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What phonological deficit?

REFLETINDO SOBRE O NOVO

What phonological deficit?

Comentado por: Ana Luiza Gomes Pinto Navas

Professora Adjunto do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo – FCMSCSP – São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ana Luiza Gomes Pinto Navas R. Dr. Cesário Mota Jr., 61, 8ºandar São Paulo – SP, CEP 01221-020 E-mail: ana.navas@fcmscsp.edu.br

O artigo aqui comentado traz uma revisão crítica sobre a hipótese do déficit de processamento fonológico em pacientes com dislexia do desenvolvimento. Os autores pretendem detalhar o que exatamente do processamento fonológico está prejudicado nestes pacientes, se as próprias representações fonológicas ou o acesso a elas.

Franck Ramus (FR) & Gayaneh Szenkovits (GS) (2008), do Laboratoire de Sciences Cognitives et Psycholinguistique (EHESS/CNRS/DEC-ENS), Paris, France, descrevem uma retrospectiva histórica das diversas abordagens teóricas sobre dislexia do desenvolvimento e especificamente dos avanços da hipótese do déficit de processamento fonológico.

Há algumas décadas os psicolingüistas têm estudado em detalhe a estrutura das representações fonológicas, suas regras (ou computações) operacionais e os vários níveis de representação e processamento que estão envolvidos tanto na produção como na percepção da fala como mostra a Figura 1.


Assim, os autores destacam três dimensões do déficit de processamento fonológico que estão envolvidos nos distúrbios específicos de leitura:

- déficits em consciência fonológica, demonstrados pelo baixo desempenho em tarefas de exclusão de fonemas.

- déficits em memória operacional fonológica, demonstrados pelo baixo desempenho em tarefas de memória seqüencial de dígitos e/ou repetição de pseudopalavras.

- recuperação lexical lenta, demonstrada pelo baixo desempenho em tarefas de nomeação automática rápida.

Todas essas dificuldades em habilidades verbais (fonológicas) têm um componente em comum que são as representações fonológicas. Portanto, a explicação mais comum para o déficit de processamento fonológico assume que as representações fonológicas são imprecisas, degradadas, não-específicas e/ou não categóricas(1-3).

No entanto, o processamento fonológico está envolvido em muitos outros aspectos além dessas três dimensões levantadas, e portanto, a hipótese de uma falha na estrutura das representações fonológicas deve manifestar-se também nas etapas iniciais de aquisição do sistema fonológico nos primeiros anos de vida, bem como, na produção e percepção de contrastes fonológicos.

Explorando o Déficit de Processamento Fonológico

Para entender e identificar quais os diferentes níveis de representações fonológicas deficientes, os autores adotaram uma estratégia experimental. Iniciaram então uma série de estudos delineados para responder a estes questionamentos baseada em experimentos cuidadosamente elaborados para comparar os níveis, lexical e sublexical das representações, em tarefas envolvendo palavras e não-palavras; e comparar as vias de entrada e de saída, em tarefas de repetição (envolvimento das duas vias) e tarefas de discriminação auditiva (envolvimento somente das representações de entrada).

Todas as condições avaliadas mostraram diferenças significativas entre os grupos de adultos disléxicos e adultos sem queixas de leitura sugerindo que o déficit de processamento fonológico é evidenciado qualquer que seja o nível de representação, lexical ou sublexical, de entrada ou de saída (Figura 1). Observou-se também que o déficit fonológico nas representações de entrada é mais evidente nos adultos disléxicos do que no grupo controle.

Em conjunto, esses resultados apontaram para a necessidade de um estudo mais detalhado da diferenciação entre a integridade das representações e o acesso a elas. A primeira alternativa é de que as representações estejam degradadas, com alguns traços fonéticos perdidos resultando em erros de comparação e de produção. A outra alternativa é de que as representações fonológicas estejam intactas, ou seja, o processo de codificação fonológica tenha ocorrido de forma adequada ao longo do desenvolvimento de linguagem, no entanto, os recursos de processamento impõem a verdadeira limitação.

Novamente, os autores exploram estas duas possibilidades por meio de estudos controlados. Em tarefas de discriminação e repetição de não-palavras participantes com dislexia mostraram o mesmo desempenho do grupo controle. No entanto, foram encontradas diferenças entre os grupos quando a tarefa envolvia uma maior demanda de recursos de processamento.

Finalmente, os pesquisadores estudaram o papel do aces-so lexical do via input fonológico e mostraram que os indivíduos com dislexia apresentam o mesmo grau de facilitação fonológica do que o grupo controle. Esses achados também concordam com a idéia de que as representações fonológicas estão intactas.

Em suma, as representações fonológicas de adultos com dislexia não diferem das de adultos sem queixas de leitura. A proposta apresentada pelos autores, após uma série de estudos ao longo de 20 anos de pesquisa em psicolingüística é de que indivíduos com dislexia apresentam uma falha no acesso fonológico, ou seja, todos os processos de acesso às representações fonológicas (lexicais ou sublexicais) estariam prejudicados como descrito a seguir:

(1) A memória operacional verbal requer o acesso às representações fonológicas para que sejam mantidas no sistema de armazenamento para posterior recuperação, conforme funcionamento da alça fonológica(4).

(2) Habilidades metalingüísticas de consciência fonológica envolvem o acesso consciente às representações fonológicas que devem sobrecarregar os mecanismos de acesso e manutenção temporária destas representações;

(3) O acesso lexical avaliado pelas tarefas de nomeação rápida também implicam em um rápido acesso às representações fonológicas.

O denominador comum nestes casos é a complexidade da operação em termos de acesso às representações. Outros pesquisadores já apresentaram propostas semelhantes como a "hipótese de limitação de processamento"(5) e a "noção de déficit de saída (output)"(6).

Para finalizar, gostaria de salientar que os estudos e experimentos que embasaram esta extensa e detalhada revisão crítica sobre a natureza do "déficit de processamento fonológico" na dislexia do desenvolvimento foram realizados com indivíduos adultos. Os próprios autores apontam para a necessidade de que esta hipótese fosse testada com crianças ao longo do desenvolvimento.

  • 1. Mody M, Studdert-Kennedy M, Brady S. Speech perception deficits in poor readers: Auditory processing or phonological coding? J Exp. Child Psychol. 1997;64(2):199-231.
  • 2. Serniclaes W, Van Heghe S, Mousty P, Carre´ R, Sprenger-Charolles L. Allophonic mode of speech perception in dyslexia. J Exp. Child Psychol. 2004;87(4):336-61.
  • 3. Snowling MJ. Dyslexia. 2nd ed. Oxford, UK: Blackwel; 2000.
  • 4. Baddeley AD,Lewis V, Vallar G. Exploring the articulatory loop. Q J Exp Psychol. 1984;36A:233-52.
  • 5. Shankweiler D, Crain S. Language mechanisms and reading disorder: a modular approach. Cognition. 1986;24(1-2):139-68.
  • 6. Hulme C, Snowling M. Deficits in output phonology: An explanation of reading failure? Cognitive Neuropsychol. 1992;9(1):47-72.
  • Endereço para correspondência:

    Ana Luiza Gomes Pinto Navas
    R. Dr. Cesário Mota Jr., 61, 8ºandar
    São Paulo – SP, CEP 01221-020
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    Tradução da autora.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007
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