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Tumor mediastinal de células germinativas e sua relação com anormalidades hematológicas

Mediastinal germ cell tumors and its relationship with hematological disorders

Resumos

Tumores mediastinais de células germinativas são raros (2% a 10% dos tumores germinativos) e cerca de 100 casos são diagnosticados anualmente. Apresentam a particularidade de em um terço dos casos estarem associados a doenças hematológicas, com freqüência malignas. Duas teorias tentam explicar a origem desta associação. Na primeira, anormalidades da célula totipotencial comum a ambas as doenças seriam as responsáveis. O achado da alteração isocromossômica do cromossoma 12, tanto nos tumores mediastinais de células germinativas quanto nas células hematopoéticas componentes das anormalidades hematológicas, sugere a mesma origem para ambas as células primordiais. Na segunda, o efeito de agentes quimioterápicos usados para tratamento dos tumores mediastinais de células germinativas (principalmente o etoposide) sobre uma célula tronco hematopoética instável poderia induzir ao aparecimento da neoplasia hematológica, geralmente associada a anormalidades do cromossoma 11. Habitualmente, tanto os tumores mediastinais de células germinativas quanto a anormalidade hematológica têm comportamento agressivo e são de difícil tratamento. Novas abordagens podem ser exploradas no estadiamento e tratamento destas situações.

Tumor mediastinal de células germinativas; anormalidades hematológicas; isocromossoma; leucemia secundária a etoposide


Mediastinal germ cell tumors are uncommon (2 to 10% of germ cell tumors), and around 100 new cases are diagnosed annually. Their relationship with hematological disorders is an unique aspect of these tumors. The hematological disorder may be part of the natural history of the germ cell tumor, both sharing the same abnormal totipotential stem cell. The two most common hematological neoplasms seen in this syndrome are acute leukemia and malignant histiocytosis. The finding of the marker chromosome isochromosome i(12p) in the mediastinal germ cell tumors and associated malignant disorder is a suggestion that both tumors may arise from a common progenitor cell. A more remote possibility is that the hematological disorder is secondary to the chemotherapy used to treat the mediastinal germ cell tumors, mainly when etoposide is part of the treatment. In this instance, association with abnormalities of chromosome 11 is common. Habitually, both malignant diseases have an aggressive behaviour and carry a poor prognosis. New approaches are advisable in the staging and treatment of these patients.

mediastinal germ cell tumor; hematological disorders; isochromosome; etoposide related-leukemia


Relato de Caso

Tumor mediastinal de células germinativas e sua relação com anormalidades hematológicas

Carlos R. Medeiros

Tumores mediastinais de células germinativas são raros (2% a 10% dos tumores germinativos) e cerca de 100 casos são diagnosticados anualmente. Apresentam a particularidade de em um terço dos casos estarem associados a doenças hematológicas, com freqüência malignas. Duas teorias tentam explicar a origem desta associação. Na primeira, anormalidades da célula totipotencial comum a ambas as doenças seriam as responsáveis. O achado da alteração isocromossômica do cromossoma 12, tanto nos tumores mediastinais de células germinativas quanto nas células hematopoéticas componentes das anormalidades hematológicas, sugere a mesma origem para ambas as células primordiais. Na segunda, o efeito de agentes quimioterápicos usados para tratamento dos tumores mediastinais de células germinativas (principalmente o etoposide) sobre uma célula tronco hematopoética instável poderia induzir ao aparecimento da neoplasia hematológica, geralmente associada a anormalidades do cromossoma 11. Habitualmente, tanto os tumores mediastinais de células germinativas quanto a anormalidade hematológica têm comportamento agressivo e são de difícil tratamento. Novas abordagens podem ser exploradas no estadiamento e tratamento destas situações.

Palavras-chave: Tumor mediastinal de células germinativas, anormalidades hematológicas, isocromossoma, leucemia secundária a etoposide

Introdução

Tumores extragonadais de células germinativas representam 2 a 10% de todos os tumores germinativos e 90% deles ocorrem em homens (1). Durante a embriogênese humana, as células germinativas primordiais originárias do endoderma primitivo migram entre a quarta e sexta semana da vida embrionária para a crista urogenital. Durante este percurso, uma pequena fração destas células totipotenciais pode se deslocar erroneamente a sítios extragonadais, com subsequente transformação maligna. Em adultos e adolescentes, o sítio extragonadal mais freqüente é o mediastino (75% dos casos), seguido de glândula pineal e sacrococcis. Raramente são encontrados em estômago, vagina, próstata e órbita (2).

Anormalidades hematológicas malignas (histiocitose, leucemias agudas linfoblástica e nãolinfoblástica e doenças mieloproliferativas) ou não-malignas (anemia hemolítica autoimune e púrpura trombocitopênica idiopática) estão associadas a tumores germinativos extragonadais, podendo ocorrer em um terço dos pacientes simultaneamente ou após o seu diagnóstico (3).

Relatamos o caso de um paciente com tumor mediastinal de células germinativas (TMCGP), tratado com quimioterapia, que na evolução desenvolveu leucemia aguda nãolinfoblástica.

Relato de Caso

Paciente masculino de 29 anos de idade foi internado em março de 1987 com 2 meses de história de dor torácica e tosse seca. Durante a investigação, constatouse a presença de um tumor em mediastino anterior e valores aumentados de marcadores tumorais (gonadotrofina coriônica humana beta e alfafetoproteína). Ambos os testículos eram normais, assim como o restante da investigação. Submetido a toracotomia, foi possível apenas a ressecção parcial da massa mediastinal e o laudo anatomopatológico mostrou tratarse de tumor de células germinativas, misto de coriocarcinoma e seminoma. Infelizmente não se realizou o estudo de cromossomas da neoplasia. A seguir, ele recebeu tratamento quimioterápico com a associação de cisplatina (100 mg/m2), etoposide (500 mg/m2) e bleomicina (90 UI) a cada 4 semanas, totalizando 3 ciclos. Ao final da quimioterapia, estava em remissão completa, tanto do ponto de vista radiológico como de marcadores tumorais, e passou a ser acompanhado em ambulatório.

Em fevereiro de 1990 foi atendido com história recente de fraqueza, sangramento gengival, dores ósseas generalizadas e febre. O hemograma mostrava pancitopenia e o aspirado de medula óssea era compatível com leucemia aguda promielocítica (LAP), FAB M3. Estudo dos cromossomas revelava apenas a presença de t(15;17). O paciente recebeu quimioterapia com citosina arabinosídeo em infusão contínua (100 mg/m2 dia por 7 dias I.V.) e mitoxantrona (12 mg/m2 dia pôr 3 dias I.V.), atingindo remissão completa. Em maio de 1990 recebeu consolidação com as mesmas drogas nas mesmas doses. Optou pela não continuação do tratamento para a leucemia, permanecendo em acompanhamento ambulatorial. Em abril de 1991 sua leucemia recidivou e durante nova tentativa de indução de remissão ele foi a óbito, devido a infecção generalizada. Radiologicamente não se evidenciava o tumor mediastinal.

Discussão

A associação de TMCG com anormalidades hematológicas foi descrita inicialmente em 1985. Revisão através do Medline e Cancerlit de janeiro de 1988 a dezembro de 1998 mostrou que aproximadamente 60 casos desta associação foram publicados, a maior série relatada tem 16 e muitos são citados múltiplas vezes.

Basicamente 2 possíveis mecanismos poderiam explicar o aparecimento de neoplasias hematológicas associadas a TMCG. No primeiro, elas seriam parte da história natural do tumor, que habitualmente possui um componente de teratoma, e a célula germinativa totipotencial se diferenciaria em células de linhagem hematopoética. Apesar de não patognomônica, a anormalidade denominada i(12)(p10), que representa uma alteração isocromossômica do cromossoma 12, ou seja, a perda de seu braço longo com duplicação de seu braço curto, é bastante freqüente em tumores germinativos (4). Vários pacientes com neoplasias hematológicas concomitantes aos TMCG apresentam nas células hematopoéticas esta mesma anormalidade cromossômica presente nos tumores, a qual é muito rara em leucemias não relacionadas a eles (5). Outra característica destas leucemias são as anormalidades envolvendo a linhagem megacariocítica, geralmente ocorrendo dentro dos primeiros 6 meses após o diagnóstico do tumor. Curiosamente, Heinonem et al (5) descrevem o aparecimento de i(12p) como uma anormalidade secundária em um paciente inicialmente diagnosticado como portador de LAP com t(15;17).

No segundo, o tratamento quimioterápico utilizado nos TMCG seria capaz de induzir o aparecimento de uma neoplasia secundária. A partir do início da década de 80, com o uso mais freqüente de associações contendo etoposide, ocorreu um aumento no número de pacientes que desenvolveram leucemia ou mielodisplasia como segunda neoplasia (6). O tempo decorrido entre a quimioterapia e o aparecimento da neoplasia hematológica variou de 25 a 60 meses, caracteristicamente se encontram os fenótipos M4 e M5 (mielomonocítica e monocítica) com anormalidades do cromossoma 11 (11q23) (7) e as doses de etoposide envolvidas são superiores a 2 g/m2. Recentemente descreveu-se LAP secundária a uso de etoposide, especulandose sobre possível influência racial ou da doença que motivou o uso do quimioterápico (8).

No caso relatado, a leucemia aguda ocorreu cerca de 29 meses após o término do tratamento quimioterápico. O fenótipo era M3, com a translocação (15;17)(q24;q21) típica desta forma de leucemia e sem período prévio de mielodisplasia, fatos que poderiam sugerir a influência do etoposide como causa da doença hematológica. Em contraste com a literatura, aonde encontramos citações da grande agressividade e da refratariedade destas leucemias aos tratamentos propostos (9), nosso paciente atingiu remissão completa com apenas um ciclo convencional de quimioterapia. Enquanto na maioria dos casos descritos as alterações eram complexas e envolviam os cromossomas 5, 7 e 8 além do cromossoma 11, todos relacionados com mau prognóstico (10), em nosso paciente detectamos apenas a anormalidade já conhecida por conferir bom prognóstico aos portadores desta leucemia. Podemos especular que a direta relação entre anormalidades dos cromossomas e prognóstico das leucemias agudas também se aplica às situações de associação de TMCG com neoplasias hematológicas. Infelizmente a recusa em continuar seu tratamento seguramente contribuiu para a recaída após 11 meses, principalmente considerando-se a pouca utilização de antraciclínicos no presente caso.

Com relação aos TMCG nãoseminomatosos, há o reconhecimento de seu pior prognóstico quando comparados aos equivalentes testiculares. Enquanto nestes a incidência de cura oscila entre 70% e 90%, os primeiros são curados em menos de 50%(11). Já nos TMCG seminomatosos a sobrevida é semelhante em ambas situações.

Com base nestas informações e ainda intuitivamente, podemos concluir que o aspirado e a biópsia de medula óssea passam a ter importância como parte do estadiamento inicial, visto cerca de 30% dos pacientes com TMCG apresentarem anormalidades hematológicas simultâneas. Também que o uso de etoposide na terapêutica inicial de pacientes com TMCG de bom prognóstico deve ser repensado, face a eventual instabilidade da célula tronco hematopoética nestes indivíduos. E finalmente, que o estudo dos cromossomas é fundamental no caso de se constatar a anormalidade hematológica neoplásica, pois permitirá a orientação mais adequada da terapêutica para a leucemia.

Mediastinal germ cell tumors and its relationship with hematological disorders

Abstract

Mediastinal germ cell tumors are uncommon (2 to 10% of germ cell tumors), and around 100 new cases are diagnosed annually. Their relationship with hematological disorders is an unique aspect of these tumors. The hematological disorder may be part of the natural history of the germ cell tumor, both sharing the same abnormal totipotential stem cell. The two most common hematological neoplasms seen in this syndrome are acute leukemia and malignant histiocytosis. The finding of the marker chromosome isochromosome i(12p) in the mediastinal germ cell tumors and associated malignant disorder is a suggestion that both tumors may arise from a common progenitor cell. A more remote possibility is that the hematological disorder is secondary to the chemotherapy used to treat the mediastinal germ cell tumors, mainly when etoposide is part of the treatment. In this instance, association with abnormalities of chromosome 11 is common. Habitually, both malignant diseases have an aggressive behaviour and carry a poor prognosis. New approaches are advisable in the staging and treatment of these patients.

Key words: mediastinal germ cell tumor, hematological disorders, isochromosome, etoposide related-leukemia

Recebido: 14/04/00

Aceito: 24/06/00

Professor Adjunto da Disciplina de Hematologia e Oncologia do Departamento de Clínica Médica e Médico do Serviço de Transplante de Medula Óssea, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná

Correspondência para: Carlos R. de Medeiros

Serviço de Transplante de Medula Óssea, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná

Rua General Carneiro, 181 15o andar. CEP: 80060900. Curitiba. PR

Fone: (41) 262-6665. Fax: (41) 264-5472. E-mail: medeiros@avalon.sul.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2003
  • Data do Fascículo
    Ago 2000

Histórico

  • Aceito
    24 Jun 2000
  • Recebido
    14 Abr 2000
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