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Diferenças na habilidade de integração auditiva inter-hemisférica entre os gêneros feminino e masculino: estudo preliminar

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a habilidade de integrar informações auditivas inter-hemisféricas em indivíduos do gênero feminino e do gênero masculino. MÉTODOS:Participaram da pesquisa 30 indivíduos, 15 do gênero feminino e 15 do gênero masculino, na faixa etária de 18 a 25 anos, todos sem queixa auditiva e com audição dentro dos padrões de normalidade. A coleta de dados foi realizada por meio dos testes dicótico não verbal e dicótico de dígitos e pela pesquisa do efeito supressor das emissões otoacústicas transientes. RESULTADOS: No teste dicótico não verbal, na etapa de atenção, houve diferença entre os gêneros estudados no número de acertos da orelha direita. No teste dicótico de dígitos, na etapa de integração binaural, houve diferença entre os gêneros na porcentagem de acertos da orelha direita. Na etapa de atenção direcionada, houve tendência à diferença na porcentagem de acertos da orelha esquerda entre os gêneros estudados. No gênero feminino houve tendência à diferença entre as orelhas direita e esquerda no teste dicótico não verbal, na etapa de atenção livre, e houve diferença entre as orelhas na etapa de atenção seletiva. No teste dicótico de dígitos, na etapa de integração binaural, houve tendência à diferença entre as orelhas. CONCLUSÃO: Observou-se diferenças entre os gêneros feminino e masculino em algumas habilidades e, em outras, houve similaridade de respostas.

Corpo caloso; Córtex auditivo; Percepção auditiva; Testes auditivos; Vias auditivas


PURPOSE: To evaluate the interhemispherical auditory integration ability between female and male individuals. METHODS: Participants were 30 individuals - 15 female and 15 male - aged between 18 and 25 years, without hearing complaints and with hearing within normal limits. Data collection was carried out using the non-verbal dichotic test, the dichotic digits test, and suppressive transient otoacoustic emissions. RESULTS: In the non-verbal dichotic test, in the stage of right attention, there was difference between genders regarding the number of correct responses in the right ear. In the dichotic digits test, in binaural integration, there was difference between genders regarding the percentage of correct responses in the right ear. In the stage of directed attention, there was a tendency towards difference between genders on the percentage of correct responses in the left ear. Among female subjects, there was a tendency towards difference between right and left ears in the non-verbal dichotic test, free attention stage, and there was difference between ears in selective attention. In the dichotic digits test, in binaural integration, there was a tendency towards difference between ears. CONCLUSION: Differences were observed between male and female individuals in some abilities, while in others there was similarity of responses.

Corpus callosum; Auditory cortex; Auditory perception; Hearing tests; Auditory pathways


ARTIGO ORIGINAL

Diferenças na habilidade de integração auditiva inter-hemisférica entre os gêneros feminino e masculino: estudo preliminar

Tatiana Rocha SilvaI; Fernanda Abalen Martins DiasII

ICurso de Fonoaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas – Belo Horizonte (MG), Brasil

IICurso de Fonoaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas – Belo Horizonte (MG), Brasil; Instituto de Educação Continuada, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas – Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Tatiana Rocha Silva. R. Boninas, 1070, Pompéia Belo Horizonte (MG), Brasil, CEP: 30280-220. E-mail: tatiana.rochas@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a habilidade de integrar informações auditivas inter-hemisféricas em indivíduos do gênero feminino e do gênero masculino.

MÉTODOS:Participaram da pesquisa 30 indivíduos, 15 do gênero feminino e 15 do gênero masculino, na faixa etária de 18 a 25 anos, todos sem queixa auditiva e com audição dentro dos padrões de normalidade. A coleta de dados foi realizada por meio dos testes dicótico não verbal e dicótico de dígitos e pela pesquisa do efeito supressor das emissões otoacústicas transientes.

RESULTADOS: No teste dicótico não verbal, na etapa de atenção, houve diferença entre os gêneros estudados no número de acertos da orelha direita. No teste dicótico de dígitos, na etapa de integração binaural, houve diferença entre os gêneros na porcentagem de acertos da orelha direita. Na etapa de atenção direcionada, houve tendência à diferença na porcentagem de acertos da orelha esquerda entre os gêneros estudados. No gênero feminino houve tendência à diferença entre as orelhas direita e esquerda no teste dicótico não verbal, na etapa de atenção livre, e houve diferença entre as orelhas na etapa de atenção seletiva. No teste dicótico de dígitos, na etapa de integração binaural, houve tendência à diferença entre as orelhas.

CONCLUSÃO: Observou-se diferenças entre os gêneros feminino e masculino em algumas habilidades e, em outras, houve similaridade de respostas.

Descritores: Corpo caloso; Córtex auditivo; Percepção auditiva; Testes auditivos; Vias auditivas

INTRODUÇÃO

As diferenças anatômicas e/ou funcionais entre os gêneros feminino e masculino constituem objeto de estudo e um desafio para muitos pesquisadores. Os estudos comportamentais sugerem certas diferenças entre homens e mulheres, principalmente no córtex temporal, na área de Broca e no corpo caloso, por sua função de comunicação entre os dois hemisférios cerebrais.

Para processar a informação sonora, é necessário que os sons sejam detectados e interpretados. Os estímulos acústicos recebidos pelo sistema periférico são codificados e, em seguida, transformados em representações internas que serão analisadas e integradas pelo sistema nervoso auditivo central(1,2).

O sistema auditivo é constituído por vias auditivas aferentes e eferentes. O sistema auditivo eferente emerge do córtex até a cóclea. Todas as fibras eferentes organizam-se no nível do complexo olivar superior. A partir desse ponto, descem em direção à cóclea, por meio de dois tratos distintos: o trato olivococlear lateral e o trato olivococlear medial(3).

O trato olivococlear lateral, composto por fibras não mielinizadas, é ipsilateral e se projeta da região lateral do complexo olivar superior até as células ciliadas internas. O trato olivococlear medial, composto por fibras mielinizadas, se projeta ipsi e contralateralmente, da região medial do complexo olivar superior, até as células ciliadas externas(4).

A partir do complexo olivar superior as fibras ascendentes cruzam de um hemisfério cerebral ao outro. A mensagem recebida por uma orelha direciona-se para o hemisfério homolateral através das vias ipsilaterais, e para o hemisfério contralateral, através das vias contralaterais. Assim, a informação auditiva vinda da orelha direita cruza para o hemisfério esquerdo enquanto que a informação vinda da orelha esquerda cruza para o hemisfério direito e atravessa o corpo caloso para novamente chegar ao hemisfério esquerdo(5).

Muitos autores referem-se à especialização hemisférica para a decodificação dos sinais acústicos. O hemisfério esquerdo é considerado o responsável pela análise de sons linguísticos, relacionados à fala e à linguagem. O hemisfério direito é considerado o responsável pela decodificação dos sons não linguísticos, como os musicais e os rítmicos(6-9).

As diferenças observadas no funcionamento de cada um dos hemisférios cerebrais estão relacionadas às assimetrias existentes no cruzamento dos tratos piramidais. Esta compreensão do papel dos hemisférios cerebrais na decodificação dos sinais acústicos está de acordo com os modelos atencionais e de polaridade de especialização funcional hemisférica, em que as diferenças hemisféricas para o processamento dos estímulos verbais e não verbais estariam relacionadas ao modo de processamento, ou seja, holístico/sintético ou analítico(10).

Apesar da existência de dois hemisférios cerebrais, não existe relação de dominância entre eles, pelo contrário, eles trabalham em conjunto, utilizando-se dos milhões de fibras nervosas que constituem as comissuras cerebrais, que se encarregam de colocá-los em constante interação(11).

Os hemisférios cerebrais são conectados pelo corpo caloso. O corpo caloso é a maior das três fibras comissurais que fazem a união entre áreas simétricas dos dois hemisférios. É constituído por cerca de 300 a 800 milhões de fibras inter-hemisféricas, provenientes fundamentalmente do córtex cerebral. A porção posterior do corpo caloso, esplênio, é responsável pela integração auditiva, visual e auditivo-visual entre os hemisférios(12-15).

Existem algumas diferenças neurofisiológicas e anatômicas entre os cérebros dos homens e das mulheres. Uma dessas diferenças pode ser observada no corpo caloso, cuja porção posterior é mais larga e bulbosa no cérebro feminino(16).

Desde os primeiros relatos sobre as diferenças no corpo caloso de homens e mulheres, há estudos que confirmam e contestam essas diferenças. Percebe-se que há um consenso de que, provavelmente, existe uma pequena diferença no tamanho do corpo caloso em favor das mulheres(16).

Alguns pesquisadores argumentam que essas diferenças restringem-se à região posterior das fibras comissurais (esplênio). Em uma relação de proporcionalidade, observa-se que existem mais fibras nervosas em uma comissura maior do que em uma comissura menor. Sendo assim, há, potencialmente, melhor conexão entre os dois hemisférios cerebrais(16).

Muitos estudos apontam o córtex cerebral como a porção mais desenvolvida, evoluída e diferenciada do sistema nervoso, mesmo que os conhecimentos funcionais do córtex cerebral sejam ainda insuficientes para se obter este conhecimento. A dificuldade pode estar nas diferenças anatômicas e, consequentemente, funcionais entre os próprios indivíduos(13).

Há anos a ciência tem pesquisado tal diferença nos mais diversos âmbitos, dentre eles a neurociência. Inicialmente, pesquisadores tentaram atribuir as diferenças comportamentais e cognitivas entre homens e mulheres às diferenças anatômicas, e um exemplo clássico é o tamanho do cérebro. Em estudos recentes, alguns pesquisadores tentaram avaliar se o córtex auditivo da mulher é maior e mais simétrico do que o do homem. Ainda não há um consenso, visto que há grande variabilidade intra e inter sujeitos quanto ao tamanho e localização do córtex auditivo primário e secundário(17,18).

O objetivo deste estudo foi avaliar a habilidade de integrar informações auditivas inter-hemisféricas em indivíduos do gênero feminino e do gênero masculino. Sendo assim, essa pesquisa justificou-se pela possibilidade de compreender e determinar a relação entre as diferenças anatômicas e/ou funcionais e o desempenho de homens e mulheres nos testes auditivos centrais.

MÉTODOS

Os procedimentos desta pesquisa foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, sob protocolo número 0342.0.213.000-10 (conforme Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde – CONEP).

Esta pesquisa caracterizou-se por um estudo piloto, de tipologia descritiva, e análise qualitativa e quantitativa. Foram convidados a participar da pesquisa 15 indivíduos do gênero feminino e 15 indivíduos do gênero masculino. A amostra, então, foi composta por 30 indivíduos, adultos jovens, na faixa etária de 18 a 25 anos.

Os participantes da pesquisa foram selecionados nos cursos de graduação ofertados no prédio do Instituto de Educação Continuada – IEC da Pontifícia Universidade Católica de Minas (PUC Minas) e no meio social das pesquisadoras. Os sujeitos dessa pesquisa foram selecionados por meio da técnica de amostragem não aleatória, do tipo amostragem por conveniência.

Os participantes da pesquisa foram comunicados pessoalmente quanto aos objetivos da pesquisa, à ausência de danos à sua saúde, à garantia de sigilo de suas identidades ou quaisquer outras características que poderiam identificá-los, e quanto ao roteiro da pesquisa. Estando devidamente esclarecidos, todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A coleta de dados foi realizada no Centro Clínico de Fonoaudiologia da PUC Minas. Todos os indivíduos foram submetidos à avaliação audiológica básica. Essa avaliação foi constituída por: anamnese, meatoscopia, audiometria tonal liminar, logoaudiometria, timpanometria e pesquisa dos reflexos acústicos.

Na anamnese o indivíduo forneceu informações como dados pessoais, história audiológica e aspectos relacionados à saúde. A anamnese foi realizada com o mesmo protocolo utilizado no Centro Clínico de Fonoaudiologia da PUC Minas.

Para realizar a inspeção visual do meato acústico externo (meatoscopia) utilizou-se otoscópio, da marca TK®, modelo 22. A audiometria tonal liminar e logoaudiometria foram realizadas em cabina acusticamente tratada e com audiômetro de dois canais, modelo Midimate 622, da marca Madsen Electronics®, utilizando fone TDH-39 e vibrador ósseo B-71. A timpanometria e a pesquisa dos reflexos acústicos foram realizadas por meio do analisador de orelha média, modelo AZ7, da marca Interacoustic®.

Foram utilizados como critério de inclusão, para construir o grupo de estudo, a ausência de queixas auditivas e avaliação audiométrica e imitanciométrica dentro dos padrões de normalidade. Considerou-se indivíduos com avaliação audiológica dentro dos padrões de normalidade aqueles que apresentaram limiares tonais por via aérea até 25 dBNA, nas frequências de 250 Hz a 8 kHz, e limiares tonais por via óssea até 15 dBNA, nas frequências de 500 Hz a 4 kHz, com diferença entre os limiares de via aérea e via óssea menor ou igual a 10 dB; curva timpanométrica do tipo A e presença de reflexos acústicos nas frequências de 500 Hz, 1, 2 e 4 kHz.

Em seguida, os indivíduos foram submetidos à pesquisa das emissões otoacústicas evocadas transientes e à supressão das emissões otoacústicas transientes.

As emissões otoacústicas transientes foram realizadas com estímulo não linear, do tipo click, com intensidade entre 80 e 85 dBNPS. As emissões otoacústicas transientes foram captadas inicialmente sem ruído contralateral, e em seguida, com ruído contralateral com o objetivo de não alterar a colocação da sonda durante as duas situações de teste.

Para realizar as emissões otoacústicas transientes utilizou-se o analisador de emissões otoacústicas modelo ILO versão 6, da marca Otodynamics®. Para a pesquisa do efeito de supressão das emissões otoacústicas transientes utilizou-se ruído de banda larga transmitido pelo audiômetro de dois canais, modelo Midimate 622, da marca Madsen Electronics®, por meio do fone TDH-39, na intensidade de 60 dB NPS.

As emissões otoacústicas evocadas transientes foram consideradas presentes quando a amplitude das frequências de 1 e 1,4 kHz foram maiores ou iguais a 3 dB, e das frequências de 2, 2,8 e 4 kHz, foram maiores ou iguais a 6 dB, tendo valores de reprodutibilidade maiores que 50% e valores de estabilidade do ajuste da sonda maior que 70%. Apenas os indivíduos que apresentaram emissões otoacústicas evocadas transientes presentes foram incluídos no estudo.

Para o efeito de supressão observou-se a variação da amplitude de resposta na presença de ruído, em relação à amplitude de resposta na ausência de ruído. O valor da supressão referente à ação do sistema olivococlear é dado pela diferença dos valores obtidos nas condições sem e com estimulação contralateral, em cada orelha, sendo que esse valor determina se existe ou não supressão. Assim, se o valor é positivo, há supressão e se é negativo ou igual a zero, não há supressão na amplitude das emissões(20). Neste estudo optou-se por considerar como variação mínima 0,5 dB NPS.

Em seguida, os participantes do estudo foram submetidos aos testes de escuta dicótica. A tarefa de estimulação dicótica é composta por materiais de natureza não verbal, teste dicótico não verbal, e de natureza verbal, teste dicótico de dígitos.

Os testes dicóticos estão disponíveis em Compact Disc (CD)(19) e para a sua realização utilizou-se um audiômetro de dois canais, modelo Midimate 622, da marca Madsen Electronics®, acoplado a um CD player, da marca Coby®. Os testes foram aplicados em cabina acusticamente tratada, à intensidade de 50 dBNS, a partir da média dos limiares tonais por via aérea, nas frequências sonoras de 500 Hz, 1 e 2 kHz.

O teste dicótico não verbal é iniciado apresentando-se os sons ao indivíduo de modo a levá-lo, por demonstração, a associar cada som ouvido à figura correspondente. Estes sons são combinados aos pares e apresentados um a um a cada orelha, simultaneamente, perfazendo um total de 12 pares(19).

O teste dicótico não verbal avalia a atenção seletiva, por meio de uma tarefa de separação binaural (atenção livre, atenção direita e atenção esquerda). Na etapa de atenção livre, cada indivíduo foi instruído a apontar para qualquer uma das figuras que representassem os sons apresentados. Na etapa de atenção direita, cada participante foi instruído a apontar apenas para a figura correspondente ao som apresentado na orelha direita. Na etapa de atenção esquerda, cada indivíduo foi instruído a apontar para a figura correspondente ao som apresentado na orelha esquerda(19).

As respostas dadas pelos participantes foram transcritas para uma folha de registros, circulando-se a palavra correspondente ao som apontado pelos mesmos. Em caso de erro, ao lado do par de sons, foi anotado o nome do som mostrado pelo participante. Os resultados foram apresentados em número de acertos(19).

O teste dicótico de dígitos consiste na apresentação de dois dígitos em cada orelha, simultaneamente. A lista de dígitos é constituída por 20 pares de dígitos que representam dissílabos da língua portuguesa. Este teste avalia as tarefas de integração binaural e separação binaural (atenção direcionada à direita e atenção direcionada à esquerda). Na etapa de integração binaural, cada indivíduo foi instruído a repetir todos os dígitos apresentados, independentemente da ordem. Na etapa de separação biaural, cada indivíduo foi instruído a repetir os dígitos percebidos apenas na orelha direita (atenção direcionada à direita) e, em seguida, apenas os dígitos percebidos na orelha esquerda (atenção direcionada à esquerda)(19).

Os resultados obtidos foram registrados em uma folha de marcação que continha dados de identificação e as listas que compunham o teste. Na etapa de integração binaural, nenhum registro foi realizado quando o indivíduo identificou corretamente os dígitos apresentados e, em caso de erro, omissão ou substituição dos dígitos, este foi assinalado com um traço no dígito correspondente. Na etapa de separação binaural, os dígitos identificados foram assinalados com um círculo. Os resultados foram apresentados em porcentagem de acertos. Cada estímulo identificado corretamente correspondeu a 2,5% e foi computado por orelha, nas três etapas de apresentação do teste(19).

Após as avaliações, os dados foram tabulados e submetidos à análise estatística pelo teste Qui-quadrado e pelo teste de hipótese para proporção. Para ambos os testes, adotou-se o nível de significância de 5%.

RESULTADOS

No teste dicótico não verbal, na etapa de atenção livre, não houve diferença entre o número de acertos da orelha direita (p=0,439) e da orelha esquerda (p=0,269), entre os gêneros. No gênero feminino, 11 (73,33%) participantes e no gênero masculino, nove (60,00%) participantes, ou seja, a maior parte dos participantes de ambos os gêneros apresentou de 6 a 12 acertos na orelha direita. Na orelha esquerda, observou-se que 10 (66,67%) participantes do gênero feminino apresentaram até cinco acertos, enquanto no gênero masculino houve distribuição equilibrada do número de acertos: sete (46,67%) participantes apresentaram até cinco acertos e oito (53,33%) participantes apresentaram de seis a 12 acertos.

Na etapa de atenção direita, houve diferença no número de acertos da orelha direita (p=0,046), entre os gêneros estudados (Tabela 1).

Na etapa de atenção esquerda, não houve diferença no número de acertos da orelha esquerda (p=1,000), entre os gêneros feminino e masculino. Em ambos os gêneros, 14 (93,33%) participantes apresentaram 12 acertos.

No teste dicótico de dígitos observou-se, na etapa de integração binaural, que houve diferença na porcentagem de acertos da orelha direita (p=0,001), entre os gêneros estudados (Tabela 2).

Na etapa de integração binaural, não houve diferença na porcentagem de acertos da orelha esquerda (p=0,439), entre os gêneros feminino e masculino. Observou-se que 11 (73,33%) participantes do gênero feminino e nove (60,00%) participantes do gênero masculino, ou seja, a maior parte dos participantes de ambos os gêneros apresentou 95% ou 100% de acerto.

Na etapa de atenção direcionada à direita, não houve diferença na porcentagem de acertos da orelha direita (p=1,000), entre os gêneros estudados. Tanto no gênero feminino quanto no gênero masculino, 14 (93,33%) participantes apresentaram 95% ou 100% de acerto.

Na etapa de atenção direcionada à esquerda, houve tendência à diferença na porcentagem de acertos da orelha esquerda (p=0,068), entre os gêneros (Tabela 2).

Na pesquisa do efeito supressor (positivo), observou-se que não houve diferença para as frequências de 1,0 kHz (p=1,000), 1,4 kHz (p=1,000), 2,0 kHz (p=0,682), 2,8 kHz (p=0,450) e 4,0 kHz (p=0,462) na orelha direita, entre os gêneros estudados. Na orelha esquerda, observou-se que também não houve diferença para as frequências de 1,0 kHz (p=1,000), 1,4 kHz (p=1,000), 2,0 kHz (p=1,000), 2,8 kHz (p=0,264) e 4,0 kHz (p=1,000), entre os gêneros feminino e masculino.

Na análise separada dos dados para cada gênero, verificou-se que no gênero feminino houve tendência à diferença entre a orelha direita e a orelha esquerda no teste dicótico não verbal, na etapa de atenção livre (p=0,066) (Tabela 3).

Na etapa de atenção seletiva (atenção direita e atenção esquerda) houve diferença entre a orelha direita e a orelha esquerda, no gênero feminino (p=0,035) (Tabela 3).

No teste dicótico de dígitos, na etapa de integração binaural, houve tendência à diferença entre a orelha direita e a orelha esquerda, no gênero feminino (p=0,100) (Tabela 3).

Na etapa de separação binaural (atenção direcionada à direita e atenção direcionada à esquerda) não houve diferença entre a orelha direita e a orelha esquerda, no gênero feminino (p=0,598).

Na pesquisa do efeito supressor (positivo), observou-se que não houve diferença para as frequências de 1,0 kHz (p=1,000), 1,4 kHz (p=1,000), 2,0 kHz (p=1,000), 2,8 kHz (p=0,264) e 4,0 kHz (p=0,714) entre a orelha direita e a orelha esquerda, no gênero feminino.

No gênero masculino não houve diferença entre a orelha direita e a orelha esquerda no teste dicótico não verbal, na etapa de atenção livre (p=1,000), nem na etapa de atenção seletiva (p=1,000). No teste dicótico de dígitos também não houve diferença entre a orelha direita e a orelha esquerda, na etapa de integração binaural (p=0,715), nem na etapa de separação binaural (p=1,000). Na pesquisa do efeito supressor (positivo), também não houve diferença para as frequências de 1.0 kHz (p=1,000), 1.4 kHz (p=1,000), 2.0 kHz (p=1,000), 2.8 kHz (p=0,450) e 4.0 kHz (p=0,452), entre as orelhas direita e esquerda.

DISCUSSÃO

As pesquisas envolvendo os testes dicóticos apresentam diversos resultados. Porém, deve-se ter critério ao comparar os testes dicóticos, pois diferentes testes dicóticos apresentam diferentes resultados. Há estudos que observaram tendência para o melhor desempenho do gênero feminino em tarefa dicótica com consoante e vogal(7). Entretanto, há estudos que verificaram diferenças entre os gêneros em teste consoante-vogal somente para estímulo sintético e, para estímulo com fala não observaram diferença(8).

Alguns estudos revelam que o gênero masculino apresenta uma tendência para vantagem da orelha direita em comparação ao gênero feminino. No entanto, outros estudos não observaram essa tendência e, portanto, não relataram diferenças entre os gêneros(9,14).

Dos estudos realizados com escuta dicótica para sons não verbais, alguns evidenciaram preferência pela orelha esquerda, e outros, verificaram simetria de respostas às etapas de separação binaural (atenção livre, atenção direita e atenção esquerda). Já os estudos realizados com escuta dicótica para sons verbais, relataram preferência pelo hemisfério esquerdo e, dessa forma, observaram vantagem da orelha direita(6,11).

A vantagem da orelha esquerda para o processamento de sons não verbais pode indicar preferência pelo hemisfério direito para essa tarefa dicótica. Pesquisas já relataram uma preferência pelo hemisfério esquerdo, no processamento da informação para sons verbais em escuta dicótica. Assim, o processamento de sons não verbais seria realizado, de maneira geral, pelo hemisfério direito, diferentemente do processamento analítico que o hemisfério esquerdo realiza para sons verbais(10,11).

O papel do trato olivococlear, no desempenho auditivo, ainda não está totalmente definido, porém algumas funções têm sido atribuídas ao trato olivococlear medial, tais como: atenção auditiva, localização da fonte sonora, melhora na detecção de sinais acústicos na presença de ruído, melhora da sensibilidade auditiva e função de proteção(3,4).

Tendo em vista que não houve diferença entre o efeito supressor entre os gêneros feminino e masculino e nem entre as orelhas nos respectivos gêneros, pode-se afirmar que a ausência de dominância da supressão na orelha direita e na orelha esquerda pode significar a não existência da dominância hemisférica e, consequentemente, ausência de vantagem de uma das orelhas(4,19).

A assimetria perceptual pode ser justificada pelos modelos estrutural e cognitivo. Os modelos estrutural e cognitivo buscam explicar a vantagem da orelha direita e a consequente desvantagem da orelha esquerda nos testes dicóticos.

No modelo estrutural, a informação apresentada na orelha direita desloca-se diretamente para o hemisfério esquerdo. Em situações de escuta monótica, qualquer via, ipsilateral ou contralateral, está apta a transmitir o sinal neural. Entretanto, durante a estimulação dicótica as vias ipsilaterais são suprimidas favorecendo as vias contralaterais, que possuem maior número de fibras. A desvantagem da orelha esquerda justifica-se pelo maior tempo de transmissão da informação verbal apresentada nesse ouvido, já que deve ser transportada, através do corpo caloso, do hemisfério direito para ser processada no hemisfério esquerdo. Dessa forma, a orelha esquerda necessita de uma maior participação do corpo caloso, para que seja eficiente no processamento da informação verbal(10,11,15,18).

O modelo cognitivo destaca a importância da atenção, da memória de trabalho e da velocidade de processamento da informação nas situações de escuta dicótica. Como consequência da dominância hemisférica esquerda para o processamento da fala, grande parte dos indivíduos é superior em atenção aos estímulos ouvidos à orelha direita. Isso permite que esses indivíduos façam uso predominante de um processamento acústico mais automático dos estímulos. Na tarefa dicótica, escuta à esquerda, os estímulos são suprimidos pelos estímulos da orelha direita. Assim, para direcionar a escuta para a esquerda, torna-se necessária maior ativação e envolvimento das funções cognitivas, as quais diferem entre os indivíduos(14).

Frequentemente se afirma a superioridade feminina no domínio verbal (dominância hemisférica esquerda) e a superioridade masculina em tarefas visuo-espaciais (dominância hemisférica direita). As capacidades verbais e as capacidades visuo-espaciais foram objeto do maior número de estudos sobre as diferenças cognitivas entre homens e mulheres. No entanto, os resultados revelaram diferenças mínimas apenas em uma parte dos indivíduos(11,16,17).

As diferenças observadas nos diversos domínios (verbal e não verbal) dependem, provavelmente, mais de estratégias de utilização das capacidades cognitivas do que das próprias capacidades. Isso tem consequências sobre a organização cerebral que poderia ser diferente entre homens e mulheres, mas que também poderia ser idêntica. Assim, a diferença está mais relacionada ao funcionamento cerebral – e não à anatomia – mais precisamente sobre a solicitação das diversas estruturas cerebrais, principalmente os dois hemisférios cerebrais, que poderiam diferir conforme as estratégias de processamento, e são variáveis de um indivíduo para outro, principalmente entre homens e mulheres(6,11,14).

O presente estudo encontrou resultados diferenciados, tanto para o teste dicótico não verbal quanto para o teste dicótico de dígitos. Alguns resultados coerentes e outros não coerentes com a literatura consultada.

O processamento da informação sonora é um mecanismo complexo que envolve estruturas periféricas, como o pavilhão auricular, e estruturas centrais, como o córtex auditivo. Cada uma destas estruturas desempenha um papel específico e determinante no sistema auditivo. Em razão da complexidade do sistema, torna-se inviável atribuir uma única função à determinada estrutura. O sistema atua como um todo e, possivelmente, uma habilidade pode ser atribuída a diversas estruturas(2).

Portanto, a tarefa de atenção seletiva, ainda que seja uma das atribuições do sistema auditivo eferente, tem outras estruturas anatômicas envolvidas, como a formação reticular. Quando a via reticular ascendente é estimulada, o córtex seleciona a informação a ser tratada de maneira prioritária. Assim, este pode ser um dos mecanismos envolvidos na atenção seletiva e, consequentemente, na tarefa de escuta dicótica(2).

Esse pressuposto pode justificar os achados encontrados neste estudo, porém, as diferenças entre os gêneros e a assimetria entre as orelhas no gênero feminino devem ser consideradas com cautela, uma vez que há dados não coerentes com a literatura consultada. Logo, novos estudos com maior casuística devem ser realizados.

CONCLUSÃO

Os resultados do presente estudo não foram conclusivos. O gênero feminino, cuja porção posterior do corpo caloso é mais larga e bulbosa, não apresentou melhor habilidade de integração auditiva inter-hemisférica do que o gênero masculino. Portanto, não é possível afirmar que as diferenças neurofisiológicas e anatômicas entre o gênero feminino e masculino foram determinantes para o desempenho nos testes auditivos centrais.

Recebido em: 14/3/2012

Aceito em: 11/7/2012

Conflito de interesses: Não

Trabalho realizado no Centro Clínico de Fonoaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas – Belo Horizonte (MG), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Tatiana Rocha Silva.
    R. Boninas, 1070, Pompéia
    Belo Horizonte (MG), Brasil, CEP: 30280-220.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Mar 2012
    • Aceito
      11 Jul 2012
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