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Relação entre as palavras eliciadas na Avaliação Fonológica da Criança e as variáveis idade, gênero e gravidade do desvio fonológico

Resumos

OBJETIVO: Verificar a relação entre as palavras pertencentes e não pertencentes à Avaliação Fonológica da Criança (AFC) e as variáveis idade, gênero e gravidade do desvio fonológico (DF), e analisar as palavras produzidas e as palavras substituídas com maior frequência na AFC. MÉTODOS: Fizeram parte do estudo 45 crianças com DF, de ambos os gêneros, com idades entre 4 anos e 7 anos e 11 meses. O corpus de fala foi composto por 6463 palavras, que foram divididas em palavras pertencentes ou não à AFC. A amostra foi dividida quanto à faixa etária, à gravidade do desvio fonológico e ao gênero. Os dados foram analisados estatisticamente. RESULTADOS: Houve maior produção de palavras não pertencentes à AFC e relação significativa entre a palavra pertencer ou não ao AFC quanto à faixa etária, gênero e gravidade do DF. As palavras-alvo enunciadas com maior frequência foram equivalentes a nomes de objetos do dia a dia da criança, ao contrário das substituições, que foram mais frequentes quando a palavra-alvo correspondia a objetos não conhecidos visualmente pelas crianças. CONCLUSÃO: A produção de palavras pertencentes à AFC é influenciada pela idade, gênero e gravidade do DF. É fundamental que nas palavras selecionadas para uma avaliação fonológica sejam consideradas tais variáveis, bem como, aspectos regionais, classe gramatical de substantivo, e o repertório da criança.

Fala; Distúrbios da fala; Linguagem infantil; Transtornos da articulação; Testes de articulação da fala; Inteligibilidade da fala


PURPOSE: To verify the relationship between words belonging and not belonging to the Children Phonological Assessment (CPA) and the variables age, gender, and severity level of phonological disorders (PD), and to analyze the most frequently produced and substituted words in the CPA. METHODS: Participants were 45 children with PD of both genders, aged between 4 years and 7 years and 11 months. The speech corpus was composed of 6463 words, divided into belonging and not belonging in the CPA. The sample was divided according to age, gender and severity level of the PD. Data were statistically analyzed. RESULTS: There was greater production of words not belonging in the CPA, and significant relationship between belonging or not belonging in the CPA according to age, gender, and severity level of PD. The target-words produced more frequently were those referring to names of objects belonging to the daily routine of children, unlike substitutions, which were more frequent when the target-word corresponded to objects visually unknown to the children. CONCLUSION: The production of the words belonging in the CPA is influenced by age, gender and severity level of phonological disorders. It is essential that the words selected for a phonological assessment consider these variables, as well as regional aspects, grammatical class of noun, and the child's repertory.

Speech; Speech disorders; Articulation disorders; Child language; Speech intelligibility; Speech articulation tests


ARTIGO ORIGINAL

Relação entre as palavras eliciadas na Avaliação Fonológica da Criança e as variáveis idade, gênero e gravidade do desvio fonológico

Angélica SavoldiI; Marileda Barichello GubianiII; Ana Rita BrancalioniII; Márcia Keske-SoaresIII

IPrograma de Pós-Graduação (Mestrado) em Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM – Santa Maria (RS), Brasil

IIPrograma de Pós-Graduação (Doutorado) em Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM – Santa Maria (RS), Brasil

IIICurso de Fonoaudiologia e Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM – Santa Maria (RS) Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Angélica Savoldi. R. Silva Jardim, 2112/307, Centro Santa Maria (RS), Brasil, CEP: 97010-492. E-mail: angelsavoldi@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a relação entre as palavras pertencentes e não pertencentes à Avaliação Fonológica da Criança (AFC) e as variáveis idade, gênero e gravidade do desvio fonológico (DF), e analisar as palavras produzidas e as palavras substituídas com maior frequência na AFC.

MÉTODOS: Fizeram parte do estudo 45 crianças com DF, de ambos os gêneros, com idades entre 4 anos e 7 anos e 11 meses. O corpus de fala foi composto por 6463 palavras, que foram divididas em palavras pertencentes ou não à AFC. A amostra foi dividida quanto à faixa etária, à gravidade do desvio fonológico e ao gênero. Os dados foram analisados estatisticamente.

RESULTADOS: Houve maior produção de palavras não pertencentes à AFC e relação significativa entre a palavra pertencer ou não ao AFC quanto à faixa etária, gênero e gravidade do DF. As palavras-alvo enunciadas com maior frequência foram equivalentes a nomes de objetos do dia a dia da criança, ao contrário das substituições, que foram mais frequentes quando a palavra-alvo correspondia a objetos não conhecidos visualmente pelas crianças.

CONCLUSÃO: A produção de palavras pertencentes à AFC é influenciada pela idade, gênero e gravidade do DF. É fundamental que nas palavras selecionadas para uma avaliação fonológica sejam consideradas tais variáveis, bem como, aspectos regionais, classe gramatical de substantivo, e o repertório da criança.

Descritores: Fala; Distúrbios da fala; Linguagem infantil; Transtornos da articulação; Testes de articulação da fala; Inteligibilidade da fala

INTRODUÇÃO

A aquisição da linguagem é um processo que tem início desde os primeiros minutos de vida da criança. As estruturas responsáveis pelo processamento da linguagem estão em desenvolvimento já no seu nascimento e o reforço para que ocorra o desenvolvimento do léxico sofre interferência do ambiente linguístico e das condições sócio-econômico-culturais da criança(1).

Por volta de um ano de idade, quase metade das palavras usadas pelas crianças são nomes de objetos familiares, do seu cotidiano. Aos dois anos de idade, quando ocorre a explosão do vocabulário, a criança passa a aprender novas palavras com facilidade e rapidez(1-5).

O desenvolvimento lexical e a aquisição fonológica ocorrem de forma gradual, de acordo com a comunidade linguística em que a criança está inserida. A idade esperada para o estabelecimento do sistema fonológico é até os cinco anos, mas existe uma variação aceitável para essa aquisição. Porém, algumas crianças, mesmo com idades superiores à esperada, podem apresentar alteração no desenvolvimento da fala, dificuldade na organização mental dos sons da língua, no estabelecimento do sistema fonológico e na adequação do input recebido. Esses casos são denominados como desvio fonológico (DF). A causa deste desvio ainda não está completamente definida, e sua etiologia é bastante discutida(6-9).

Crianças que apresentam problemas de produção de fala, como o DF, são frequentemente encaminhadas para avaliação e tratamento fonoaudiológico. A avaliação da fala é muito importante e é um componente crítico para o processo clínico. Além de favorecer o diagnóstico, a avaliação da fala auxilia o clínico na determinação do melhor método de tratamento e fornece parâmetros para comparação, por meio de estudos que investigam a aquisição típica(10).

Dentre as avaliações fonológicas existentes, a Avaliação Fonológica da Criança (AFC) é comumente utilizada no sul do país. Esta é uma prova composta por cinco figuras temáticas: "veículos", "sala", "cozinha", "banheiro" e "zoológico". Essas figuras estimulam a nomeação espontânea de 125 palavras distintas, permitindo a produção de todos os fones contrastivos, em todas as posições que podem ocorrer, em relação à estrutura da sílaba e da palavra, obtendo-se uma amostra representativa dos sons da língua(11). Algumas crianças podem não eliciar a palavra-alvo esperada e/ou não reconhecer a figura/objeto. Nesses casos, o examinador pode fazer uso da estratégia de "imitação retardada"(10).

Observa-se, na prática clínica, que as crianças apresentam dificuldades na evocação de certas palavras da AFC. Algumas dessas dificuldades podem ser justificadas pela falta de contato com as palavras-alvo, uma vez que os aspectos do neurodesenvolvimento são fortalecidos pelas relações sociais e pelo meio em que estão inseridas(12,13). Além disso, a linguagem é adquirida por meio do uso, principalmente pela imitação do que é ouvido. Logo, este modelo ressalta a importância que a cultura imprime na aquisição e no desenvolvimento da linguagem.

Além dos estímulos ambientais, familiaridade e frequência, a extensão das palavras também parece interferir na aquisição do léxico(13-17). Estudo(10) indica que nas provas de nomeação e de fala espontânea é comum a criança evitar alguns fonemas que não sabe produzir, substituindo o alvo proposto na avaliação por outra palavra pertencente ao seu léxico.

Assim, as crianças em processo de aquisição lexical podem cometer uma série de desvios semânticos em função de não terem, ainda, bem organizado o conjunto de traços de significação que diferenciam o uso de uma palavra, nos diferentes contextos linguísticos. Dessa forma, a criança generaliza a utilização de uma palavra cujos limites ela ainda não domina(6).

A atuação fonoaudiológica, tanto nos casos de DF quanto em outras patologias, requer recursos adequados para a avaliação. Segundo a literatura(11,18) é fundamental que um corpus de fala coletado para avaliação e análise fonológica contemple a produção de todos os fonemas, nas diferentes posições silábicas. Estudo(18) aponta que a AFC, entre outras avaliações, não contempla de modo satisfatório as necessidades clínicas do fonoaudiólogo, sobretudo por apresentar palavras desatualizadas e/ou que não pertencem ao vocabulário da criança.

Diante do exposto, este trabalho teve como objetivos verificar a relação entre as palavras pertencentes e não pertencentes à Avaliação Fonológica da Criança (AFC), e as variáveis idade, gênero e gravidade do desvio fonológico (DF); analisar as palavras produzidas e as palavras substituídas com maior frequência na AFC. Apesar da AFC não contemplar de modo satisfatório as necessidades encontradas na clínica, a prova é muito utilizada no Sul do país, e a importância desse trabalho se deve, principalmente, como método de análise das palavras produzidas nesta prova, bem como, o fornecimento de subsídios para estudos que buscam criar instrumentos com palavras para avaliação.

MÉTODOS

Este é um estudo de caráter transversal, retrospectivo e quantitativo. Os dados que compõem esta pesquisa foram coletados do banco de dados da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) (RS), criado a partir da amostra de fala de crianças com DF.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UFSM, sob número 23081.006440/2009-60. Todos os pais e/ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a participação das crianças na pesquisa.

Todos os procedimentos descritos a seguir foram realizados de forma padronizada, para compor o banco de dados utilizado.

Os critérios de inclusão no estudo foram: apresentar audição normal para a média tritonal da fala, apresentar DF, não apresentar problemas neurológicos relevantes à produção da fala, não apresentar desvio fonético e ter capacidades intelectuais adequadas para o desenvolvimento da linguagem.

Após a triagem fonoaudiológica inicial, todos os sujeitos passaram por uma anamnese e foram submetidos às seguintes avaliações: linguagem compreensiva e expressiva, consciência fonológica, avaliação fonológica, avaliação audiológica, discriminação auditiva, processamento auditivo simplificado, sistema estomatognático e exame articulatório.

A coleta do corpus de fala para avaliação fonológica foi realizada por meio do instrumento Avaliação Fonológica da Criança (AFC)(11), em ambiente silencioso, individualmente. A coleta dos dados de fala foi realizada no período anterior à terapia fonoaudiológica. Cada criança foi solicitada a nomear todas as figuras temáticas da AFC. As respostas foram gravadas e transcritas foneticamente, e os resultados analisados.

Do total de 176 crianças integrantes do projeto, foram selecionadas, aleatoriamente, amostras de fala de 45 crianças, de ambos os gêneros, com idades entre 4 anos e 7 anos e 11 meses. No total, foram analisadas 6463 palavras.

O corpus de fala foi dividido em dois grupos: palavras pertencentes à AFC e palavras não pertencentes à AFC. Em seguida, ambos os grupos foram classificados quanto à faixa etária, ao gênero e à gravidade do DF.

Quanto à faixa etária (FE), os sujeitos foram divididos em: FE1 (11 crianças, de 4 anos a 4 anos e 11 meses); FE2 (16 crianças, de 5 anos a 5 anos e 11meses); FE3 (12 crianças, de 6 anos a 6 anos e 11 meses); e FE4 (6 crianças de 7 anos a 7 anos e 11 meses). Quanto à gravidade, os sujeitos foram classificados de acordo com o Percentual de Consoantes Corretas-Revisado (PCC-R)(19) e divididos em três grupos: Grupo 1 (G1) DF leve (15 crianças) (PCC-R=85 a 100%), Grupo 2 (G2) DF levemente-moderado (17 crianças) (PCC-R=65 a 85%) e Grupo 3 (G3) DF moderadamente-grave (11 crianças) (PCC-R=50 a 65%) e DF grave (2 crianças) (PCC-R<50%). Em função do reduzido número de sujeitos com DF grave, nesta pesquisa, optou-se por incluí-los no mesmo grupo dos sujeitos com DF moderadamente-grave. Em relação ao gênero, os sujeitos foram divididos em: masculino (30 crianças) e feminino (15 crianças).

Os dados foram analisados quanto à palavra pertencer ou não à AFC em relação à faixa etária, ao gênero e à gravidade do DF. Os testes estatísticos aplicados foram Qui-quadrado complementado pela Análise de Resíduos Ajustados e teste t de Student, com significância de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

A Figura 1 mostra as palavras produzidas pertencentes e não pertencentes à AFC. A média de palavras produzidas pertencentes à AFC (63,71) foi significativamente inferior à média de palavras produzidas não pertencentes à AFC (79,91). Também são representados no gráfico os valores correspondentes ao desvio padrão, mínimo e máximo.


As crianças produziram mais palavras não pertencentes à AFC, em duas faixas etárias. Nos grupos FE1 e FE2 houve maior produção de palavras pertencentes à AFC (p<0,0001) (Tabela 1).

Com relação à diferença entre gêneros, tanto o feminino quanto o masculino apresentaram maior produção de palavras não pertencentes à AFC (p<0,0001) (Tabela 2).

No que se refere à gravidade do DF, para G1 e G2 (graus "mais leves" de DF) houve maior produção de palavras pertencentes à AFC do que para o G3 (graus "mais graves" de DF) (p<0,0001), conforme apresentado na Tabela 3.

O Quadro 1 apresenta os percentuais das palavras produzidas pertencentes à AFC. Verifica-se que os maiores percentuais de produção foram encontrados para palavras pertencentes à classe gramatical de substantivo, principalmente à categoria "animais". Além disso, o menor percentual de produção foi verificado para a classe gramatical verbo.


No Quadro 2 estão descritas as substituições mais frequentes de palavras da AFC. Observa-se que foram encontrados vários casos de atribuição de objetos conhecidos, semelhantes aos apresentados, como quando o alvo foi "estrada" e a criança produziu "rua".


DISCUSSÃO

O fato de a criança produzir mais palavras não pertencentes à AFC pode ser justificado pelo fato do examinador não direcionar a produção de palavras e sim, deixar que o sujeito eliciasse a palavra, de acordo com o seu domínio léxico-semântico, podendo a criança apresentar dificuldade de entendimento das figuras do instrumento. Apesar do instrumento de avaliação contemplar todos os fonemas do português, em todas as posições possíveis, nem sempre o sujeito os elicia da maneira esperada pelo examinador.

Estudos(7,20) que investigaram as alterações no vocabulário expressivo de crianças com DF referiram que a nomeação de figuras pode ser influenciada por fatores culturais e de desenvolvimento. Quando os conceitos das figuras não estão adquiridos, pode ocorrer a atribuição de objetos conhecidos e que são visualmente semelhantes ao apresentado. Segundo os mesmos estudos, pode acontecer, ainda, de a criança conhecer o objeto, mas não saber a palavra correta para designá-lo, neste caso, ela procura por nomes próximos em seu próprio repertório semântico.

Em relação à faixa etária, a FE2 foi a que produziu a maior quantidade de palavras (total de 2215 palavras), e a FE 4, a que produziu o menor número de palavras (1010 palavras). Essa distribuição pode ser justificada pelo fato de as crianças maiores (FE4) serem mais diretivas, não apresentando tantos episódios de fala espontânea durante a avaliação, o que possivelmente ocorre com as crianças de menor idade (FE1 e FE2). Essa relação pode ser reforçada por uma pesquisa(6) que evidencia que crianças de maior idade apresentam desempenho superior em provas de vocabulário que envolvem reconhecimento do objeto e evocação da palavra-alvo, quando comparadas às crianças mais novas. Esses resultados confirmam estudos anteriores(21), que indicam que as crianças apresentaram melhora na competência lexical e no vocabulário expressivo, com o aumento da idade.

Ainda, todas as faixas etárias apresentaram maior produção de palavras não pertencentes à AFC, o que pode ser justificado pela amostra de fala ter sido obtida por meio de nomeação espontânea, e a transcrição não ser restrita (além das 125 palavras sugeridas na avaliação).

Com relação ao gênero, o masculino produziu mais palavras que o feminino. Entretanto, houve maior produção de palavras pertencentes à AFC para o gênero feminino. Neste estudo, o fato de os meninos terem produzido mais palavras, também pode ser justificado pela amostra ter maior quantidade de meninos. Esse fato também pode ser justificado pela prevalência do DF, que é maior em meninos, concordando com outros estudos(22). Outra pesquisa(23) indica que, em provas de vocabulário que utilizam a estratégia de nomeação, as meninas possuem um desempenho melhor, sendo mais diretivas e obtendo maior número de nomeações esperadas.

Referente à gravidade do DF, percebe-se que o G3 (crianças com DF moderadamente-grave e grave) foi o que obteve significância estatística e apresentou praticamente o dobro de palavras não pertencentes à AFC. Este indício confirma o esperado pelas autoras desse estudo, pois era previsto que, de certa forma, os níveis de gravidade do DF influenciassem no desempenho lexical da nomeação espontânea, dos alvos do instrumento utilizado.

Apesar de os resultados confirmarem a relação entre a gravidade do DF e a eliciação das palavras da avaliação, faltam estudos que relatem o desempenho de crianças com desenvolvimento fonológico típico. A partir da comparação do desempenho de crianças com DF e com desenvolvimento típico, seria possível rever os itens da prova, analisando as dificuldades comuns para os dois grupos sem, necessariamente, sofrer interferência das dificuldades fonológicas da criança.

Os resultados desta pesquisa concordam com os achados de um estudo(24) que refere haver uma estreita relação entre a fonologia e o léxico, pois verificou-se que as crianças com desvio moderado-grave e grave, além de apresentarem um número reduzido de palavras, grande parte delas não era alvo da avaliação, indicando dificuldades na eliciação dos elementos lexicais.

Há um estudo(24) que indica que as dificuldades em nomeação, nas crianças com DF, devem-se à "gaps" em seus léxicos, representações semânticas frágeis ou dificuldades em recuperar a informação na presença de representações bem elaboradas no léxico mental.

O fato das palavras produzidas pertencentes à AFC geralmente serem da classe gramatical substantivo pode ser justificado por essas normalmente serem as primeiras palavras adquiridas pelas crianças(25,26). Além disso, pode ser justificado, pelo fato do substantivo ser de mais fácil identificação, pois a representação por meio de figuras de animais, como cachorro ou passarinho, é mais simples e concreta do que de verbos, como latir e voar.

O processo de identificação, que faz parte da nomeação, possui três estágios: identificação do objeto, ativação conhecida e geração da resposta(19). Assim, estudos(6,24) sugerem que a criança com DF é capaz de reconhecer o objeto, entretanto, é incapaz de recuperar a palavra, ocorrendo então, a substituição de palavras por outras, com atributos semânticos próximos.

As diferentes substituições das palavras-alvo da AFC podem indicar casos de atribuição de objetos conhecidos, visualmente semelhantes aos apresentados, como por exemplo, quando o alvo seria "poltrona" e a criança produziu "sofá". Além disso, podem revelar uma produção simplificada ou reduzida como, por exemplo, no caso da "televisão" que foi substituída por "TV". Ainda, podem indicar que a representação das palavras-alvo da AFC por meio de figura esteja comprometendo a compreensão, uma vez que o input visual fornecido também pode influenciar na identificação e na nomeação(18,22), como por exemplo, as figuras que representam os alvos "cobra" e "dragão".

Outras hipóteses para as substituições das palavras-alvo da AFC podem ser relacionadas às palavras desatualizadas e/ou fora do vocabulário da criança, como por exemplo, "disco" que foi substituído por "CD" e "azulejo" substituído por "parede". Estudos(26,27) revelam que fatores culturais e de desenvolvimento influenciam na nomeação de figuras. Também, os processos de regionalismo ou mesmo os aspectos do meio sociocultural podem influenciar nas substituições das palavras-alvo, como "menino" que foi substituído por "guri" e "trator" que foi substituído por "patrola". Por fim, o desconhecimento do item lexical, ou mesmo o acesso a outro item lexical pode ser atribuído às substituições(18), como por exemplo, a substituição de "globo" por "planeta".

CONCLUSÃO

Considerando a necessidade de instrumentos precisos para o diagnostico do DF, observa-se que apesar da AFC ser uma prova balanceada foneticamente, ocorreu grande variação na substituição das palavras-alvo. Isso se deve ao fato de nem sempre as crianças eliciarem as palavras-alvo da AFC da maneira esperada pelo examinador, quer por dificuldade de entendimento das figuras e/ou por influências de regionalismos. Portanto, o fonoaudiólogo deve estar atento para que haja uma produção equilibrada de todos os sons da fala, fator importante para um diagnóstico preciso.

Além disso, a produção de palavras pertencentes à AFC mostrou ser influenciada pela idade, uma vez que crianças com idades mais avançadas produziram maior número de palavras pertencentes à AFC. Logo, destaca-se a necessidade de criação de novos alvos adequados para cada idade.

Ainda, o gênero e a gravidade do DF influenciaram no desempenho da criança na AFC. Diante disso, é fundamental que os alvos selecionados para nomeação de uma prova considerem tais variáveis, bem como, os aspectos regionais. Por fim, ressalta-se a importância de selecionar, para os testes e/ou provas de nomeações, palavras-alvos de classe gramatical substantivo, de fácil representação e pertencentes ao repertório da criança.

Recebido em: 14/6/2011

Aceito em:19/12/2011

Conflito de interesses: Não

Financiamento: Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI).

Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de Santa Maria – UFSM – Santa Maria (RS), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Angélica Savoldi.
    R. Silva Jardim, 2112/307, Centro
    Santa Maria (RS), Brasil, CEP: 97010-492.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Set 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      14 Jun 2011
    • Aceito
      19 Dez 2011
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