Acessibilidade / Reportar erro

Contribuições da cienciometria para a área brasileira de Educação em Ciências

A proposta dessa breve abordagem é apresentar algumas características que trazem a cienciometria mais próxima da área de pesquisa em Educação em Ciências, porque seus subsídios teórico-metodológicos contêm aspectos contributivos que favorecem a avaliação de nosso campo científico (sentido bourdiano), todavia, ainda não são utilizados.

A área de pesquisa em Educação em Ciências no Brasil está consolidada. Não temos mais dúvidas sobre esse fato. São aproximadamente cinco décadas configuradas por uma curva crescente de produção científica. Detalhes históricos dessa construção e os respectivos dados de crescimento produtivo geral, que evidenciam a trajetória de consolidação de um campo de estudo, desde seus primórdios até os dias atuais, já foram convenientemente abordados e divulgados (e.g., MEGID NETO, 2007MEGID NETO, J. Três décadas de pesquisas em educação em ciências: tendências de teses e dissertações (1972 - 2003). In: NARDI, R. (Org.). A pesquisa em ensino de ciências no Brasil: alguns recortes. São Paulo: Escrituras, 2007. p. 341-355.; NARDI, 2007NARDI, R. A área de ensino de ciências no Brasil: fatores que determinaram sua constituição e suas características segundo pesquisadores brasileiros. In: ______. (Org.). A pesquisa em ensino de ciências no Brasil: alguns recortes. São Paulo: Escrituras, 2007. p. 357-412.; NARDI; ALMEIDA, 2007NARDI, R.; ALMEIDA, M. J. P. M. Investigação em ensino de ciências no Brasil segundo pesquisadores da área: alguns fatores que lhe deram origem. Pro-Posições, Campinas, v. 18, n. 1, p. 213-226, 2007. Disponível em: <http://www.proposicoes.fe.unicamp.br/proposicoes/textos/52-artigos-nardir-etal.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2016.
http://www.proposicoes.fe.unicamp.br/pro...
).

Ainda que existam dados mostrando que a produção científica é crescente e há grupos de pesquisadores preocupados em conhecer de modo mais sistemático a nossa produção, não entendemos que isso seja suficiente. É relevante, mas não suficiente. Lacunas permanecem, notadamente em aspectos ou perfis que estão inseridos numa dimensão métrica ainda fora do alcance ou do contexto das pesquisas avaliativas de preponderância qualitativa realizadas. Essas pesquisas estão nos ajudando a conhecer o campo em que atuamos, mas não dão conta porque a demanda é grande, diversificada e em constante movimento. Nesse caso, precisamos de mais ajuda.

Estamos convencidos de que as pesquisas cienciométricas podem nos ajudar, mas não as exploramos devidamente. Os seus subsídios teórico-metodológicos deveriam merecer mais a nossa atenção. Uma atenção que pode não ser maior porque seus tipos de dados e técnicas de coleta são estritamente quantitativos e, talvez, ainda relacionados com alguma resistência presa a concepções do passado.

De acordo com Spinak (1996)SPINAK, E. Dicionario enciclopédico de bibliometría, cienciometría e informetría. Caracas: UNESCO, 1996., o conceito de cienciometria foi evoluindo ao longo do tempo. As primeiras definições limitavam-se à medição da informação. Atualmente, o conceito faz referências às leis, propriedades e características diversas que subjazem uma dimensão interdisciplinar da comunicação científica.

A cienciometria mantém relacionamento analítico intrínseco com outras unidades do conhecimento científico (Figura 1), como as Ciências da Informação e a Sociologia da Ciência (SPINAK, 1996SPINAK, E. Dicionario enciclopédico de bibliometría, cienciometría e informetría. Caracas: UNESCO, 1996., p. 50).

Figura 1
Dimensões analíticas vinculadas à cienciometria

Os estudos cienciométricos se encarregam de avaliar a produção científica, mediante indicadores numéricos e uso de técnicas e análises estatísticas amplamente discutidos e validados. As suas contribuições são diversas. O conjunto de leis, indicadores e dados cienciométricos é usado para "[...] traçar um perfil dos campos científicos [...], a posição dos principais atores dentro do mapa e as representações específicas de cada um dos ramos do conhecimento" (VANTI, 2002VANTI, N. A. P. Da bibliometria à webometria: uma exploração conceitual dos mecanismos utilizados para medir o registro da informação e a difusão do conhecimento. Ciência da Informação, Brasília, v. 31, n. 2, p. 152-162, 2002. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-19652002000200016>. Acesso em: 31 maio 2016.
http://dx.doi.org/10.1590/S0100-19652002...
, p. 156). De forma geral, os elementos desse conjunto "[...] brindam um panorama do comportamento de um grupo de conhecimento a partir da produção científica publicada" (MAZ et al., 2009MAZ, A. et al. La educación matemática en la revista Enseñanza de las Ciencias: 1983-2006. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v. 27, n. 2, p. 185-194, 2009. Disponível em: <http://eprints.rclis.org/17045/>. Acesso em: 30 maio 2016.
http://eprints.rclis.org/17045/...
, p. 186). As análises sociológicas dos indicadores cienciométricos ultrapassam o aspecto meramente quantitativo da produção científica, permitindo "[...] mapear o campo científico e extrair informações úteis para a compreensão de sua estrutura social e intelectual" (HAYASHI, 2013HAYASHI, M. C. P. I. Afinidades eletivas entre a cientometria e os estudos sociais da ciência. Filosofia e Educação, Campinas, v. 5, n. 2, p. 57-88, 2013. Disponível em: <http://ojs.fe.unicamp.br/ged/rfe/article/view/5331/4501>. Acesso em: 18 jun. 2016.
http://ojs.fe.unicamp.br/ged/rfe/article...
, p. 85). Os temas de interesse da cienciometria incluem, entre outros, o desenvolvimento das disciplinas e subdisciplinas, a obsolescência dos paradigmas científicos, a produtividade e criatividade dos pesquisadores, as relações entre o desenvolvimento científico e o crescimento econômico (SPINAK, 1996SPINAK, E. Dicionario enciclopédico de bibliometría, cienciometría e informetría. Caracas: UNESCO, 1996., p. 49).

As pesquisas cienciométricas são realizadas com maior intensidade na América do Norte, Europa e Japão (SPINAK, 1996SPINAK, E. Dicionario enciclopédico de bibliometría, cienciometría e informetría. Caracas: UNESCO, 1996.). Scientometrics é o periódico internacional mais tradicional e relevante dessa área. Disponível desde 1979, atualmente faz parte do conjunto de periódicos editados pela Springer (co-editado pela Akadémiai Kiadó, Hungria).

No Brasil a cienciometria tem avançado significativamente nos últimos anos. Essa tendência de crescimento é indicada por alguns fatores, entre eles: (i) grupos de pesquisas cienciométricas se consolidando; (ii) volume crescente de produção; (iii) existência de um evento especializado no assunto, que é realizado a cada dois anos; (iv) previsão de criação de um periódico nacional temático (URBIZAGASTEGUI ALVARADO, 2014URBIZAGASTEGUI ALVARADO, R. A bibliometria, informetria, cienciometria e outras "metrias" no Brasil. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE BIBLIOMETRIA E CIENTOMETRIA, 4., 2014. Recife. Anais... Recife: EBBC/BRAPCI, 2014. p. A45. Disponível em: <http://basessibi.c3sl.ufpr.br/brapci/index.php/article/view/0000014454/f30ce419b66634ce92544916c94956eb>. Acesso em: 18 maio 2015.
http://basessibi.c3sl.ufpr.br/brapci/ind...
).

Diversas áreas brasileiras de conhecimento, incluindo a Educação, têm apresentado crescentes produções com interface cienciométrica (ARAÚJO; ALVARENGA, 2011ARAÚJO, R. F.; ALVARENGA, L. A bibliometria na pesquisa científica da pós-graduação brasileira de 1987 a 2007. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 16, n. 31, p. 51-70, 2011. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5007/1518-2924.2011v16n31p51>. Acesso em: 18 jun. 2016.
http://dx.doi.org/10.5007/1518-2924.2011...
). A área de Educação em Ciências não está acompanhando e se aproveitando dessa tendência de crescimento. Não existem relatos de pesquisa cienciométrica divulgados em nossos principais periódicos. Isso nos provoca alguns questionamentos: por que não publicamos estudos cienciométricos? Por que não utilizamos a cienciometria para avaliar a nossa área, para conhecer o nosso campo? Quem estaria nos medindo, nos avaliando? Que variáveis estão sendo utilizadas? Para quais finalidades? O que essa lacuna avaliativa métrica pode representar nas relações da nossa área com as demais?

Aqui vale uma ressalva. Há dados estatísticos automáticos disponibilizados por alguns periódicos, em seus portais na internet. São dados relevantes, possuem uma interface métrica válida para alguns aspectos inerentes a esses periódicos, mas não alcançam as necessidades avaliativas das quais nos referimos. A depender dos objetivos das pesquisas de avaliação do conhecimento de um campo, os dados disponíveis por esse sistema não terão serventia.

Por fim, também é oportuno esclarecer que não defendemos acriticamente as pesquisas ou avaliações cienciométricas. Por si só elas não resolvem todos os nossos problemas, as nossas necessidades. Cienciometria não é panaceia, não é novidade, apresenta limites e aspectos polêmicos, mas também existem potencialidades em seus subsídios, os quais devemos considerar porque vão além de dados meramente quantitativos. Por causa de suas orientações teórico-metodológicas atuais, entendemos que as pesquisas cienciométricas são profícuas, podendo se agregar às demais pesquisas que objetivam delinear o panorama ou as especificidades temáticas da área brasileira de Educação em Ciências.

Referências

  • ARAÚJO, R. F.; ALVARENGA, L. A bibliometria na pesquisa científica da pós-graduação brasileira de 1987 a 2007. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, Florianópolis, v. 16, n. 31, p. 51-70, 2011. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.5007/1518-2924.2011v16n31p51>. Acesso em: 18 jun. 2016.
    » http://dx.doi.org/10.5007/1518-2924.2011v16n31p51
  • HAYASHI, M. C. P. I. Afinidades eletivas entre a cientometria e os estudos sociais da ciência. Filosofia e Educação, Campinas, v. 5, n. 2, p. 57-88, 2013. Disponível em: <http://ojs.fe.unicamp.br/ged/rfe/article/view/5331/4501>. Acesso em: 18 jun. 2016.
    » http://ojs.fe.unicamp.br/ged/rfe/article/view/5331/4501
  • MAZ, A. et al. La educación matemática en la revista Enseñanza de las Ciencias: 1983-2006. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v. 27, n. 2, p. 185-194, 2009. Disponível em: <http://eprints.rclis.org/17045/>. Acesso em: 30 maio 2016.
    » http://eprints.rclis.org/17045/
  • MEGID NETO, J. Três décadas de pesquisas em educação em ciências: tendências de teses e dissertações (1972 - 2003). In: NARDI, R. (Org.). A pesquisa em ensino de ciências no Brasil: alguns recortes. São Paulo: Escrituras, 2007. p. 341-355.
  • NARDI, R. A área de ensino de ciências no Brasil: fatores que determinaram sua constituição e suas características segundo pesquisadores brasileiros. In: ______. (Org.). A pesquisa em ensino de ciências no Brasil: alguns recortes. São Paulo: Escrituras, 2007. p. 357-412.
  • NARDI, R.; ALMEIDA, M. J. P. M. Investigação em ensino de ciências no Brasil segundo pesquisadores da área: alguns fatores que lhe deram origem. Pro-Posições, Campinas, v. 18, n. 1, p. 213-226, 2007. Disponível em: <http://www.proposicoes.fe.unicamp.br/proposicoes/textos/52-artigos-nardir-etal.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2016.
    » http://www.proposicoes.fe.unicamp.br/proposicoes/textos/52-artigos-nardir-etal.pdf
  • SPINAK, E. Dicionario enciclopédico de bibliometría, cienciometría e informetría Caracas: UNESCO, 1996.
  • URBIZAGASTEGUI ALVARADO, R. A bibliometria, informetria, cienciometria e outras "metrias" no Brasil. In: ENCONTRO BRASILEIRO DE BIBLIOMETRIA E CIENTOMETRIA, 4., 2014. Recife. Anais... Recife: EBBC/BRAPCI, 2014. p. A45. Disponível em: <http://basessibi.c3sl.ufpr.br/brapci/index.php/article/view/0000014454/f30ce419b66634ce92544916c94956eb>. Acesso em: 18 maio 2015.
    » http://basessibi.c3sl.ufpr.br/brapci/index.php/article/view/0000014454/f30ce419b66634ce92544916c94956eb
  • VANTI, N. A. P. Da bibliometria à webometria: uma exploração conceitual dos mecanismos utilizados para medir o registro da informação e a difusão do conhecimento. Ciência da Informação, Brasília, v. 31, n. 2, p. 152-162, 2002. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0100-19652002000200016>. Acesso em: 31 maio 2016.
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0100-19652002000200016

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2016
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, campus de Bauru. Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Campus Universitário - Vargem Limpa CEP 17033-360 Bauru - SP/ Brasil , Tel./Fax: (55 14) 3103 6177 - Bauru - SP - Brazil
E-mail: revista@fc.unesp.br