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Sintomas vocais e sensações laríngeas em trabalhadores de uma usina de álcool e açúcar expostos a riscos ocupacionais

Resumos

OBJETIVO: Investigar os sintomas vocais e sensações laríngeas dos trabalhadores de uma usina de álcool e açúcar expostos a ruído e/ou substâncias químicas. MÉTODOS: Participaram 289 trabalhadores de uma usina de álcool e açúcar distribuídos em cinco grupos expostos (I- ruído; II- ruído, óleo, graxa, derivação de petróleo; III- ruído, ácidos, sulfatos, cloretos, nitratos; IV- ruído, poeiras respiráveis e sílica livre cristalizada; V- óleo, graxa, derivação de petróleo) e um grupo controle que responderam o questionário Condições de Produção Vocal - Professor adaptado à categoria profissional. Os grupos foram comparados em relação aos sintomas vocais, sensações laríngeas, tabagismo e riscos físicos e químicos. Esta comparação foi realizada por meio de análise estatística. RESULTADOS: O sintoma vocal e a sensação laríngea mais relatados pelos trabalhadores foram voz grave e tosse com catarro, respectivamente. Considerando o risco físico no ambiente de trabalho, os grupos I e IV foram os que mais citaram presença de ruído. Devido à sua exposição, os mesmos aumentavam a intensidade da voz (Efeito de Lombard-Tarneaud) e, assim, mencionaram sintomas vocais. Em relação aos riscos químicos no ambiente ocupacional, o grupo IV foi o que mais referiu presença de poeira e fumaça, e estas eram compostas por poeiras respiráveis e sílica. Tais exposições ocasionam sintomas vocais e sensações laríngeas e, consequentemente, alterações vocais. CONCLUSÃO: Sintomas vocais e sensações laríngeas podem estar relacionados a atividade profissional em que haja exposição a riscos físicos e/ou químicos.

Trabalhadores; Voz; Riscos ocupacionais; Ambiente de trabalho; Saúde do trabalhador


PURPOSE: To investigate vocal symptoms and laryngeal sensations among workers of an ethanol and sugar mill exposed to noise and/or chemical substances. METHODS: Participants were 289 workers of an ethanol and sugar mill distributed into five exposure groups (I - noise; II - noise, oil, grease, petroleum derivatives; III - noise, acids, sulfates, chlorides, nitrates; IV - noise, breathable dust and free crystalline silica; V - oil, grease, petroleum derivatives) and a control group, who answered the questionnaire Conditions of Vocal Production - Teacher adapted to the professional category. The groups were compared regarding vocal symptoms, laryngeal sensations, smoking habits, and exposure to physical and chemical risks. This comparison was conducted using statistical analyses. RESULTS: The most reported vocal symptom and laryngeal sensation were low-pitched voice and cough with phlegm, respectively. Considering the physical risk in the work environment, groups I and IV were the ones that most reported exposure to noise. Because of this exposure, they increase voice intensity (Effect of Lombard-Tarneaud) and, thus, also reported vocal symptoms. Regarding chemical risks in the occupational environment, group IV was the one that most referred presence of dust and smoke, which were composed by breathable dust and silica. Such exposures lead to vocal symptoms and laryngeal sensations and, consequently, to vocal alterations. CONCLUSION: Vocal symptoms and laryngeal sensations can be related to professional activities where workers are exposed to physical and/or chemical risks.

Workers; Voice; Occupational risks; Working environment; Occupational health


ARTIGO ORIGINAL

Sintomas vocais e sensações laríngeas em trabalhadores de uma usina de álcool e açúcar expostos a riscos ocupacionais

Sylvia Boechat CoutinhoI; Ana Claudia FioriniII; Iára Bittante de OliveiraIII; Maria do Rosário Dias de Oliveira LatorreIV; Léslie Piccolotto FerreiraV

IPrograma de Pós-graduação (Mestrado) em Fonoaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP - São Paulo (SP), Brasil

IIPontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP - São Paulo (SP), Brasil

IIICurso de Fonoaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCamp - Campinas (SP), Brasil

IVDepartamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil

VCurso de Fonoaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC - São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Sylvia Boechat Coutinho Av. das Américas, 7935, Grupo 201, Barra da Tijuca Rio de Janeiro (RJ), Brasil CEP: 22793-081 E-mail: sylviabc@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Investigar os sintomas vocais e sensações laríngeas dos trabalhadores de uma usina de álcool e açúcar expostos a ruído e/ou substâncias químicas.

MÉTODOS: Participaram 289 trabalhadores de uma usina de álcool e açúcar distribuídos em cinco grupos expostos (I- ruído; II- ruído, óleo, graxa, derivação de petróleo; III- ruído, ácidos, sulfatos, cloretos, nitratos; IV- ruído, poeiras respiráveis e sílica livre cristalizada; V- óleo, graxa, derivação de petróleo) e um grupo controle que responderam o questionário Condições de Produção Vocal - Professor adaptado à categoria profissional. Os grupos foram comparados em relação aos sintomas vocais, sensações laríngeas, tabagismo e riscos físicos e químicos. Esta comparação foi realizada por meio de análise estatística.

RESULTADOS: O sintoma vocal e a sensação laríngea mais relatados pelos trabalhadores foram voz grave e tosse com catarro, respectivamente. Considerando o risco físico no ambiente de trabalho, os grupos I e IV foram os que mais citaram presença de ruído. Devido à sua exposição, os mesmos aumentavam a intensidade da voz (Efeito de Lombard-Tarneaud) e, assim, mencionaram sintomas vocais. Em relação aos riscos químicos no ambiente ocupacional, o grupo IV foi o que mais referiu presença de poeira e fumaça, e estas eram compostas por poeiras respiráveis e sílica. Tais exposições ocasionam sintomas vocais e sensações laríngeas e, consequentemente, alterações vocais.

CONCLUSÃO: Sintomas vocais e sensações laríngeas podem estar relacionados a atividade profissional em que haja exposição a riscos físicos e/ou químicos.

Descritores: Trabalhadores; Voz; Riscos ocupacionais; Ambiente de trabalho; Saúde do trabalhador

INTRODUÇÃO

Diversas pesquisas têm sido desenvolvidas com o intuito de evidenciar a relação entre as queixas vocais dos trabalhadores e a presença de fatores de risco ocupacional, como: ruído, substância química, temperatura ambiental, entre outros(1-3). Tais queixas podem ser traduzidas em sintomas que são as sensações associadas à fonação como, por exemplo, dor na garganta após conversações longas, garganta seca com frequência e pigarro. Além disso, também podem representar queixas vinculadas às características perceptuais da voz, como rouquidão e voz trêmula(4).

A exposição ao ruído pode desencadear alterações vocais, além dos conhecidos problemas auditivos. A alteração vocal pode ocorrer devido ao esforço em aumentar a intensidade da voz para ser compreendido em um local com elevado nível de ruído de fundo. O aumento dessa intensidade pode ser explicado por uma resposta reflexa ao ruído, pois impede a escuta da própria voz, o que é chamado efeito de Lombard-Tarneaud(5-9). Já a exposição a determinadas substâncias químicas pode levar à rouquidão, sensação de irritação na garganta, tosse, dificuldade para respirar e irritação dos tecidos de boca, língua, nariz e trato respiratório(10).

Considerando-se que os fatores de risco ocupacional interferem na saúde vocal do indivíduo, o objetivo da presente pesquisa foi investigar a presença dos sintomas vocais e sensações laríngeas dos trabalhadores que atuam em uma usina de álcool e açúcar expostos a ruído e/ou substâncias químicas, comparando-se grupos de diferentes tipos de exposição.

MÉTODOS

Este é um estudo epidemiológico do tipo transversal, no qual foram analisados trabalhadores de uma usina de álcool e açúcar no Estado de Mato Grosso. Eram do gênero masculino, contratados pela usina para atuar durante os períodos de safra e entressafra há pelo menos um ano. Estavam expostos a ruído, ruído e substância química ou somente a substância química. Foram excluídos os trabalhadores que apresentavam um segundo ofício no qual estivessem expostos a ruído e/ou substância química, pois poderiam apresentar quadro diferente de sintomas vocais e sensações laríngeas em virtude de um efeito adicional. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP (protocolo nº 133/2008).

O técnico de segurança do trabalho da empresa contratante elaborou, a partir do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), uma lista com a distribuição dos setores e das funções executadas. Detalhou assim o número de trabalhadores por função e por exposição aos riscos físicos (ruído) e químicos (partículas respiráveis e sílica livre cristalizada; óleo, graxa, derivados de petróleo; ácidos, sulfatos, cloretos, nitratos).

A partir dos dados do PPRA da usina, foram constituídos cinco grupos de trabalhadores expostos a riscos físicos e/ou químicos e um grupo controle. A Tabela 1 apresenta os respectivos níveis de exposição a ruído, partículas respiráveis e sílica livre cristalizada. Segundo o relatório do PPRA, o óleo, graxa, derivados de petróleo, ácidos, sulfatos, cloretos e nitratos têm sua medição realizada de maneira qualitativa; assim sendo, a exposição não está expressa em valores.

Considerando que os grupos II e III foram aqueles com menor número de trabalhadores (respectivamente, 44 e 50), optou-se por escolher aleatoriamente 50 trabalhadores para cada um dos demais grupos, para garantir a homogeneidade do tamanho dos diversos grupos. A escolha dos trabalhadores foi realizada por meio de sorteio aleatório sistemático. Os trabalhadores de cada grupo foram ordenados segundo a idade e o intervalo amostral foi Ni/50, sendo Ni o número total de trabalhadores nos grupos I, IV e V. Realizou-se o sorteio do início casual (algum número inteiro entre 1 e Ni/50) e, dessa forma, foram sorteados os demais trabalhadores do grupo. Quando o participante não atuava mais na usina, foi considerado o nome do trabalhador que estivesse imediatamente abaixo desse na lista.

Também foi selecionado um grupo controle com 50 participantes. Este grupo foi formado por trabalhadores considerados não expostos a ruído e a substância química, pois os níveis estavam abaixo dos limites de tolerância e sua seleção foi realizada como descrito anteriormente.

Dentre os 294 trabalhadores que deveriam participar deste estudo, nove foram demitidos, dos quais quatro pertenciam ao grupo II, um ao grupo III, dois ao grupo IV e, dois ao grupo controle. Nos grupos IV e controle, os quatro trabalhadores foram substituídos por outros das suas respectivas categorias. Entretanto, para os grupos II e III não foi possível substituição, pois ambos já estavam em suas totalidades. Portanto, o grupo II contou com 40 trabalhadores e o grupo III, 49. Além disso, sete questionários foram excluídos, pois se referiam a indivíduos que apresentavam um segundo ofício com exposição a ruído e/ou substância química. Desses, um pertencia ao grupo I, dois ao grupo IV, três ao grupo V e um ao grupo controle. Esses foram substituídos pelos seus pares, ou seja, por trabalhadores do mesmo grupo de exposição. Dessa maneira, a coleta de dados foi realizada com 289 trabalhadores. A Tabela 1 indica a descrição dos grupos com os respectivos níveis de exposição.

Como instrumento para a coleta de dados, foi utilizado o questionário Condições de Produção Vocal - Professor basea-do na proposta de Ferreira(11). Foi realizada uma adaptação do mesmo à realidade dos trabalhadores da usina de álcool e açúcar, com um detalhamento de questões relacionadas aos riscos ocupacionais.

Antes da aplicação do instrumento, foi realizado um estudo-piloto com cinco trabalhadores: dois agrônomos com curso superior completo, dois trabalhadores com curso em tecnologia e mecanização agrícola e um trabalhador com ensino médio incompleto. Nenhum dos trabalhadores pertencia ao grupo controle. Ao final, foram efetuadas modificações e ajustes nas questões que se mostraram de difícil compreensão com o objetivo de melhorar o entendimento por parte dos trabalhadores.

Um trabalhador do setor administrativo da usina distribuiu o questionário anexado ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos gerentes de cada área, que, por sua vez, encaminharam aos trabalhadores. Os questionários foram respondidos nas residências, uma vez que não era possível reunir os trabalhadores para respondê-los durante o período de ofício.

Após a devolução dos questionários, os resultados foram digitados duplamente no software Epi-Info, versão 6.04d, para realização de análise da consistência da base de dados.

Neste estudo, os grupos foram comparados em relação aos sintomas vocais e sensações laríngeas, bem como em relação ao tabagismo e aos fatores ambientais (riscos físicos e químicos). Esta comparação foi realizada pelo teste de associação Qui-quadrado. Em todas as análises foi considerado estatisticamente significativo quando p<0,050.

RESULTADOS

A Tabela 2 indica que o sintoma vocal mais relatado pelos trabalhadores foi voz grave (n=96; 33,2%) com maior ocorrência no grupo IV (p=0,001). A sensação laríngea mais citada foi tosse com catarro (n=63; 21,7%). O grupo IV também foi o que mais referiu pigarro (p=0,001) e o grupo III foi o que mais citou tosse com catarro (p=0,026), secreção/catarro na garganta (p=0,014) e garganta seca (p=0,037).

A Tabela 3 indica a distribuição do hábito de fumar e é possível identificar que o maior número de tabagistas encontra-se no grupo IV (p=0,013). No grupo II não há nenhum tabagista e a ocorrência de ex-fumantes foi maior no grupo I (p=0,016).

Na Tabela 4 é possível observar a associação entre as variáveis sintomas vocais e sensações laríngeas e tabagismo apenas para os trabalhadores do grupo IV, pois este apresentou oito indivíduos tabagistas no presente, enquanto os demais grupos apresentaram um valor esperado menor que cinco. Não houve relação estatística entre essas variáveis, porém, a sensação laríngea "secreção/catarro na garganta" apresentou-se próxima do índice de significância (p=0,060).

Com relação aos riscos físicos no ambiente de trabalho (Tabela 5), os grupos I e IV foram os que mais relataram exposição a ruído (p<0,001). Para os grupos I e II o ruído é proveniente da própria área de atuação (p<0,001). O ruído foi considerado forte e desagradável para maioria dos trabalhadores do grupo I. A maioria dos trabalhadores dos grupos IV e V relataram exposição à poeira (p<0,001). O grupo IV foi o que mais mencionou fumaça (p=0,004). A presença de umidade no local de trabalho foi mais citada no grupo I (p<0,001). Finalmente, a exposição a produtos químicos foi mais relatada no grupo III (p<0,001).

DISCUSSÃO

Os sintomas vocais e sensações laríngeas observados nos trabalhadores da usina de álcool e açúcar foram evidentes e indicaram possíveis relações com as exposições aos riscos físicos e/ou químicos durante suas atividades profissionais.

O sintoma vocal (Tabela 2) mais relatado foi voz grave com maior ocorrência no grupo IV, exposto a ruído e partículas respiráveis e sílica livre cristalizada. Inicialmente, tal fato pode ser justificado por três possibilidades: primeiro por uma questão relacionada ao gênero masculino, pois a pergunta referente à voz grave veio em seguida à questão de voz aguda; segundo devido a uma possível confusão na definição entre rouquidão e voz grave, visto se tratar de trabalhadores leigos quanto às questões relacionadas a voz e, em terceiro, pela presença de edema nas pregas vocais que proporciona uma voz mais grave(12), pois reduz o comprimento das mesmas e aumenta a massa em vibração. Essa última possibilidade pode ser decorrente de dois aspectos: por serem trabalhadores expostos a partículas respiráveis e sílica livre cristalizada que inalam tais substâncias químicas; ou por pertencerem ao grupo que registrou maior número de indivíduos tabagistas (16%) no momento do estudo (Tabela 3).

Foi realizada análise para verificar possível associação entre tabagismo e sintomas vocais e sensações laríngeas (Tabela 4). O estudo estatístico não identificou correlação entre voz grave e tabagismo e, portanto, parece ser mais provável que tal sintoma nos trabalhadores do grupo IV seja decorrente da exposição a partículas respiráveis e sílica livre cristalizada, o que sugere ser este um grupo de risco para alteração (ões) vocal (is).

É importante ressaltar que, na Tabela 2, o grupo IV foi o que mais referiu rouquidão, fato que pode ser reforçado pela possibilidade de haver dificuldade na diferenciação entre as definições de rouquidão e voz grave ou pela presença de edema nas pregas vocais advindas da exposição a tais substâncias químicas.

Segundo a NR-15, o limite de tolerância para a sílica é de um mg/m3. Os trabalhadores que participaram da presente pesquisa estavam expostos a níveis de sílica dentro do limite de tolerância. Tal limite é considerado seguro para o indivíduo não desenvolver algum tipo de câncer, como o de pulmão. Porém, provavelmente tal limite não é seguro para o trabalhador não registrar edema nas pregas vocais que, dessa forma, pode levar aos sintomas de voz grave e rouquidão. Portanto, os sintomas vocais devem ser valorizados, pois eles podem ser indicativos de doença.

Quanto às sensações laríngeas (Tabela 2), foi verificado que o grupo IV mencionou mais a sensação de pigarro o que pode ser justificado pela exposição a partículas respiráveis e sílica livre cristalizada. Ao se analisar a associação entre sensações laríngeas e tabagismo nos trabalhadores deste grupo (Tabela 4), a variável secreção/catarro na garganta apresentou-se próxima da significância estatística. Os trabalhadores do grupo III, expostos a ruído e ácidos, sulfatos, cloretos e nitratos, foram os que mais referiram presença de tosse seca, tosse com catarro, secreção/catarro na garganta e garganta seca. Esse achado reforça a hipótese de que estas sensações laríngeas foram citadas devido ao fato de os trabalhadores estarem expostos a tais substâncias químicas.

Os grupos III e IV, expostos a ruído e substâncias químicas, foram os que mais mencionaram a presença de sensações laríngeas. Não foi possível identificar se tais sensações referidas são decorrentes de algum tipo de doença pulmonar. Os trabalhadores expostos a substâncias químicas têm risco para desenvolver diversas doenças, dentre elas, as afecções respiratórias. Diversas doenças respiratórias podem acometer o trabalhador durante sua atividade profissional, tais como: rinite, sinusite, faringite, laringite e asma, entre muitas outras(13). Existem pesquisas que referem exatamente os sintomas respiratórios em trabalhadores expostos a substâncias químicas(14-17).

Em resumo, neste estudo pode-se constatar sintomas de voz grave e rouquidão e sensações laríngeas de tosse com catarro, garganta seca, tosse seca, pigarro e secreção/catarro na garganta. Em pesquisa realizada com metalúrgicos foram identificados percentuais mais elevados de sinais e sintomas vocais de garganta seca, dor ou irritação na garganta, pigarro, rouquidão e tosse(2). Já um estudo com trabalhadores de indústria de refinaria de óleo de soja revelou menos sintomas vocais de rouquidão, dor de garganta e sensação laríngea de tosse com catarro(3). Dessa maneira, pode-se observar que os trabalhadores da referida usina de álcool e açúcar relataram menos a presença de sintomas vocais e sensações laríngeas quando comparados com os estudos anteriores.

Quanto aos riscos físicos no ambiente de trabalho (Tabela 5), os grupos I (exposto a ruído) e IV (exposto a ruído e partículas respiráveis e sílica livre cristalizada) foram os que mais fizeram referência ao ruído. Devido ao barulho de fundo, os trabalhadores de ambos os grupos aumentam a intensidade vocal, pois ouvem sua voz menos claramente (Efeito de Lombard-Tarneaud)(5-9). Dessa maneira, tais trabalhadores podem referir mais sintomas vocais. Esse fato pode justificar também o motivo pelo qual o grupo IV foi o que mais citou voz grave e rouquidão. Observou-se que o grupo I foi o segundo grupo que mais referiu sintoma de voz grave.

A maioria dos trabalhadores constatou que o ruído vem da própria área de atuação em que estão inseridos. De um modo geral, o ruído não foi considerado nem forte e nem desagradável. Porém, na observação por grupo, o I foi o que mais referiu ruído forte e desagradável. Por outro lado, o grupo controle foi o que menos mencionou ruído forte e desagradável. Dessa maneira, pode-se verificar que os achados caracterizam os critérios dos grupos pré-estabelecidos na pesquisa. Ao buscar na literatura a questão do ruído no ambiente ocupacional, pode- se observar que a maioria dos trabalhadores de indústria metalúrgica relataram a presença de tal risco(1,2).

Em relação ao risco químico no ambiente de trabalho (Tabela 5), pode-se verificar que os trabalhadores do grupo IV, expostos ao ruído e a partículas respiráveis e sílica livre cristalizada, foram os que mais referiram presença de poeira e fumaça no local de trabalho. Essa poeira e fumaça podem ser compostas por partículas respiráveis e sílica livre cristalizada. Dessa forma, a exposição a tais químicos pode levar a sintomas vocais e sensações laríngeas e, consequentemente, a alterações na voz.

O grupo V foi o segundo grupo que mais mencionou presença de poeira no ambiente ocupacional. Tal grupo é formado por trabalhadores expostos a óleo, graxa e derivados de petróleo. Segundo o técnico de segurança da usina, esses derivados de petróleo são compostos por hidrocarbonetos. O solvente orgânico pode ser subdividido em classes químicas, dentre elas, os hidrocarbonetos(18). Portanto, os trabalhadores desse grupo estão expostos a solvente orgânico e podem estar intoxicados devido o contato direto, pela pele, com tal substância. Os olhos e as vias aéreas superiores são as primeiras regiões do organismo atingidas, quando há contato direto ou indireto com os produtos derivados do petróleo(19). Dessa maneira, tais trabalhadores podem referir sensações laríngeas em decorrência da presença de doenças respiratórias como rinite, sinusite, faringite, laringite.

Os trabalhadores do grupo III, expostos ao ruído e ácidos, sulfatos, cloretos e nitratos, foram os que mais referiram exposição a produtos químicos. Provavelmente, esse grupo foi o que mais o citou, por serem os que, de fato, estão em contato direto com os ácidos, sulfatos, cloretos e nitratos. Por outro lado, os trabalhadores do grupo IV não estão em contato direto com a sílica livre cristalizada, pois essa se encontra em forma de poeira e fumaça. Isso pode explicar o fato do grupo IV não relatar tal exposição.

O grupo controle foi o grupo que menos citou a presença de ruído, poeira, fumaça, umidade e exposição a produtos químicos confirmando, desse modo, a sua escolha como controle. Os trabalhadores de tal grupo não estão expostos diretamente aos fatores de risco ocupacional, pois os níveis de ruído e substâncias químicas estão abaixo dos limites de tolerância. Porém, o fato de atuarem na usina não os isenta dos riscos estudados nessa pesquisa. Dessa maneira, pode-se observar que esses trabalhadores referiram ruído, poeira, fumaça, umidade e produtos químicos no ambiente de trabalho, além de sintomas vocais e sensações laríngeas, entretanto, em escala inferior quando comparados com os grupos casos.

Esses achados, referentes à exposição de substâncias químicas em trabalhadores de usina de álcool e açúcar, vão ao encontro da literatura nacional na qual foi relatado que a maioria de trabalhadores de uma indústria metalúrgica estava exposto a produtos químicos, poeira e fumaça(2). Em outra pesquisa, os trabalhadores de indústria de refinaria de óleo de soja relataram presença de poeira no local de trabalho(3). Em contrapartida aos achados da atual pesquisa e das referências citadas, foi afirmado pelos trabalhadores de outra indústria metalúrgica que o ambiente de trabalho encontrava-se sem poeira e fumaça(1).

De modo geral, os trabalhadores do grupo IV são os que mais sofrem com a interferência dos fatores de risco ocupacional na sua saúde vocal, ou seja, é o grupo mais predisposto a desenvolver alterações vocais.

É importante comentar que, embora os resultados encontrados sejam relevantes, o presente estudo apresenta limitações quanto ao método de coleta dos dados, pois foram os gerentes que entregavam os questionários aos seus respectivos trabalhadores e o material da pesquisa foi respondido por estes, em suas residências. Além disso, há limitação também quanto ao tamanho da amostra. Desse modo, aponta-se para a necessidade de novas pesquisas destinadas à voz desses trabalhadores.

CONCLUSÃO

Os trabalhadores dessa usina de álcool e açúcar citaram voz grave como o principal sintoma vocal e tosse com catarro como a principal sensação laríngea. Tais relatos podem estar relacionados à exposição aos riscos físicos e/ou químicos durante sua atividade profissional.

O grupo IV, composto por trabalhadores expostos a ruído e partículas respiráveis e sílica livre cristalizada, foi considerado o grupo mais predisposto a desencadear sintomas vocais e sensações laríngeas e, consequentemente, alterações na voz, fato esse que pode ser explicada pela exposição química que os mesmos estão submetidos. Além disso, é composto por maior número de trabalhadores tabagistas ativos. Não foi verificada correlação entre voz grave e tabagismo e, desta forma, o sintoma de voz grave pode estar relacionado à exposição a tais substâncias químicas.

Recebido em: 7/7/2010

Aceito em: 22/11/2010

Trabalho realizado no Laboratório de Voz (Laborvox), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP - São Paulo (SP), Brasil, com bolsa concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

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  • Endereço para correspondência:

    Sylvia Boechat Coutinho
    Av. das Américas, 7935, Grupo 201, Barra da Tijuca
    Rio de Janeiro (RJ), Brasil
    CEP: 22793-081
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Recebido
      07 Jul 2010
    • Aceito
      22 Nov 2010
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