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Uma proposta metodológica para o estágio curricular supervisionado na EAD: articulações entre CEK e Grupo Cooperativo

A methodological proposal for supervised curricular stage of distance education: articulations between Kellyan Experience Cycle and Cooperative Group

Resumo:

Este artigo analisa alguns resultados encontrados em uma pesquisa de doutorado referente a uma proposta metodológica para o estágio curricular supervisionado, na Educação a Distância. A pesquisa teve como base teórica a Teoria dos Construtos Pessoais de George Kelly, com ênfase no Ciclo da Experiência Kellyana (CEK), atrelado ao método da aprendizagem cooperativa. Neste artigo, além da proposta metodológica, temos como objetivo analisar as concepções de dois grupos de sujeitos, um integrado por representantes das parcerias entre universidade e escolas, acerca de aspectos que favorecem e/ou dificultam a atuação do estagiário no contexto escolar, e o outro, por licenciandos de Física, em relação à escolha da profissão “professor de Física” e aos aspectos que consideram mais relevantes na prática docente no Ensino Médio. Analisaremos também as contribuições da vivência do CEK e do trabalho com Grupo Cooperativo, para a formação inicial de professores, modalidade a distância.

Palavras-chave:
Ensino de física; Educação a distância; Formação inicial de professores; Estágio curricular; Teoria dos construtos pessoais; Aprendizagem cooperativa

Abstract:

This article analyzes some outcomes of research about a methodological proposal for the supervised curricular stage of Distance Education. The research was theoretically based on George Kelly’s Personal Construct Theory, with an emphasis on the Kellyan Experience Cycle (KEC), linked to the Cooperative Learning Method. In this article, besides the methodological proposal, we have the objective of analyzing the conceptions of two groups of subjects. One of subjects, one integrated by representatives of the partnerships between university and schools, about the aspects that favor and/or difficult the performance of the trainee in the school context, and the other by future Physics teachers, in relation to the choice of the “Physics teacher” profession and to the aspects that they consider as the most relevant in high school teaching practice. We will also analyze the contributions of the KEC experience and the work with the Cooperative Group, to the initial training of teachers, in Distance Education format.

Keywords:
Physics education; Distance education; Initial teachers training; Supervised curricular stage; Personal construct theory; Cooperative learning

Introdução

As pesquisas em educação têm contribuído de forma significativa para que haja uma reflexão sobre a prática docente, nos cursos de formação de professores, especialmente na superação do paradigma da racionalidade técnica para a adoção do paradigma da racionalidade prática e reflexivo.

Desde a década de 1970, que o teórico George Alexander Kelly, apontou no artigo científico, A Brief Introduction To Personal Construct Theory, aspectos teóricos e práticos de como uma pessoa aprende, com foco no paradigma prático e reflexivo, apresentando nas discussões do Corolário da Experiência, um ciclo com cinco fases: Antecipação; Investimento; Encontro; Confirmação ou Desconfirmação e Revisão Construtiva, que apresenta caminhos de como uma pessoa constrói o conhecimento.

Na tentativa de compreender o comportamento humano, esse teórico, destaca em sua Teoria dos Construtos Pessoais, a metáfora do homem-cientista, enfatizando a semelhança do homem a um cientista, na maneira de agir. Para ele, os indivíduos desenvolvem suas próprias teorias, a partir das hipóteses levantadas, testando-as por meio de suas experimentações, que podem ser mantidas, refutadas ou modificadas.

Ainda de acordo com as ideias do paradigma prático e reflexivo, Schön (2000)SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000. evidencia a existência do conhecimento prático no trabalho, através da observação e das reflexões sobre nossas ações, o “conhecer-na-ação” (conhecimento na ação), que se refere ao conhecimento do cotidiano. Como também, as habilidades de “reflexão-na-ação”, “reflexão-sobre-a-ação” e da “reflexão-sobre-a-reflexão-na-ação”, que contribuem para a análise da própria prática profissional. Esse autor compreendeu que, os três tipos de reflexão juntos, constituem um processo construtivo mais profundo do que apenas um único tipo. Para ele, a observação e a reflexão sobre as nossas ações oportunizam realizar uma descrição do saber que se encontra implícito nelas, constituindo uma nova epistemologia da prática, relacionada ao conhecimento profissional.

Para Ghedin (2012, p. 168)GHEDIN, E. Professor reflexivo: da alienação da técnica à autonomia da crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 148-173., “educar para e na reflexão é tarefa essencial do presente”, especificamente quando a reflexão estiver atrelada ao processo de ensino, viabilizando uma formação de cidadãos autônomos. Outros pesquisadores, como Perrenoud (2002)PERRENOUD, P. A prática reflexiva no ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002., Ghedin, Almeida e Leite (2008)GHEDIN, E.; ALMEIDA, M. I.; LEITE, Y. U. F. Formação de professores: caminhos e descaminhos da prática. Brasília: Liber, 2008., Miranda (2008)MIRANDA, M. I. Ensino e pesquisa: o estágio como espaço de articulação. In: SILVA, L. C.; MIRANDA, M. I. (Org.). Estágio supervisionado e prática de ensino: desafios e possibilidades. Araraquara: Junqueira & Marin; Belo Horizonte: FAPEMIG, 2008. p. 15-36., Pimenta (2012)PIMENTA, S. G. Professor reflexivo: construindo uma crítica. In: PIMENTA, S. G.; GHEDIN, E. (Org.). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2012. p. 20-62. ressaltam a relevância do processo reflexivo se iniciar a partir da formação inicial e se aprofundar na formação continuada. No entanto, esses pesquisadores, não apresentam métodos para aplicações práticas, com base no processo reflexivo, que possibilitem acompanhar mudanças nas pessoas.

No caso específico da formação inicial de professores, um dos primeiros espaços que pode proporcionar o processo prático e o reflexivo sobre a ação educativa, além da construção de saberes docentes, é o estágio curricular supervisionado. Nesse sentido, Silva (2015, p. 77)______. Uma proposta metodológica para o estágio curricular supervisionado V, na educacão a distância, baseada no ciclo da experiência kellyana. 2015. 240 f. Tese (Doutorado em Ensino das Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015. enfatiza que este espaço fomenta ao licenciando “processos reflexivos, pesquisar, analisar e aplicar metodologias e estratégias de ensino baseados nos conhecimentos pedagógicos construídos nas disciplinas teóricas de conteúdos específicos e pedagógicos, vivenciadas no curso”.

O estágio curricular supervisionado na formação inicial de professores é um componente curricular que precisa de um acompanhamento conjunto, com o entrecruzamento de diversos olhares, desde compromisso dos professores formadores das universidades, assim como a participação da secretaria de educação e, a contribuição dos gestores e professores regentes de escolas campo de estágio, tecendo, assim, um núcleo sólido na formação de futuros professores (SILVA, 2015______. Uma proposta metodológica para o estágio curricular supervisionado V, na educacão a distância, baseada no ciclo da experiência kellyana. 2015. 240 f. Tese (Doutorado em Ensino das Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015.).

Para tanto, este artigo apresenta alguns resultados de uma pesquisa desenvolvida durante uma disciplina de Estágio Curricular Supervisionado, do curso de Licenciatura em Física, do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), que experimentou uma proposta metodológica para o estágio curricular supervisionado, na modalidade a distância. O interesse pelo estudo se consolidou a partir da vivência da prática docente na EAD, nos levantamentos realizados em revistas científicas e no banco de dissertações e teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), em que a temática formação de professores é encontrada em diversas pesquisas, porém, em relação ao estágio curricular supervisionado são poucas, principalmente nos cursos de licenciatura, na Educação a Distância.

Diante disso, com o intuito de partilhar experiências e de investigar o processo de construção da prática docente durante o estágio curricular supervisionado, elegemos como base teórica a Teoria dos Construtos Pessoais de George Kelly (1963)KELLY, G. A. A theory of personality: the psychology of personal constructs. New York: Norton, 1963., que aponta caminhos para analisar como uma pessoa constrói o conhecimento. A partir dessa decisão, e tendo como parâmetro a aprendizagem, surgiram, então, vários questionamentos, dentre eles, como organizar o estágio curricular supervisionado, na Educação a Distância, para que promova uma prática docente reflexiva? Desse modo, os objetivos, neste artigo, são analisar a proposta metodológica, e as concepções de gestores e professores regentes de escola campo de estágio acerca de aspectos que favorecem e/ou dificultam a atuação de estagiários no contexto escolar, bem como de licenciandos estagiários do curso de licenciatura em Física, modalidade a distância, sobre a escolha da profissão “professor de Física”, e de aspectos que consideram relevantes da prática docente no Ensino Médio, no componente curricular Física. Procuramos também analisar as contribuições da proposta metodológica a partir do CEK e do trabalho com Grupo Cooperativo.

A educação a distância e a aprendizagem cooperativa

A EAD, desde suas origens, apresenta-se como uma modalidade de educação que possibilita novas oportunidades de acesso à escolarização, formação profissional e continuada.

Nas últimas décadas, com o desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e com os diversos programas de políticas públicas, os cursos nessa modalidade, vêm crescendo e atendendo a todas as classes sociais.

As concepções sobre essa modalidade estão associadas à tecnologia e à mídia utilizadas, que, de acordo com Moore e Kearsley (2008)MOORE, M.; KEARSLEY, G. Educação a distância: uma visão integrada. São Paulo: Cengage Learning, 2008., estão divididas em cinco gerações. A primeira, correspondeu aos textos impressos, que eram enviados pelos correios, caracterizando o acesso às informações por meio de correspondência. A segunda, referiu-se à transmissão por rádio e televisão, oportunizando um acesso maior às informações, através de programas educativos, por meio de sons e imagens. As Universidades Abertas equivalem à terceira geração, ou seja, de instituições de educação a distância, que passaram a combinar diversas mídias, que incluíam guias de estudo impresso, transmissão por rádio e TV, conferências por telefone, audioteipes gravados, biblioteca local, kits para experiências, uso de laboratórios das universidades no período de férias, e orientação, com a finalidade de atender aos mais variados estilos de aprendizagem, e às necessidades de seus alunos. A quarta geração foi a da teleconferência, que possibilitou a interação entre professor e alunos em tempo real e locais diferentes, utilizando dispositivos tecnológicos, como a telefonia, a televisão ou o computador. Por fim, a quinta geração é a atual, a da internet/web, possibilitando a comunicação no ciberespaço, com interações em tempo real ou não, através de aulas virtuais, com a utilização de várias mídias. Esta quinta geração tem proporcionado um forte acesso à educação em nível superior no Brasil, principalmente após a criação, em 2005, do Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), instituído pelo Ministério de Educação (MEC), que tem atendido às diversas regiões do país, especialmente para a formação de professores da Educação Básica, através da modalidade a distância.

Os cursos da UAB utilizam salas virtuais, por meio do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e momentos presencias, nos polos de apoio presencial, que apontam novos papéis para professor e alunos, durante o processo de ensino e de aprendizagem. O primeiro, nas concepções de Schneider, Silva e Behar (2013)SCHNEIDER, D.; SILVA, K. K. A.; BEHAR, P. A. Competências dos atores da educação a distância: professor, tutor e aluno. In: BEHAR, P. A. (Org.). Competências em educação a distância. Porto Alegre: Penso, 2013. p. 152-173., com o papel de mediador da aprendizagem, e os segundos, como indivíduos autônomos, capazes de serem autores de suas próprias aprendizagens, conforme enfatizado por Belloni (2009)BELLONI, M. L. Educação a distância. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 2009., em suas pesquisas sobre os múltiplos papéis dos atores da EAD.

Para o desenvolvimento da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado, consideramos as ideias de Tori (2010)TORI, R. Educação sem distância: as tecnologias interativas na redução de distâncias em ensino e aprendizagem. São Paulo: Senac, 2010., que propõe uma educação sem distâncias, integrando o virtual e o presencial, caracterizada pelo modelo Blended Learning (Modelo de Aprendizagem Híbrida). Na perspectiva desse autor:

À medida que cursos tradicionais ampliarem a utilização de recursos virtuais e cursos a distância incorporarem mais atividades presenciais ao vivo, ficará cada vez mais difícil separar essas modalidades de ensino. O fenômeno da convergência entre virtual e presencial na educação, ou blended learning, vem despertando interesse crescente entre pesquisadores e educadores (TORI, 2010TORI, R. Educação sem distância: as tecnologias interativas na redução de distâncias em ensino e aprendizagem. São Paulo: Senac, 2010., p. 29).

Nessa linha de ideias, as atividades propostas na disciplina ocorreram presencialmente e virtualmente através do Ciclo da Experiência Kellyana, associado ao método da aprendizagem cooperativa.

Para Lopes e Silva (2013, p. 14)LOPES, J.; SILVA, H. S. Aprendizagem cooperativa na sala de aula: um guia prático para o professor. Lisboa: Lidel, 2013., a aprendizagem cooperativa é: “Uma metodologia com a qual os alunos se ajudam no processo de aprendizagem, atuando como parceiros entre si e com o professor, visando adquirir conhecimento sobre um dado objeto”.

Segundo Johnson e Johnson (2009 apudSILVA, 2015______. Uma proposta metodológica para o estágio curricular supervisionado V, na educacão a distância, baseada no ciclo da experiência kellyana. 2015. 240 f. Tese (Doutorado em Ensino das Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015.), uma das características da aprendizagem cooperativa é o trabalho com pequenos grupos de alunos, através da prática de natureza social, associada a cinco elementos básicos, que são: Interdependência positiva (cada componente do grupo age em prol da aprendizagem de todos); Responsabilidade individual e de grupo (cada integrante do grupo se sente responsável por sua aprendizagem e pela dos demais); Interação face a face (os membros do grupo participam das atividades, ajudando-se mutuamente); Competências sociais (desenvolvimento de competências interpessoais e grupais a todos os integrantes) e Avaliação do processo do trabalho do grupo (avaliação do trabalho desenvolvido pelo grupo de forma individual e coletiva).

Ainda de acordo com Lopes e Silva (2013)LOPES, J.; SILVA, H. S. Aprendizagem cooperativa na sala de aula: um guia prático para o professor. Lisboa: Lidel, 2013., a aplicação de técnicas desse tipo de aprendizagem na educação formal contribui, não só para o processo de ensino e de aprendizagem, mas também para a preparação de indivíduos aptos a trabalharem em grupo, em situações futuras no ambiente de trabalho. Considerando essas ideias como fundamentais na formação inicial de professores, optamos pelo trabalho de Grupo Cooperativo, na terceira fase do CEK da Teoria dos Construtos Pessoais.

A Teoria dos Construtos Pessoais e o Ciclo da Experiência Kellyana (CEK)

A Teoria dos Construtos Pessoais (TCP) é uma teoria da personalidade, publicada em 1955, por George Alexander Kelly, em seu livro, intitulado: The Psychology of Personal Constructs (A Psicologia dos Construtos Pessoais), composto de dois volumes: The psychology of personal constructs volume one: a theory of personality (Uma Teoria da Personalidade) e The psychology of personal constructs volume two: clinical diagnosis and psychotherapy (Diagnose Clínica e Psicoterapia).

As teorias no estudo científico da personalidade são utilizadas para explicar determinadas categorias e fenômenos, tendo em vista objetivos distintos. Na visão de Hall, Lindzey e Campbell (2000, p. 38)HALL, C. S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL, J.B. Teorias da personalidade. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000., “[...] uma teoria de personalidade deve consistir em um conjunto de suposições referentes ao comportamento humano, juntamente com regras para relacionar essas suposições e definições para permitir sua interação com eventos empíricos ou observáveis”.

A teoria da personalidade (TCP), proposta por Kelly, teve sua origem a partir da sua formação acadêmica, como matemático, físico, bacharel em educação, mestre em Sociologia Educacional, doutor em Psicologia, associada a sua carreira profissional de psicólogo clínico, docente em diversas instituições e diretor de clínica de psicologia da Fort Hays Kansas State College, durante treze anos, e na Ohio State University, no período de dezenove anos (HALL; LINDZEY; CAMPBELL, 2000HALL, C. S.; LINDZEY, G.; CAMPBELL, J.B. Teorias da personalidade. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.; KELLY, 2001______. Psicología de los constructos personales. Barcelona: Paidós, 2001.; FRANSELLA; NEIMEYER, 2005FRANSELLA, F.; NEIMEYER, R. A. George Alexander Kelly: the man and his theory. In: FRANSELLA, F. (Org.). The essential practitioner’s handbook of personal construct psychology. Chichester: John Wiley, 2005. p. 3-13.; SILVA, 2015______. Uma proposta metodológica para o estágio curricular supervisionado V, na educacão a distância, baseada no ciclo da experiência kellyana. 2015. 240 f. Tese (Doutorado em Ensino das Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015.).

Para Kelly (1963)KELLY, G. A. A theory of personality: the psychology of personal constructs. New York: Norton, 1963., a personalidade é entendida em termos de sistemas de construtos ou construtos pessoais, que cada indivíduo utiliza na construção de suas predições, tendo como base as experiências vivenciadas anteriormente. Nessa linha de ideias, Kelly (1963, p. 105, tradução nossa)KELLY, G. A. A theory of personality: the psychology of personal constructs. New York: Norton, 1963. destaca que “um construto é uma maneira em que algumas coisas são construídas como sendo similares e ainda assim diferentes das outras”. De acordo com a TCP, o construto corresponde a uma unidade fundamental, que se refere às características que cada indivíduo identifica nos acontecimentos que vivencia.

Na concepção de Lima (2008 apudSILVA, 2015______. Uma proposta metodológica para o estágio curricular supervisionado V, na educacão a distância, baseada no ciclo da experiência kellyana. 2015. 240 f. Tese (Doutorado em Ensino das Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015., p. 92), o construto pode ser considerado como “um eixo que possui dois polos dicotômicos”, que apresenta infinitas posições intermediárias entre cada um dos dois polos. Como exemplo de construto, Silva (2015)______. Uma proposta metodológica para o estágio curricular supervisionado V, na educacão a distância, baseada no ciclo da experiência kellyana. 2015. 240 f. Tese (Doutorado em Ensino das Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015. cita o “sexo”, que equivale a uma das características do ser humano, podendo ser localizado ao longo de um eixo, nos seus polos opostos e dicotômicos “masculino” e “feminino”. Nesse sentido, o construto pessoal revela a maneira como o indivíduo vê o mundo, tendo como base o conjunto de posições intermediárias entre dois polos dicotômicos.

A TCP se baseia em uma posição filosófica, denominada de Alternativismo Construtivo e se organiza em um Postulado Fundamental e em onze corolários.

O Alternativismo Construtivo afirma que “nós consideramos que todas nossas atuais interpretações do universo estão sujeitas à revisão e substituição” (KELLY, 1991_______. The psychology of personal constructs: a theory of personality. London: Routledge, 1991. v. 1., p. 11, tradução nossa). Nessa perspectiva, cada indivíduo constrói suas próprias interpretações do mundo, baseando-se em experiências vivenciadas, que podem ser passíveis de revisão e substituição. Esse princípio enfatiza que o homem é construtor de seu próprio conhecimento, com base em suas próprias concepções, a partir dos modelos avaliados. Nesse sentido, Kelly (1963)KELLY, G. A. A theory of personality: the psychology of personal constructs. New York: Norton, 1963. aponta que cada indivíduo é livre nas suas escolhas, estando o seu comportamento associado a cada uma delas.

O Postulado Fundamental estabelece que “os processos de uma pessoa são psicologicamente canalizados pelas maneiras como ela antecipa eventos” (KELLY, 1963KELLY, G. A. A theory of personality: the psychology of personal constructs. New York: Norton, 1963., p. 46, tradução nossa). Nesse pressuposto, segundo Bastos (2013)______. A teoria dos construtos pessoais. In: OLIVEIRA, M. M. Sequência didática interativa: no processo de formação de professores. Petrópolis: Vozes, 2013. p. 113-128., Kelly destaca a antecipação como o grande processo psicológico das pessoas, colocando-a como foco central de sua teoria. Ainda nessa linha de ideias, Bastos (1998, p. 2)BASTOS, H. F. B. N. A teoria do construto pessoal. Recife: UFRPE, 1998. enfatiza que “as pessoas pensam de acordo com as ideias que possuem. Portanto, pessoas diferentes irão compreender um mesmo evento de formas diferentes”. Com base nessa afirmação, cada pessoa é única, estando seu comportamento associado aos seus processos cognitivos. A Figura 1 apresenta um esquema da estruturação da TCP, o seu Postulado Fundamental e os onze corolários.

Figura 1
O Postulado Fundamental e os Corolários da TCP

Os corolários explicam como os processos cognitivos de cada indivíduo são organizados, ao construírem as réplicas dos eventos vivenciados e, como as interpretam ao utilizarem seus esquemas mentais, relacionando-os com outros (SILVA, 2007SILVA, A. P. T. B. Investigando as concepções sobre força durante o ciclo da experiência kellyana. 2007. 156 f. Dissertação (Mestrado em Ensino das Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2007.). Dentre os onze corolários, remetemos, neste artigo, ao da Escolha e da Experiência, que serão enfatizados na análise dos dados.

O corolário da Escolha declara que “Uma pessoa escolhe para si aquela alternativa num construto dicotomizado através do qual ela antecipa a maior possibilidade para a elaboração de seu sistema de construção” (KELLY, 1963KELLY, G. A. A theory of personality: the psychology of personal constructs. New York: Norton, 1963., p. 64, tradução nossa). Ou seja, as pessoas fazem suas escolhas tomando como referência as escolhas anteriores, através de alternativas dicotômicas.

A proposta metodológica desta pesquisa teve como foco principal o corolário da Experiência, que expressa a ideia de Kelly de como as pessoas aprendem, isto é, por meio de ciclos de experiência. Este corolário enfatiza que “O sistema de construção de uma pessoa muda à medida que ela constrói sucessivamente a réplica de eventos” (KELLY, 1963KELLY, G. A. A theory of personality: the psychology of personal constructs. New York: Norton, 1963., p. 72, tradução nossa). Para este teórico, caso a sequência de acontecimentos que foram vivenciados, por um indivíduo, não correspondam às suas réplicas, o seu sistema de construção pode ser modificado ou reconstruído, o que, segundo ele, constitui a aprendizagem.

O Ciclo da Experiência Kellyana (CEK) é composto de cinco fases: Antecipação; Investimento; Encontro; Confirmação ou Desconfirmação e Revisão Construtiva, ilustrado no infográfico da Figura 2, sendo destacadas a seguir:

Figura 2
Representação esquemática da proposta metodológica a partir do CEK

  • 1ª Fase - Antecipação: Nesse momento, o indivíduo inicia as reflexões sobre o evento de que irá participar, formulando suas hipóteses.

  • 2ª Fase - Investimento: O indivíduo, com base na construção das réplicas dos eventos que serão vivenciados, procura investir, buscando mais informações da próxima fase, o Encontro, de modo que possa contribuir para a construção do seu conhecimento.

  • 3ª Fase - Encontro: O indivíduo se encontra com o evento em si, tendo a oportunidade de refletir sobre as ideias construídas na Antecipação e no Investimento.

  • 4ª Fase - Confirmação ou Desconfirmação: O indivíduo é levado a rever suas concepções anteriores, a partir do evento vivenciado, testando suas hipóteses, que podem ser confirmadas ou refutadas.

  • 5ª Fase - Revisão Construtiva: O indivíduo tem a oportunidade de rever o que foi vivenciado, podendo essa revisão auxiliar na formação de novos conhecimentos.

Segundo Kelly (1970)______. A brief introduction to personal construct theory. In: BANNISTER, D. (Org.). Perspectives in personal construct theory. London: Academic, 1970. p. 1-29., uma pessoa aprende ao vivenciar essas cinco fases, de modo que ocorra uma mudança na sua estrutura cognitiva, tendo como base as experiências anteriores.

Diante das proposições, verificamos que a TCP e o seu Ciclo da Experiência Kellyana podem contribuir para o entendimento do processo de construção do conhecimento, dos licenciandos de Física, da Educação a Distância, durante uma prática docente reflexiva, no estágio curricular obrigatório.

A metodologia proposta a partir do CEK

Neste estudo, optamos pela abordagem qualitativa, considerando a pesquisa participante, por apresentar características para atender aos objetivos preestabelecidos. Segundo Severino (2007, p. 120)SEVERINO, A.J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007., nesse tipo de pesquisa, “o pesquisador coloca-se numa postura de identificação com os pesquisados. Passa a interagir com eles em todas as situações, acompanhando todas as ações praticadas pelos sujeitos”. Nessa direção, buscamos compreender, descrever e oferecer subsídios para o desenvolvimento de uma prática docente reflexiva, para licenciandos de Física, utilizando uma Teoria da Personalidade.

Para o desenvolvimento deste estudo, tivemos dois grupos de sujeitos, um composto por representantes parceiros entre universidade e escolas, constituído de 01 executivo da Secretaria de Educação do Estado, 06 diretores de escolas e 06 professores regentes, que acompanharam os licenciandos estagiários em sala de aula e, o outro grupo, composto de 30 licenciandos, matriculados na última disciplina de Estágio Curricular Supervisionado, do curso Licenciatura em Física, modalidade a distância, de uma universidade pública federal.

Para a análise dos dados do grupo dos licenciandos, foram considerados apenas 19, distribuídos em 03 (três) diferentes polos, que participaram de 100% das atividades propostas, com exceção das atividades relativas ao Grupo Cooperativo. A faixa etária desses sujeitos era entre 22 a 56 anos, sendo 63% do sexo masculino e 37% do feminino. A maioria deles era oriundo do Ensino Médio, e o curso de Licenciatura em Física, modalidade a distância, correspondia à primeira graduação. Apenas 02 (dois) dos licenciandos já possuíam a formação em Licenciatura em Matemática.

Os instrumentos de coleta de dados foram questionários, roteiros de observação, interações assíncronas através de fóruns temáticos abertos no Ambiente Virtual de Aprendizagem - Moodle (Modular Object Oriented Distance Learning), diário do estagiário e relatório final de estágio.

A pesquisa teve início com o convite da professora orientadora de estágio e pesquisadora aos licenciandos, em encontro presencial, em dias específicos para cada um dos três polos. Nessas ocasiões, foram dadas as orientações sobre o Termo de Consentimento Livre Esclarecido e documentações do estágio (Seguro, Termo de Compromisso Obrigatório e Plano de Atividades), de acordo com a legislação, Lei 11.788, de 25 de setembro de 2008, conhecida como “Lei do Estágio”, e normas da Instituição. Ainda nesses momentos, os licenciandos foram informados que alguns seriam acompanhados nas aulas de regência na escola campo de estágio pela professora orientadora de estágio, uma vez que na Instituição o acompanhamento presencial era realizado apenas pelo professor regente da escola e pelo supervisor de estágio. No caso específico deste estudo, os licenciandos estagiários foram também acompanhados pela professora orientadora de estágio. No último momento desses encontros, os licenciandos estagiários vivenciaram a fase da Antecipação do CEK.

Antes da vivência da segunda fase do CEK, Investimento, ocorreu a celebração dos termos de compromisso de estágio junto às escolas e à universidade, correspondentes aos três polos. As escolas se localizavam nos municípios dos polos de apoio presencial e em municípios vizinhos, devido a alguns licenciandos estagiários residirem em outros municípios. Todas as escolas pertenciam à rede pública estadual, sendo representantes da área Metropolitana; Mesorregião Mata e Mesorregião Agreste do Estado.

Para o desenvolvimento das atividades da disciplina de Estágio Curricular Supervisionado no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) - Moodle, e nos encontros presenciais nos polos, contamos além da professora orientadora de estágio, que acompanhou os três polos, com a participação de três professores tutores virtuais, sendo cada um responsável por um polo, que auxiliavam na mediação dos conteúdos específicos de Física e nas orientações das atividades didático-pedagógicas. Toda a equipe de professores, professora orientadora de estágio e professores tutores, tinha formação acadêmica pós-graduada, na área específica do curso (com exceção de uma professora tutora de um polo) e pedagógica, com experiência na Educação Básica e no Ensino Superior, na modalidade a distância.

A partir das escolhas das escolas e definição da equipe, partimos para a primeira etapa da pesquisa, que correspondeu à aplicação de um questionário específico para os representantes parceiros entre universidade e escola, que teve como finalidade obter informações sobre orientações para realização de estágio das licenciaturas nessas escolas.

A segunda etapa se referiu ao desenvolvimento da proposta metodológica de estágio curricular supervisionado com base nas cinco fases do CEK e Grupo Cooperativo, durante um semestre letivo, e descritas a seguir no infográfico da Figura 2:

  1. Antecipação: como informado anteriormente, esta fase ocorreu no primeiro encontro presencial da disciplina. Dessa forma, para que os licenciandos estagiários utilizassem os construtos do seu sistema de construção na antecipação de eventos, a partir da formulação de suas hipóteses, foi aplicado um questionário, com cinco questões abertas, que teve como objetivo identificar as concepções dos mesmos quanto à prática docente e quanto à regência de aulas na disciplina de Física, para alunos do Ensino Médio.

  2. Investimento: os licenciandos estagiários, nessa segunda fase, sentem a necessidade de se preparar de forma mais eficiente para a próxima fase, o Encontro. Dessa maneira, para orientação das ações em busca de informações que contribuíssem para a construção de conhecimentos dos mesmos, a professora orientadora de estágio solicitou um estudo do material didático disponibilizado no AVA - Moodle, pesquisas na internet, pesquisas bibliográficas em livros e artigos científicos sobre a formação de professores e de estratégias de ensino, assim como a participação nas discussões dos fóruns temáticos criados no AVA, para as exposições das ideias e reflexões.

    Durante essa fase, a professora orientadora de estágio também solicitou aos licenciandos estagiários que registrassem no diário, as atividades que iam sendo vivenciadas na escola campo. Além disso, pediu que realizassem uma entrevista junto ao professor regente da disciplina de Física da escola, para conhecimento da formação acadêmica. Após o levantamento, constatou-se que a maioria dos professores regentes das escolas campo de estágio não tinha formação em Licenciatura em Física, apresentando formação em Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Ciências com Habilitação em Matemática, Licenciatura em Química, Licenciatura em Matemática e Bacharelado em Química Industrial. Diante dessa diversidade de formação acadêmica, a professora orientadora de estágio propôs aos licenciandos estagiários trabalhar com Grupo Cooperativo, com o objetivo de alcançar melhores resultados de aprendizagem de todos os integrantes do grupo.

    Os grupos foram formados pelos colegas licenciandos da própria turma, professor regente da escola, e em alguns casos, pela professora orientadora de estágio. O Grupo Cooperativo desenvolveu várias atividades. Dentre elas: (1) Contribuir na elaboração dos planos de ensino e de aulas, por meio de leituras, seleção de conteúdos, confecção de materiais didáticos para realização de atividades práticas e experimentais, definição de metodologia a ser desenvolvida, sugestões de estratégias didáticas e instrumentos avaliativos, entre outros; (2) Assistir às aulas de regência, acompanhado de um roteiro de observação com questões sobre como iniciava a aula, maneiras que interagia com os alunos e como os alunos interagiam com o professor/estagiário, metodologia desenvolvida, materiais didáticos utilizados e como terminava a aula; (3) Dar o feedback ao professor/estagiário da sua prática docente, com base nas atividades desenvolvidas junto aos alunos do Ensino Médio. Após as definições dessas atividades, foram dadas as orientações para a fase do Encontro.

  3. Encontro: nessa terceira fase, os licenciandos estagiários encontram o evento em si, tendo a oportunidade de confrontar com as réplicas de eventos anteriores. Para isso, essa fase transcorreu em três momentos: (1) Os licenciandos estagiários fizeram observações de quatro aulas do professor regente da disciplina de Física, da escola campo de estágio, acompanhados de um roteiro de observação; (2) Cada licenciando estagiário elaborou os planos de ensino e de aulas, em colaboração com integrantes do Grupo Cooperativo; (3) Os licenciandos estagiários vivenciaram a regência das aulas com a participação do professor regente, colegas de turma participantes do Grupo Cooperativo e, em alguns casos, com a presença da professora orientadora de estágio e pesquisadora.

    Devido à localização geográfica das escolas conveniadas e o quantitativo de licenciandos, o acompanhamento in loco ocorreu apenas para 06 licenciandos estagiários, sendo 02 de cada polo, pela professora orientadora de estágio e pesquisadora.

  4. Confirmação ou Desconfirmação: os licenciandos estagiários, nessa quarta fase, são levados a testar suas hipóteses, confirmando-as ou não. Para isso, a professora orientadora de estágio solicitou através do AVA - Moodle, o envio do diário com o registro das reflexões sobre as atividades vivenciadas na escola campo de estágio e a revisitarem os fóruns temáticos, que foram propostos na disciplina, para acrescentarem, caso achassem necessário, novas reflexões.

  5. Revisão Construtiva: nessa quinta fase, os licenciandos estagiários revisaram o que foi vivenciado. Para esse fim, essa fase ocorreu em dois momentos. No primeiro, os licenciandos estagiários participaram de uma mesa redonda, de título: “Ensino de Física: Teorias, Conceitos e Metodologias”, mediada pela professora orientadora de estágio, com a participação de dois palestrantes, professores doutores com formação em Física e atuantes na área de Ensino de Física. Ao final das palestras, ocorreu o debate sobre o tema e sobre a vivência da prática docente na escola campo de estágio. No segundo momento, em um outro dia, ocorreu no polo, específico de cada turma, a socialização das atividades vivenciadas na escola campo de estágio, para os colegas e professor tutor. No último encontro presencial da disciplina, ocorreu a entrega do relatório final de estágio e a aplicação de um questionário, referente à prática docente após a vivência de todo o CEK.

Resultados e discussões

A análise dos dados foi estruturada em função dos objetivos, associados aos instrumentos de coleta de dados, correspondentes aos dois grupos de sujeitos pesquisados. Iniciamos apresentando as ideias do primeiro grupo, composta pelo representante executivo da Secretaria de Educação (SEE), diretores e professores regentes das escolas, aos quais aplicamos um questionário, com base nos seguintes questionamentos: Em quais aspectos a presença do estagiário colabora para o funcionamento da escola e/ou atrapalha? E quais as suas contribuições para a escola e a aula? A maioria desse grupo destacou a troca de experiência entre professor regente da escola e do licenciando estagiário, referente aos conhecimentos teóricos e sobre a forma de ensinar, como pode ser verificado nos relatos, a seguir:

[…] Na sala de aula, lócus de sua pesquisa, ele passa a confrontar teoria e realidade e, a partir dessa experiência, socializar as experiências, podendo fazer análises sobre a realidade crítica e, consequentemente, sugerir possíveis soluções. [Relato do representante da SEE].

[...] contribuindo conosco com novas práticas metodológicas [...]. Trazem material que a gente [a escola] não tem, nova prática e novos teóricos. [Relato do Diretor 2].

A educação é um processo gradativo em busca do conhecimento, e o estagiário vem com novas ideias, de diferenciar a aula, com novas visões, podendo contribuir com a prática do professor. Com essa visão ele pode dinamizar a aula. [Relato do Professor Regente 6].

Nesses registros, percebemos, também, que a presença do estagiário contribui para os processos de ensino e de aprendizagem, trazendo novas ideias e favorecendo uma maior participação dos alunos na disciplina. Além disso, observamos que o estagiário auxilia na abordagem dos conteúdos da Física, com práticas metodológicas diferentes daquelas do professor da disciplina da escola. Nesse sentido, com base nas ideias de Kelly (1963)KELLY, G. A. A theory of personality: the psychology of personal constructs. New York: Norton, 1963. da metáfora do homem-cientista, os licenciandos estagiários e os professores regentes nas interações do contexto escolar puderam desenvolver suas próprias teorias, com base nas hipóteses levantadas, testando-as durante a prática docente. Ademais, constatamos nesses relatos, a relevância dos conhecimentos do conteúdo, do currículo e pedagógicos, apontados por Shulman (1987)SHULMAN, L. S. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harvard Educational Review, Cambridge, v. 57, n. 1, p. 1-21, fev. 1987. e os saberes acadêmicos e os baseados na experiência defendidos por Porlán e Rivero (1998)PORLÁN, R.; RIVERO, A. El conocimiento de los professores: una propuesta formativa em el área de ciências. Sevilla: Díada, 1998. para a formação do professor. A articulação desses saberes, na nossa concepção, constituem elementos essenciais para desenvolver uma prática docente que conduza à geração de conhecimento individual e saberes grupais para o exercício da profissão. Em relação aos aspectos em que a presença do estagiário atrapalha o andamento da escola e da aula, de um modo geral, todos ressaltaram que “não atrapalha”. Apenas um professor, que tinha a formação acadêmica em Física, acrescentou: “o estagiário não contribui com o andamento das aulas se o mesmo não tiver domínio e clareza dos conteúdos que estarão sendo vivenciados”. Alguns diretores também fizeram referência a esse aspecto, acrescentando a falta de interesse do estagiário, quando não se identifica com a profissão. Outros pontos destacados pelo representante executivo da SEE, foram: a falta de diálogo do estagiário com o professor regente, em relação ao planejamento das atividades; o não acompanhamento contínuo do estagiário da prática docente do professor regente da escola, e quando chega atrasado na aula. Diante dos aspectos indicados, verificamos a necessidade do trabalho conjunto entre universidade e escola para o desenvolvimento de ações no contexto escolar. Esses resultados ratificam que, para formar professores, precisamos agir coletivamente, de modo que garanta uma formação profissional de qualidade.

Para a análise das respostas do segundo grupo de sujeitos, consideramos os pressupostos teóricos propostos por Bardin (2000)BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2000. para a análise do conteúdo, tomando como base a categorização. Identificamos os 03 polos através das letras A, B e C, seguidas de um número, que corresponde ao licenciando estagiário participante da pesquisa, sendo 04 do polo A, 08 do polo B e 07 do polo C, totalizando 19. Assim, as ideias expostas na questão 1 do primeiro questionário, aplicado durante a fase da Antecipação, estão apresentadas no Quadro 1.

Quadro 1
Categorização das respostas referentes à questão 1: Como foi sua escolha da profissão "professor" da disciplina de Física?

Verificamos que a escolha “ser professor de Física” se deu por vários aspectos, levando-nos a encontrar respostas de alguns alunos, em mais de uma categoria. A categoria mais frequente foi “gostar da disciplina de Física”, destacada por sete licenciandos estagiários, três do polo B e quatro do polo C, não sendo citado por nenhum do polo A. A maioria do polo A se referiu ao “sonho de ser professor” e “conhecer e entender melhor a Física”, como motivos da escolha da profissão. A segunda categoria mais frequente, considerando os três polos foi “oportunidade de curso EAD”, pois muitos trabalhavam e não tinham condições de acompanhar um curso presencial. Outra razão seria o ingresso em um curso superior, devido à localização geográfica das instituições públicas. Outras categorias mais escolhidas foram “conhecer e entender melhor a Física” e “não ter tido boa formação em Física no Ensino Médio”, que refletem uma questão generalizada ressaltada por vários alunos do Ensino Médio, referentes à falta de compreensão de conceitos físicos e dificuldade de aprendizagem da Física. É interessante notar, nessas duas categorias, que apesar de terem passado por essas dificuldades no Ensino Médio, decidiram escolher a profissão de professor de Física. Na visão de Bastos (1998)BASTOS, H. F. B. N. A teoria do construto pessoal. Recife: UFRPE, 1998., tendo por base o corolário da Escolha, da Teoria dos Construtos Pessoais (TCP), o indivíduo precisa se engajar no processo reflexivo, de modo que possa aplicar seu sistema de construtos a situações específicas, analisando seus resultados cuidadosamente. Ou seja, cada indivíduo pode escolher a alternativa que lhe achar mais interessante no construto dicotomizado, previsto por suas antecipações, para decisões de suas escolhas, no caso específico de ser professor de Física.

No que se refere aos aspectos mais relevantes da prática docente no ensino de Física, os licenciandos estagiários, de todos os polos, na fase da Antecipação, ressaltaram a necessidade de mudar a maneira como a Física vem sendo ensinada nas escolas, propondo novas estratégias de ensino, com mais destaques às categorias de “associar a Física a situações do cotidiano”, bem como o “desenvolvimento das atividades práticas e experimentais”, e à “necessidade de formação continuada”, enfatizada por licenciandos estagiários dos polos A e C. Ao vivenciarem as fases do Investimento, Encontro e Confirmação ou Desconfirmação do Ciclo da Experiência Kellyana (CEK) da TCP, apareceram novas categorias, nos três polos, acrescentando-se às anteriores, como: “contribuir para a construção do conhecimento científico”, “considerar o ritmo de aprendizagem de cada aluno”, “ter domínio do conteúdo”, “planejar as aulas” dentre outras, que puderam ser observadas nas reflexões iniciais, fase do Investimento, e nas novas reflexões, fase da Confirmação ou Desconfirmação, durante as discussões nos fóruns temáticos, no AVA - Moodle. Ao compararmos as ideias apresentadas por cada licenciando estagiário, pudemos constatar a evolução de suas concepções, a cada fase do CEK, especialmente com relação aos conhecimentos do conteúdo e pedagógico na prática docente, que são ressaltados por Shulman (1987)SHULMAN, L. S. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harvard Educational Review, Cambridge, v. 57, n. 1, p. 1-21, fev. 1987., e aos conhecimentos teóricos e pedagógicos essenciais à profissão, defendidos por Porlán e Rivero (1998)PORLÁN, R.; RIVERO, A. El conocimiento de los professores: una propuesta formativa em el área de ciências. Sevilla: Díada, 1998., em relação ao conhecimento desejável do professor.

As contribuições da vivência do CEK, articulada ao método da aprendizagem cooperativa, através do Grupo Cooperativo, oportunizaram aos licenciandos estagiários a construção de saberes docentes, durante o processo de ensino e de aprendizagem, fazendo com que eles tivessem uma ótima interação com os alunos da escola e professores (professor regente e professora orientadora de estágio), assim como o desenvolvimento de habilidades e a construção de competências sociais e profissionais, percebidas nas ações didáticas no contexto da sala de aula. Nas respostas dadas ao questionário da fase da Revisão Construtiva, e nas anotações descritas nos relatórios, constatamos, nos comentários sobre o Grupo Cooperativo, que a metodologia desenvolvida proporcionou a aprendizagem de todos os integrantes do grupo, como pode ser observado nos comentários de C1:

Acredito que a proposta do grupo cooperativo surpreendeu a todos. Em um momento inicial acredito que houve um bloqueio, até mesmo por se tratar de uma nova realidade, até então não vivenciada. Em um segundo momento (após a aplicação dessa co operação) houve surpresa, por perceber os resultados obtidos por conta desse trabalho realizado em equipe. Poder contar com o apoio de colegas de turma para planejar as aulas, poder ouvir as dicas/sugestões dos colegas após observarem as aulas, contribuiu de maneira significativa para minha vida profissional. Ter a possibilidade de compartilhar nossas experiências com os colegas de classe foi o diferencial do Estágio Curricular Supervisionado V. [Relato de C1 - Relatório Final de Estágio].

Essa colocação ratifica a relevância da metodologia, que proporcionou o compartilhamento de ideias, desenvolvimento da autonomia e a construção do saber coletivo, que estavam relacionados ao CEK e aos cinco elementos básicos da aprendizagem cooperativa, Interdependência Positiva; Responsabilidade Individual e de Grupo; Interação Face a Face; Competências Sociais e Avaliação do Processo do Trabalho do Grupo, considerados por Johnson e Johnson (2009 apudSILVA, 2015______. Uma proposta metodológica para o estágio curricular supervisionado V, na educacão a distância, baseada no ciclo da experiência kellyana. 2015. 240 f. Tese (Doutorado em Ensino das Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2015.). Nesse processo de construção, cada licenciando estagiário teve a oportunidade de desenvolver a concepção de prática docente e testá-la. De acordo com o corolário da Experiência (KELLY, 1963KELLY, G. A. A theory of personality: the psychology of personal constructs. New York: Norton, 1963.), o sistema de construção de cada estagiário foi mudando a partir do momento em que eles foram construindo as réplicas dos eventos, que iam sendo construídas e reconstruídas a cada fase. Dessa maneira, verificamos que as ideias foram evoluindo a cada fase do CEK, contribuindo para a aprendizagem.

Considerações finais

Na proposta metodológica vivenciada e dados levantados e analisados, verificamos, nas concepções apresentadas pelo representante da Secretaria de Educação, diretores e professores regentes das escolas campo de estágio, o desenvolvimento do trabalho conjunto, de modo a possibilitar, aos futuros profissionais da educação, a articulação da teoria com a prática, auxiliando-os na construção de saberes docentes necessários ao exercício da profissão.

Percebemos que a contribuição da proposta do Ciclo da Experiência Kellyana, atrelado ao trabalho de Grupo Cooperativo, favoreceu aos licenciandos de Física, da modalidade a distância, o levantamento de hipóteses, realização de pesquisas, discussões de conceitos físicos, planejamento e regência de aulas, aplicação de atividades práticas e experimentais, desenvolvimento da autonomia e exercício de uma prática docente reflexiva.

Identificamos, também, no decorrer da pesquisa, alguns aspectos teóricos associados aos aspectos práticos, que podem contribuir para a (re)orientação do estágio curricular supervisionado obrigatório, na formação inicial de professores, tais, como: associar o estágio a uma teoria, neste caso, à Teoria dos Construtos Pessoais e ao seu Ciclo da Experiência Kellyana; obter o apoio dos pares através dos métodos cooperativos desenvolvidos em pequenos grupos; promover no licenciando estagiário o gosto pela disciplina de sua formação e despertar para a importância da formação continuada, tanto o corpo docente quanto os futuros professores.

Salientamos a relevância, para a formação inicial dos professores, na Educação a Distância, os professores orientadores de estágio acompanharem in loco, os licenciandos em encontros presenciais, tanto nos polos de apoio presencial, quanto em escolas campo de estágio.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017

Histórico

  • Recebido
    24 Fev 2016
  • Aceito
    18 Nov 2016
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