Acessibilidade / Reportar erro

Deglutição e consistências alimentares pastosas e sólidas: revisão crítica de literatura

Resumos

OBJETIVO: Levantar artigos científicos internacionais sobre a fisiologia da deglutição de alimentos nas consistências néctar, mel, pudim, pastosa heterogênea, semissólida e sólida, nas fases oral e faríngea. MÉTODOS: Trata-se de estudo de revisão qualitativa da literatura. Para a seleção dos artigos, foi utilizada a base de dados PubMed com emprego dos descritores "Swallowing and consistency", "Swallowing and solid" e "Swallowing and pasty", limitando-se a pesquisas publicadas no idioma inglês, entre os anos de 2005 e 2010, realizadas com seres humanos maiores de 18 anos. A metodologia empregada envolveu formulação da pergunta, localização e seleção dos estudos, e avaliação crítica dos artigos, conforme os preceitos do Cochrane Handbook. RESULTADOS: Foram identificados 211 estudos, dos quais 18 foram analisados, pois permitiam acesso ao texto completo e eram diretamente relacionados ao tema. CONCLUSÃO: Os estudos apresentam metodologia pouco uniforme, não havendo padronização, principalmente quanto aos métodos de avaliação. Em geral, as pesquisas foram realizadas com sujeitos saudáveis ou remeteram a um tipo de patologia, sem utilização de casos-controle. A heterogeneidade dos estudos possibilita que diferentes grupos de patologias sejam avaliados, porém, a variabilidade metodológica dificulta a definição e generalização dos padrões encontrados. Sendo assim, não é possível evidenciar dados que embasem a prática clínica fonoaudiológica no que diz respeito à fisiologia normal ou alterada da deglutição de diferentes consistências alimentares, tanto para sujeitos normais quanto para os acometidos por alguma desordem.

Deglutição; fisiologia; Transtornos de deglutição; Alimentos; Comportamento alimentar; Ingestão de alimentos


PURPOSE: To analyze published international scientific papers on the physiology of deglutition in oral and pharyngeal phases, considering different food consistencies: nectar, honey, pudding, pasty heterogeneous, semi-solid, and solid. METHODS: This is a qualitative literature reviews. The studies considered were selected on PubMed, using the keywords "Swallowing and consistency", "Swallowing and solid", and "Swallowing and pasty", limiting the search to manuscripts published in English in the period between 2005 and 2010, and conducted with human beings over 18 years old. The methodology involved question formulation, location and selection of studies, and critical analyses of the manuscripts, according to the concepts of the Cochrane Handbook. RESULTS: Two hundred and eleven studies were identified, out of which only 18 allowed access to the full text and were directly related to the theme. CONCLUSION: The studies presented very few similarities between the applied methodologies, especially when considering assessment methods. Overall, the studies were conducted with healthy individuals or with a specific pathology, without presenting the comparison with control cases. The heterogeneity of studies allows the investigation of different swallowing disorders. However, methodological variability makes it difficult to define and generalize the identified swallowing patterns. For this reason, it is not possible to identify parameters on which to base the clinical practice of speech-language therapists, especially when considering the normal or altered physiology of swallowing different food consistencies.

Deglutition, physiology; Deglutition disorders; Food; Feeding behavior; Eating


ARTIGO DE REVISÃO

Deglutição e consistências alimentares pastosas e sólidas: revisão crítica de literatura

Amanda Checchinato PansariniI; Fernanda Chiarion SassiII; Laura Davison MangilliIII; Talita Fortunato-TavaresIII; Suelly Cecília Olivan LimongiIV; Claudia Regina Furquim de AndradeIV

ICurso de Aprimoramento Profissional em Fonoaudiologia Hospitalar em Funções Orofaciais, Instituto Central, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

IIServiço de Fonoaudiologia, Instituto Central, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

IIIPrograma de Pós-graduação (Doutorado) em Ciências da Reabilitação, Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

IVDepartamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Claudia Regina Furquim de Andrade. R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária São Paulo (SP), CEP: 05360-160. E-mail: clauan@usp.br

RESUMO

OBJETIVO: Levantar artigos científicos internacionais sobre a fisiologia da deglutição de alimentos nas consistências néctar, mel, pudim, pastosa heterogênea, semissólida e sólida, nas fases oral e faríngea.

MÉTODOS: Trata-se de estudo de revisão qualitativa da literatura. Para a seleção dos artigos, foi utilizada a base de dados PubMed com emprego dos descritores "Swallowing and consistency", "Swallowing and solid" e "Swallowing and pasty", limitando-se a pesquisas publicadas no idioma inglês, entre os anos de 2005 e 2010, realizadas com seres humanos maiores de 18 anos. A metodologia empregada envolveu formulação da pergunta, localização e seleção dos estudos, e avaliação crítica dos artigos, conforme os preceitos do Cochrane Handbook.

RESULTADOS: Foram identificados 211 estudos, dos quais 18 foram analisados, pois permitiam acesso ao texto completo e eram diretamente relacionados ao tema.

CONCLUSÃO: Os estudos apresentam metodologia pouco uniforme, não havendo padronização, principalmente quanto aos métodos de avaliação. Em geral, as pesquisas foram realizadas com sujeitos saudáveis ou remeteram a um tipo de patologia, sem utilização de casos-controle. A heterogeneidade dos estudos possibilita que diferentes grupos de patologias sejam avaliados, porém, a variabilidade metodológica dificulta a definição e generalização dos padrões encontrados. Sendo assim, não é possível evidenciar dados que embasem a prática clínica fonoaudiológica no que diz respeito à fisiologia normal ou alterada da deglutição de diferentes consistências alimentares, tanto para sujeitos normais quanto para os acometidos por alguma desordem.

Descritores: Deglutição/fisiologia; Transtornos de deglutição; Alimentos; Comportamento alimentar; Ingestão de alimentos

INTRODUÇÃO

A deglutição é um ato complexo, que inclui atividades voluntárias e reflexas, envolvendo diferentes músculos e nervos. Tem a função de levar o alimento da boca até o estômago, além de proteção das vias aéreas, sendo dividida em fases: oral, faríngea e esofágica(1).

A disfagia é um distúrbio da deglutição causado por alterações em uma ou mais fases da deglutição, podendo ser decorrente de causas neurológicas e/ou estruturais. Como consequência, pode gerar a entrada de alimento nas vias aéreas causando tosse, sufocação/asfixia, aspiração laringo-traqueal, problemas pulmonares, desidratação, perda de peso e morte(2,3). Durante o processamento de alimentação as partículas de alimento são reduzidas em tamanho por mastigação e salivação, sendo amolecidas até que a consistência seja ideal para a deglutição. Nesse processo deve haver movimentos cíclicos da mandíbula, intimamente coordenados com os movimentos da boca, língua, bochechas e osso hióide. Assim, o conhecimento da fisiologia e anatomia relacionada à deglutição é fundamental para a avaliação e tratamento de suas desordens(1).

O objetivo dessa revisão sistemática foi levantar textos científicos internacionais publicados sobre a fisiologia da deglutição de alimentos nas consistências néctar, mel, pudim, pastosa heterogênea, semissólida e sólida, nas fases oral e faríngea. Os artigos foram selecionados por meio da base de dados PubMed utilizando os descritores "Swallowing and consistency", "Swallowing and solid" e "Swallowing and pasty"; limitando-se a pesquisas publicadas no idioma inglês, entre os anos de 2005 e 2010, realizadas com seres humanos maiores de 18 anos.

Trata-se de estudo de revisão qualitativa da literatura. Para o estabelecimento do método de pesquisa foram seguidos os preceitos do Cochrane Handbook(4), que envolve a formulação da pergunta, a localização e seleção dos estudos e a avaliação crítica dos artigos.

Para a seleção dos textos houve primeiramente a compatibilização entre os pesquisadores. A busca pelos textos no banco de dados foi realizada independentemente pelos autores visando minimizar possíveis perdas. Citações em outra língua que não o inglês foram excluídas, assim como as citações repetidas por sobreposição das palavras-chave. Após a seleção das citações, os textos foram obtidos por meio do Portal de Periódicos da CAPES. Aqueles que não puderam ser recuperados foram excluídos do estudo, uma vez que não permitiram o acesso ao texto completo. Dos textos completos obtidos foram excluídos aqueles referentes aos estudos de caso, revisões de literatura, cartas ao editor e textos que não se relacionavam diretamente ao tema.

Foram analisados os textos que efetivamente se relacionavam à proposta da pesquisa. Todas as etapas do estudo foram conduzidas independentemente pelos pesquisadores e, quando houve discordância entre eles, foram incluídos somente os textos cujo posicionamento final foi consensual. Pela natureza do estudo a pesquisa não foi simples-cego.

O percurso da busca realizada para seleção dos textos analisados está representado na Figura 1.


Posteriormente ao levantamento bibliográfico e à seleção dos artigos, foi realizada a análise das pesquisas quanto aos seus objetivos; tipo de texto; número e gênero dos participantes; faixa etária; critérios de avaliação e controle dos tratamentos; e resultados. Assim, serão apresentados dezoito parágrafos relativos à análise.

REVISÃO DE LITERATURA

Um estudo experimental(5) avaliou o uso do Levodopa e o desempenho na deglutição de diferentes consistências alimentares em pacientes com Paralisia Supranuclear Progressiva (PSP) e Doença de Parkinson (DP). O estudo não apresentou casos controles e foi realizado com sujeitos com diagnóstico provável de Paralisia Supranuclear Progressiva e sujeitos com diagnóstico de Doença de Parkinson, excluindo outras doenças que cursam com disfagia. Para avaliação foi realizado exame de videofibroscopia, durante a deglutição de líquido corado de azul e pedaços de pão. Não foram observadas diferenças entre os eventos observados para os grupos PSP e DP. Em ambos os casos a ocorrência de penetração/aspiração foi maior para líquidos e significativamente menos frequente para alimentos pastosos e sólidos.

Outro estudo experimental(6) avaliou por meio de videofluoroscopia da deglutição (VF) episódios de penetração/aspiração considerando a idade dos sujeitos, o tamanho do bolo e a consistência do alimento. O estudo foi realizado com adultos normais voluntários, sem disfagia, sem doenças neurológicas, que não tivessem realizado VF previamente e que não apresentassem outras alterações que pudessem causar dificuldades de deglutição. A penetração esteve presente em 11,4% dos indivíduos normais, foi mais comum com o bolo líquido, além de ter sido geralmente alta e não constituir uma ameaça. Os autores sugerem que não se deve considerar a aspiração como um achado normal no exame de VF em indivíduos saudáveis.

Pesquisadores(7) realizaram um estudo experimental a fim de examinar o efeito da fase respiratória sobre o movimento do palato mole durante a alimentação, e determinar como esses eventos são integrados, sob a hipótese de que a elevação do palato mole associada à mastigação seria reduzida durante a inspiração. O estudo teve como sujeitos 11 adultos jovens, saudáveis, assintomáticos, voluntários, com idades entre 19 e 37 anos. A avaliação foi realizada durante a ingestão de alimentos sólidos simultaneamente à gravação de imagens videofluoroscópicas e monitoramento respiratório por pletismografia. Os resultados demonstraram que durante o processamento dos alimentos a elevação do palato foi menos frequente e seu deslocamento foi menor na inspiração do que na expiração. Durante a fase de transporte, que ocorre ainda durante a mastigação, o palato mole foi elevado com menor frequência na inspiração do que na expiração. Diante dos resultados, os autores sugeriram que o controle da respiração parece ter um efeito significativo na elevação do palato mole durante a mastigação.

Outros autores(8) investigaram experimentalmente os efeitos imediatos da estimulação tátil-térmica (TTS) no tempo de deglutição de um grupo de pessoas com Doença de Parkinson Idiopática cursando com disfagia. Realizaram a avaliação da deglutição de 5 ml de bário líquido e 5 ml de bário pastoso antes e após TTS, durante exame de videofluoroscopia. Para o líquido a TTS reduziu o tempo de trânsito e atraso faríngeo e o tempo de trânsito total, não havendo modificação no tempo de trânsito oral. Para o pastoso a TTS reduziu o tempo de trânsito faríngeo e tempo de trânsito total, não havendo diferenças no atraso faríngeo e tempo de trânsito oral. Os autores concluíram que a TTS pode ser um mecanismo que, utilizado num curto espaço de tempo, pode otimizar a deglutição de pacientes com diagnóstico de Doença de Parkinson Idiopática. O estudo não apresentou casos-controle.

Em outro estudo(9) foi realizada análise acústica dos sons da deglutição em indivíduos saudáveis e em pacientes com disfagia decorrente de doenças neurológicas, testando o valor preditivo positivo/negativo de padrões patológicos de sons da deglutição para penetração/aspiração. Os sujeitos do estudo foram indivíduos saudáveis e pacientes com disfagia decorrente de diversas doenças neurológicas. Foi realizada avaliação dos significados dos sons da deglutição (análise acústica dos sons gravados) e verificação da penetração/aspiração por meio de videofibroscopia da deglutição, testando-se alimentos sólidos, semissólidos, pastosos e líquidos. A análise acústica revelou sensibilidade de 0,67 e especificidade 1,0 para penetração/aspiração. A conclusão foi de que a técnica proposta para a gravação dos sons da deglutição pode ser incorporada às avaliações no leito, mas não deve substituir o uso de outras medidas valiosas de diagnóstico.

Com objetivo de investigar estatisticamente e/ou clinicamente alterações significativas no estado funcional dos pacientes, outros autores(10) realizaram a verificação dos níveis de assistência e independência na deglutição por meio da medida de avaliação funcional (SFAM) e níveis de dieta dos alimentos e líquidos. Além disso, também foi investigada a relação entre os níveis de assistência/dependêcia do SFAM e as classificações alimentares específicas. O estudo não apresentou casos controles e foi realizado com 100 pacientes acometidos por AVC agudo associado a distúrbios de deglutição. A avaliação da deglutição foi realizada clinicamente, à beira de leito. Nos casos em que a avaliação foi inconclusiva e/ou foram solicitadas informações adicionais para determinar as estratégias de cada deglutição, a avaliação videofluoroscópica foi recomendada, com avaliação de texturas alimentares e líquidos. Houve diferenças em ambas as classificações alimentares e níveis SFAM entre admissão e alta e uma alta porcentagem dessas diferenças também foram determinadas clinicamente. Além disso, houve um alto nível de variabilidade nas avaliações dietéticas na maioria dos níveis SFAM. Os resultados demonstraram que avaliações dietéticas específicas com apoio SFAM/níveis de autonomia são necessárias para a obtenção de uma avaliação completa do paciente pós-AVC com disfagia.

Outros autores(11) realizaram um estudo experimental a fim de descrever o padrão de atividade eletromiográfica do músculo genioglosso e dos músculos supra-hióideos durante a deglutição, além dos efeitos de modificações na textura/consistência dos alimentos no transporte do bolo deglutido. O estudo foi realizado com adultos normais, durante exame de videofluoroscopia da deglutição e eletromiografia de superfície. Os resultados demonstraram o padrão de contração do músculo genioglosso, com dois picos durante cada deglutição, que foram significativamente afetados pela consistência alimentar. Não houve diferença no tempo de Trânsito do bolo para nenhuma das circunstâncias testadas. A duração, mas não a amplitude da atividade muscular da língua e musculatura supra-hióidea, foi maior para alimentos mais consistentes durante a deglutição.

Em outro estudo(12) foi examinada a relação entre a deglutição e o volume inicial pulmonar durante deglutições isoladas de diferentes volumes e consistências alimentares. O estudo experimental foi realizado com adultos jovens de 19 a 28 anos, sem histórico de doenças neurológicas, alterações vocais ou anatômicas de cavidade oral. O volume pulmonar e os dados da fase respiratória foram gravados quando cada participante concluiu cinco repetições de deglutição de 10 ml e 20 ml de água no copo e colheres de bolo pastoso fino e pastoso grosso, apresentados em ordem randomizada. Diferenças no volume pulmonar inicial foram relacionadas à consistência, mas não ao volume do bolo alimentar. Não houve diferenças no volume pulmonar relacionado às fases respiratórias durante a deglutição, nem no padrão respiratório em relação às consistências e volumes dos alimentos. Os autores concluíram que o uso da análise do volume pulmonar inicial e durante a deglutição de alimentos, juntamente com outros mecanismos de análise dos eventos biomecânicos da deglutição, pode contribuir para o estudo da fisiologia da deglutição e fisiopatologia.

Com o objetivo de testar a hipótese de que pessoas com Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) moderada a severa apresentam desordens na coordenação respiratória durante a ingestão oral, foi realizado um estudo(13) comparando o desempenho desse grupo a um grupo controle composto por indivíduos saudáveis. O estudo foi realizado com um grupo de 25 homens com DPOC e outro com 12 homens e 13 mulheres normais, com idades semelhantes. Foram realizados a pletismografia respiratória por indução e thermistry nasal simultaneamente, para rastrear sinais respiratórios, além da eletromiografia de superfície submentoniana, a fim de marcar a presença de cada deglutição no ciclo respiratório. O registro desses dados ocorreu durante a ingestão aleatória e espontânea de alimentos sólidos, semissólidos e pastosos. A ingestão de alimentos sólidos por indivíduos com DPOC durante a inalação foi mais frequente que a de indivíduos normais. Além disso, apresentaram uma taxa significativamente maior de inalação após a ingestão de material semissólido. Assim, foi concluido que pacientes com DPOC apresentam perturbações da coordenação do clíclo respiratório durante a deglutição, sendo que a incoordenação respiração-deglutição poderia aumentar o risco de aspiração em pacientes com DPOC avançada e contribuir para exacerbações.

Outros pesquisadores(14) avaliaram os efeitos da textura e consistência do alimento na deglutição de adultos jovens saudáveis, por meio de medição da pressão de língua e análise videofluoroscópica. O estudo experimental foi realizado com a avaliação da deglutição de alimentos de diferentes consistências (pastoso fino e grosso, xarope e líquido) contendo sulfato de bário. Durante deglutição foi medida a pressão anterior (PA) e posterior de língua (PP) e atividade EMG de musculatura supra-hióidea, juntamente com a gravação das imagens de videofluoroscopia. Os resultados demonstraram PA e PP com um único pico. Conforme a diminuição da consistência do bolo alimentar, o pico, a área e o tempo de duração de todas as variáveis de PA, PP e EMG diminuíram. O tempo de trânsito oral e tempo total de deglutição mostraram ser maiores conforme aumento da consistência dos alimentos, já o tempo de trânsito faríngeo não apresentou diferenças em relação à consistência, mas sim à viscosidade do alimento.

Com objetivo de explorar padrões de respiração durante a mastigação e deglutição de bolos de alimentos sólidos, foi realizado um estudo(15) utilizando manometria nasal e pletismografia respiratória. O estudo foi realizado com sujeitos adultos saudáveis. Durante avaliação videofluoroscópica da ingestão de alimentos sólidos com bário, a respiração foi monitorada por pletismografia e pressão de ar nasal, sendo medidos os tempos dos eventos da mastigação, agregação e transporte do bolo pela faringe, relacionando-os à respiração. Os resultados indicaram diminuição da duração do ciclo respiratório durante a mastigação, mas aumento durante a deglutição. A pletismografia mostrou-se melhor que a manometria nasal para determinação do final da expiração ativa durante a alimentação e deglutição de alimentos sólidos. Os resultados sugeriram que o fluxo de ar através da faringe não tem papel na prevenção da aspiração durante a agregação do bolo na orofaringe.

Um estudo experimental(16) teve por objetivo identificar e caracterizar a relação temporal de movimentos de estruturas selecionadas durante a deglutição orofaríngea. Além disso, buscou-se determinar se os padrões de movimento poderiam ser identificados e se as relações temporais seriam afetadas pelo envelhecimento e/ou pelas características do bolo. Participaram do estudo indivíduos normais adultos, divididos em grupos por idade (de 22 a 92 anos) e gênero. Foi realizada uma análise retrospectiva de deglutição por videofluoroscopia. Duas deglutições, cada uma com 3 ml e 10 ml de líquido e 1 a 3 ml de pastoso foram analisadas. Houve a comparação do início de uma série de movimentos de estruturas e pontos de chegada do bolo, tendo como referência o início da abertura do esfíncter esofágico superior (EES). Como resultado observou-se que indivíduos normais apresentaram alguma variabilidade nos movimentos de contração faríngea, representado pelo uso voluntário de manobras. Os fatores como volume e consistência do bolo e a idade dos sujeitos afetaram a relação temporal existente entre o início de atos motores específicos e o início da abertura do EES. O aumento do volume do bolo foi associado à diminuição da diferença temporal entre o início de abertura do EES e o início de outros movimentos da faringe. Em contraste, bolos de consistência mais grossa foram associados a uma maior diferença temporal. O estudo demonstrou ainda que participantes mais jovens apresentaram menor diferença temporal entre os eventos do que participantes de maior idade.

Outro estudo experimental(17) teve por objetivo investigar efeitos da consistência do bolo alimentar na penetração/aspiração e no tempo de deglutição em pessoas com Doença de Parkinson por meio de avaliação videofluoroscópica de seis deglutições de alimento pastoso fino e seis deglutições de pastoso grosso. Foram considerados o tempo de deglutição e a presença ou não de penetração/aspiração. Os resultados do estudo demonstraram que o tempo de trânsito oral e número de movimentos de língua foi maior para consistência pastosa grossa, relacionando tempo de trânsito oral ao número de movimentos de língua. A ocorrência de penetração/aspiração foi menor para a consistência pastosa grossa em relação à fina. Não foram encontradas diferenças em relação ao tempo de trânsito faríngeo e consistência alimentar.

Alguns autores(18) realizaram estudo experimental com objetivo de investigar o efeito do ato volitivo sobre o transporte do alimento e agregação do bolo durante ingestão de alimentos sólidos. O estudo foi realizado com oito indivíduos adultos normais, sendo quatro homens e quatro mulheres, com idades entre 21 e 25 anos. Durante a ingestão de pedaços de biscoito com bário, os movimentos foram gravados por videofluoroscopia, havendo dois ensaios para cada sujeito: o primeiro sem instruções (comer o biscoito de forma habitual) e o segundo com o comando (mastigar, sinalizar quando estivesse pronto para deglutir e deglutir após o comando do pesquisador). Durante a avaliação foram medidos o número de ciclos mastigatórios, a duração de cada fase da deglutição e a posição da ponta do bolo de bário no vídeo no momento do comando e início da deglutição. Como resultados, o tempo de duração de cada sequência apresentou-se maior com comando, principalmente devido ao aumento do número de ciclos mastigatórios. Quando sob comando, a ponta de bário foi normalmente maior na via de alimentação, além de haver um retardo na fase de transporte do alimento e ausência de transporte para a valécula. Os autores concluíram que a volição demonstrou influenciar na deglutição, tanto no tempo de iniciação, quanto à posição do bolo alimentar em relação à via aérea.

Outros autores(19) propuseram-se a examinar o efeito da mastigação no transporte do bolo e início da deglutição. Indivíduos adultos saudáveis foram avaliados durante deglutição de líquidos, alimentos sólidos e mistura de líquidos com sólidos em posição ereta e com a cabeça abaixada, concomitantemente à realização de videofluoroscopia, sendo mensurado o local em que o bolo desencadeou a deglutição. Durante a mastigação de alimentos líquidos misturados a sólidos o alimento atingiu a hipofaringe antes do início da deglutição, demonstrando que o transporte de alimentos para hipofaringe foi influenciado pela gravidade. O transporte de alimentos para a valécula foi ativo durante a mastigação, dependendo do contato língua-palato. Alimentos contendo líquidos e sólidos misturados aumentaram o risco de aspiração para casos em que houve deficiência de reflexos de proteção de vias aéreas. A postura de cabeça abaixada diminuiu o intervalo entre início da deglutição e início do trânsito hipofaríngeo das consistências líquida e líquida misturada a sólida, porém não modificou o tempo de deglutição para as demais consistências.

Outro estudo experimental(20) apresentou como objetivo estabelecer a habilidade de adultos normais em perceber a viscosidade dos fluidos em cavidade oral e faringe e identificar se esta percepção está relacionada à idade dos indivíduos. Participaram do estudo 60 adultos normais (30 homens e 30 mulheres), voluntários, sem disfagia, sem doenças neurológicas, que não estivessem utilizando medicamentos que pudessem modificar a deglutição e sensibilidade e que não tivessem sido submetidos a radioterapia. Para avaliação foi realizada oferta de líquidos preparados com diversas viscosidades entre líquido fino e xarope. Os indivíduos deveriam identificar as consistências em cavidade oral e orofaringe. O estudo mostrou que a percepção da viscosidade decresce com aumento da idade, sendo que esta deterioração foi marcadamente maior nos homens.

Outros autores realizaram um estudo(21) com objetivo de analisar os diferentes sons da deglutição. Para tanto, realizaram a avaliação acústica da deglutição de indivíduos normais enquanto estes ingeriam determinados volumes e consistências de alimentos. Os sons obtidos foram comparados entre os gêneros. O estudo foi realizado com 30 adultos normais, sendo 20 homens e 10 mulheres, com idades entre 24 e 63 anos. Para avaliação dos sons da deglutição foi solicitado que os participantes do estudo deglutissem 10 ml de bário + água (190 cp), no momento em que era realizado o exame videofluoroscópico e gravação dos sons da deglutição com uso de microfone. Para cada som, foram analisados o numero de componentes sonoros, o tempo total de sons e de cada som e o intervalo entre cada componente sonoro. Não foram observadas diferenças entre os sons da deglutição relacionadas ao gênero. O estudo permitiu identificar a decomposição dos sons da deglutição em três componentes sonoros e identificar seus tempos normais de duração.

Por fim, autores(22) realizaram estudo experimental a fim de melhorar o conhecimento sobre a fisiologia normal da língua durante a deglutição e em tarefas isométricas máximas. Além disso, os autores também tiveram como objetivo verificar as variações na função da língua e possíveis relações entre idade, gênero ou mudança de consistência do bolo alimentar. O estudo foi realizado com indivíduos normais adultos, divididos por grupos etários e gêneros. O Iowa Oral Performance Instrument (IOPI) foi usado para mensurar as mudanças na função da língua. A pressão máxima da língua e movimento durante a deglutição foram medidos por um transdutor de pressão. Os resultados revelaram que homens apresentam pressão isométrica máxima de língua significativamente maior que as mulheres, assim como os indivíduos mais jovens apresentaram maior pressão de língua que os indivíduos de maior idade. A pressão durante a deglutição variou em função do tipo de consistência do bolo, mas não em relação à idade ou ao gênero.

DISCUSSÃO

Diante dos achados, é possível concluir que os estudos apresentam metodologia bastante heterogênea, principalmente quanto à forma de avaliação da deglutição. Foram utilizados exames de videofluoroscopia(5-7,11,14,18,19), análise acústica digital dos sons da deglutição(9,21), eletromiografia de superfície(11), entre outros. Também foi verificado que o uso de grupos controles e a idades dos participantes variou entre os estudos analisados. Em geral, as pesquisas foram realizadas com indivíduos saudáveis, visando a determinação de dados de normalidade(6,12,14,16), ou remeteram a um determinado tipo de patologia(5,13,17). Estes últimos apresentaram grupos de pesquisa bem formados, porém nem todos utilizaram grupos controles pareados. A ausência de grupos controles de tratamento demonstra que as pesquisas na área necessitam de um maior amadurecimento, visando diminuir possíveis vieses que possam levar a interpretações errôneas e pouco precisas dos resultados e, consequentemente, impedir a aplicação direta dos achados na prática clínica.

O tipo de avaliação complementar mais utilizada foi o exame de videofluoroscopia, geralmente associado a outros exames objetivos(9,11). A ocorrência de penetração/aspiração foi menor para a consistência pastosa grossa em relação à fina e não foram encontradas diferenças em relação ao tempo de trânsito faríngeo e consistência alimentar(17). Apenas um estudo associou a avaliação instrumental da deglutição à avaliação clínica(10).

Outro fator a ser citado é a importância da avaliação fonoaudiológica clínica no processo da avaliação da deglutição. Sabe-se que a avaliação clínica da deglutição realizada por profissional habilitado contribui para a determinação do prognóstico e das condutas a serem adotadas. Assim, destaca-se a necessidade da complementação da avaliação objetiva da deglutição com a utilização de protocolos clínicos padronizados.

Quanto aos sons da deglutição, mensurados por meio da análise acústica, os estudos apontaram que a técnica de gravação deve ser controlada e padronizada. Além disso, este tipo de análise pode ser incorporado à avaliação clínica em beira de leito(9). Em um dos estudos(21) não foram observadas diferenças entre os sons da deglutição em relação à variável gênero em indivíduos normais. Os autores apontam que os sons da deglutição podem ser divididos em três componentes sonoros e sugerem dados normativos quanto a sua duração.

Em relação aos achados sobre o exame de eletromiografia de superfície, observou-se que o padrão de contração do músculo genioglosso pode ser afetado significativamente pela consistência alimentar(11). Quando associado à videofluoroscopia, verificou-se que o tempo de trânsito oral e o tempo total de deglutição se mostraram maiores conforme o aumento da consistência dos alimentos. No entanto, o tempo de trânsito faríngeo não apresentou diferenças significativas em relação à consistência, mas sim à viscosidade do alimento(14).

Quanto às características respiratórias associadas às consistências pastosas e sólidas, cabe citar que não houve diferença no volume pulmonar relacionado às fases respiratórias durante a deglutição, nem no padrão respiratório quando comparadas as diferentes consistências e volumes alimentares em indivíduos normais(12). Em pacientes com DPOC verificou-se que existe a perturbação da coordenação do ciclo respiratório durante a deglutição, sendo que a incoordenação respiração-deglutição poderia aumentar o risco de aspiração em pacientes com doença avançada(13).Também foi indicado que existe diminuição da duração do ciclo respiratório durante a mastigação e seu aumento durante a deglutição(15). Em relação à temporalização da deglutição, em indivíduos normais, verificou-se que quanto maior a idade, maior é a diferença temporal entre os eventos da deglutição(16).

COMENTÁRIOS FINAIS

A heterogeneidade dos estudos possibilita que diferentes grupos de patologias sejam avaliados, porém a variabilidade metodológica dificulta a definição e generalização dos padrões encontrados. Sendo assim, não é possível evidenciar dados que embasem a prática clínica fonoaudiológica no que diz respeito à fisiologia normal ou alterada da deglutição de diferentes consistências alimentares, tanto para sujeitos normais, quanto para os acometidos por alguma desordem

Recebido em: 15/3/2011

Aceito em: 1/6/2011

Trabalho realizado no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP – São Paulo (SP), Brasil.

  • 1. Matsuo K, Palmer JB. Anatomy and physiology of feeding and swallowing: normal and abnormal. Phys Med Rehabil Clin N Am. 2008;19(4):691-707.
  • 2. Padovani AR, Moraes DP, Mangili LD, de Andrade CR. Protocolo Fonoaudiológico de Avaliação de Risco para Disfagia (PARD). Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):199-205.
  • 3
    American Speech-Language-Hearing Association. Model medical review guidelines for dysphagia services [Internet]. 2004 [cited 2007 Mar 3]. Available from: http://www.asha.org/uploadedFiles/practice/reimbursement/medicare/DynCorpDysphHCEC.pdf
  • 4. The Cochrane Collaboration. Cochrane handbook for systematic reviews of intervention. [Internet] Version 5.1.0 [updated Mar 2011; cited 2011 May 5]. Available from: http://www.cochrane-handbook.org/
  • 5. Warnecke T, Oelenberg S, Teismann I, Hamacher C, Lohmann H, Ringelstein EB, et al. Endoscopic characteristics and levodopa responsiveness of swallowing function in progressive supranuclear palsy. Mov Disord. 2010;25(9):1239-45.
  • 6. Allen JE, White CJ, Leonard RJ, Belafsky PC. Prevalence of penetration and aspiration on videofluoroscopy in normal individuals without dysphagia. Otolaryngol Head Neck Surg. 2010;142(2):208-13.
  • 7. Matsuo K, Metani H, Mays KA, Palmer JB. Effects of respiration on soft palate movement in feeding. J Dent Res. 2010;89(12):1401-6.
  • 8. Regan J, Walshe M, Tobin WO. Immediate effects of thermal-tactile stimulation on timing of swallow in idiopathic Parkinson's disease. Dysphagia. 2010;25(3):207-15.
  • 9. Santamato A, Panza F, Solfrizzi V, Russo A, Frisardi V, Megna M, Ranieri M, Fiore P. Acoustic analysis of swallowing sounds: a new technique for assessing dysphagia. J Rehabil Med. 2009;41(8):639-45.
  • 10. McMicken BL, Muzzy CL. Prognostic indicators of functional outcomes in first time documented acute stroke patients following standard dysphagia treatment. Disabil Rehabil. 2009;31(26):2196-203.
  • 11. Tsukada T, Taniguchi H, Ootaki S, Yamada Y, Inoue M. Effects of food texture and head posture on oropharyngeal swallowing. J Appl Physiol. 2009;106(6):1848-57.
  • 12. Wheeler Hegland KM, Huber JE, Pitts T, Sapienza CM. Lung volume during swallowing: single bolus swallows in healthy young adults. J Speech Lang Hear Res. 2009;52(1):178-87.
  • 13. Gross RD, Atwood CW Jr, Ross SB, Olszewski JW, Eichhorn KA. The coordination of breathing and swallowing in chronic obstructive pulmonary disease. Am J Respir Crit Care Med. 2009;179(7):559-65.
  • 14. Taniguchi H, Tsukada T, Ootaki S, Yamada Y, Inoue M. Correspondence between food consistency and suprahyoid muscle activity, tongue pressure, and bolus transit times during the oropharyngeal phase of swallowing. J Appl Physiol. 2008;105(3):791-9.
  • 15. Matsuo K, Hiiemae KM, Gonzalez-Fernandez M, Palmer JB. Respiration during feeding on solid food: alterations in breathing during mastication, pharyngeal bolus aggregation, and swallowing. J Appl Physiol. 2008;104(3):674-81.
  • 16. Mendell DA, Logemann JA. Temporal sequence of swallow events during the oropharyngeal swallow. J Speech Lang Hear Res. 2007;50(5):1256-71.
  • 17. Troche MS, Sapienza CM, Rosenbek JC. Effects of bolus consistency on timing and safety of swallow in patients with Parkinson's disease. Dysphagia. 2008;23(1):26-32.
  • 18. Palmer JB, Hiiemae KM, Matsuo K, Haishima H. Volitional control of food transport and bolus formation during feeding. Physiol Behav. 2007;91(1):66-70.
  • 19. Saitoh E, Shibata S, Matsuo K, Baba M, Fujii W, Palmer JB. Chewing and food consistency: effects on bolus transport and swallow initiation. Dysphagia. 2007;22(2):100-7.
  • 20. Smith CH, Logemann JA, Burghardt WR, Zecker SG, Rademaker AW. Oral and oropharyngeal perceptions of fluid viscosity across the age span. Dysphagia. 2006;21(4):209-17.
  • 21. Morinière S, Beutter P, Boiron M. Sound component duration of healthy human pharyngoesophageal swallowing: a gender comparison study. Dysphagia. 2006;21(3):175-82.
  • 22. Youmans SR, Stierwalt JA. Measures of tongue function related to normal swallowing. Dysphagia. 2006;21(2):102-11.
  • Endereço para correspondência:

    Claudia Regina Furquim de Andrade.
    R. Cipotânea, 51, Cidade Universitária
    São Paulo (SP), CEP: 05360-160.
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      15 Mar 2011
    • Aceito
      01 Jun 2011
    Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684 - 7º andar, 01420-001 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista@sbfa.org.br