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Análises perceptivo-auditiva e acústica da voz nos momentos pré e pós fonoterapia de pacientes com falsete mutacional

Resumos

A disfonia da muda vocal mais comum é o falsete mutacional. Foram analisadas de forma perceptivo-auditiva e acústica as vozes de quatro jovens do gênero masculino com falsete mutacional nas situações pré e pós fonoterapia para apresentar o resultado da intervenção fonoaudiológica. Para coleta dos dados foi solicitado que os pacientes falassem os dias da semana. Quatro fonoaudiólogas avaliaram auditivamente tais emissões por meio dos parâmetros perceptivo-auditivos: grau geral da disfonia, rugosidade, soprosidade, tensão, instabilidade e pitch. As emissões de cada paciente correspondentes aos momentos pré e pós fonoterapia foram apresentadas aos avaliadores aleatoriamente, e os avaliadores não tinham conhecimento prévio da condição da voz analisada (pré ou pós tratamento). A avaliação foi realizada por comparação e os avaliadores deveriam informar se a segunda emissão era melhor, pior ou sem modificação em relação à primeira. Quando houve modificação, deveriam selecionar três parâmetros perceptivo-auditivos referentes à mudança expressiva. Foi informado aos avaliadores somente a idade e o gênero dos pacientes. A frequência fundamental média, assim como a máxima e a mínima foram extraídas de cada emissão dos pacientes utilizando-se o Programa Praat (versão 5132). Foram extraídos e analisados, ainda, os valores de semitom. Os dados foram analisados estatisticamente. Na condição pós fonoterapia os avaliadores consideraram que houve melhora na qualidade vocal de todos os pacientes e foi observada diminuição dos valores da frequência fundamental média, mínima e máxima e nos semitons resultando em um padrão vocal mais grave e estável.

Acústica da fala; Disfonia; Fonoterapia; Voz; Distúrbios da voz


The most common mutational voice disorder is the mutational falsetto. The voices of four young male patients with mutational falsetto were acoustically and auditory-perceptively analyzed in pre- and post-therapy situations to verify the result of speech-language intervention. For data collection, the patients were asked to say the days of the week. Four speech-language pathologists performed auditory assessment of these emissions using auditory-perceptual parameters: overall grade of dysphonia, roughness, breathiness, strain, instability, and pitch. The emissions of each patient corresponding to pre- and post-therapy were randomly presented to the evaluators, who did not have prior knowledge of the condition being analyzed. The assessment was performed by comparison, and the evaluators should inform whether the second emission was better, worse or unchanged when compared to the first. When change was observed, they should select three auditory-perceptual parameters regarding the expressive modification. The evaluators were informed only about subjects' age and gender. Mean, maximum and minimum fundamental frequencies were extracted from each emission of the patients using the Praat Program (version 5132). Semitone values were also extracted and analyzed. Data was statistically analyzed. In the post-therapy condition, the evaluators found an improvement in the vocal quality of all patients, as well as a decrease in the mean, minimum and maximum fundamental frequencies and in the semitones, resulting in a deeper and more stable vocal pattern.

Speech acoustics; Dysphonia; Speech therapy; Voice; Voice disorders


RELATO DE CASO

Análises perceptivo-auditiva e acústica da voz nos momentos pré e pós fonoterapia de pacientes com falsete mutacional

Ana Cristina Côrtes GamaI; Gabriele Magalhães MesquitaII; César ReisIII; Iara Barreto BassiIV

IDepartamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIPrograma de Residência Integrada Multiprofissional, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIIFaculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

IVPrograma de Pós-graduação (Doutorado) em Epidemiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ana Cristina Côrtes Gama Av. Alfredo Balena, 190, sala 251 Belo Horizonte (MG), Brasil, CEP: 30130-100. E-mail: anacgama@medicina.ufmg.br

RESUMO

A disfonia da muda vocal mais comum é o falsete mutacional. Foram analisadas de forma perceptivo-auditiva e acústica as vozes de quatro jovens do gênero masculino com falsete mutacional nas situações pré e pós fonoterapia para apresentar o resultado da intervenção fonoaudiológica. Para coleta dos dados foi solicitado que os pacientes falassem os dias da semana. Quatro fonoaudiólogas avaliaram auditivamente tais emissões por meio dos parâmetros perceptivo-auditivos: grau geral da disfonia, rugosidade, soprosidade, tensão, instabilidade e pitch. As emissões de cada paciente correspondentes aos momentos pré e pós fonoterapia foram apresentadas aos avaliadores aleatoriamente, e os avaliadores não tinham conhecimento prévio da condição da voz analisada (pré ou pós tratamento). A avaliação foi realizada por comparação e os avaliadores deveriam informar se a segunda emissão era melhor, pior ou sem modificação em relação à primeira. Quando houve modificação, deveriam selecionar três parâmetros perceptivo-auditivos referentes à mudança expressiva. Foi informado aos avaliadores somente a idade e o gênero dos pacientes. A frequência fundamental média, assim como a máxima e a mínima foram extraídas de cada emissão dos pacientes utilizando-se o Programa Praat (versão 5132). Foram extraídos e analisados, ainda, os valores de semitom. Os dados foram analisados estatisticamente. Na condição pós fonoterapia os avaliadores consideraram que houve melhora na qualidade vocal de todos os pacientes e foi observada diminuição dos valores da frequência fundamental média, mínima e máxima e nos semitons resultando em um padrão vocal mais grave e estável.

Descritores: Acústica da fala; Disfonia; Fonoterapia; Voz; Distúrbios da voz

INTRODUÇÃO

A produção da voz é uma função neurofisiológica inata, de sofisticado processamento muscular, com manifestações psicológicas. Devido à sua flexibilidade a voz funciona como um sensível indicador de emoções, atitudes, condição física e papel sociocultural do falante(1).

O desenvolvimento da voz acompanha o desenvolvimento físico e emocional do indivíduo. A mudança da voz durante a puberdade é um dos marcos mais importantes da passagem da infância para idade adulta, principalmente para os homens, sendo reconhecido como mutação vocal fisiológica ou muda vocal(2).

Durante a muda vocal a laringe passa por profundas modificações. No gênero masculino, por volta dos 13 aos 15 anos de idade, as pregas vocais sofrem aumento pronunciado, dobrando de tamanho. Como resultado, a voz baixa uma oitava, estabelecendo-se a voz do adulto. No gênero feminino esse aumento é menos significativo, a voz baixa apenas de duas a três notas ao redor dos 12 aos 14 anos de idade(2,3). Essas mudanças, juntamente com as demais características sexuais secundárias, permitem a diferenciação de gênero por meio da voz, algo que não ocorre na infância(3).

Quando ocorrem tais modificações, características da puberdade, é necessária a adaptação funcional às novas condições anatômicas, o que se traduz em um abaixamento médio da frequência fundamental, adaptação esta com duração de alguns meses a um ano. A voz do menino pode tornar-se levemente rouca, fraca e instável, com várias flutuações e bitonalidade, mas tendendo aos sons graves(3).

Porém, quando a muda vocal não se processa corretamente ou não se completa adequadamente, ocorrem as chamadas disfonias da muda ou puberfonias. A causa raramente é orgânica, pertencendo geralmente à esfera psicoemocional(2,3).

As disfonias da muda podem ser classificadas didaticamente em: mutação prolongada, incompleta, excessiva, precoce, retardada e falsete mutacional(2). Dentre essas o falsete mutacional é considerado o mais frequente, representando 2% das disfonias funcionais(3).

A voz da disfonia por falsete mutacional é aguda até duas oitavas acima da frequência esperada, com qualidade vocal destimbrada ou velada, com empobrecimento dos harmônicos. Por vezes ocorre bitonalidade e/ou soprosidade, com intensidade vocal reduzida e rápida fadiga vocal(2,3).

Uma voz aguda em excesso pode constituir um verdadeiro problema social e profissional, principalmente quando observada em indivíduos do gênero masculino(4). O controle da voz é um componente essencial da capacidade do indivíduo de se ajustar às situações sociais. Quando a voz se apresenta alterada podem surgir sentimentos de inadequação e insegurança(5).

Para tratamento das disfonias da muda vocal a conduta de eleição é a fonoterapia, excluindo-se os casos de etiologia orgânica que serão submetidos a abordagens específicas para a situação(3), ou quando há insucesso no tratamento fonoaudiológico nestes tipos de disfonia(4).

A terapia fonoaudiológica para esses casos tem por finalidade desativar o ajuste funcional infantil e obter equilíbrio muscular que propicie uma emissão estável, com passagens de notas sem quebras ou irregularidades, além de estabelecer a frequência fundamental dentro da faixa de normalidade esperada para o gênero e a idade do indivíduo. O tratamento fonoaudiológico deve focalizar o estabelecimento de uma comunicação efetiva, principalmente no que diz respeito ao comportamento vocal e à psicodinâmica do processo comunicativo(2,5).

Considerando-se a baixa prevalência da disfonia da muda por falsete mutacional(3), estudos de caso são importantes para se obter um maior número de pesquisas analisando o resultado da fonoterapia no tratamento destes indivíduos, auxiliando na elaboração de protocolos de tratamento para este tipo de disfonia.

O objetivo do presente estudo é apresentar os resultados perceptivo-auditivos e acústicos das vozes de jovens com disfonia funcional por falsete mutacional nas situações pré e pós fonoterapia.

APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS

Participaram deste estudo quatro sujeitos do gênero masculino, identificados como P1, P2, P3 e P4, com idades respectivas de 18 (P1), 19 (P2), 20 (P3) e 22 (P4) anos. Todos foram atendidos pelo mesmo profissional em consultório fonoaudiológico particular no período de janeiro de 2007 a dezembro de 2008. Foram critérios de inclusão: apresentar diagnóstico fonoaudiológico de disfonia funcional por falsete mutacional e otorrinolaringológico de laringe normal. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando com a realização e a divulgação desta pesquisa e seus resultados, conforme Resolução 196/96. Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob o parecer de número ETIC 203/09.

As emissões vocais dos participantes foram analisadas nos momentos pré e pós fonoterapia. O tratamento fonoterápico envolveu: a) psicodinâmica vocal – com o objetivo de desenvolver a consciência dos padrões de comunicação; b) adequação do pitch – por meio da técnica vocal de manipulação digital de laringe, método de sons facilitadores em escalas descendentes e técnica do "b" prolongado; c) melhora do padrão vocal global – utilizando as técnicas de sons nasais e de sobrearticulação. O número de sessões fonoaudiológicas realizadas por cada participante foi de uma (P1), cinco (P2), quatro (P4) e dez (P5) sessões.

A primeira gravação foi realizada na primeira consulta e a segunda no dia da alta fonoaudiológica. Foi solicitado que os pacientes falassem os dias da semana em frequência e intensidade habituais. Utilizou-se microfone condensador, estéreo, ominidirecional, sensitividade de -20 dB, da marca Equitek® E-100, ligado a uma fonte de eletricidade (Phanton Power) de uma mesa de som marca Mackie 1202 VLZ- 12 canais. Os indivíduos estavam em pé, com o microfone situado a 10 cm da boca do falante e com ângulo de captação direcional de 90°, deslocado do corpo e da unidade de gravação para evitar captação de ruído do maquinário.

As gravações foram realizadas em ambiente silente, com ruído inferior a 50 dB NPS controlado por medidor de nível de pressão sonora digital marca Rádio Shack® (cat. N. 33-2055).

A gravação da fala encadeada foi feita diretamente em um PC IBM Aptiva E30PTM, processador AMD – K6 – 2/500 MHz, memória de 128 mega bytes RAM, espaço de disco de 8,4 Giga bytes, placa de som Crystal SoundFusioTM, e o programa utilizado foi o Praat.

Para cada indivíduo (P1 a P4) as medidas acústicas estudadas foram extraídas de cada emissão (dia da semana), portanto, foram obtidos 14 valores de cada medida, sendo sete no momento pré-tratamento e sete após alta fonoterápica. Ao total foram analisadas dos quatro pacientes do estudo 28 emissões do momento pré e 28 do pós-fonoterapia.

Foram extraídas as medidas da frequência fundamental média (f0) em Hz, f0 mínima, f0 máxima e o número de semitons. A f0 média foi obtida de forma automática e a f0 mínima e máxima foram extraídas manualmente por meio de inspeção visual do local da curva de frequência mais alta e mais baixa, conforme pode-se observar na Figura 1. Para obtenção dos valores de semitom utilizaram-se os valores de frequência fundamental mínima e máxima no programa encontrado no endereço eletrônico http://users.utu.fi/jyrtuoma/speech/semitone.html, que possibilita o cálculo da distância entre duas frequências em valor de semitom.


A análise vocal perceptivo-auditiva foi realizada utilizando-se os seguintes parâmetros: grau geral da disfonia (G), rugosidade (R), soprosidade (S), tensão (T), instabilidade (I) e pitch.

A avaliação vocal perceptivo-auditiva foi realizada de forma independente, por quatro fonoaudiólogas com experiência na área de voz, que receberam treinamento auditivo com o objetivo de estabelecer uniformidade sobre os conceitos dos parâmetros perceptivo-auditivos considerados na avaliação. Esse treino foi composto pela identificação do conceito e da exemplificação de cada tipo de parâmetro a ser analisado, utilizando-se outro banco de vozes.

Para a avaliação vocal perceptivo-auditiva as emissões de cada paciente foram apresentadas aos pares, em ordem aleatória de registro (pré/pós fonoterapia). A avaliação foi realizada por tarefa de comparação e as avaliadoras deveriam informar se a segunda emissão era melhor, pior ou sem modificação em relação à primeira. Quando foi indicada modificação as avaliadoras deveriam marcar três parâmetros em que a melhora foi expressiva. Foi informado previamente a todas as avaliadoras a idade e o gênero dos pacientes.

Vinte por cento das emissões vocais foram repetidas para se testar o grau de concordância intra-avaliadores, sendo constatado 100% de concordância para cada uma das quatro fonoaudiólogas.

A análise estatística dos dados foi realizada por meio do programa estatístico SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 17.0. Primeiramente foi realizada uma análise descritiva dos dados com medidas de tendência central e dispersão. Posteriormente, para verificar a existência de diferença entre as médias pré e pós-tratamento da frequência fundamental média, frequência fundamental mínima, frequência fundamental máxima e semitons, foi utilizado o teste não paramétrico para amostras pareadas (Wilcoxon) considerando nível de significância de 5%.

Na análise perceptivo-auditiva da voz as avaliadoras consideraram que houve melhora no parâmetro perceptivo-auditivo G de todos (100%) os pacientes na condição pós-fonoterapia.

Pode-se verificar na Tabela 1 que o grau geral da disfonia (G) (100%), o pitch (100%) e a instabilidade vocal (I) (56,25%) foram os parâmetros vocais perceptivo-auditivos que mais melhoraram no momento pós-fonoterapia, demonstrando que houve uma melhora global na qualidade de voz, o pitch ficou mais grave e a voz mais estável. Os demais parâmetros – rugosidade (R), soprosidade (S) e tensão (T) – apresentaram melhora discreta (25%) na opinião das avaliadoras.

A Tabela 2 apresenta os valores da frequência fundamental média, mínima e máxima (Hz) nas condições pré e pós-tratamento e sua variação em semitons (st). Todas as vozes analisadas tiveram seus valores de frequência fundamental e semitom significativamente diminuídos no momento pós-fonoterapia, com emissões mais graves e menor variabilidade.

DISCUSSÃO

A avaliação de voz compreende diversos procedimentos com o objetivo de conhecer o comportamento vocal de um indivíduo, identificando as prováveis causas que desencadearam e mantem a disfonia(3).

No presente estudo a concordância intra-avaliadores quanto aos parâmetros perceptivo-auditivos foi de 100% indicando alta concordância intra-avaliadores para a maioria das características perceptivo-auditivas. É possível supor que a avaliação vocal perceptivo-auditiva, nesta pesquisa, foi uma tarefa de fácil realização pelo fato de se ter utilizado parâmetros perceptivo-auditivos específicos, propostos pelas pesquisadoras, uma vez que a literatura aponta para um melhor desempenho dos avaliadores no julgamento perceptivo-auditivo quando estes fazem uso de parâmetros específicos(6). Além disto, a tarefa de comparação, quando se analisa resultado de tratamento, auxilia a avaliação auditiva das modificações vocais ocorridas após a intervenção terapêutica(6).

O tratamento fonoaudiológico dos quatro pacientes apresentados neste estudo teve uma duração que variou de uma a dez sessões semanais. Tal variação no número de sessões pode ser justificada pelo fato dos pacientes apresentarem diferentes níveis de plasticidade vocal, o que pode ter interferido no tempo do alcance do equilíbrio funcional da voz. Todos os indivíduos foram acompanhados pelo mesmo profissional, o que garantiu maior uniformidade da conduta terapêutica. O paciente P1 que foi acompanhado por apenas uma única sessão residia em outra cidade, portanto, não pode comparecer a mais sessões. Vale ressaltar que sua voz analisada correspondeu ao início e término da mesma sessão. A terapeuta realizou contato telefônico com o mesmo após 15 dias de alta e o paciente mantinha a emissão estável.

De acordo com os resultados encontrados, todos os pacientes obtiveram um padrão vocal melhor no momento pós-fonoterapia. Tais achados concordam com a literatura que aponta a terapia fonoaudiológica nos casos de disfonia da muda como o tratamento de eleição, apresentando bons resultados na melhora do quadro vocal dos pacientes(3,7-10).

Em relação à avaliação perceptivo-auditiva da voz, o parâmetro grau geral da disfonia (G) apresentou melhora em todos os indivíduos da pesquisa, na situação pós-fonoterapia, concordando com estudos da literatura pesquisada(7-9).

No que diz respeito ao parâmetro perceptivo-auditivo pitch, este se modificou nos momentos pré e pós-fonoterapia, em todas as vozes analisadas, apresentando-se como fator de diferenciação. Dados da literatura corroboram este achado quando descrevem diminuição do pitch nesses casos após o tratamento fonoterápico(7,8). Pesquisadores fizeram avaliação vocal de um adolescente do gênero masculino com diagnóstico fonoaudiológico de falsete mutacional, sendo que na avaliação perceptivo-auditiva da voz o resultado encontrado foi melhora na qualidade vocal com diminuição do pitch(8).

No presente estudo foi encontrado melhora do parâmetro perceptivo-auditivo de instabilidade vocal (I) em 56,25% das vozes analisadas (Tabela 1). A literatura aponta a instabilidade vocal como um dos fatores marcantes no período da muda vocal(2,3), resultado, em parte, da diminuição do controle da tensão longitudinal das pregas vocais, regulada pelo músculo cricotiróideo decorrente do crescimento acentuado da laringe, das pregas vocais e dos órgãos do sistema respiratório durante a puberdade(2,3,8).

Os resultados sugerem que a qualidade vocal dos indivíduos no momento pós-fonoterapia é mais estável, provavelmente em função de melhor posicionamento da laringe no pescoço e consequente sinergia muscular, gerando também pitch mais grave.

Os parâmetros perceptivo-auditivos de rugosidade (R), soprosidade (S) e tensão (T) também apresentaram melhora no momento pós-tratamento, porém, com uma menor frequência.

Na Tabela 2 estão representados os valores de pré e pós-fonoterapia dos valores de f0, assim como sua variação em semitons (st). Os resultados mostram que todos os pacientes apresentaram diminuição dos valores de f0 média, máxima e mínima, caracterizando emissões mais graves. Tal resultado se correlaciona com a avaliação perceptivo-auditiva deste estudo, com presença de pitch mais grave, o que concorda com os resultados da literatura(7-10).

Uma pesquisa com dez adolescentes com falsete mutacional nos momentos pré e pós-fonoterapia apresentaram valores de f0 média, respectivamente, de 221 Hz e 119 Hz. Tais valores são muito próximos aos encontrados neste trabalho (222,4 Hz e 120,9 Hz)(9).

Pesquisadores(10) analisaram acusticamente as vozes de 15 indivíduos com disfonia da muda nos momentos pré e pós-fonoterapia constatando melhora na qualidade vocal e diminuição da f0 no momento pós-fonoterapia. Outro estudo(8) foi realizado com 45 sujeitos e, após seis meses de fonoterapia, houve diferenças significativas nos valores da f0, comparando-se o pré e pós-tratamento, ocorrendo diminuição da f0 em todos os pacientes.

Mudanças da frequência fundamental ocorridas na disfonia da muda por falsete mutacional podem acarretar alterações na tessitura vocal. A tessitura vocal é o número de notas utilizadas com qualidade vocal agradável para o ouvinte e sem gerar fadiga vocal para o falante, corresponde aproximadamente a um terço da extensão fonatória máxima(3). Em estudos fonéticos a tessitura é uma medida extraída da f0 que pode ser definida como "a escala melódica do falante, os limites em que se situam os seus valores mais altos e mais baixos de f0, em sua fala habitual"(11). A tessitura, assim como a entonação, o acento, o ritmo, a qualidade de voz e a organização temporal, são elementos prosódicos, cujos correlatos acústicos são a frequência fundamental, a intensidade e o tempo. Entende-se por prosódia, portanto, arranjos sintagmáticos desses parâmetros(12).

Nesta pesquisa observou-se diminuição nos valores de semitom no momento pós-fonoterapia. Não foi encontrado estudo com o mesmo desenho metodológico deste trabalho para comparação. Vale ressaltar que tais resultados representam o corpus desta pesquisa; estudos futuros analisando a fala espontânea em indivíduos com disfonia da muda por falsete mutacional são importantes para o entendimento do comportamento de tais medidas neste tipo de situação.

Um estudo analisou o Perfil de Extensão de Fala (PEF) por meio da contagem de 20 a um de 86 sujeitos alocados em três grupos: 38 sujeitos no grupo controle, 25 sujeitos no grupo disfonia comportamental e 23 sujeitos no grupo disfonia neurológica(13). Os autores encontraram como valores de semitom para o grupo controle de 8,49 st e para o grupo disfônico de 14,83 st e justificam estes achados pelo fato da disfonia influenciar os padrões de estabilidade e flexibilidade vocais. Os valores de semitom encontrados nesta pesquisa são inferiores aos apresentados na literatura(13) provavelmente por questões metodológicas em decorrência da amostra de voz analisada e do programa de análise vocal.

O que se pode sugerir é que em alguns tipos de disfonia, como em pacientes com disartria hipocinética, a fonoterapia promova uma maior flexibilidade muscular e consequente aumento da tessitura, porém, como a disfonia da muda por falsete mutacional é caracterizada por uma qualidade vocal instável(2,3), o resultado vocal após o tratamento fonoaudiológico é de uma tessitura menor, já que pode ter favorecido um melhor equilíbrio muscular e adequado posicionamento da laringe no pescoço.

Como os determinantes psíquicos estão fortemente presentes na adolescência, a Fonoaudiologia desempenha papel importante nesta fase, no tocante à estabilidade vocal do indivíduo relacionada à integralidade da sua qualidade de vida(14,15).

Com esse estudo de caso espera-se acrescentar à literatura informações sobre aspectos vocais perceptivo-auditivos e acústicos em indivíduos com disfonia da muda por falsete mutacional e possibilidades de mudanças nestes aspectos com a terapia fonoaudiológica.

A fonoterapia foi a conduta de eleição para os casos descritos, e favoreceu em curto tempo, a produção de uma emissão mais estável e compatível com as características físicas e emocionais dos indivíduos estudados.

Estudos futuros com a análise da auto-percepção vocal por meio de protocolos são importantes para uma análise muitidimensional da voz, avaliando o impacto da disfonia na qualidade de vida destes indivíduos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os pacientes do estudo apresentaram melhora no grau geral da disfonia, pitch mais grave e maior estabilidade vocal, além de diminuição nos valores de frequência fundamental e semitom, após intervenção. Os dados reforçam a efetividade da fonoterapia, num curto período de tempo, para os casos de disfonia funcional por falsete mutacional.

Recebido em: 4/11/2010

Aceito em: 12/7/2011

Conflito de interesses: Não

Estudo realizado na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Ana Cristina Côrtes Gama
    Av. Alfredo Balena, 190, sala 251
    Belo Horizonte (MG), Brasil, CEP: 30130-100.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      04 Nov 2010
    • Aceito
      12 Jul 2011
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