATTO, 2007; GIANOTTO; DINIZ, 2010), a inclusão (BUZATTO, 2008) e a integração de mídias (MERCADO, 2008), as formas de interação (MORAIS; MIRANDA; DIAS, 2007) ou de argumentação (DIAS; SILVA, 2010). Todavia, apesar desse incremento, em educação matemática, são escassos os estudos que analisam a construção de conceitos geométricos em cenários virtuais. Investigações ainda estão focadas em situações de sala de aula (MONAGHAN, 2000; NACARATO; GOMES; GRANADO, 2008; ZAZKIZ; LEIKIN, 2008) e sem a mediação da tecnologia informática. Portanto, nosso foco neste artigo estará na análise de aspectos conceituais relacionados à definição de poliedros mediante interações estabelecidas em um chat.

Reconhecemos que, com o uso das TIC, os processos de ensino e de aprendizagem assumem outra configuração, sobretudo porque alteramos as formas de comunicação e de interação. Muda, portanto, a maneira de ensinar e de aprender, de interagir e de trabalhar coletivamente, de lidar com diferentes linguagens e de se comunicar, dentre outras.

Ao estudarmos a construção do conhecimento matemático, percebemos que alguns conceitos de geometria espacial, particularmente, os poliedros estrelados, ainda não estão sendo abordados. Em produções brasileiras recentes (MARANHÃO, 2009), detectamos essa escassez e, em propostas curriculares nacionais, a inexistência de proposições para os poliedros estrelados também foi indicada em Lemos e Bairral (2010).

O trabalho de Lemos e Bairral (2010), apesar de apresentar uma arquitetura de aula com diferentes tecnologias, não analisou as interações em cenários virtuais. Esta será uma contribuição deste estudo, uma vez que o foco de Lemos e Bairral (2008) esteve na proposição de recursos e de procedimentos didáticos para o trabalho com poliedros estrelados. Em nossa investigação, aproveitamos a proposição de Lemos e Bairral (2008, 2010) inserindo-a em um ambiente virtual para a formação inicial de professores de matemática.

Em nossa prática em formação de educadores, quando solicitamos aos graduandos que escrevam a sua definição para poliedro, respostas como as seguintes surgem: "Figura com faces", "São polígonos regulares", "Sólidos de quatro ou mais faces", "É um sólido fechado", "É uma figura geométrica no espaço R³".

Cada uma das ideias anteriores nos propicia um vasto campo para discussão, especialmente quando se tratam de registros de estudantes que, durante a graduação, cursaram duas disciplinas de geometria (uma plana e outra espacial). Considerando a riqueza das definições, como as anteriormente exemplificadas e, também, que um melhor entendimento para o conceito de poliedro estrelado tem relação direta com a compreensão do conceito de poliedro e de poliedro regular, optamos, neste artigo, por analisar o processo interativo focado na definição de poliedro.

Sendo assim, o presente estudo1 1 Pesquisa financiada pelo Projeto de Iniciação Científica, com o apoio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/UFRRJ), por intermédio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq) e pelo Programa Jovem Cientista do Nosso Estado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (JCNE/Faperj). insere, ao contexto da educação geométrica, o estudo das interações e da construção conceitual em ambientes virtuais de aprendizagem. Nossa análise esteve focada nas interações do 'bate-papo', um dos espaços do cenário virtual, e esteve orientada pelas seguintes questões: que aspectos da definição de poliedro são evidenciados na discussão em um chat? Que implicações a proposição de um bate-papo traz para a formação inicial de professores de matemática? Os resultados da investigação contribuem com observações sobre a importância da comunicação e da reflexão em dispositivos virtuais.

Educação geométrica em ambientes virtuais de aprendizagem

Definir é uma ação importante do pensamento científico. Definir e conceituar são processos imbricados. Definimos em função dos conceitos e relações que estabelecemos (GATTEGNO, 1987). As relações se dinamizam mediante diferentes modos discursivos e em ambientes virtuais elas são explicitadas mediante interações distintas. Portanto, analisamos o aprendizado matemático através das interações efetivadas no coletivo constituído. Nosso foco tem sido no discurso escrito.

Em nossos projetos, a aprendizagem matemática é desenvolvida em ambientes virtuais. Tais cenários são vistos como um contexto de trabalho onde os interlocutores (professores, alunos, formadores, investigadores) interagem colaborativamente com diferentes artefatos, em distintas situações de aprendizagem que propiciam a construção do conhecimento. Um ambiente virtual de aprendizagem envolve (BAIRRAL, 2007):

- a comunidade constituída e sua intencionalidade;

- as tarefas ou problemas que os indivíduos têm de resolver e seu propósito educativo;

- os vários tipos de discursos que são demandados hipertextualmente das/nas tarefas;

- as normas de participação e colaboração estabelecidas;

- as ferramentas e outros artefatos interativos, e

- as situações concretas de ensino que permitem aos usuários estabelecerem relações variadas com a prática.

O ambiente virtual da presente pesquisa está estruturado em uma visão de trabalho que rompe com a perspectiva axiomática e com a decoreba de fórmulas nas aulas de geometria. Reconhecemos que desenvolver a geometria escolar é muito mais que decorar e praticar algoritmos. O trabalho com geometria deve possibilitar o desenvolvimento de habilidades como as de experimentar, representar e argumentar, além de instigar a imaginação e a criatividade. O estudo dos poliedros permite desenvolver, no aluno, um estudo sobre a análise de formas e de suas estruturas. Esses são aspectos importantes no desenvolvimento do pensamento científico. Os poliedros estrelados, em particular, constituem uma temática rica para o estímulo à criatividade e ao espírito instigador (LEMOS; BAIRRAL, 2010). Cabe, portanto, uma descrição sucinta deste tipo particular de poliedro.

A obtenção de poliedros estrelados dá-se pelo prolongamento de suas faces. Caso elas se interceptem, obtemos os poliedros estrelados. Os poliedros podem admitir mais de uma estrelação. Por exemplo, o dodecaedro possui três estrelações (Figura 1).


Prolongando as faces de um tetraedro, de um cubo ou de um octaedro, não é possível obter poliedros estrelados. Todavia, partindo do dodecaedro é possível obter o poliedro da Figura 2, denominado pequeno dodecaedro estrelado.


O pequeno dodecaedro estrelado possui 12 faces em forma de pentagrama, 12 vértices e trinta arestas. Prolongando suas faces, é possível obter o poliedro da Figura 1. Todo o detalhamento e organização conceitual sobre os poliedros estrelados, juntamente com a proposição de atividades e de recursos variados, estão presentes no cenário virtual do curso.

Como dissemos, o ambiente do curso 'Trabalhando poliedros estrelados com professores de matemática'2 2 Disponível em: < http://www.gepeticem.ufrrj.br/site/home.php?id=CursosOferecidos>. Somente para alunos cadastrados. Acesso em: 25 nov. 2012. foi elaborado para estudar a construção do conhecimento por parte dos docentes (ou futuros professores) em situações de ensino e de aprendizagem.

O desenvolvimento conceitual, através das interações nesse ambiente, está sendo o nosso foco no presente momento da pesquisa. Vejamos alguns de seus espaços (Figuras 3 e 4).



Em estudos prévios (LEMOS; BAIRRAL, 2010), vimos que professores de matemática não têm clareza sobre a definição de poliedro estrelado. Isso não nos causou espanto, pois essa temática ainda está distante das aulas de matemática. Por exemplo, é comum pensarem que são poliedros com pontas. Outros acham que são aqueles nosa quais construímos pirâmides em suas faces. Podemos perceber este tipo de questionamento em uma das atividades iniciais do curso, onde solicitamos ao cursista para contrastar e dissertar sobre o assunto.

A ideia é fazer emergir, mediante a escrita e outras formas de registro, as noções prévias dos cursistas e aprofundá-las por meio do trabalho interativo no ambiente e através da realização das atividades propostas. O interlocutor pode responder diretamente no campo em branco ou enviar outro tipo de resposta em arquivo anexado. O Quadro 1 ilustra os módulos, seus respectivos objetivos, e exemplifica uma de suas atividades obrigatórias.


Cabe lembrar que todas as atividades (obrigatórias e optativas) ficam configuradas no ambiente, conforme ilustração da Figura 4. Além de animações e explorações em 3D, a construção do pensamento geométrico implica manipulação, simulação e diferentes representações. No presente momento da pesquisa, estamos analisando como alguns desses aspectos se manifestam mediante as formas de registro escrito. Particularmente, a compreensão do processo de estrelar um poliedro regular não é simples. É recomendável que a visualização e a manipulação, seja de materiais concretos, seja via mouse, aconteçam ao longo de todo o trabalho. O processo de explorar a compreensão inicial (intuitiva) do sujeito, aliado a uma discussão constante do observado, é importante no desenvolvimento conceitual.

Contexto da pesquisa

Como vimos na seção anterior, o contexto da investigação é um ambiente virtual focado no trabalho com poliedros estrelados. O dispositivo virtual gera diferentes cursos de extensão universitária. A carga horária de cada curso é variável e, consequentemente, o número de atividades. Em cada cenário virtual, as atividades estão organizadas em cinco módulos. Em cada módulo, adotamos atividades obrigatórias e opcionais. Os objetivos dos cursos, implementados no ambiente, são:

- Abordar a temática dos poliedros estrelados usando internet, animações em 3D, dobraduras e vídeos.

- Estudar a construção do conhecimento de professores em situações do ensino e aprendizagem com os poliedros estrelados e tecnologias informáticas no Ensino Médio.

- Investigar, no ambiente de aprendizagem, as interações que acontecem em tempo real ou diferido.

- Utilização de diferentes recursos no ambiente virtual para ajudar na composição de um novo cenário de aprendizado matemático.

O curso que foi considerado para o presente estudo aconteceu no primeiro semestre de 2010. Teve um total de trinta horas. Neste artigo analisamos as interações em um dos espaços comunicativos do ambiente do curso: o chat. Consoante com Bairral (2004), o planejamento de um chat deve estar orientado para uma discussão específica, ou seja, deve começar a partir de uma situação concreta (atividade, discussão de um artigo etc.). Reconhecendo, também, que é importante que sejam sugeridas mais de uma proposta para discussão. A seguir, ilustramos as duas propostas4 4 Elaboradas a partir das respostas enviadas pelos próprios cursistas para as atividades. Foram enviadas por e-mail, no mesmo dia do chat, com antecedência de 15 minutos. submetidas para o debate.

Proposta 1: conceito de poliedro e poliedro regular

O Quadro 2 ilustra a conceituação que quatro graduandos apresentaram para poliedro e poliedro regular.


Analise e discuta com os colegas:

a) a partir das respostas apresentadas, elaborem uma nova definição para poliedro e uma para poliedro regular;

b) a definição de poliedro apresentada por cada um;

c) a definição de poliedro regular apresentada por cada um;

d) a partir das respostas apresentadas, elaborem uma nova definição para poliedro e uma para poliedro regular.

Respostas sugeridas 5 5 Essas respostas foram sugeridas ao final do chat. Elas não foram enviadas antes do bate-papo. Entendemos que é importante deixá-las aqui para um leitor que não tenha familiaridade com o assunto.

- Poliedro: é um sólido geométrico formado por um número finito de regiões poligonais.

- Poliedro regular: é um sólido geométrico formado por um número finito de polígonos regulares.

Proposta 2: ideia inicial sobre poliedro estrelado

Você viu que um poliedro estrelado pode ser gerado pelo prolongamento de faces. Um aluno de 9o ano apresentou a seguinte ideia: "Fazer pirâmides em todo poliedro fazendo pontas". Você concorda com este procedimento? Analise e discuta esse procedimento com os seus colegas.

Resposta sugerida

Não. Isso prova a importância da afirmação, com a qual poderíamos estrelar qualquer poliedro regular, inclusive o cubo. Dessa forma, qualquer figura com pontas seria um poliedro estrelado.

Análise do desenvolvimento interativo no chat

Nesta seção, ilustramos o desenvolvimento conceitual de poliedro estrelado no chat. Em Bairral (2004), temos quatro fases para analisar a dinâmica interativa em um bate-papo escrito: a fase 1 (delimitação dos objetivos e planejamento), a fase 2 (análise da discussão no coletivo profissional), a fase 3 (análise personalizada) e a fase 4 (contraste e meta-análise de todo o processo formativo).

No presente estudo, foram adotadas as três primeiras fases6 6 Cada chat, com sua proposta e coletivo, constitui uma comunidade discursiva própria. Portanto, como em outros bate-papos adotamos outras propostas de discussão, não fazia sentido adotar esta fase. . Foram utilizados os seguintes procedimentos para redução dos dados: transcrição do chat (arquivo fornecido pela própria plataforma); numeração (em linhas) das interações; retirada de linhas com ideia não focada na análise; releitura das interações e organizações em momentos. Esses momentos de revisitas às interações foram quatro, a saber: (1) interações no coletivo, (2) interações de um aluno e (3) este graduando no coletivo, e (4) consideração (no chat do momento 3) somente de palavras relacionadas matematicamente a alguma definição de poliedro, e contrastar com a proposta do chat de modo a elucidar o processo reflexivo sobre a definição.

Em estudos anteriores, ressaltamos que a compreensão da definição de poliedro e de poliedro regular é importante no estudo dos poliedros estrelados. Portanto, optamos, neste artigo, por analisar o desenrolar apenas da primeira proposta, que objetivou este tipo de reflexão. Além do mais, como mostramos na seção introdutória, os interlocutores apresentaram um entendimento inicial que instigou-nos a focar a análise na definição de poliedro.

Apresentamos alguns fragmentos do debate no chat obrigatório. Os textos foram transcritos do modo como foram digitados. Os bate-papos ficam arquivados no banco de dados de nossa plataforma7 7 Para facilitar a edição e visualização dos arquivos, ilustraremos parte das transcrições em formato doc. . Eles podem ser acessados, a qualquer tempo, por todos os integrantes do curso. As palavras ou expressões em itálico, negritadas, sublinhadas ou destacadas em cores são marcadores que exemplificam os elementos considerados na análise semântica do discurso. O chat teve um total de 288 linhas. Juntamente com o formador, participaram 12 futuros professores, número máximo de participantes em nossos bate-papos. O chat foi mediado por "rodrigozuza"8 8 Agradecemos aos sujeitos pela participação na pesquisa e pelo seu consentimento na divulgação dos seus 'nicks' e diálogos. e durou duas horas e três minutos.

Resultados

Sobre o momento 1: interações no coletivo

Neste momento, procuramos analisar o desenvolvimento da dinâmica interativa como um todo. Vejamos, a seguir, um fragmento (textual) do coletivo (Quadro 3).


Neste momento analítico, procuramos ter uma visão global das interações, das motivações dos sujeitos, suas curiosidades e outros aspectos da proposta que, aparentemente, provocaram algum desequilíbrio9 9 Atribuímos a esta terminologia um significado positivo, ou seja, um momento que mostrou-se reflexivo e aparentemente significativo ao interlocutor. Algo que o coloca em uma situação aberta ao debate com o coletivo. cognitivo nos interlocutores. Por exemplo, percepções sobre as respostas apresentadas iniciais (fmagalhaes 10:18:30: minha resposta foi incompleta), familiaridade com o tema (mary - 10:18:59: tendo em vista um primeiro contato com o conceito de poliedros ...), dúvidas ou questionamentos ao coletivo (diegolima - 10:24:50: Poliedro é um sólido, correto?), concordâncias (thiago 10:25:20: é...estava pensando nisso.. ) ou (mary 10:27:08: também acho q deveria começar definindo um sólido). Segundo Garbin (2003), essa imersão na comunidade constituída, afeta nossas histórias, nossas visões, nossas percepções, os usos de linguagem etc. Por isso, consideramos importante visualizar o grupo cognitivo10 10 De acordo com o autor, o grupo cognitivo constitui uma forma de cognição distribuída que envolve raciocínios avançados como resolução de problemas e que são visíveis na comunidade discursiva. (STAHL, 2006) para, posteriormente, desenvolver uma análise orientada em um dos participantes.

Sobre o momento 2: interações de um aluno

Neste momento, escolhemos, aleatoriamente, um graduando, o primeiro a interagir. Retiramos as interações dos demais participantes e analisamos apenas as do estudante. Deste modo, temos o aluno "erj2010" (Quadro 4).


Apesar de assumirmos que a construção do conhecimento sofre influência do coletivo, a análise focada nas ideias e interações de apenas um aluno (erj2010) auxilia-nos a obter mais informações sobre o processo de aprendizagem do indivíduo no coletivo constituído. Neste momento analítico, o que nos interessa mais é identificar o movimento entre ideias individuais e a reflexão coletiva (mas pessoal / se acharem melhor) e vice-versa, pois todos têm a possibilidade de pensar e de falar, sem pedir licença. É, também, importante destacar que, mesmo selecionando um interlocutor, é visível que o seu processo de pensamento é constituído e leva em consideração as intervenções dos colegas. A intervenção de erj2010 (21/05/2010 - 10:45:23) mostra-nos que o graduando considerou uma definição para poliedro. No entanto, como o chat propicia a reflexão coletiva, o futuro professor ratifica o seu pertencimento ao grupo. Este pertencimento tem uma natureza diferente das aulas convencionais de matemática, onde é comum a busca pela solução de determinado problema, sem um interesse (ou oportunidade) de análise sobre o processo. Os marcadores discursivos (Olá Pessoal!, Eu achei, Acho que, Eu acho, Que tal:, Mas pessoal, Podemos, se acharem melhor, Vamos) são exemplos de como as interações são compartilhadas com o coletivo. Este processo, segundo Stahl (2006), amplia as habilidades individuais dos envolvidos e, também, torna possível a constituição de diferentes grupos cognitivos.

Sobre o momento 3: o graduando (erj2010) no coletivo constituído

No Quadro 5, ilustramos o fragmento do aluno (erj2010) interagindo com os colegas.


O fragmento interativo anterior mostra-nos como as respostas podem ser revisadas (fmagalhaes - 10:18:30), questionadas (rodrigozuza - 10:31:05) e provocadas (alinets - 10:36:41) no coletivo. Além do mais, exemplos são solicitados (thiago - 10:37:04) e são pensadas relações com a futura prática do graduando (erj2010 - 10:28:50). Esse movimento reflexivo individual/coletivo, com intervenções de natureza distinta, deve ser valorizado nos processos de formação inicial de professores para a educação científica e matemática. Com os marcadores em amarelo, ilustramos como a dinâmica interativa no chat promove, nos graduandos, um momento para aprofundarem seu conhecimento profissional sobre o que uma definição deve envolver (ZAZKIZ; LEIKIN, 2008). Além do mais, consoante com Borba, Malheiros e Zulatto (2007, p. 134), o modo como o futuro "docente aprende nesse processo pode condicionar a maneira como ele percebe e desenvolve a Matemática em suas aulas".

Sobre o momento 4: destaque de palavras relacionadas à definição de poliedro

Neste momento, destacamos (em negrito), no chat do momento anterior, somente as palavras relacionadas matematicamente a alguma definição de poliedro, e contrastamos com a proposta do chat. Essa análise permitiu-nos focar o processo reflexivo em aspectos da definição. Portanto, o fragmento que pode ser ilustrado é o que segue (Quadro 6).


Analisando o fragmento anterior, podemos identificar que o grupo refletia e buscava entendimento para definir poliedro em três âmbitos: definição associada a sólidos geométricos; definição focada nos elementos (faces, vértices e arestas), e definição focada no número de dimensões. Destacando as palavras nas definições apresentadas na proposta 1 do chat, temos: sólido geométrico tridimensional, figura de três dimensões, polígonos, regiões poligonais e região do espaço limitada por elas, sólido, superfície, número finito de faces (polígonos). Contrastando a referida proposta com o momento analítico em questão, observamos que a discussão de poliedro dos graduandos buscou aprofundar, segundo sua compreensão, aspectos das definições apresentadas para o chat. Notamos, também, como eles interagiram criticamente (rodrigo/erj2010/alinets) de modo a tornar mais explícito o seu entendimento e na busca por um modo próprio de definir (alinets). Com este momento, ilustramos que é possível implementar práticas, na formação inicial de professores, que promovam a reflexão crítica sobre a discussão de conceitos matemáticos (MONAGHAN, 2000; ZAZKIZ; LEIKIN, 2008) mediante interações a distância (BORBA; MALHEIROS; ZULATTO, 2007). Cabe destacar que a realização de apenas um chat pode não ser suficiente para o aprofundamento de determinado conceito. Outros bate-papos podem ser propostos e, inclusive, a análise de interações em outros espaços comunicativos pode ser enriquecedora (BAIRRAL, 2007).

Conclusão

O presente estudo apresenta reflexões sobre aspectos na definição de poliedro evidenciados no debate em um chat, e destaca implicações sobre a proposição de um chat na formação inicial de professores de matemática.

No tocante à definição de poliedros, ratificamos que trabalhar a geometria na formação de professores deve ir além de decorebas e de práticas rotineiras de algoritmos (NACARATO; GOMES; GRANADO, 2008). Os poliedros permitem desenvolver uma série de aspectos geométricos importantes: diferentes formas de representação, conceituação (poliedro, poliedro regular, poliedro regular estrelado) e visualização (LEMOS; BAIRRAL, 2010).

A pesquisa também desperta para a necessidade de promovermos, na formação inicial, momentos constantes sobre as compreensões e formas de definição. Nessa direção, sublinham Zazkiz e Leikin (2008): esse tipo de prática, mesmo para um conceito muito familiar aos sujeitos, auxilia os futuros docentes a desenvolverem uma compreensão conceitual da matemática em geral e da natureza e função das definições, em particular. Também, complementam as autoras, contribui para que os graduandos desenvolvam um conhecimento que lhes permita criar exemplos e refletir sobre o que uma definição deve envolver.

Quanto às interações no chat, identificamos que as interações do grupo transcorreram para a definição de poliedro em três âmbitos: definição de poliedros associada aos sólidos geométricos; definição focada nos elementos (faces, vértices e arestas), e definição focada nas dimensões. Os graduandos mostraram interagir criticamente de modo a tornar mais explícito o seu entendimento sobre os conceitos e na busca por um modo próprio de definição.

A análise em um chat deve movimentar-se de um olhar global das interações (sobre as motivações dos interlocutores, suas curiosidades, dúvidas etc.), para um foco onde se evidencie um processo retroalimentador de reflexões individuais e coletivas. Considerando que construção do conhecimento é influenciada pela imersão individual no coletivo, a análise centrada nas ideias e interações de um indivíduo auxilia o pesquisador na obtenção de informações sobre a aprendizagem do indivíduo no coletivo constituído e vice-versa.

O chat pode ser um momento formativo onde as respostas podem ser revisadas, questionadas e provocadas no coletivo. Percepções sobre respostas previamente apresentadas iniciais, familiaridade com o tema, dúvidas ou questionamentos ao coletivo, dentre outros, são frequentes. Exemplos são continuamente solicitados e podem emergir relações com a futura prática do educador. Esse movimento reflexivo individual/coletivo, com intervenções de natureza distinta, deve ser valorizado nos processos de formação inicial de professores para a educação científica e matemática.

Ressaltamos que o planejamento de um chat deve estar orientado para uma discussão específica, ou seja, deve começar a partir de uma situação familiar aos interlocutores (BAIRRAL, 2004), preferencialmente, emergente do ambiente de formação. Também, é importante que o número de participantes, para um chat da natureza do aqui analisado, esteja entre quatro e doze integrantes. Deste modo, é possível acompanhar mais de perto a dinâmica formativa e possibilitar uma interação mais intensa com os participantes (BORBA; MALHEIROS; ZULATTO, 2007).

Uma proposta de discussão que seja oriunda das produções dos indivíduos no cenário de formação e que seja discutida em um coletivo com um número de participantes adequado à especificidade discursiva do chat, contribuirá para que a imersão ao coletivo seja diferenciada e, consequentemente, a forma de pertencimento ao grupo. Vimos que o chat propiciou a reflexão coletiva e que o futuro professor mostrou-se realmente pertencer ao grupo (GARBIN, 2003), na medida em que compartilhou e negociou constantemente (STAHL, 2006) suas ideias sobre poliedros.

Para finalizar, cabe sublinhar que a realização de apenas um chat pode não ser suficiente para consolidar a discussão sobre uma proposição. Podem ser feitos desdobramentos e, inclusive, utilizados outros espaços comunicativos do ambiente virtual como forma de ampliar o espectro comunicativo e de construção do conhecimento. Eis que ainda temos muito que estudar, fazer e aprender!

Artigo recebido em 19/04/12.

Aceito em 28/10/12.

  • BAIRRAL, M. A. Discurso, interação e aprendizagem matemática em ambientes virtuais a distância Seropédica: Edur : Faperj, 2007.
  • ______. Compartilhando e construindo conhecimento matemático: análise do discurso nos chats. Bolema, Rio Claro, v. 17, n. 22, p. 37-61, 2004.
  • BORBA, M. C.; MALHEIROS, A. P.; ZULATTO, R. B. Educação a distância online Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
  • BUZATO, M. E. K. Inclusão digital como invenção do quotidiano: um estudo de caso. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13, n. 38, p. 325-342, 2008.
  • DIAS, A. S.; SILVA, A. P. B. A argumentação em aulas de ciências como uma alternativa ao uso das novas tecnologias da informação e comunicação em cenários comuns à escola pública brasileira. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, DF, v. 91, n. 229, p. 622-633, 2010.
  • GARBIN, E. M. Cultur@s juvenis, identid@des e internet: questões atuais. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 23, p. 119-135, 2003.
  • GATTEGNO, C. The science of education part 1: theoretical considerations. New York: Educational Solutions, 1987.
  • GIANOTTO, D. E. P.; DINIZ, R. E. de. S. Formação inicial de professores de biologia: a metodologia colaborativa mediada pelo computador e a aprendizagem para a docência. Ciência & Educação, Bauru, v. 16, n. 3, p. 631-648, 2010.
  • LEMOS, W. G.; BAIRRAL, M. A. Poliedros estrelados no currículo do ensino médio Rio de Janeiro: Edur, 2010.
  • ______ Recursos na internet e dobraduras para poliedros estrelados: uma proposta para o trabalho no ensino médio. Revista Brasileira de Ensino de Ciência e Tecnologia, Ponta Grossa, v. 1, n. 2, p. 38-57, 2008.
  • ______. Poliedros estrelados com animações em 3D e dobraduras. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 9., 2007, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: SBEM, 2007.
  • MARANHÃO, C. Educação matemática nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio São Paulo: Musa, 2009.
  • MERCADO, L. P. L. Integração de mídias nos espaços de aprendizagem. Em Aberto, Brasília, v. 21, n. 79, p. 17-44, 2008.
  • MONAGHAN, F. What difference does it make? Children's views of the differences between some quadrilaterals. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 42, n. 2, p. 179-196, 2000.
  • MORAIS, C. M. M.; MIRANDA, L. A. V.; DIAS, P. M. B. Formas de interação em discussões online. Revista da FACED, Salvador, n. 12, p. 151-167, 2007.
  • NACARATO, A.; GOMES, A. M.; GRANADO, R. C. (Ed.). Experiências com geometria na escola básica: narrativas de professores em (trans)formação. São Carlos: Pedro & João Editores, 2008.
  • NASCIMENTO, R. B. Investigações em geometria via ambiente LOGO. Ciência & Educação, Bauru, v.10, n. 1, p. 1-21, 2004.
  • POWELL, A. B.; BAIRRAL, M. A. A escrita e o pensamento matemático: interações e potencialidades. Campinas: Papirus, 2006.
  • ROSA, M. A construção de identidades online por meio do Role Playing Game: relações com o ensino e aprendizagem de matemática em um curso à distância. 2008. 267 f. Tese (Doutorado em educação matemática) Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2008.
  • SANTOS, S. C. Atividades de geometria espacial e tecnologias informáticas no contexto da educação a distância online. Boletim GEPEM, Rio de Janeiro, n. 53, p. 75-93, 2008.
  • SOUZA, C. A.; DE BASTOS, F. P. Um ambiente multimídia e a resolução de problemas de física. Ciência & Educação, Bauru, v. 12, n. 3, p. 315-332, 2006.
  • STAHL, G. Group cognition: computer support for building collaborative knowledge. Cambridge: MIT, 2006.
  • ZAZKIZ, R.; LEIKIN, R. Exemplifying definitions: a case of a square. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 69, n. 2, p. 131-148, 2008.
  • 1
    Pesquisa financiada pelo Projeto de Iniciação Científica, com o apoio do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica (PIBIC/UFRRJ), por intermédio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico(CNPq) e pelo Programa Jovem Cientista do Nosso Estado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (JCNE/Faperj).
  • 2
    Disponível em: <
    http://www.gepeticem.ufrrj.br/site/home.php?id=CursosOferecidos>. Somente para alunos cadastrados. Acesso em: 25 nov. 2012.
  • 3
    Disponível em: <
    http://www.youtube.com/user/limniscata#p/u>. Acesso em: 25 nov. 2012.
  • 4
    Elaboradas a partir das respostas enviadas pelos próprios cursistas para as atividades. Foram enviadas por e-mail, no mesmo dia do chat, com antecedência de 15 minutos.
  • 5
    Essas respostas foram sugeridas ao final do chat. Elas não foram enviadas antes do bate-papo. Entendemos que é importante deixá-las aqui para um leitor que não tenha familiaridade com o assunto.
  • 6
    Cada chat, com sua proposta e coletivo, constitui uma comunidade discursiva própria. Portanto, como em outros bate-papos adotamos outras propostas de discussão, não fazia sentido adotar esta fase.
  • 7
    Para facilitar a edição e visualização dos arquivos, ilustraremos parte das transcrições em formato doc.
  • 8
    Agradecemos aos sujeitos pela participação na pesquisa e pelo seu consentimento na divulgação dos seus 'nicks' e diálogos.
  • 9
    Atribuímos a esta terminologia um significado positivo, ou seja, um momento que mostrou-se reflexivo e aparentemente significativo ao interlocutor. Algo que o coloca em uma situação aberta ao debate com o coletivo.
  • 10
    De acordo com o autor, o grupo cognitivo constitui uma forma de cognição distribuída que envolve raciocínios avançados como resolução de problemas e que são visíveis na comunidade discursiva.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Mar 2013
    • Data do Fascículo
      2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Abr 2012
    • Aceito
      28 Out 2012
    Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, campus de Bauru. Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Campus Universitário - Vargem Limpa CEP 17033-360 Bauru - SP/ Brasil , Tel./Fax: (55 14) 3103 6177 - Bauru - SP - Brazil
    E-mail: revista@fc.unesp.br