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Relação entre achados em neuroimagem, habilidades auditivas e metafonológicas em escolares com dislexia do desenvolvimento

Relationship between neuroimaging findings and auditory and metaphonological abilities in students with developmental dyslexia

Resumos

OBJETIVO: Relacionar as habilidades auditivas, metafonológicas e de neuroimagem em escolares com dislexia do desenvolvimento e comparar os achados dessas habilidades em escolares com bom desempenho acadêmico. MÉTODOS: Participaram deste estudo 20 escolares, sendo dez com diagnóstico interdisciplinar de dislexia do desenvolvimento e dez com bom desempenho acadêmico, submetidos a avaliações audiológica, do processamento auditivo e de consciência fonológica. Os escolares com dislexia do desenvolvimento foram submetidos a exame de imagem (SPECT). RESULTADOS: Os resultados indicaram diferença estatisticamente significante entre as habilidades auditivas de sequência para sons verbais, mensagem competitiva ipsi e contralateral, dicótico de dígitos e dissílabos alternados e habilidades de síntese, segmentação, manipulação e transposição fonêmica. Entre os escolares com dislexia do desenvolvimento, evidenciou-se hipoperfusão da porção mesial do lobo temporal. CONCLUSÃO: Os achados deste estudo evidenciaram correlação entre provas de memória auditiva e manipulação silábica e fonêmica e associação entre habilidades auditivas e fonológicas, sugerindo que os processos auditivos interferem diretamente na percepção de aspectos acústicos, temporais e sequenciais dos sons para formação de uma representação fonológica estável, e que isto pode ser decorrente da presença de alterações de fluxo sanguíneo no lobo temporal.

Dislexia; Percepção auditiva; Aprendizagem; Tomografia computadorizada de emissão de fóton único


PURPOSE: To correlate auditory and metaphonological abilities and neuroimaging in students with developmental dyslexia, and to compare these findings to those obtained with students with good academic performance. METHODS: Twenty children participated in this study: ten with an interdisciplinary diagnostic of developmental dyslexia, and ten students with good academic performance. All subjects carried out audiologic, auditory processing and phonological awareness evaluations. The students with developmental dyslexia were submitted to imaging exam (SPECT). RESULTS: The results indicated a statistically significant difference between the hearing abilities of verbal sound sequences, contra and ipsilateral competing message, dichotic digits and alternate disyllables, and the metaphonological abilities of phonemic synthesis, segmentation, manipulation and transposition. Mesial temporal lobe hypoperfusion was evidenced among subjects with developmental dyslexia. CONCLUSION: The findings of the present study evidenced correlation between auditory memory tasks and syllabic and phonemic manipulation, and association between auditory and phonological abilities, suggesting that auditory processes interfere directly in the perception of acoustic, temporal and sequential aspects of sounds to form a stable phonological representation, and that this might be caused by the presence of blood flow changes on the temporal lobe.

Dyslexia; Auditory perception; Learning; Tomography, emission-computed, single-photon


ARTIGO ORIGINAL

Relação entre achados em neuroimagem, habilidades auditivas e metafonológicas em escolares com dislexia do desenvolvimento

Relationship between neuroimaging findings and auditory and metaphonological abilities in students with developmental dyslexia

Giseli Donadon GermanoI; Fábio Henrique PinheiroII; Ana Cláudia Vieira CardosoIII; Lara Cristina Antunes dos SantosIV; Niura Aparecida de Moura Ribeiro PadulaV; Simone Aparecida CapelliniVI

IPós-graduanda (Doutorado) do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Marília (SP), Brasil

IIPós-graduando (Mestrado) do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Marília (SP), Brasil

IIIDoutora, Professora do Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Marília (SP), Brasil

IVDoutora, Professora do Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP), Brasil

VDoutora, Professora do Departamento de Neurologia, Psiquiatria e Psicologia da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Botucatu (SP), Brasil

VIDoutora, Professora do Departamento de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" - UNESP - Marília (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Giseli Donadon Germano. R. Frei Jacinto, 264, Bairro Fragata, Marília (SP), Brasil, CEP: 17501-240. E-mail: giseliger@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Relacionar as habilidades auditivas, metafonológicas e de neuroimagem em escolares com dislexia do desenvolvimento e comparar os achados dessas habilidades em escolares com bom desempenho acadêmico.

MÉTODOS: Participaram deste estudo 20 escolares, sendo dez com diagnóstico interdisciplinar de dislexia do desenvolvimento e dez com bom desempenho acadêmico, submetidos a avaliações audiológica, do processamento auditivo e de consciência fonológica. Os escolares com dislexia do desenvolvimento foram submetidos a exame de imagem (SPECT).

RESULTADOS: Os resultados indicaram diferença estatisticamente significante entre as habilidades auditivas de sequência para sons verbais, mensagem competitiva ipsi e contralateral, dicótico de dígitos e dissílabos alternados e habilidades de síntese, segmentação, manipulação e transposição fonêmica. Entre os escolares com dislexia do desenvolvimento, evidenciou-se hipoperfusão da porção mesial do lobo temporal.

CONCLUSÃO: Os achados deste estudo evidenciaram correlação entre provas de memória auditiva e manipulação silábica e fonêmica e associação entre habilidades auditivas e fonológicas, sugerindo que os processos auditivos interferem diretamente na percepção de aspectos acústicos, temporais e sequenciais dos sons para formação de uma representação fonológica estável, e que isto pode ser decorrente da presença de alterações de fluxo sanguíneo no lobo temporal.

Descritores: Dislexia; Percepção auditiva; Aprendizagem; Tomografia computadorizada de emissão de fóton único

ABSTRACT

PURPOSE: To correlate auditory and metaphonological abilities and neuroimaging in students with developmental dyslexia, and to compare these findings to those obtained with students with good academic performance.

METHODS: Twenty children participated in this study: ten with an interdisciplinary diagnostic of developmental dyslexia, and ten students with good academic performance. All subjects carried out audiologic, auditory processing and phonological awareness evaluations. The students with developmental dyslexia were submitted to imaging exam (SPECT).

RESULTS: The results indicated a statistically significant difference between the hearing abilities of verbal sound sequences, contra and ipsilateral competing message, dichotic digits and alternate disyllables, and the metaphonological abilities of phonemic synthesis, segmentation, manipulation and transposition. Mesial temporal lobe hypoperfusion was evidenced among subjects with developmental dyslexia.

CONCLUSION: The findings of the present study evidenced correlation between auditory memory tasks and syllabic and phonemic manipulation, and association between auditory and phonological abilities, suggesting that auditory processes interfere directly in the perception of acoustic, temporal and sequential aspects of sounds to form a stable phonological representation, and that this might be caused by the presence of blood flow changes on the temporal lobe.

Keywords: Dyslexia; Auditory perception; Learning; Tomography, emission-computed, single-photon

INTRODUÇÃO

Dislexia é um distúrbio específico de aprendizagem de origem neurológica, caracterizado pela dificuldade com a fluência correta na leitura e dificuldade na habilidade de decodificação e soletração, resultantes de um déficit no componente fonológico da linguagem(1).

As crianças disléxicas podem apresentar, entre outras alterações, déficit no processamento fonológico, decorrente de alteração no processamento temporal acústico; apresentam dificuldades quanto à discriminação, memória e percepção auditiva, comprometendo diretamente o mecanismo de conversão letra-som, necessário para a realização da leitura e redação de textos em um sistema de escrita alfabético(2-4).

O processamento auditivo está diretamente relacionado com a discriminação, memória e percepção auditiva. A discriminação auditiva é responsável por agrupar sons de acordo com a similaridade ou diferença; a memória auditiva é responsável por armazenar ou recuperar a informação auditiva, enquanto que a percepção auditiva é responsável por receber e interpretar os sons ou palavras recebidas. Essas competências são importantes na expressão e compreensão da palavra falada, na leitura, e na escrita(5-7).

As habilidades fonológicas são necessárias para a leitura e a escrita na medida em que a atenção à fonologia da língua será um aspecto a ser integrado no reconhecimento de palavras(4,8). A linguagem escrita deve ser considerada como um sistema de representação de língua, cuja aprendizagem significa a apropriação de um novo objeto de conhecimento. É necessário entender que a estrutura do sistema alfabético do português não significa que a escrita deste sistema seja a representação gráfica dos seus sons, mas que a percepção dos sons, durante a produção da linguagem oral, influencia diretamente o desenvolvimento da leitura e da escrita(9-10).

Para o aprendizado inicial da leitura e escrita é necessária a percepção de informações acústicas para decodificar e codificar os fonemas. As crianças que apresentam dificuldades em processar os estímulos sonoros da fala poderão deparar-se com obstáculos na segmentação e manipulação da estrutura fonológica da linguagem e, consequentemente, estarão sujeitas a apresentar dificuldades de leitura e escrita(8,11).

As crianças com dislexia do desenvolvimento por apresentarem alterações de fluxo sanguíneo em regiões do córtex temporal, podem apresentar falhas no processamento neurológico da informação, acarretando dificuldade na percepção auditiva das informações fonológicas relacionadas com a aprendizagem da leitura em um sistema de escrita com base alfabética. Estudos realizados no Brasil(12-13). evidenciam estas alterações no funcionamento neurológico.

Com base no exposto, este trabalho teve como objetivos verificar o desempenho de crianças disléxicas e com bom desempenho escolar em provas de habilidades auditivas e metafonológicas e relacionar as habilidades auditivas, metafonológicas e os achados de neuroimagem em escolares com dislexia do desenvolvimento.

MÉTODOS

Este estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP) sob o protocolo número 3118/2006.

Participaram deste estudo 20 escolares de 2ª a 4ª série do ensino fundamental da rede pública municipal da cidade de Marília (SP) e do serviço de Fonoaudiologia do Centro de Estudos da Educação e Saúde (CEES/UNESP), distribuídos nos seguintes grupos:

- Grupo I (GI): composto de 10 escolares de 2ª a 4ª séries do ensino fundamental, com diagnóstico interdisciplinar de dislexia do desenvolvimento, sendo 60% do gênero masculino e 40% do gênero feminino, com média etária de dez anos e quatro meses. Os escolares foram considerados disléxicos quando apresentaram os seguintes critérios em situação de avaliação interdisciplinar: alteração no equilíbrio estático, na coordenação apendicular - persistência motora, equilíbrio dinâmico, na coordenação tronco/membro e sensibilidade no exame neurológico evolutivo, discrepância entre coeficiente intelectual verbal e execução na avaliação psicológica; alteração da memória de trabalho fonológica, leitura e escrita na bateria neuropsicológica; alterações fonêmicas, silábicas, rima e aliteração em provas de consciência fonológica, nível de leitura alfabético, velocidade de leitura oral abaixo do esperado para idade e escolaridade, transtorno fonológico evidenciado na avaliação fonológica, na leitura oral de textos e na leitura oral de palavras isoladas e na escrita sob ditado de palavras e pseudopalavras, na redação temática e na compreensão parcial do texto lido.

Os critérios utilizados para a realização do diagnóstico interdisciplinar de dislexia do desenvolvimento encontram-se referidos na literatura nacional(12-17), incluindo o fato desses escolares estarem inseridos em contexto educacional de ensino regular com instrução educacional apropriada à sua faixa etária e escolaridade(18).

- Grupo II (GII): composto de 10 escolares de 2ª a 4ª série do ensino fundamental, com bom desempenho acadêmico, pareados segundo gênero, média etária e escolaridade com o GI. Os escolares foram considerados com bom desempenho acadêmico quando apresentaram desempenho satisfatório no histórico escolar em dois bimestres consecutivos, segundo informação da professora. Estes escolares não apresentaram no prontuário escolar anotações referentes a alterações auditivas, visuais, cognitivas, motoras ou de atraso do desenvolvimento de fala e linguagem.

A coleta de dados foi realizada no CEES/UNESP, no período contrário ao escolar. O exame de SPECT (Single Photon Emission Computed Tomography) foi realizado no Ambulatório de Neurologia Infantil - Desvios da Aprendizagem do Hospital das Clínicas da UNESP, apenas nos escolares com diagnóstico interdisciplinar de dislexia do desenvolvimento. Este exame foi escolhido por ser uma modalidade de imagem que permite avaliação funcional do cérebro, ou seja, por fornecer informações relacionadas com o fluxo sanguíneo cerebral regional de forma qualitativa e quantitativa e demonstrar acurácia no diagnóstico de déficits neuropsicológicos estabelecidos em condições basais(19).

Na avaliação da audição, foram coletadas informações da sensibilidade auditiva dos escolares por meio de exame audiológico básico, constituído de audiometria tonal liminar, logoaudiometria e medidas de imitância acústica. Todos os participantes deste estudo apresentaram acuidade auditiva normal. Posteriormente, todos os escolares foram submetidos à avaliação do processamento auditivo, utilizando-se as provas de Memória Sequencial para Sons Não-Verbais, Memória Sequencial para Sons Verbais, Localização Sonora(20-22), o teste de Logoaudiometria Pediátrica ou Teste de Inteligibilidade de Fala com Mensagem Competitiva Contralateral e Ipsilateral, o teste Dicótico de Dígitos e de Dissílabos Alternados - SSW(23-27).

O procedimento utilizado para a avaliação das habilidades fonológicas foi a Prova de Consciência Fonológica(28). Essa prova é composta de dez subtestes, com quatro itens cada, que se referem à verificação das habilidades fonêmicas, supra-fonêmicas e silábicas. O resultado desta prova é apresentado em forma de escore para os subtestes e escore total.

Com o intuito de verificar possíveis diferenças entre as médias dos subtestes e testes dos procedimentos aplicados, utilizou-se o Teste t de Student, controlado pelo Teste de Levene para Igualdade de Variâncias. Para verificar as relações entre os pares de variáveis (os testes Dicótico de Dígitos e Dissílabos Alternados - SSW, de Inteligibilidade de Fala - PSI, Memória Sequencial para Sons Não-Verbais - MSNV, Memória Sequencial para Sons Verbais - MSV, e as Provas de Consciência Fonológica) utilizou-se a Análise de Correlação de Spearman. Para a aplicação dos testes estatísticos deste estudo, foi adotado o nível de 5% de significância, marcada com asterisco. Para análise dos dados, foi utilizado o programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 13.0.

RESULTADOS

Na Tabela 1, é apresentado o desempenho dos escolares do GI e GII na provas auditivas. Os resultados analisados pelo Teste t de Student, controlado pelo Teste de Levene para Igualdade de Variâncias, evidenciaram diferença estatisticamente significante para o desempenho dos escolares do GI e GII na prova de memória sequencial para sons verbais (MSV), demonstrando melhor desempenho dos escolares do GII em relação ao GI.

Os resultados analisados pelo Teste t de Student, controlado pelo Teste de Levene para Igualdade de Variâncias do Teste de Inteligibilidade de Fala (PSI) com Mensagem Competitiva Contralateral (MCC) e Ipsilateral (MCI) evidenciaram diferença estatisticamente significante para o desempenho dos escolares do GI e GII com MCC direita para as relações fala/competição -10, -15 e -40 e MCI esquerda para a relação fala/competição -10, ressaltando melhor desempenho dos escolares do GII em relação ao GI.

No Teste de Dicótico de Dígitos observou-se diferença estatisticamente significante para o desempenho dos escolares do GI e GII nas etapas de integração binaural (direita e esquerda) e separação binaural (atenção direita e atenção esquerda), evidenciando melhor desempenho dos escolares do GII em relação ao GI.

No Teste de Dissílabos Alternados (SSW) verificou-se diferença estatisticamente significante para o desempenho dos escolares do GI e GII para orelha direita e esquerda, o que mostrou um melhor desempenho dos escolares do GII em relação ao GI.

Não ocorreu diferença estatisticamente significante para o desempenho dos escolares do GII e GI, tendo demonstrado que a atuação dos dois grupos foi semelhante no Índice de Reconhecimento de Fala.

Entre as provas de processamento auditivo, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre as variáveis na comparação intragrupo.

Na Tabela 2, é apresentado o desempenho dos escolares do GI e GII na prova de consciência fonológica (PCF). Os resultados analisados pelo Teste t de Student, controlado pelo Teste de Levene para Igualdade de Variâncias, comprovaram diferença estatisticamente significante para o desempenho dos escolares do GI e GII nos subtestes de síntese fonêmica (SiF), segmentação fonêmica (SeF), rima (RIM), aliteração (ALI), manipulação silábica (ManS), manipulação fonêmica (ManF), transposição silábica (TranS) e no escore total (ET), ratificando melhor desempenho dos escolares do GII em relação ao GI.

Comparando o desempenho dos escolares do GI e GII nas provas silábicas, fonêmicas e supra-fonêmicas da prova de consciência fonológica, verificou-se, nos resultados analisados pelo Teste t de Student para Dados Pareados, diferença estatisticamente significante nos subtestes de síntese, segmentação, manipulação e transposição, provando um melhor desempenho dos escolares de ambos os grupos nas provas silábicas do que nas provas fonêmicas (Tabela 3).

A Tabela 4 apresenta a análise da relação entre o Teste de Dissílabos Alternados (SSW), Síntese fonêmica e silábica (SiF, SiS) e Segmentação fonêmica e silábica (SeF, SeS), uma vez que, para a realização da análise dos segmentos acústicos da palavra, é necessária a organização dos espectros acústicos para a percepção da fala.

Os resultados revelaram diferença estatisticamente significante para a comparação entre síntese e segmentação fonêmica nas orelhas direita e esquerda, para todos os integrantes dos grupos.

A Tabela 5 apresenta a análise da relação entre o Teste de Inteligibilidade de Fala (PSI) com Mensagem Competitiva Contralateral (MCC) e Ipsilateral (MCI), e Rima (Rim) e Aliteração (Alit); uma vez que, para a realização da análise dos mesmos segmentos silábicos ou fonêmicos em uma sequência de palavras, é necessário atentar para a codificação e percepção dos segmentos, para identificação de semelhanças de amostras na fala.

Os resultados revelaram diferença estatisticamente significante para a comparação entre rima e mensagem competitiva contralateral na orelha direita e mensagem competitiva ipsilateral na orelha esquerda para todos os integrantes dos grupos; entre rima, aliteração e mensagem competitiva ipsilateral direita e esquerda para todos os grupos e para o GII.

A Tabela 6 apresenta a análise da relação entre as Provas de Memória Sequencial para Sons Não-Verbais (MSNV), Memória Sequencial para Sons Verbais (MSV), Manipulação silábica (ManS), Manipulação Fonêmica (ManF), Transposição Silábica (TranS) e Transposição Fonêmica (TranF), visto que, para acionar os mecanismos gerativos de sons e sílabas para a formação de novas palavras, é necessário atentar-se para a codificação e uso de integração e memória na manipulação dos segmentos da fala.

Os resultados revelaram diferença estatisticamente significante para a comparação entre MSNV e manipulação silábica, e entre MSV e manipulação silábica, fonêmica e transposição silábica para todos os integrantes dos grupos.

Na Tabela 7 estão expostos os resultados obtidos no SPECT do GI. Observou-se que 100% dos escolares deste grupo apresentaram exames alterados, sendo que 70% apresentaram hipoperfusão na porção mesial do lobo temporal esquerdo, demonstrando que as alterações nas habilidades auditivas e fonológicas dos escolares com dislexia deste estudo podem estar relacionadas com a baixa irrigação sanguínea nesta área do SNC.

DISCUSSÃO

Os achados deste estudo revelaram que os escolares com dislexia do desenvolvimento apresentam dificuldade em lidar com informações fonológicas na memória, necessárias para a aprendizagem da leitura(4-7).

O desempenho dos escolares do GI nas habilidades auditivas revelou presença de dificuldade na organização de eventos sonoros, dificuldade na memória auditiva de curta duração e dificuldade em perceber sons competitivos, corroborando os estudos descritos na literatura(7,29).

A dificuldade citada pode ocasionar dificuldades na realização da leitura, pois, para realizá-la é necessário que o escolar acione a lembrança temporal acústica da ordem dos fonemas para evocar a ordem espacial dos grafemas. Conforme descrito na literatura(2-3,13,19), os escolares com dislexia deste estudo apresentaram dificuldade em estratégias auditivas e metafonológicas, o que pode comprometer a composição e formação de palavras e novas palavras.

A categorização do fonema é essencial para a percepção da fala, sendo que, nos bons leitores, as representações fonológicas estão categorizadas e armazenadas na memória de longa duração, formando o repertório básico com o qual a escrita pode ser associada(3-4,30). Como evidenciado neste estudo, os escolares com dislexia apresentam dificuldades nesta categorização, pelo desempenho inferior em tarefas de rima e aliteração se comparado com o grupo de bons leitores, denotando que atenção, discriminação e percepção de segmentos semelhantes na palavra se encontram comprometidas.

Na tarefa de dicótico de dígitos, os escolares com dislexia apresentaram desempenho inferior, demonstrando que a presença de hipoperfusão na região mesial do lobo temporal pode influenciar a percepção para sequencialização dos sons durante a leitura. Estes resultados vão ao encontro dos descritos na literatura nacional(12-14).

O desempenho dos escolares em consciência fonológica revelou que os escolares do GII apresentaram melhor desempenho nas habilidades silábicas e fonêmicas para segmentação, manipulação, transposição, rima e aliteração do que os escolares do GI. Entretanto, verificou-se, também, que tanto nos escolares do GI como nos do GII, ocorreu um melhor desempenho nas habilidades silábicas em comparação com as fonêmicas, evidenciando que esta dificuldade para perceber estruturas fonêmicas não é característica única de escolares com dislexia do desenvolvimento, mas uma alteração que pode decorrer do ensino de base do sistema de escrita na língua portuguesa.

Neste estudo, verificou-se que, quando não são oferecidas instruções diretas sobre a correspondência letra-som necessária para a aprendizagem do princípio alfabético, tanto escolares com dislexia do desenvolvimento, como escolares sem problemas de aprendizagem apresentam falhas no acionamento de habilidades auditivas e metafonológicas que geram alterações para retenção de informações acústicas na memória de trabalho, necessárias para formação de novas palavras a partir de um segmento (som ou sílaba). De acordo com a literatura(2-4,9), a percepção acústica da estrutura fonêmica da fala permite que a criança utilize um sistema gerativo para converter ortografia em fonologia, permitindo, assim, a leitura de qualquer palavra regular que envolva a correspondência grafofonêmica.

Neste estudo, pôde-se observar que os escolares com dislexia apresentaram dificuldades referentes à percepção de fala no nível do fonema e nas habilidades de ordenação temporal de julgamento, identificação e discriminação, corroborando os achados da literatura(2,5-8,11).

Os achados descritos sugerem que os escolares do GI apresentam falhas no processo de decodificação fonológica o que, segundo a literatura, pode acarretar dificuldades na representação ortográfica da palavra, característica compatível com o quadro de dislexia(4,6,17).

Neste estudo, observou-se que os escolares com dislexia do desenvolvimento apresentam dificuldades em habilidades auditivas que comprometem a codificação e organização dos espectros acústicos, ocasionando alterações em habilidades metafonológicas, conforme descrito por diversos autores(5-8). Esta inter relação entre as alterações nas habilidades auditivas e nas habilidades metafonológicas prejudica o uso de mecanismos envolvidos na análise, síntese, segmentação e manipulação de sons e sílabas, necessários para o uso do material verbal durante a fala e do material escrito durante a leitura.

CONCLUSÃO

Os achados deste estudo permitem concluir que os escolares com dislexia do desenvolvimento apresentam dificuldades nas habilidades auditivas de atenção, codificação, organização e integração de informações auditivas, que comprometem o uso de habilidades metafonológicas como a atenção, análise, síntese e memória de trabalho. Entre os escolares com bom desempenho escolar ficou evidenciado que estes apresentam melhor desempenho nas habilidades metafonológicas e auditivas em comparação com os escolares do GII.

Há associação entre habilidades auditivas e habilidades metafonológicas estatisticamente significantes, sugerindo que os processos auditivos interferem diretamente na percepção de aspectos acústicos, temporais e sequenciais dos sons para a formação de uma representação fonológica estável. Assim, as dificuldades nas habilidades auditivas e mefonológicas que se correlacionaram neste estudo podem ser decorrentes da presença de alterações de fluxo sanguíneo presente na região mesial do lobo temporal. Desse modo, é necessária a ampliação de estudos que relacionam as habilidades de audição e de linguagem com exames de neuroimagem para melhor compreensão do funcionamento cortical e do substrato neurológico de escolares com dislexia do desenvolvimento.

AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro concedido.

Recebido em: 24/6/2008; Aceito em: 14/1/2009

Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP - Marília (SP), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
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    Marília (SP), Brasil, CEP: 17501-240.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Out 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      14 Jan 2009
    • Recebido
      24 Jun 2008
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