Acessibilidade / Reportar erro

Vygotsky na pesquisa em Educação em Ciências: diálogo entre perspectivas passadas e tendências futuras

Vygotsky in science education research: the dialogue between past and future perspectives

Resumo

As ideias vygotskyanas chegaram à Educação em Ciências no Brasil há mais de três décadas. Mesmo assim, resta em aberto um diálogo entre os levantamentos realizados. Portanto, este estudo endereça a questão: Os resultados apresentados por Bonfim, Solino e Gehlen nas dissertações e teses refletem tendências nos artigos publicados em periódicos? Nosso levantamento conta com artigos publicados em periódicos por pesquisadores da Educação em Ciências, que integram Grupos de Pesquisa, que indicam formalmente a Teoria Histórico-Cultural como norteadora dos trabalhos. Concluímos que é possível detectar tal relação, contudo, o conjunto de dados parece indicar que há um descompasso de uma década entre as categorias nos dois tipos de publicações. Quando considerado o espaço relativo de pesquisa, notam-se categorias com tendências de crescimento, como educação especial e práticas didático-pedagógicas. Outras, revelam estabilidade, como formação de professores, e espaços não formais. A categoria concepções de alunos e/ou professores está em relativa queda.

Palavras-chave
Produção científica; Pesquisa científica; Teoria histórico-cultural; Levantamento bibliográfico; Análise quantitativa

Abstract

Vygotsky’s ideas have been part of Brazilian science education for over three decades. Nonetheless, communication between the surveys is still lacking. The purpose of this study is to determine whether the findings presented by Bonfim, Solino, and Gehlen in dissertations and theses reflect the trends among journal articles. The study includes articles published in journals by science education researchers who are members of research groups that formally identify the cultural-historical approach as the theoretical framework. We conclude that such a relationship exists; however, the corpus appears to show a ten-year gap between the two types of publication categories. By looking at relative research output, categories have been identified that show growth trends, such as special education and didactic-pedagogical practices. Others, including teacher education and non-formal spaces, remain stable. The category of student and/or teacher perceptions is declining.

Keywords
Scientific production; Scientific research; Cultural-historical theory; Bibliographical review; Quantitative analysis

Introdução

As investigações iniciadas por Vygotsky (1896-1934) contribuíram e revolucionaram diversas áreas de pesquisa, especialmente a Psicologia e a Educação. Mesmo morrendo relativamente jovem, ele foi capaz de elaborar indagações sistemáticas sobre a gênese e o desenvolvimento da consciência humana - particularmente, sua investigação teórica e experimental acerca do papel do contexto social e cultural no desenvolvimento humano.

Para Vygotsky, o sujeito está imerso de modo ativo e criativo nas práticas sociais, culturais e históricas que sustentam as atividades humanas. Vygotsky concebia a constituição humana como sendo fruto de um percurso histórico e cultural (LONGAREZI, 2020LONGAREZI, A. M. Gênese e constituição da obutchénie desenvolvimental: expressão da produção singular-particular-universal enquanto campo de tensão contraditória. Educação, Santa Maria, v. 45, p. 1-31, 2020. Doi: https://doi.org/10.5902/1984644448103.
https://doi.org/10.5902/1984644448103...
; SMOLKA, 2021SMOLKA, A. L. B. A teoria histórico-cultural do psiquismo humano em perspectiva: condições e implicações de uma psicologia concreta. Revista Brasileira da Pesquisa Sócio-Histórico-Cultural e da Atividade, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 1-30, 2021.). No campo da Educação, seus pressupostos apoiam pesquisas que vinculam a aquisição da linguagem, a formação de conceitos científicos, a interiorização de signos culturais, e o desenvolvimento de funções psicológicas. Segundo Gaspar (1997GASPAR, A. Cinquenta anos de ensino de física: muitos equívocos, alguns acertos e a necessidade do resgate do papel do professor. In: ENCONTRO DE FÍSICOS DO NORTE E NORDESTE, 15., 1997, Natal, RN. Anais [...]. Natal: UFRN, 1997., p. 1) a “[...] maior contribuição pedagógica [de Vygotsky] pode ser o resgate da função educacional do professor, a sua recolocação no centro do processo de ensino e aprendizagem”.

Atualmente, no Brasil, a Teoria Histórico-Cultural inaugurada por Vygotsky (1987VYGOTSKY, L. S. The collected works of L. S. Vygotsky: problems of general psychology, including the volume thinking and speech. New York: Springer, 1987., 1993VYGOTSKY, L. S. The collected works of L. S. Vygotsky: the fundamentals of defectology. New York: Springer, 1993., 1997VYGOTSKY, L. S. The collected works of L. S. Vygotsky: the history of the development of higher mental functions. New York: Springer, 1997., 1998VYGOTSKY, L. S. The collected works of L. S. Vygotsky: child psychology. New York: Springer, 1998.) e colaboradores é utilizada como referencial teórico de pesquisas científicas em muitas áreas do conhecimento. Levantamentos bibliográficos recentes mostraram que Vygotsky é o autor mais citado em diversas subáreas da Educação, como na Educação Especial (VALENTINI et al., 2019VALENTINI, C. B.; BISOL, C. A.; PAIM, L. S.; EHLERS, A. P. F. Educação e deficiência visual: uma revisão da literatura. Revista Educação Especial, Santa Maria, v. 32, p. 1-20, 2019. Doi: https://doi.org/10.5902/1984686X33154.
https://doi.org/10.5902/1984686X33154...
), na Educação em Engenharia (ZARPELON; RESENDE, 2020ZARPELON, E.; RESENDE, L. M. Teorias da aprendizagem em publicações na área de educação em engenharia: um mapeamento com foco na disciplina de cálculo I. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 36, e210405, p. 1-23, 2020. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-4698210405.
https://doi.org/10.1590/0102-4698210405...
) e na Educação em Ciências (JESUS, 2014JESUS, L. G. As teorias de aprendizagem em pesquisas da área de educação em ciências: uma análise cienciométrica em periódicos brasileiros. 2014. 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Formação de Professores) - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié, 2014.). Sua presença também é expressiva em áreas ainda mais específicas, como no Ensino de Eletromagnetismo (FONTES; RODRIGUES, 2021FONTES, D. T. M.; RODRIGUES, A. M. Fundamentação teórica no ensino de eletromagnetismo: uma revisão da literatura em periódicos nacionais. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v. 38, n. 2, p. 965-991, 2021. Doi: https://doi.org/10.5007/2175-7941.2021.e72040.
https://doi.org/10.5007/2175-7941.2021.e...
).

A popularidade do referencial vygotskyano nos mais diversos ramos da pesquisa em Educação em Ciências se reflete nas edições de alguns dos mais tradicionais periódicos da área. Jesus (2014)JESUS, L. G. As teorias de aprendizagem em pesquisas da área de educação em ciências: uma análise cienciométrica em periódicos brasileiros. 2014. 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Formação de Professores) - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié, 2014. mostrou que o descritor Vygotsky aparece em 20,82% de todos os 1.244 artigos publicados em alguns dos principais periódicos brasileiros de Educação em Ciências, índice superior a outros referenciais teóricos como Ausubel e Freire. Além de ser citado em quantidades absolutas, Vygotsky também é referenciado ao longo do tempo. Por exemplo, nos artigos que compõem o periódico Ciência & Educação, as obras de Vygotsky têm sido referenciadas em todos os volumes, desde 2002. Diante desse contexto, Vygotsky tem se consolidado como referencial teórico, ano após ano, nos diversos âmbitos da produção acadêmica: trabalhos publicados em eventos científicos, dissertações e teses (DT), e artigos em periódicos.

Além disso, indicadores da popularidade deste referencial podem ser encontrados nos levantamentos realizados com o objetivo de melhor compreender sua apropriação, e como conceitos vygotskyanos têm sido utilizados na Educação em Ciências (BONFIM; SOLINO; GEHLEN, 2019BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019.; GEHLEN; SCHROEDER; DELIZOICOV, 2007GEHLEN, S. T.; SCHROEDER, E.; DELIZOICOV, D. A abordagem histórico-cultural no Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE CIÊNCIAS, 6., 2007, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: ABRAPEC, 2007.; GEHLEN; MACHADO; AUTH, 2008GEHLEN, S. T.; MACHADO, A.; AUTH, M. A. Freire e Vygotsky no Simpósio Nacional de Ensino de Física. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA, 18., 2009, Vitória. Anais [...]. Vitória: SBF, 2009.). Contudo, mesmo depois de três décadas das ideias vygotskyanas terem chegado à Educação em Ciências no Brasil, ainda resta em aberto tanto um diálogo entre os levantamentos já realizados quanto um levantamento dessa presença nos artigos publicados pelos pesquisadores da Educação em Ciências.

Com o objetivo de contribuir para o aprofundamento desse panorama, realizamos tal levantamento a partir de um constante diálogo com os resultados apresentados por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019.. Para manter alguma comparabilidade dos dados, utilizamos as mesmas categorias, isto é, os agrupamentos de Focos Temáticos, e dividimos os resultados nos mesmos períodos das autoras. Diante do exposto, este estudo apresenta a seguinte pergunta de pesquisa: Os resultados apresentados por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. nas DTs refletem tendências nos artigos publicados em periódicos? Neste estudo, concluímos que sim, porém há um descompasso entre as tendências de uma década. Ao final apresentamos cinco tendências para a área de pesquisa em Educação em Ciências de referencial vygotskyano para a década de 2021-2030.

Metodologia

Os aspectos metodológicos deste estudo estão divididos em duas partes: (i) levantamento dos artigos que compõem o corpus desta pesquisa; e (ii) classificação em categorias conforme metodologia descrita por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019..

Como Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. não indicam os autores das 343 DTs analisadas, não foi possível recuperar a produção acadêmica destes autores em particular. Logo, utilizamos a produção acadêmica de outros - talvez os mesmos - pesquisadores da Educação em Ciências que se orientam pelo referencial teórico de Vygotsky. Os procedimentos metodológicos para este levantamento já foram realizados e descritos em outro trabalho de escopo distinto. Ou seja, os procedimentos metodológicos para selecionar os artigos que compõem o corpus deste estudo são descritos em detalhes em outro trabalho (FONTES; RODRIGUES, 2023FONTES, D. T. M.; RODRIGUES, A. M. Sobre os modos de uso da teoria histórico-cultural na pesquisa em educação em ciências pelos membros dos grupos de pesquisa do CNPq. [2023]. (No prelo).). Assim, pontuamos apenas os aspectos mais relevantes deste processo.

Asbahr e Oliveira (2021)ASBAHR, F. S. F.; OLIVEIRA, M. L. S. A. M. Inventário dos grupos brasileiros de pesquisa na teoria histórico-cultural a partir do diretório de grupos do CNPq. Obutchénie: revista de didática e psicologia pedagógica, Uberlândia, v. 5, n. 2, p. 566-587, 2021. Doi: http://doi.org/10.14393/OBv5n2.a2021-61477.
http://doi.org/10.14393/OBv5n2.a2021-614...
fizeram um amplo levantamento de todos os Grupos de Pesquisa (GP) cadastrados no Diretório de Grupos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que indicam formalmente a Teoria Histórico-Cultural como norteadora dos trabalhos. Em Fontes e Rodrigues (2023)FONTES, D. T. M.; RODRIGUES, A. M. Sobre os modos de uso da teoria histórico-cultural na pesquisa em educação em ciências pelos membros dos grupos de pesquisa do CNPq. [2023]. (No prelo). analisamos o currículo Lattes de todos os 1.965 pesquisadores cadastrados nos 97 diferentes GPs das áreas de Educação, Psicologia e Física. Identificamos os artigos publicados por aqueles pesquisadores que possuem titulação (graduação, mestrado ou doutorado) completa ou em andamento, em uma área das Ciências da Natureza ou Educação/Ensino em Ciências. Chegamos a 174 pesquisadores. Foi realizado o download dos artigos informados no currículo Lattes de todos os 174 pesquisadores, até 2020. Posteriormente, utilizamos o mecanismo de busca do aplicativo Foxit Reader, que permite identificar termos no corpo do texto1 1 Utilizamos os termos Vyg* e Vig*, pois eles contemplam as variações gráficas do nome Vygotsky em português, inglês e espanhol. Posteriormente, fizemos uma filtragem para eliminar palavras não relacionadas com esses radicais. Vale ressaltar que, também, realizamos uma checagem manual em todos os artigos para nos certificarmos que o aplicativo funcionou conforme o esperado. , a fim de selecionar o corpus desta pesquisa. Este é um aplicativo utilizado por outros trabalhos em Educação em Ciências (RAZERA, 2016RAZERA, J. C. C. A formação de professores em artigos da revista Ciência & Educação (1998-2014): uma revisão cienciométrica. Ciência & Educação, Bauru, v. 22, n. 3, p. 561-583, 2016. Doi: https://doi.org/10.1590/1516-731320160030002.
https://doi.org/10.1590/1516-73132016003...
). Ao final, contamos com uma amostra de 133 artigos publicados em 61 periódicos nacionais e 15 internacionais, com destaque para os periódicos Investigações em Ensino de Ciências e Ciência & Educação, com 10 e 8 artigos, respectivamente.

Em suma, o corpus deste levantamento conta com 133 artigos publicados em periódicos por pesquisadores brasileiros da Educação em Ciências que integram GPs que indicam formalmente a Teoria Histórico-Cultural como norteadora dos trabalhos. Cada um destes 133 artigos referenciam Vygotsky tanto na lista de referências bibliográficas quanto no corpo do texto.

Em relação às categorias, orientamos a análise dos resumos dos 133 artigos tendo como base as mesmas seis categorias utilizadas por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019., a partir de Megid Neto (1999)MEGID NETO, J. Tendências da pesquisa acadêmica sobre o ensino de ciências no nível fundamental. 1999. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999. e Teixeira e Megid Neto (2017)TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil 40 anos (1972-2011): base institucional e tendências temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 521-549. 2017. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017172521.
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
. Guiar a classificação de artigos a partir dos Focos Temáticos de Megid Neto (1999)MEGID NETO, J. Tendências da pesquisa acadêmica sobre o ensino de ciências no nível fundamental. 1999. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999. não é um procedimento inédito nas pesquisas que se dedicam a fazer um levantamento da área. Como afirmam Alexandrino e Queiroz (2020ALEXANDRINO, D. M.; QUEIROZ, S. L. Pesquisas do tipo estado arte sobre o ensino de química no Brasil (2000-2016). Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 19, n. 3, p. 638-655, 2020., p. 652) tal classificação é “[...] bastante empregada por grupos que realizam estudos do tipo estado da arte sobre o Ensino de Ciências”.

Embora não explicitamente descrito nos procedimentos metodológicos de Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019., entendemos que a análise realizada pelas autoras foi mutuamente excludente em razão da soma da quantidade de DTs apresentadas ao longo dos resultados. Assim, é possível inferir que cada DT foi classificada apenas uma vez a partir do seu tema principal. Quando não foi possível identificar a categoria por meio dos resumos das DTs, as autoras não o classificaram. Dito isto, reproduzimos abaixo apenas o nome das categorias acompanhado de uma breve explicação temática. O detalhamento dos tipos de pesquisas que correspondem a cada categoria pode ser encontrado em Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. e em Megid Neto (1999)MEGID NETO, J. Tendências da pesquisa acadêmica sobre o ensino de ciências no nível fundamental. 1999. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999..

  1. Práticas Didático-pedagógicas: abrangem estudos que apresentam propostas de ensino, relação conteúdo-método, análise de materiais didáticos, entre outros;

  2. Concepções de alunos e/ou professores: abrangem estudos de concepções ou caracterização de alunos e/ou professores, diagnóstico de práticas pedagógicas, formação de conceitos científicos, entre outros;

  3. Formação de professores: abrange estudos que discutem a formação inicial ou continuada de professores, entre outras propostas relacionadas à formação de professores;

  4. Espaços não formais: abrangem estudos relacionados a atividades realizadas em espaços educativos em outras instituições que não escolar;

  5. Pesquisa e produção científica: abrange estudos relacionados a concepções e discussão teórica da pesquisa ou dos seus referenciais teóricos, estudos de levantamento e revisão, entre outros;

  6. Educação especial: abrange estudos relacionados à inclusão de alunos e sua participação nas atividades didáticas.

Resultados e discussão

Os resultados do nosso levantamento sumarizados na tabela 1 mostram que os 133 artigos, que constituem o corpus desta pesquisa, não estão igualmente distribuídos entre 1991 e 2020. Mais da metade dos artigos (77,6%) se concentra na última década analisada, de 2010 a 2020, o que indica um crescimento nos períodos analisados. Ao longo das décadas, notamos que categorias que antes não contavam com nenhum artigo - o caso das as categorias Espaços não formais e Educação Especial -, agora começam a surgir como temas de interesse, embora ainda tímidos no quadro geral da área de pesquisa em Educação em Ciências de referencial vygotskyano.

Tabela 1
Resumo dos resultados encontrados por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. e pelos autores deste artigo, em suas respectivas categorias, períodos e escopos de análise

Nas próximas subseções serão discutidos os resultados da tabela 1, em diálogo com Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019.. No artigo, as autoras dividiram a seção de resultados em três subseções, por período: 1991-2000; 2001-2010; 2011-2016. O último período analisado pelas autoras compreende 2011 a 2016. Em nosso caso, consideramos os artigos publicados até o final da década.

Período 1991-2000

Ao todo, encontramos sete artigos no período compreendido entre 1991 a 2000. Neste período, destaca-se a produção do pesquisador Eduardo Mortimer, autor em cinco artigos e referência em um dos outros dois. Os artigos de Mortimer, nesse período, foram importantes para a área da Educação em Ciências, pois introduziram e exploraram a noção de perfil conceitual para o estudo da aquisição, formação e evolução de conceitos reconhecendo a dimensão social dos processos psicológicos humanos (MORTIMER, 1995MORTIMER, E. F. Conceptual change or conceptual profile change? Science & Education, London, v. 4, p. 267-285, 1995. Doi: https://doi.org/10.1007/BF00486624.
https://doi.org/10.1007/BF00486624...
, 1998MORTIMER, E. F. Multivoicedness and univocality in classroom discourse: an example from theory of matter. International Journal of Science Education, Abingdon, v. 20, n. 1, p. 67-82, 1998. Doi: https://doi.org/10.1080/0950069980200105.
https://doi.org/10.1080/0950069980200105...
).

Considerando que Mortimer tem uma importância na Educação em Ciências de modo geral, é razoável assumir que em grande medida Vygotsky começou nos artigos da Educação em Ciências no Brasil estando vinculado aos trabalhos de Mortimer, que teve parte de sua formação acadêmica no exterior. Sabe-se que, nos primeiros anos da década de 1990, Mortimer realizou parte do seu doutoramento na Universidade de Leeds, na Inglaterra, sob orientação de Rosalind Driver, que integrava Grupo de Pesquisa junto a Philip Scott, e que se orientava pela Teoria Histórico-Cultural (DECONTO; OSTERMANN, 2020DECONTO, D. C. S.; OSTERMANN, F. Educação em ciências e pensamento bakhtiniano: uma análise de trabalhos publicados em periódicos nacionais. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 20, p. 121-156, 2020. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2020u121156.
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
). No final da década, agora nos Estados Unidos, Mortimer trabalhou com James Wertsch, reconhecido autor na difusão de ideias vygotskyanas. Estas foram importantes influências que marcaram o início da história de Vygotsky na Educação em Ciências no Brasil.

Bonfim, Solino e Gehlen (2019, p. 233) apontam que, de 1991 a 2000, houve “[...] um número significativo de trabalhos que relacionavam as ideias vygotskyanas com a teoria de Bakhtin”. Contudo, nos artigos analisados, notamos que Bakhtin aparece apenas uma única vez, em 2000. Em nossa amostra, referências a Bakhtin apresentam pico percentual na década seguinte, de 2001 a 2010, aparecendo junto a Vygotsky em 39% dos artigos. Este primeiro resultado sugere um descompasso entre as tendências nas pesquisas DTs e nas pesquisas publicadas em artigos em periódicos, sendo que as tendências nas pesquisas DTs antecedem as tendências das pesquisas nos artigos.

Nos artigos publicados na década de 1990, a categoria que se destacou com o maior número de artigos foi a categoria II Concepções de alunos e/ou professores. Este resultado está de acordo com Bonfim, Solino e Gehlen (2019BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019., p. 232) quando as autoras afirmam que, na época, as pesquisas na área da Educação em Ciências que apresentavam Vygotsky como referencial teórico “[...] buscavam analisar as concepções de alunos e professores acerca dos conhecimentos científicos trabalhados a partir do processo ensino e aprendizagem”.

Período 2001-2010

Na categoria III Formação de professores, Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. apontam que, até os anos 2000, havia apenas um DT e, no período de 2001 a 2010, havia nove DTs. Segundo as autoras, há “[...] crescimento de trabalhos do grupo Formação de Professores, em que a teoria de Vygotsky é utilizada tanto como ferramenta analítica quanto para fundamentar processos formativos com professores” (BONFIM; SOLINO; GEHLEN, 2019BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019., p. 236). Contudo, embora o número absoluto de DTs tenha aumentado consideravelmente, nós consideramos o aumento do espaço relativo de pesquisa, modesto. No âmbito das DTs, essa categoria apresenta estabilidade em relação ao espaço relativo de pesquisa ao longo das três décadas analisadas. Em relação aos artigos, há apenas um artigo que trata da formação de professores, até 2010. Apenas no próximo período, de 2011 a 2020, que essa categoria ganharia algum destaque com 18 artigos (17% da amostra). Uma das possíveis causas do aumento no número de artigos desta categoria seja em razão das DTs publicadas na década anterior. Contudo, como a diferença percentual entre os períodos nas DTs é pequena, os dados parecem indicar que, nos próximos anos, o número de artigos na categoria Formação de professores não apresentará mudança substancial em relação ao período anterior. Se este for o caso, isso pode indicar uma estabilidade na produção de artigos em Educação em Ciências que utilizem Vygotsky como principal norteador teórico nesta categoria, o que acontece até o momento no âmbito das produções em DTs.

Além disso, em relação a outros referenciais teóricos que começam a ser articulados com Vygotsky, Bonfim, Solino e Gehlen (2019BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019., p. 236) apontam que foi no período de 2001 a 2010 que “[...] começaram a surgir pesquisas [Dissertações e Teses] que articulam ideias vygotskyanas a estudiosos de bases epistemológicas marxistas, tais como Leontiev, Davydov e Luria”. Para investigarmos esse resultado, nós retornamos aos 133 artigos que compõem a amostra, para averiguar em que momento Leontiev, Davydov e Luria começam a surgir em articulação com ideias vygotskyanas. Para isso, nos ocupamos das referências listadas nos artigos, à procura de qualquer obra de Leontiev, Davydov ou Luria, sejam artigos, livros, coletâneas de obras inéditas, autorais ou em coautorias.

Como resultado, temos que Leontiev aparece primeiro em articulação com Vygotsky nos artigos em 2009 e, depois, em 2010. Ou seja, Leontiev aparece em apenas dois artigos (8,7%) no período de 2001-2010. Somente na década seguinte, 2011-2020, é que Leontiev se firma nas referências bibliográficas, aparecendo em 21 (20,2%) dos 104 artigos. Em relação à Luria, vemos que ele não consta em artigo até o ano 2010. Isto é, este referencial teórico só será articulado com Vygotsky na década seguinte, 2011-2020 e, em nove (8,7%), dos 104 artigos. O resultado referente a Davydov segue a tendência de Luria: todas as vezes que Davydov é referenciado em articulação com Vygotsky, é em década posterior à encontrada por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019.. Coincidentemente, Davydov também é referenciado em 9 (8,7%) dos 104 artigos no período de 2011-2020.

Além desses referenciais, as autoras também apontam pela presença de Paulo Freire em articulação com Vygotsky: “[...] nota-se que o teórico Paulo Freire é citado em resumos de todos os grupos analisados [no período 2001-2010]” (BONFIM; SOLINO; GEHLEN, 2019BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019., p. 237). Contudo, Paulo Freire não aparece na lista de referências bibliográficas dos artigos que compõem o período 2001-2010. Será apenas no próximo período, de 2011 a 2020, que Freire aparecerá em articulação com Vygotsky, em 15 (14,4%) diferentes artigos.

Estes resultados, referentes a Leontiev, Davydov, Luria e Freire, entre as produções DTs e as produções em artigos, indicam o mesmo descompasso temporal já apontado quando analisamos a presença de Bakhtin. Expressando de outra forma, os resultados de Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. nos levou a crer que Leontiev, Luria, Davydov e Freire seriam utilizados em articulação com Vygotsky no âmbito da Educação em Ciências durante o período 2011-2020.

Período 2011-2020

É neste período que se tem mais resultados para considerar a potencialidade do descompasso nas tendências de pesquisa das DTs e dos artigos publicados em periódicos. Como há dados suficientes para analisarmos individualmente todas as categorias apresentadas na tabela 1, seguiremos a própria ordem numérica.

Em relação à categoria I, Práticas Didático-pedagógicas, temos que Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. mostraram um aumento expressivo na quantidade de DTs do segundo para o terceiro período, saindo de 56 para 97, respectivamente. Segundo as autoras, isso ocorre no contexto da busca por uma inovação curricular no Ensino de Ciências, e conceitos vygotskyanos como interação, mediação e zona de desenvolvimento proximal dão suporte na elaboração de atividades envolvidas nos processos de aprendizagem. Além disso, essa categoria ocupa um espaço relativo de pesquisa, com mais da metade (51%) das DTs classificadas para o período. Em contraste, embora tal categoria concentre um número grande de artigos em periódicos, ela está longe de ser a maioria. Ambos resultados não parecem ser surpreendentes, visto que pesquisas que analisam a relação conteúdo-método na Educação em Ciências, métodos alternativos para o ensino de Ciências, estudos de avaliação ou propostas de materiais didáticos, entre outras pesquisas abarcadas pela categoria I, são sabidamente bem difundidas, tanto na área da Educação em Ciências no geral, como nas áreas particulares do Ensino de Física, Biologia e Química (ALEXANDRINO; QUEIROZ, 2020ALEXANDRINO, D. M.; QUEIROZ, S. L. Pesquisas do tipo estado arte sobre o ensino de química no Brasil (2000-2016). Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 19, n. 3, p. 638-655, 2020.; SALEM, 2012SALEM, S. Perfil, evolução e perspectivas da pesquisa em ensino de física no Brasil. 2012. 385 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.; TEIXEIRA; MEGID NETO, 2017TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil 40 anos (1972-2011): base institucional e tendências temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 521-549. 2017. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017172521.
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
).

Contudo, é importante ressaltar que tanto Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. quanto Salem (2012)SALEM, S. Perfil, evolução e perspectivas da pesquisa em ensino de física no Brasil. 2012. 385 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. e Teixeira e Megid Neto (2017)TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil 40 anos (1972-2011): base institucional e tendências temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 521-549. 2017. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017172521.
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
encontraram muito mais dissertações do que teses, e que estes levantamentos consideraram os Mestrados Profissionais (MP). Os MP surgiram em meados da década de 2000, com a primeira defesa em 2004, no âmbito do Ensino de Física, e 2006, no âmbito do Ensino de Biologia, e desde então apresentam um crescimento expressivo, o que reflete o número de Programas de Pós-graduação com MP já superar o de mestrados acadêmicos (SALEM, 2012SALEM, S. Perfil, evolução e perspectivas da pesquisa em ensino de física no Brasil. 2012. 385 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.; TEIXEIRA; MEGID NETO, 2017TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil 40 anos (1972-2011): base institucional e tendências temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 521-549. 2017. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017172521.
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
). Segundo Teixeira e Megid Neto (2017TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil 40 anos (1972-2011): base institucional e tendências temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 521-549. 2017. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017172521.
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
, p. 541) os MP “[...] se caracterizam igualmente por uma ênfase mais centrada no desenvolvimento de processos de ensino-aprendizagem e dos recursos e materiais didáticos associados”, caracterizando 75% dos focos temáticos dos MP. A mesma ênfase nas áreas temáticas dos MP foi encontrada por Salem (2012)SALEM, S. Perfil, evolução e perspectivas da pesquisa em ensino de física no Brasil. 2012. 385 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012..

Ao considerar que a grande maioria das DTs de Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. é dissertação de mestrado - 83% no período 2001-2010 e 87% no período 2011-2016 -, isso pode ajudar a compreender os nossos resultados de artigos em periódicos em relação ao resultado das autoras. É razoável assumir que esta proporção considerável de dissertações encontradas por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. também se reflita na categoria I, o que contribui para explicar como essa categoria se tornou a mais popular nas DTs. O aumento do espaço de pesquisa identificado entre os períodos de 2001-2010 e 2011-2016 se deve, ao menos em parte, pela contribuição cada vez maior dos MPs. E, como comentado, o principal foco das dissertações nos MPs está na categoria I.

Em suma, acreditamos que estes fatores contribuem para compreender por que as DTs na categoria I ganharam maior espaço de pesquisa em relação às demais categorias e se tornaram o foco da produção, enquanto a produção dos artigos, embora tenha crescido, não superou a casa dos 30% de espaço de pesquisa. Desse modo, acreditamos que a tendência para a categoria I nos próximos anos seja de que, tanto os artigos quanto as DTs, devem apresentar um aumento do espaço de pesquisa em relação ao período anterior.

A categoria II Concepções de alunos e/ou professores abrange pesquisas ainda bastante populares na área da Educação em Ciências, mas, atualmente, apresenta uma perda de espaço de pesquisa. Em relação as DTs, nos últimos três períodos, Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. mostraram que os trabalhos da categoria II ocuparam 65% (1991-2000) a 33% (2001-2010) até 15% (2011-2016) de espaço de pesquisa. As publicações em periódicos, em nosso levantamento, acompanham a queda após o grande interesse da primeira década, muito em razão da influência dos trabalhos de Mortimer. Assim, nas produções em artigos, a categoria II foi de 71% (1991-2000) para 61% (2001-2010), até 31% (2011-2020). Ao considerarmos o espaço relativo de pesquisa, tais resultados parecem indicar que esta categoria já passou pelo seu máximo em números relativos, tanto nas DTs, quanto nos artigos, mas que ainda constitui uma das principais temáticas de investigação. Reconhecendo a queda das DTs da área e sabendo do descompasso entre as produções, acreditamos que na década de 2021-2030 há uma tendência de diminuição de espaço relativo de pesquisa abarcado por esta categoria. A perda de espaço de pesquisa desta categoria também é uma tendência em âmbito internacional (LEE; WU; TSAI, 2009LEE, A. M.; WU, B. Y.; TSAI, C. Research trends in science education from 2003 to 2007: a content analysis of publications in selected journals. International Journal of Science Education, Abingdon, v. 31, n. 15, p. 1-22, 2009. Doi: https://doi.org/10.1080/09500690802314876.
https://doi.org/10.1080/0950069080231487...
), e constatada nas DTs em Ensino de Biologia (TEIXEIRA; MEGID NETO, 2017TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil 40 anos (1972-2011): base institucional e tendências temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 521-549. 2017. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017172521.
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
).

Em relação à categoria III Formação de professores, Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. mostram dados que sustentam que esta categoria ficou praticamente inalterada, com uma leve queda percentual, conforme consta na tabela 1. Essa queda também foi relatada nas DTs de Teixeira e Megid Neto (2017TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil 40 anos (1972-2011): base institucional e tendências temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 521-549. 2017. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017172521.
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
, p. 542): “[...] entre os seis focos principais, os estudos dedicados à Formação de Professores, são aqueles que mais perdem espaço”. Os dados indicam um descompasso entre as tendências de pesquisa, já que as DTs em Formação de Professores no período de 2001-2010 levaram a um considerável aumento na produção de artigos científicos na década seguinte, registradas por nosso levantamento. Além disso, pode ser que tenhamos vivido o máximo, em espaço relativo de pesquisa, nos artigos de Formação de Professores na década que se encerrou em 2020.

Tanto em relação a esse período quanto no anterior, Bonfim, Solino e Gehlen (2019BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019., p. 240) notaram que algumas DTs da categoria IV Espaços não formais “[...] utilizam as ideias de Allen (2002)ALLEN, S. Looking for learning in visitor talk: a methodological exploration. In: LEINHARDT, G.; CROWLEY, K.; KNUTSON, K. (org.). Learning conversations in museums. New Jersey: LEA Publishers, 2002. p. 259-301., que foca na questão das experiências de aprendizagem de visitantes em exposições, articuladas com a teoria de Vygotsky”. Em nossa amostra, encontramos esse mesmo referencial de Allen (2002)ALLEN, S. Looking for learning in visitor talk: a methodological exploration. In: LEINHARDT, G.; CROWLEY, K.; KNUTSON, K. (org.). Learning conversations in museums. New Jersey: LEA Publishers, 2002. p. 259-301. em dois dos três artigos classificados nesta categoria. Além desse referencial, as autoras indicam que os autores das DTs da categoria IV articulam Vygotsky com outros referenciais teóricos, como: Davydov, Freire, Galperin, Leontiev, Luria, Morin, Saviani, Wallon.

A partir deste resultado, realizamos uma nova busca nas referências dos três artigos da categoria IV e encontramos referência apenas a Davydov e Luria, ambos uma vez em artigos distintos e ambos os autores russos na tradição da Teoria Histórico-Cultural. Tais resultados podem indicar que, em relação aos trabalhos em Educação em Ciências que versem sobre Espaço não formais, e que se apoiem em pressupostos vygotskyanos, Allen (2002)ALLEN, S. Looking for learning in visitor talk: a methodological exploration. In: LEINHARDT, G.; CROWLEY, K.; KNUTSON, K. (org.). Learning conversations in museums. New Jersey: LEA Publishers, 2002. p. 259-301. está presente tanto em DTs quanto em artigos. Vale mencionar o trabalho de Bizerra et al. (2012BIZERRA, A. F.; CIZAUSKAS, J. B. V.; INGLEZ, G. C.; FRANCO, M. T. Conversas de aprendizagem em museus de ciências: como os deficientes visuais interpretam os materiais educativos do museu de microbiologia? Revista Educação Especial, Santa Maria, v. 25, n. 42, p. 57-74, 2012. Doi: https://doi.org/10.5902/1984686X4341.
https://doi.org/10.5902/1984686X4341...
) que analisa a interpretação de deficientes visuais em museus de microbiologia. Neste artigo, que envolve espaços não formais, Allen (2002)ALLEN, S. Looking for learning in visitor talk: a methodological exploration. In: LEINHARDT, G.; CROWLEY, K.; KNUTSON, K. (org.). Learning conversations in museums. New Jersey: LEA Publishers, 2002. p. 259-301. também é referenciada. Reconhecemos, porém, que o número reduzido de artigos nesta categoria impede que a conclusão seja mais precisa. Outra possibilidade é que os referenciais teóricos de Galperin, Morin e Saviani apresentados por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. na década de 2011-2016, ainda possam aparecer nos artigos de 2021-2030. Esta é uma questão em aberto e que demandará resultados de pesquisas futuras para ser mais bem compreendida.

Em relação aos resultados referente à categoria V Pesquisa e produção científica, Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. apontam que há poucas DTs nesta categoria, apenas 10 (5%). Isso faz com que esta categoria tenha o menor número de DTs no período de 2011-2016, com pouca variação percentual do período anterior. Em nosso levantamento, porém, 20 artigos foram classificados na categoria V Pesquisa e produção científica no período 2011-2020, o que representa 19% do número de artigos neste período.

Uma possível explicação para essa diferença nos resultados pode estar relacionada aos tipos de pesquisas que compõem esta categoria, ou seja, aquelas que: realizam estudos do tipo estado da arte e outras modalidades de estudos de levantamento como revisões da literatura; realizam considerações epistemológicas sobre a natureza da pesquisa; analisam o Ensino de Ciências como campo científico; entre outras. É razoável esperar que as pesquisas com esse foco estejam mais presentes em artigos do que DTs. Para uma DT ser classificada na categoria V, é necessário que ela seja, por exemplo, principalmente destinada a uma análise da produção científica. Porém, como percebido pelos dados das autoras, é incomum que as DTs se proponham a fazer esses levantamentos como principal objetivo. O exemplo dado por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019., a dissertação de Jesus (2014)JESUS, L. G. As teorias de aprendizagem em pesquisas da área de educação em ciências: uma análise cienciométrica em periódicos brasileiros. 2014. 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Formação de Professores) - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié, 2014. que produz um levantamento em quatro periódicos da área do Ensino de Ciências, parece estar entre as exceções. O mais comum, no entanto, é que as DTs realizem pesquisas de levantamento ao longo do trabalho, e que, por vezes, compõem um capítulo ou uma seção da dissertação ou da tese. Posteriormente, os resultados deste levantamento acabam sendo publicados em forma de artigo em periódico.

Tal dinâmica ajuda a explicar não apenas o resultado de Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019., mas também o resultado de Salem (2012)SALEM, S. Perfil, evolução e perspectivas da pesquisa em ensino de física no Brasil. 2012. 385 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012., ao mostrar que de todos os trabalhos do tipo levantamento ou estado da arte, apenas 3,5% foram publicados em formato de DTs. A maioria é apresentada ou publicada em eventos científicos ou em artigos em periódicos. Acreditamos que este seja um dos principais fatores na disparidade dos resultados de Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. e no nosso levantamento nesta categoria.

Ademais, os outros tipos de pesquisa que também compõem essa categoria V e que não são do tipo estado da arte ou revisões, como discussões teórico-epistemológicas sobre a natureza da pesquisa no campo da Educação em Ciências, ainda são reduzidos, tanto em DTs quanto nos artigos em periódicos. Ou seja, há predominância de estudos do tipo revisão nos trabalhos da categoria V. Esse resultado também foi apontado por Teixeira e Megid Neto (2017TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil 40 anos (1972-2011): base institucional e tendências temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 521-549. 2017. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017172521.
https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2...
, p. 541): “[...] entre os poucos estudos sobre Pesquisa e produção científica, incluindo aqueles voltados para discussão de questões teóricas e metodológicas, predominam trabalhos de levantamento de estudos na área, os chamados Estado da Arte”. Somado a isto, acreditamos que discussões teóricas e metodológicas, ocupando o foco principal, devem estar mais presentes em teses do que dissertações, visto as expectativas e demandas de cada tipo de produção e o domínio conceitual envolvido para realizar tal discussão. Como a amostra de Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. conta com baixo percentual de teses, esse pode ser um elemento explicador para que haja relativamente poucos resultados que caracterizam a categoria V.

Outro ponto de destaque está relacionado com a categoria VI Educação Especial. Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. chamam a atenção para as DTs da categoria VI que até a década de 2011 não haviam se destacado entre os temas das pesquisas. Na década 2001-2010, as autoras encontraram 5 DTs (4% no período), e entre 2011-2016 encontraram 20 DTs (11% no período). Em um escopo mais amplo abrangendo a área da Educação Especial, sem se restringir à Educação em Ciências, a revisão de Valentini et al. (2019)VALENTINI, C. B.; BISOL, C. A.; PAIM, L. S.; EHLERS, A. P. F. Educação e deficiência visual: uma revisão da literatura. Revista Educação Especial, Santa Maria, v. 32, p. 1-20, 2019. Doi: https://doi.org/10.5902/1984686X33154.
https://doi.org/10.5902/1984686X33154...
apontou que Vygotsky é o autor mais citado. Assim, parece razoável considerar que essa importância, em algum momento, se reflita nos estudos que abordam a Educação Especial na Educação em Ciências.

Com isso, e considerando o descompasso entre os espaços relativos de pesquisa nas DTs e nos artigos, pode-se supor que a produção acadêmica de artigos em periódicos verá a consequência desse aumento na década seguinte. Assim, parece razoável considerar que no período de 2021-2030, teremos um aumento no número de publicações da categoria VI Educação especial em Educação em Ciências que se baseiam em Vygotsky. O quadro 1 contém um resumo das tendências discutidas nesta seção.

Quadro 1
Resumo das tendências de pesquisa por categoria para a década 2021-2030 considerando o descompasso entre as produções científicas de DTs e de artigos em periódicos

Limitações e implicações para futuras pesquisas

Neste estudo, realizamos um diálogo com o amplo levantamento a respeito de trabalhos na área da Educação em Ciências que utilizam Vygotsky como referencial teórico. Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. se mantiveram no âmbito das DTs enquanto nós nos mantivemos no âmbito das produções de artigos em periódicos por pesquisadores da área. Reconhecemos que tentativas de analisar tendências de pesquisa ou até mesmo entender os campos de pesquisa numa determinada época é um trabalho complexo e multifacetado e que nossos resultados indicam um descompasso entre as DTs e artigos em periódicos. Embora tenhamos considerado uma amostra diversa e representativa dos pesquisadores na área da Educação em Ciências com referencial vygotskyano, e apesar de esperar alguma sobreposição, eles não são necessariamente os mesmos autores das DTs levantadas por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019.. Vale ressaltar que em sentido amplo a Teoria Histórico-Cultural na pesquisa em Educação em Ciências também aparece em artigos que não referenciam Vygotsky, mas sim outros autores como Leontiev, por exemplo (CAMILLO; MATTOS, 2019CAMILLO, J.; MATTOS, C. Notas sobre a expansão da teoria da atividade na educação em ciências no Brasil. Revista Brasileira da Pesquisa Sócio-Histórico-Cultural e da Atividade, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 1-19, 2019.). Portanto, considerar apenas artigos que referenciam Vygotsky também é uma restrição e trabalhos futuros podem realizar uma análise mais abrangente. Outra limitação é o fato de termos considerado apenas o período de uma década. Uma análise com intervalos mais curtos poderia revelar mais detalhes do descompasso. Consideramos que o mais relevante para expandir o conhecimento da área seria, eventualmente, conduzir semelhante análise em diferentes fontes bibliográficas, como anais de eventos científicos.

De todo modo, por conta do considerável número de trabalhos analisados, nos mais diversos periódicos, por pesquisadores de todas as regiões do país, acreditamos que a principal conclusão deste trabalho se mantém: dado o período de uma década, parece haver um descompasso entre os temas que estão nos trabalhos de pós-graduação em relação aos temas dos artigos publicados em periódicos. Com esse resultado, estamos reconhecendo um vínculo entre as produções de DTs, ligadas a programas de pós-graduação, que seguem dinâmicas institucionais próprias, e que outorgam títulos acadêmicos com a produção de artigos em periódicos através de um descompasso entre os períodos analisados. Noutras palavras, as tendências surgem primeiro no campo da pós-graduação para, então, se consolidarem nos periódicos.

Uma implicação dessa constatação é que ela pode servir como guia para jovens pesquisadores que estejam começando na pesquisa em Educação em Ciências orientada por pressupostos vygotskianos. Isto é, estes pesquisadores podem considerar que áreas de pesquisa, como aquelas que compõem a categoria II Concepções de alunos e/ou professores, apesar de crescerem em números absolutos, atualmente perderam espaço relativo de pesquisa. Inversamente, reconhecer áreas de pesquisas que estejam se estabelecendo como aquelas contempladas pela categoria VI Educação especial. Ou ainda, áreas que sejam pouco exploradas como aquelas que investigam questões teóricas e metodológicas dos referenciais teóricos e que são contempladas pela categoria V Pesquisa e produção científica.

Aliando as tendências de pesquisa com anseios pessoais, jovens pesquisadores podem decidir por áreas pouco exploradas, mas com potencial de crescimento e interesse por parte da comunidade científica, ou investigarem problemas de áreas mais consolidadas e que, por consequência, terá mais interlocutores. É evidente que ter conhecimento da dinâmica da área de pesquisa também contribui para as escolhas de pesquisadores mais experientes, seja no direcionamento das investigações conduzidas em seus Grupos de Pesquisa, na elaboração de temáticas para eventos científicos, em orientação de pesquisa, em dossiês temáticos nos periódicos, entre outras ações.

Considerações finais

À guisa de conclusão, este estudo mostra que a fundamentação teórica vygotskyana tem se consolidado paulatinamente na Educação em Ciências em diversas temáticas. Nossos resultados apresentam particular relevância para jovens pesquisadores auxiliando na identificação de novas tendências e desafios de pesquisa. A área precisa continuar refletindo sistematicamente sobre ela mesma, para que possa, dentre outras coisas, orientar as próximas gerações de pesquisadores.

Acreditamos que, uma vez que tenhamos discutidos elementos suficientes para considerar a pergunta de pesquisa Os resultados apresentados por Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019. nas DTs refletem tendências nos artigos publicados em periódicos?, ela foi respondida afirmativamente. Contudo, o conjunto de dados parece indicar que há um descompasso de uma década entre as categorias nos dois tipos de publicação. Uma ampliação desta discussão consistiria em analisar se a mesma dinâmica ocorre em outros nichos da pesquisa em Educação em Ciências.

Além de mostrar tendências de pesquisas atuais e perspectivas futuras, é importante ressaltar que nossa interpretação abrangente dos resultados só foi possível graças à contínua interlocução com o levantamento de Bonfim, Solino e Gehlen (2019)BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019.. Esta interlocução permitiu que compreendêssemos a área da Educação em Ciências de referencial vygotskyano em seu movimento ao longo dos anos. Destacamos que a análise dialogada, entre os resultados nas DTs e nos artigos em periódicos, conduzida de maneira independente, contribui para a construção de um panorama mais estruturado e poderia instigar mais pesquisas neste formato.

  • 1
    Utilizamos os termos Vyg* e Vig*, pois eles contemplam as variações gráficas do nome Vygotsky em português, inglês e espanhol. Posteriormente, fizemos uma filtragem para eliminar palavras não relacionadas com esses radicais. Vale ressaltar que, também, realizamos uma checagem manual em todos os artigos para nos certificarmos que o aplicativo funcionou conforme o esperado.

Agradecimento

O presente trabalho foi realizado com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo 140901/2022-1.

Referências

  • ALEXANDRINO, D. M.; QUEIROZ, S. L. Pesquisas do tipo estado arte sobre o ensino de química no Brasil (2000-2016). Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 19, n. 3, p. 638-655, 2020.
  • ALLEN, S. Looking for learning in visitor talk: a methodological exploration. In: LEINHARDT, G.; CROWLEY, K.; KNUTSON, K. (org.). Learning conversations in museums New Jersey: LEA Publishers, 2002. p. 259-301.
  • ASBAHR, F. S. F.; OLIVEIRA, M. L. S. A. M. Inventário dos grupos brasileiros de pesquisa na teoria histórico-cultural a partir do diretório de grupos do CNPq. Obutchénie: revista de didática e psicologia pedagógica, Uberlândia, v. 5, n. 2, p. 566-587, 2021. Doi: http://doi.org/10.14393/OBv5n2.a2021-61477
    » http://doi.org/10.14393/OBv5n2.a2021-61477
  • BIZERRA, A. F.; CIZAUSKAS, J. B. V.; INGLEZ, G. C.; FRANCO, M. T. Conversas de aprendizagem em museus de ciências: como os deficientes visuais interpretam os materiais educativos do museu de microbiologia? Revista Educação Especial, Santa Maria, v. 25, n. 42, p. 57-74, 2012. Doi: https://doi.org/10.5902/1984686X4341
    » https://doi.org/10.5902/1984686X4341
  • BONFIM, V.; SOLINO, A. P.; GEHLEN, S. T. Vygotsky na pesquisa em educação em ciências no Brasil: um panorama histórico. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vigo, v. 18, n. 1, p. 224-250, 2019.
  • CAMILLO, J.; MATTOS, C. Notas sobre a expansão da teoria da atividade na educação em ciências no Brasil. Revista Brasileira da Pesquisa Sócio-Histórico-Cultural e da Atividade, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 1-19, 2019.
  • DECONTO, D. C. S.; OSTERMANN, F. Educação em ciências e pensamento bakhtiniano: uma análise de trabalhos publicados em periódicos nacionais. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 20, p. 121-156, 2020. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2020u121156
    » https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2020u121156
  • FONTES, D. T. M.; RODRIGUES, A. M. Fundamentação teórica no ensino de eletromagnetismo: uma revisão da literatura em periódicos nacionais. Caderno Brasileiro de Ensino de Física, Florianópolis, v. 38, n. 2, p. 965-991, 2021. Doi: https://doi.org/10.5007/2175-7941.2021.e72040
    » https://doi.org/10.5007/2175-7941.2021.e72040
  • FONTES, D. T. M.; RODRIGUES, A. M. Sobre os modos de uso da teoria histórico-cultural na pesquisa em educação em ciências pelos membros dos grupos de pesquisa do CNPq [2023]. (No prelo).
  • GASPAR, A. Cinquenta anos de ensino de física: muitos equívocos, alguns acertos e a necessidade do resgate do papel do professor. In: ENCONTRO DE FÍSICOS DO NORTE E NORDESTE, 15., 1997, Natal, RN. Anais [...]. Natal: UFRN, 1997.
  • GEHLEN, S. T.; MACHADO, A.; AUTH, M. A. Freire e Vygotsky no Simpósio Nacional de Ensino de Física. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE FÍSICA, 18., 2009, Vitória. Anais [...]. Vitória: SBF, 2009.
  • GEHLEN, S. T.; SCHROEDER, E.; DELIZOICOV, D. A abordagem histórico-cultural no Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM ENSINO DE CIÊNCIAS, 6., 2007, Florianópolis. Anais [...]. Florianópolis: ABRAPEC, 2007.
  • JESUS, L. G. As teorias de aprendizagem em pesquisas da área de educação em ciências: uma análise cienciométrica em periódicos brasileiros. 2014. 185 f. Dissertação (Mestrado em Educação Científica e Formação de Professores) - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Jequié, 2014.
  • LEE, A. M.; WU, B. Y.; TSAI, C. Research trends in science education from 2003 to 2007: a content analysis of publications in selected journals. International Journal of Science Education, Abingdon, v. 31, n. 15, p. 1-22, 2009. Doi: https://doi.org/10.1080/09500690802314876
    » https://doi.org/10.1080/09500690802314876
  • LONGAREZI, A. M. Gênese e constituição da obutchénie desenvolvimental: expressão da produção singular-particular-universal enquanto campo de tensão contraditória. Educação, Santa Maria, v. 45, p. 1-31, 2020. Doi: https://doi.org/10.5902/1984644448103
    » https://doi.org/10.5902/1984644448103
  • MEGID NETO, J. Tendências da pesquisa acadêmica sobre o ensino de ciências no nível fundamental 1999. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999.
  • MORTIMER, E. F. Conceptual change or conceptual profile change? Science & Education, London, v. 4, p. 267-285, 1995. Doi: https://doi.org/10.1007/BF00486624
    » https://doi.org/10.1007/BF00486624
  • MORTIMER, E. F. Multivoicedness and univocality in classroom discourse: an example from theory of matter. International Journal of Science Education, Abingdon, v. 20, n. 1, p. 67-82, 1998. Doi: https://doi.org/10.1080/0950069980200105
    » https://doi.org/10.1080/0950069980200105
  • RAZERA, J. C. C. A formação de professores em artigos da revista Ciência & Educação (1998-2014): uma revisão cienciométrica. Ciência & Educação, Bauru, v. 22, n. 3, p. 561-583, 2016. Doi: https://doi.org/10.1590/1516-731320160030002
    » https://doi.org/10.1590/1516-731320160030002
  • SALEM, S. Perfil, evolução e perspectivas da pesquisa em ensino de física no Brasil 2012. 385 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
  • SMOLKA, A. L. B. A teoria histórico-cultural do psiquismo humano em perspectiva: condições e implicações de uma psicologia concreta. Revista Brasileira da Pesquisa Sócio-Histórico-Cultural e da Atividade, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 1-30, 2021.
  • TEIXEIRA, P. M. M.; MEGID NETO, J. A produção acadêmica em ensino de biologia no Brasil 40 anos (1972-2011): base institucional e tendências temáticas e metodológicas. Revista Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v. 17, n. 2, p. 521-549. 2017. Doi: https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017172521
    » https://doi.org/10.28976/1984-2686rbpec2017172521
  • VALENTINI, C. B.; BISOL, C. A.; PAIM, L. S.; EHLERS, A. P. F. Educação e deficiência visual: uma revisão da literatura. Revista Educação Especial, Santa Maria, v. 32, p. 1-20, 2019. Doi: https://doi.org/10.5902/1984686X33154
    » https://doi.org/10.5902/1984686X33154
  • VYGOTSKY, L. S. The collected works of L. S. Vygotsky: child psychology. New York: Springer, 1998.
  • VYGOTSKY, L. S. The collected works of L. S. Vygotsky: the fundamentals of defectology. New York: Springer, 1993.
  • VYGOTSKY, L. S. The collected works of L. S. Vygotsky: the history of the development of higher mental functions. New York: Springer, 1997.
  • VYGOTSKY, L. S. The collected works of L. S. Vygotsky: problems of general psychology, including the volume thinking and speech. New York: Springer, 1987.
  • ZARPELON, E.; RESENDE, L. M. Teorias da aprendizagem em publicações na área de educação em engenharia: um mapeamento com foco na disciplina de cálculo I. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 36, e210405, p. 1-23, 2020. Doi: https://doi.org/10.1590/0102-4698210405
    » https://doi.org/10.1590/0102-4698210405

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2022
  • Aceito
    27 Jul 2023
Programa de Pós-Graduação em Educação para a Ciência, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Faculdade de Ciências, campus de Bauru. Av. Engenheiro Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01, Campus Universitário - Vargem Limpa CEP 17033-360 Bauru - SP/ Brasil , Tel./Fax: (55 14) 3103 6177 - Bauru - SP - Brazil
E-mail: revista@fc.unesp.br