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Detecção de perdas auditivas em neonatos de um hospital público

Detection of hearing loss in neonates of a public hospital

Resumos

OBJETIVO: Analisar os resultados obtidos na triagem auditiva neonatal realizada por meio de dois procedimentos, Emissões Otoacústicas Transientes e Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico - modo automático, em uma população de neonatos saudáveis de um hospital público, considerando-se o gênero masculino e feminino e o lado em que a falha ocorreu. MÉTODOS: Foram incluídos na pesquisa neonatos de alojamento conjunto, nascidos em um hospital público, e que realizaram triagem auditiva após a alta hospitalar. Utilizou-se para triagem as Emissões Otoacústicas Transientes (EOAT) com critério passa/falha e o reteste com o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico-modo automático (PEATE-A). RESULTADOS: Foram testados 5106 neonatos, 51,3% do sexo masculino e 48,7% do sexo feminino. Falharam 628 (12,3%) neonatos, 368 (58,6%) do sexo masculino e 260 (41,4%) do gênero feminino, sendo encaminhados para o PEATE-A. Destes, 223 (35,3%) compareceram ao exame, 199 (89,2%) passaram e 24 (10,8%) falharam; 17 (70,9%) do gênero masculino e sete (29,1%) do gênero feminino. Houve diferença estatística significante entre falha auditiva por meio das emissões otoacústicas e sexo. Encontrou-se 10% de neonatos que falharam nos dois procedimentos de triagem. CONCLUSÃO: Encontrou-se um número maior de falhas em crianças do gênero masculino no teste de emissões otoacústicas transientes. Não houve diferença entre neonatos do gênero masculino ou feminino quanto às falhas nas orelhas esquerda e direita.

Triagem neonatal; Percepção auditiva; Perda auditiva; Audição; Transtorno da percepção auditiva


PURPOSE: To analyze the results obtained in a neonatal hearing screening program that included two procedures, Transient Otoacoustic Emissions and Automated Brainstem Evoked Response Audiometry, in healthy neonates, born in a public hospital, regarding the variables gender (male or female) and ear that failed (left, right or bilateral). METHODS: Neonates born in a public maternity hospital, who stayed in shared rooms and attended hearing screening after discharge were included in the study. The screening included the Transient Otoacoustic Emissions with pass/fail criterium, and a retest for neonates who failed the first test with the Automated Brainstem Evoked Response Audiometry. RESULTS: A total of 5106 neonates were screened, 51.3% male and 48.7% female. Among them, 628 (12.3%) neonates failed the test, 368 (58.6%) male and 260 (41.4%) female. They were referred to the Brainstem Evoked Response Audiometry, and 223 (35.3%) came to the test. From these subjects, 199 (89.2%) passed and 24 (10.8%) failed the test: 17 (70.9%) male and seven (29.1%) female. Statistically significant difference was found between gender and fail in the Transient Otoacoustic Emissions. Ten percent of the neonates failed both screening procedures. CONCLUSION: It was found that a higher number of male neonates failed the Transient Otoacoustic Emissions screening. There was no difference between male and female neonates regarding the failled response in the right and left ears.

Neonatal screening; Auditory perception; Hearing loss; Hearing; Auditory perceptual disorders


ARTIGO ORIGINAL

Detecção de perdas auditivas em neonatos de um hospital público

Detection of hearing loss in neonates of a public hospital

Maria Cecília Marconi Pinheiro LimaI; Tereza Ribeiro de Freitas RossiI; Maria Fátima de Campos FrançozoI; Sérgio Tadeu MarbaII; Gisele Marafon Lopes de LimaIII; Maria Francisca Colella dos SantosI

IDoutora, Professora do Curso de Fonoaudiologia do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel Porto da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP), Brasil

IILivre-docente, Professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP), Brasil

IIIMestre, Pediatra do Centro de Atenção Integral da Saúde da Mulher da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Maria Cecília Marconi Pinheiro Lima R. Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária, Barão Geraldo Campinas (SP), Brasil CEP: 13084-971 E-mail: ceclima@fcm.unicamp.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar os resultados obtidos na triagem auditiva neonatal realizada por meio de dois procedimentos, Emissões Otoacústicas Transientes e Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico - modo automático, em uma população de neonatos saudáveis de um hospital público, considerando-se o gênero masculino e feminino e o lado em que a falha ocorreu.

MÉTODOS: Foram incluídos na pesquisa neonatos de alojamento conjunto, nascidos em um hospital público, e que realizaram triagem auditiva após a alta hospitalar. Utilizou-se para triagem as Emissões Otoacústicas Transientes (EOAT) com critério passa/falha e o reteste com o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico-modo automático (PEATE-A).

RESULTADOS: Foram testados 5106 neonatos, 51,3% do sexo masculino e 48,7% do sexo feminino. Falharam 628 (12,3%) neonatos, 368 (58,6%) do sexo masculino e 260 (41,4%) do gênero feminino, sendo encaminhados para o PEATE-A. Destes, 223 (35,3%) compareceram ao exame, 199 (89,2%) passaram e 24 (10,8%) falharam; 17 (70,9%) do gênero masculino e sete (29,1%) do gênero feminino. Houve diferença estatística significante entre falha auditiva por meio das emissões otoacústicas e sexo. Encontrou-se 10% de neonatos que falharam nos dois procedimentos de triagem.

CONCLUSÃO: Encontrou-se um número maior de falhas em crianças do gênero masculino no teste de emissões otoacústicas transientes. Não houve diferença entre neonatos do gênero masculino ou feminino quanto às falhas nas orelhas esquerda e direita.

Descritores: Triagem neonatal; Percepção auditiva; Perda auditiva; Audição; Transtorno da percepção auditiva

ABSTRACT

PURPOSE: To analyze the results obtained in a neonatal hearing screening program that included two procedures, Transient Otoacoustic Emissions and Automated Brainstem Evoked Response Audiometry, in healthy neonates, born in a public hospital, regarding the variables gender (male or female) and ear that failed (left, right or bilateral).

METHODS: Neonates born in a public maternity hospital, who stayed in shared rooms and attended hearing screening after discharge were included in the study. The screening included the Transient Otoacoustic Emissions with pass/fail criterium, and a retest for neonates who failed the first test with the Automated Brainstem Evoked Response Audiometry.

RESULTS: A total of 5106 neonates were screened, 51.3% male and 48.7% female. Among them, 628 (12.3%) neonates failed the test, 368 (58.6%) male and 260 (41.4%) female. They were referred to the Brainstem Evoked Response Audiometry, and 223 (35.3%) came to the test. From these subjects, 199 (89.2%) passed and 24 (10.8%) failed the test: 17 (70.9%) male and seven (29.1%) female. Statistically significant difference was found between gender and fail in the Transient Otoacoustic Emissions. Ten percent of the neonates failed both screening procedures.

CONCLUSION: It was found that a higher number of male neonates failed the Transient Otoacoustic Emissions screening. There was no difference between male and female neonates regarding the failled response in the right and left ears.

Keywords: Neonatal screening; Auditory perception; Hearing loss; Hearing; Auditory perceptual disorders

INTRODUÇÃO

A audição permite que a criança adquira conhecimentos por meio do desenvolvimento da linguagem oral, facilitando sua integração na comunidade ouvinte. De fato, a audição se constitui como principal fonte para aquisição da linguagem oral. Diante disso, faz-se necessário que o diagnóstico e a intervenção ocorram o mais cedo possível, para que se possa aproveitar esta etapa de maior plasticidade neural(1). A identificação precoce de alterações auditivas permite que os casos positivos sejam encaminhados para intervenção médica e/ou para programas de reabilitação.

Sabe-se que, na população em geral, a surdez sensorioneural severa ou profunda varia de quatro a seis para cada 1000 nascidos vivos(2), ou de um a três em 1000, conforme o Comitê Brasileiro Sobre Perdas Auditivas(3-4). Esta incidência aumenta drasticamente em determinadas populações, como é o caso de crianças que permanecem em unidades de terapia intensiva neonatal, cuja prevalência encontrada foi de 10,2%(5).

Das experiências com triagem auditiva em neonatos, no Colorado (Estados Unidos) avaliou-se 21000 neonatos com o Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) e encontrou-se uma prevalência de perda auditiva uni ou bilateral, de 0,4%. Em Rhode Island, com o uso de Emissões Otoacústicas Transientes (EOAT), foram triados 1850 neonatos e encontrou-se 0,59% de crianças com perda auditiva sensorioneural(6). Esses achados mostram que a prevalência pode variar dependendo do grupo avaliado e do método empregado(7).

Sabemos que no Brasil, até a década de 90, o diagnóstico das alterações auditivas ocorria muito tardiamente, por volta dos dois ou três anos de idade, o que prejudicava e muito o prognóstico, pois é nos primeiros anos de vida que a criança necessita de informações para adquirir a linguagem oral(8).

Deve-se ressaltar que as alterações auditivas são de difícil reconhecimento, pois geralmente os recém-nascidos têm aparência saudável. O diagnóstico da surdez frequentemente ocorre em um período tardio, quando a criança já apresenta um atraso no desenvolvimento da linguagem oral(9). No Reino Unido, a idade de diagnóstico de crianças sem risco para perda auditiva varia de 9,7 a 35,1 meses, dependendo da severidade da perda(10).

A triagem auditiva neonatal vem sendo realizada nos Estados Unidos desde 1990, sendo que em 1993, foi recomendada pelo National Institute of Health e em 1994, pelo Joint Committee on Infant Hearing (JCIH)(11), como um programa a ser aplicado em todos os berçários na ocasião da alta hospitalar do recém-nascido. A partir da triagem inicial, os recém-nascidos devem ser encaminhados para diagnóstico, o qual deve ocorrer até os três meses de vida da criança, com início de intervenção aos seis meses de idade(12).

No Brasil, várias maternidades iniciaram programas de triagem auditiva neonatal. A portaria n. 2073/GM, de 28 de setembro de 2004, instituiu a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva, que tem como finalidade desenvolver estratégias, identificar os determinantes e condicionantes das principais patologias e situações de risco que levam à perda auditiva. No município de Campinas, foi regulamentada a Lei n° 10759 em 16/02/2004(13), que obriga todas as maternidades e estabelecimentos hospitalares congêneres do município a realizar exames de detecção de surdez nos recém-nascidos no período neonatal ou em até 60 dias a contar do nascimento.

Vários autores(14-15) indicam a realização da triagem auditiva neonatal e citam como metodologias mais eficazes as medidas fisiológicas e eletrofisiológicas, como as EOAT e o PEATE, uma vez que esses pacientes são incapazes de responder adequadamente a testes comportamentais.

A presença das EOAT indica que o mecanismo receptor coclear relativo às células ciliadas externas é capaz de responder ao som de um modo normal. É um teste rápido, não invasivo, objetivo, sensível e com aplicabilidade em locais sem tratamento acústico, possibilitando a triagem de um grande número de recém-nascidos(16). Na literatura, cita-se que as emissões otoacústicas espontâneas, registradas na ausência de estímulo acústico, podem ser observadas em 50 a 70% da população auditivamente normal, havendo maior prevalência no gênero feminino e na orelha direita, tanto em neonatos quanto em adultos(17).

O registro dos PEATE nos propicia acesso eletrofisiológico objetivo da função da via auditiva estendendo-se do nervo auditivo até o tronco encefálico.

O PEATE Automático (PEATE-A) foi desenvolvido e usado especificamente para triagem auditiva em meados dos anos 80. O sistema automatizado funciona comparando a resposta do lactente com um padrão de resposta do molde "normal" obtido de uma grande amostra populacional de recém-nascidos (RN). Se as respostas do lactente se enquadram dentro dos valores normais, o equipamento emite uma resposta de passou; se o padrão de resposta não se enquadra nos padrões de respostas aceitáveis, um laudo de falhou é emitido. Nesse contexto, esta pesquisa foi realizada com o objetivo de analisar os resultados obtidos na triagem auditiva neonatal realizada por meio de dois procedimentos, EOAT e PEATE-A, em uma população de neonatos saudáveis de um hospital público, considerando-se o gênero masculino e feminino e o lado em que a falha ocorreu.

MÉTODOS

O projeto recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Atenção Integral à Saúde da Mulher (CAISM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob protocolo n° 380/2003.

Trata-se de um estudo clínico prospectivo, coorte transversal. A amostra foi constituída por neonatos a termo(18), adequados para a idade gestacional(19), nascidos no CAISM da Unicamp, e que permaneceram em alojamento conjunto, por se encontrarem em boas condições clínicas de saúde. O CAISM está integrado no sistema de saúde regional para casos de média e alta complexidade encaminhados pelas Unidades Básicas de Saúde de Campinas e dos municípios que integram a DRS 7.

Levou-se em conta as variáveis gênero e os seguintes indicadores de risco para surdez, considerando-se neonatos saudáveis, que permanecem em alojamento conjunto(11-12): história familiar de surdez congênita ou de inicio tardio de perda auditiva sensorioneural na infância; infecções congênitas suspeitas ou confirmadas, associadas a perda auditiva tais como: toxoplasmose, sífilis, citomegalovírus congênito, herpes e rubéola; anomalias craniofaciais e achados associados com síndromes conhecidas, até mesmo de perdas auditivas sensorioneural e/ou condutivas.

Anualmente nascem no CAISM cerca de 3000 bebês. Para fins deste estudo, considerou-se os neonatos que compareceram para triagem, entre maio de 2002 a maio de 2006, que perfizeram um total de 5106 neonatos.

Como procedimento, no momento da alta da mãe e do RN do berçário, era agendado um dia para a triagem auditiva a ser realizada no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel Porto (CEPRE) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, dentro do primeiro mês de vida da criança.

No CEPRE, a mãe respondia a um questionário, com perguntas sobre a presença ou não dos indicadores de risco. Os neonatos eram avaliados quanto à presença ou não das Emissões Otoacústicas Transientes (EOAT), com o equipamento Echocheck-Otodynamics, que enfatiza preferencialmente as frequências de 1500 a 3000 Hz e apresenta como critério de normalidade o nível de relação sinal/ruído acima de 6 dB (segundo manual do equipamento Echocheck versão 3), com o critério de passa/falha, considerando passa quando a luz verde se acende.

Caso o neonato falhasse nas emissões otoacústicas transientes, era encaminhado para reteste a ser realizado no CAISM por meio do PEATE-A. O equipamento utilizado foi da NATUS ALGO 2e, que possibilita pesquisar resposta para estímulo do tipo clique nas intensidades de 35 dB, 40 dB e 70 dB. Para cliques de 35 dB, o equipamento de triagem ALGO, gerou um resultado passa quando coletou dados suficientes para estabelecer com confiança estatística de 99,96% que um sinal de potencial evocado de tronco encefálico estava presente e consistente com o padrão de normalidade, para no mínimo 1000 varreduras. Consideramos que o lactente falha quando não apresenta resposta para 35 dB em pelo menos uma orelha. Na presença de falha, a testagem prosseguia com a pesquisa das respostas do lactente para as intensidades de 40 dB e 70 dB, a fim de se definir um possível limiar.

Os recém-nascidos que falharam na triagem com o PEATE-A foram encaminhados para a realização do diagnóstico audiológico em outros serviços de saúde da comunidade.

Os neonatos que passaram nas EOAT, mas que tinham indicadores de risco, foram agendados no Programa de Monitoramento Audiológico e de Linguagem, também desenvolvido no CEPRE, em que os lactentes e/ou crianças são acompanhados até 24 meses de idade.

Os dados de cada lactente foram inseridos no programa computacional Epidemiological Information (EPI INFO-6.02). Para análise, comparando os grupos de lactentes de acordo com o gênero, por meio das EOAs, utilizou-se o teste do Qui-quadrado. Para a comparação dos lactentes que realizaram o PEATE utilizou-se o teste Exato de Fisher. Para descrição dos indicadores de risco, utilizou-se a frequência de ocorrência destes. O nível de significância considerado foi de 5%.

RESULTADOS

Foram testados 5.106 neonatos com o teste das EOAT, sendo que destes, 4.478 (88%) passaram na triagem e 628 (12%) falharam. Dos 5.106 neonatos, 2.628 (51,3%) eram do gênero masculino e 2.478 (48,7%) do gênero feminino. Dos 4.478 neonatos que passaram na triagem, 2.260 (44,2%) eram do gênero masculino e 2.218 (43,4%) do gênero feminino.

Falharam no primeiro procedimento de triagem 628 (12%) neonatos, sendo 368 (58,6%) do gênero masculino e 260 (44,4%) do gênero feminino. Observou-se falha bilateral em 230 (36,62%) casos e unilateral em 398 (63,38%). Ao cruzarmos os dados de gênero e falha uni ou bilateral, verificamos que existe associação estatisticamente significante entre essas variáveis (Tabela 1).

Na Tabela 2, ao compararmos os 398 neonatos que falharam em um dos lados (direito ou esquerdo) e o gênero, observou-se que não houve associação estatisticamente significante entre resposta falhou na triagem auditiva realizada por meio das EOAT e gênero masculino e feminino.

Para avaliação com o PEATE-A, foram encaminhados os 628 neonatos que falharam na triagem inicial, sendo que 223 (35,5%) compareceram. Destes, 199 (89,2%) passaram na avaliação e 24 (10,8%) falharam para a intensidade de 35 dB. Dos 24, 17 (70,9%) eram do gênero masculino e sete (29,1%) eram do gênero feminino. Ao cruzarmos os dados de gênero masculino e feminino e falha uni ou bilateral no reteste, observou-se que não existe associação estatisticamente significante (Tabela 3).

Com relação à presença de indicadores e risco, nesta população de neonatos saudáveis, observou-se que dos 24 neonatos com resposta falhou no reteste, 15 (62,5%) possuíam indicador de risco para surdez e 9 (37,5%) não possuíam.

Dos 24 neonatos que falharam no PEATE-A, oito falharam apenas em 35 dB e passaram em 40 dB, 12 falharam em 35 dB e 40 dB e passaram em 70 dB e quatro falharam em 35, 40 e 70 dB em ambas as orelhas. Todos foram encaminhados para diagnóstico audiológico.

Dos neonatos que falharam para 70 dB, dois retornaram com diagnóstico de perda auditiva sensorioneural, um com perda moderadamente severa e um com perda severa. Ambos são do gênero masculino e atualmente encontram-se em programas de reabilitação. Quanto aos indicadores de risco, encontrou-se um caso de hereditariedade e um de consanguinidade.

Em resumo, foram triados por meio das EOAT 5.016 neonatos e falharam nesta triagem inicial 628. Destes, 223 foram triados com o PEATE-A. Destes, 24 falharam. Dentre estes 24 lactentes, 2 (8,33%) tiveram perda auditiva bilateral confirmada e o restante não retornou com os resultados dos exames audiológicos.

DISCUSSÃO

O número de neonatos que falharam na triagem auditiva realizada por meio do teste de EOAT foi de 12,3%. No projeto realizado no Colorado (Estados Unidos), que avaliou 41796 neonatos entre 1992 e 1996, foram encontradas 6,48% de falhas na primeira testagem com as EOAs(20). No Texas, três hospitais que utilizaram EOA, obtiveram índice de falhas de 5%, 13,3% e 8,4% , em 1996 e 7,3%, 19,2% e 8,4%, em 1997(21). No Brasil, encontrou-se 79% das crianças que passaram no teste(22). Em outra pesquisa, 6,1%(23) das crianças falharam no teste. Com o equipamento Ecocheck, encontrou-se 7%(24) de falhas nas avaliações, sendo que esse equipamento mostrou-se confiável para realização das EOA.

Em um estudo retrospectivo na África do Sul, em um período de quatro anos, obteve-se, no início do programa de triagem auditiva neonatal, um índice de 11,1% de falhas, o que foi diminuindo com o tempo, chegando ao quarto ano a 5%(4).

Estudos nacionais e internacionais apontam valores em torno de 7% de falhas na triagem auditiva neonatal. O número mais elevado encontrado nesse estudo pode ter sido influenciado pelo início do período de testagem, em que a equipe estava se familiarizando com o equipamento. Além disso, devemos considerar que o alojamento do conjunto do CAISM recebe mães com intercorrências que podem aumentar o risco para perda auditiva nos recém nascidos.

Os neonatos que falharam na triagem auditiva foram encaminhados para um reteste realizado com o PEATE-A. Utilizar dois procedimentos de triagem - EOA e PEATE - foi uma das recomendações sugeridas pela American Academy of Pediatrics(11), considerando que tanto as EOATs, como o PEATE apresentam vantagens e desvantagens.

O teste de emissões otoacústicas é um método preciso e rápido para identificar perda auditiva em lactentes. No entanto, apresenta a desvantagem de que um grande número de neonatos falha, quando de fato apresentam sensibilidade auditiva normal. É um teste com especificidade reduzida, já que é sensível a qualquer obstrução do meato acústico externo e/ou distúrbios da orelha média. Além disso, lactentes com comprometimento neural não seriam detectados, pois o teste de EOA é um procedimento que avalia apenas a porção pré-neural do sistema auditivo, relativo às células ciliadas externas. Desta forma, a aplicação de dois procedimentos de triagem auditiva permite realizar encaminhamentos adequados para diagnóstico.

Em uma segunda testagem, com o PEATE-A, observou-se que daqueles que compareceram, 24 neonatos falharam, com uma prevalência de possíveis alterações auditivas de 10,8%. Todas as crianças que falharam foram encaminhadas para avaliação e conduta otorrinolaringológica e audiológica, a fim de confirmação da perda auditiva e classificação quanto ao tipo e grau.

Observa-se que dos 628 neonatos que falharam, 405 (64,4%) não compareceram para a segunda testagem. Na literatura(4,25), encontrou-se 68% de famílias que não retornaram com seus bebês. Este fato pode ser explicado ou pela dificuldade das famílias em compreenderem a importância da detecção da perda auditiva, ou pela dificuldade de locomoção dessas famílias para o local do exame. A dificuldade de adesão das famílias faz com que programas de conscientização da família e de todos os profissionais envolvidos na maternidade devam ser estimulados(26).

Observou-se um número elevado de neonatos do gênero masculino, com 66,7% dos casos alterados. Em outro estudo, encontrou-se que os meninos falham mais nas avaliações por EOAs e por PEATE, sendo que de 389 neonatos nascidos a termo, 18,7% meninos e 9,1% meninas falharam na avaliação das EOAs(27). Em outra pesquisa realizada com 71 lactentes de Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, encontrou-se 63,3% de neonatos do gênero masculino falhando nas EOAs.

Quanto aos indicadores de risco, observamos nesse estudo que 62,5% dos lactentes que falharam nos dois procedimentos possuíam pelo menos um indicador de risco para perda auditiva preconizado pelo JCIH(11-12). Dois estudos(21-22) encontraram que aproximadamente 50% dos lactentes com perda auditiva confirmada possuíam indicadores de risco em suas histórias. Em um estudo realizado no Brasil apenas 37,5% possuíam risco auditivo(16). Nossos dados encontram-se também acima do número mencionado pelo JCIH(12,28), que afirma que 50% dos neonatos com perda auditiva congênita estão nos critérios de alto risco para surdez. Uma hipótese para a presença de indicadores de risco em um grande número dos casos seria o fato de o CAISM ser um hospital de referência para gravidez de risco e daí a presença, também, de alta porcentagem de riscos auditivos.

CONCLUSÃO

Neste estudo, observou-se que no primeiro teste audiológico realizado nos neonatos, por meio das emissões otoacústicas, houve uma frequência maior de lactentes do gênero masculino que não apresentaram as emissões otoacústicas transientes, falhando na triagem. Não houve diferença em relação ao lado afetado.

No reteste dos lactentes que falharam nas emissões otoacústicas, com o teste do potencial evocado auditivo de tronco encefálico automático, não houve diferença entre o gênero masculino e feminino nos lactentes que falharam e nem no lado afetado.

A triagem auditiva é somente o primeiro passo de um processo maior, pois a criança que falha na triagem inicial deve ser retestada e, em casos de falhas, ser encaminhada para o diagnóstico. Se confirmada a perda auditiva, deve iniciar o processo de intervenção, a fim de preservar o período crítico quanto ao desenvolvimento de linguagem.

Nesse projeto, observou-se a importância de se realizar um programa de triagem auditiva em lactentes, a fim de que a intervenção ocorra o mais cedo possível na vida dessas crianças. Um outro ponto que deve receber maior atenção é a necessidade de se aprimorar formas de incentivo para que os familiares dos lactentes que não passam na primeira triagem possam retornar para o diagnóstico final e possam aderir à reabilitação.

AGRADECIMENTOS

Ao Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão (FAEPEX) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) pelo financiamento concedido, e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo auxílio concedido em forma de bolsa de iniciação científica.

3. Comitê Brasileiro sobre Perdas Auditivas na Infância (CBPAI) - Recomendação 01/99 [minuta - 2ª. versão]. J Cons Fed Fonoaudiol. 2000;5:3-7.

Recebido em: 8/9/2008; Aceito em: 1/7/2009

Pesquisa desenvolvida no Centro de Atenção Integral da Saúde da Mulher e no Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação Prof. Dr. Gabriel Porto da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp - Campinas (SP), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Maria Cecília Marconi Pinheiro Lima
    R. Tessália Vieira de Camargo, 126, Cidade Universitária, Barão Geraldo
    Campinas (SP), Brasil CEP: 13084-971
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      08 Set 2008
    • Aceito
      01 Jul 2009
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