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Avaliação de Hb A2 e Hb F em doadores de sangue de região malarígena da Amazônia Oriental brasileira por HPLC

Evaluation of Hb A2 and Hb F by HPLC in blood donors from the malaria endemic region of Eastern Amazon of Brazil

Resumo

In malaria endemic regions of Africa, resistance to infection by Plasmodium has been observed in under 6-month-old children, when there are higher fetal hemoglobin (Hb F) levels. Research performed in the São José do Rio Preto region, central-east Brazil, reported increased levels of Hb F in blood donors. The purpose of this work was to evaluate the A2 hemoglobin (Hb A2) and Hb F concentrations in blood donors deriving from the Brazilian malaria endemic region. Forty-five blood donor samples from Macapá, from patients with varying genders, ages and ethnic origins, were collected by venous puncture after informed consent was obtained. The samples were analyzed by High Performance Liquid Chromatography (HPLC) - System Variant (Bio-Rad). The HPLC demonstrated sensitivity and rapidity in the identification and measurement of the hemoglobins and gave precise results. Moreover, it provided measurement of hemoglobin variants, even when they were present in small amounts, providing a diagnosis of hemoglobinopathies. Hb F levels above the normal were observed in 33.3% of the analyzed samples. The presence of increased Hb F can suggest resistance to infection by Plasmodium falciparum, as there have been reports that infected red blood cells interfere in the development of the parasite.

Hemoglobins; malaria; genetic polymorphism; blood donors; Amazon region


Hemoglobins; malaria; genetic polymorphism; blood donors; Amazon region

CARTA AO EDITOR LETTER TO EDITOR

Avaliação de Hb A2 e Hb F em doadores de sangue de região malarígena da Amazônia Oriental brasileira por HPLC

Evaluation of Hb A2 and Hb F by HPLC in blood donors from the malaria endemic region of Eastern Amazon of Brazil

Wanessa C. SouzaI; Felipe R. TorresI; Ana R. SalvadorI; Juvanete A. TávoraIII; Ricardo L. D. MachadoII; Cláudia R. Bonini-DomingosI

ILaboratório de Hemoglobinas e Genética das Doenças Hematológicas – Departamento de Biologia – Unesp São José do Rio Preto- SP

IICentro de Investigação de Microorganismos – Famerp – Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – São José do Rio Preto-SP

IIIHemocentro do Amapá – Macapá-AP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Wanessa Christina de Souza LHGDH - Departamento de Biologia – IBILCE-Unesp Rua Cristóvão Colombo, 265. 15054-000. São José do Rio Preto, SP. Fone: (17) 221-2392 e-mail: wanejan@yahoo.com.br

ABSTRACT

In malaria endemic regions of Africa, resistance to infection by Plasmodium has been observed in under 6-month-old children, when there are higher fetal hemoglobin (Hb F) levels. Research performed in the São José do Rio Preto region, central-east Brazil, reported increased levels of Hb F in blood donors. The purpose of this work was to evaluate the A2 hemoglobin (Hb A2) and Hb F concentrations in blood donors deriving from the Brazilian malaria endemic region. Forty-five blood donor samples from Macapá, from patients with varying genders, ages and ethnic origins, were collected by venous puncture after informed consent was obtained. The samples were analyzed by High Performance Liquid Chromatography (HPLC) – System Variant (Bio-Rad). The HPLC demonstrated sensitivity and rapidity in the identification and measurement of the hemoglobins and gave precise results. Moreover, it provided measurement of hemoglobin variants, even when they were present in small amounts, providing a diagnosis of hemoglobinopathies. Hb F levels above the normal were observed in 33.3% of the analyzed samples. The presence of increased Hb F can suggest resistance to infection by Plasmodium falciparum, as there have been reports that infected red blood cells interfere in the development of the parasite.

Key words: Hemoglobins; malaria; genetic polymorphism; blood donors; Amazon region.

Senhor Editor,

Várias mutações genéticas têm sido descritas e sabe-se que muitas delas podem causar severas conseqüências no metabolismo dos seres humanos e, principalmente em populações formadas a partir de uma grande taxa de miscigenação.1

Em muitas desordens das células vermelhas, incluindo as talassemias e variantes de hemoglobina, foram associados fatores relacionados à proteção de infecções parasitárias, como a malária, doença que chega a matar quase dois milhões de pessoas por ano em todo o mundo e no Brasil, com 99% dos casos concentrando-se na região Amazônica. Dessa forma, muitas pesquisas são desenvolvidas com o intuito de elucidar esses mecanismos.2-7 Alguns estudos indicam que o gene da talassemia pode conferir resistência contra a malária.2 Tanto células vermelhas normais quanto anormais são suscetíveis à infecção pelo Plasmodium falciparum, porém alguns autores3 observaram que a multiplicação parasitária pode ser significantemente reduzida em populações de células vermelhas talassêmicas. A hemoglobina C (Hb C), uma das variantes mais comuns, possui grande incidência no oeste da África que é coincidentemente uma região hiperendêmica de malária. O efeito protetor da Hb C ainda é desconhecido, porém já se sabe que o gene pode agir como um importante fator de seleção.4 Recentemente, Fairhurst et al demostraram que algumas células infectadas pelo Plasmodium falciparum e homozigotas para a Hb C desenvolvem marcadores na superfície do eritrócito, afetando de alguma forma o desenvolvimento do antígeno, a ponto de comprometer o crescimento do parasita dentro da célula, o que conduziria à proteção contra a malária.5

Em regiões malarígenas da África, observou-se resistência à infecção pelo Plasmodium em crianças até os seis meses de vida, quando a hemoglobina fetal (Hb F) encontra-se com valores aumentados.4 Pesquisas realizadas na região de São José do Rio Preto relatam valores aumentados de Hb F em doadores de sangue.6 Outros trabalhos indicam que valores aumentados de hemoglobina A2 (Hb A2) e Hb F podem ser encontrados em portadores de Doença de Chagas e doadores de sangue com teste de "Machado & Guerreiro" positivo.7

O presente trabalho teve como objetivo principal avaliar a concentração de Hb A2 e Hb F em doadores de sangue provenientes de região malarígena do Brasil. Foram utilizadas amostras de 45 doadores de sangue do Hemocentro de Macapá-AP, de sexo, etnia e faixa etária variáveis, coletadas por punção intravenosa e acondicionadas em tubos com EDTA, após consentimento informado. Para a análise, utilizou-se a cromatografia líquida de alta pressão (HPLC) de troca iônica pelo Sistema VARIANT (Bio-Rad) com o uso do kit "b Thalassemia Short",8 que fornece dados quantitativos da Hb A2 e Hb F.

A HPLC apresenta sensibilidade e rapidez para a identificação das frações de Hb com quantificação e resultados precisos. Fornece também dados qualitativos das hemoglobinas variantes, mesmo que estas estejam presentes em pequenas quantidades, permitindo o diagnóstico de diferentes hemoglobinopatias.9

A média de Hb A2 observada nas amostras analisadas, foi de 2,7%, e os valores mínimo e máximo, 2,3% e 3,1%, respectivamente. Não foi observado para este parâmetro variação dos valores de normalidade esperados para a população brasileira. Para a Hb F, a média observada foi de 0,8%, e os valores mínimo e máximo, de 0,0% e 3,3%. Valores percentuais acima da faixa de normalidade foram observados em 14 (33,3%) das amostras analisadas.

A Figura 1 mostra um cromatograma com a fração de Hb F aumentada observada em uma das amostras e evidencia a sensibilidade do teste aplicado. A Figura 2 ilustra gráfico de distribuição de valores de Hb F e Hb A2 obtidas por HPLC, em todas as amostras analisadas, revelando a presença dos valores acima da normalidade.



Alguns pesquisadores observaram alta concentração de Hb A2 em indivíduos maláricos e constataram que o aumento desta fração hemoglobínica pode facilmente sugerir resultados falso-positivos para o diagnóstico de beta talassemia menor, já que a Hb A2 representa um grande referencial para a confirmação dessa patologia.10 Existem relatos de que níveis aumentados de Hb F em células vermelhas infectadas pelo Plasmodium falciparum interferem no desenvolvimento do parasita.11,12 Observações in vitro descritas por alguns autores sugerem que a presença de Hb F gera uma certa proteção contra a malária por P. falciparum; neste caso, mesmo com aumento da invasão celular, o desenvolvimento do parasita é retardado.12 Em camundongos transgênicos, o comprometimento do crescimento do Plasmodium conduz a um declínio precoce da parasitemia, que pode estar associado à dificuldade do parasita em metabolizar hemoglobinas anormais,11 e a presença de Hb F aumentada, nestas amostras analisadas, pode sugerir uma resistência à infecção. Os doadores relataram em entrevista prévia não apresentarem histórico de malária.

A metodologia utilizada no presente estudo apresentou-se eficiente na análise das frações hemoglobínicas e com facilidade na preparação das amostras. A automação tornou esta técnica um importante recurso para a rotina de diagnósticos das hemoglobinopatias na clínica laboratorial, evidenciando a sensibilidade dos valores de Hb F aumentada neste grupo.

8. Bio-Rad – HPLC protocols.

Recebido: 18/06/03

Aceito: 05/07/03

Avaliação: O tema abordado foi avaliado pelo editor.

Conflito de interesse: não declarado

  • 1. Zago MA, Silva Jr,WA, Franco RF. Hemoglobinopathies and other hereditary hematological diseases in the Brazilian population. Pathology and Human-Parasite Interactions 1999;51:227-34.
  • 2. Flint J et al. High frequencies of a-thalassemia are the result of natural selection of malaria. Nature 1986; 321:744-50.
  • 3. Pattanapanyasat K et al. Impairment of Plasmodium falciparum growth in thalassemia red blood cells: Further evidence by using biotin labeling na flow cytometry. Blood 1999;93:3.116-9.
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  • 5. Fairhurst RM et al. Aberrant development of Plasmodium falciparum in hemoglobin CC red cells: implications for the malaria protective effect of the homozygous state. Blood 2002;101:3.309-15.
  • 6. Zamaro PJA. Análise quantitativa e molecular de hemoglobina fetal em doadores de sangue. S J do Rio Preto, SP, 2002. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas) - Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, Unesp.
  • 7. Bonini-Domingos CR. Prevalência de hemoglobinas anormais, fenótipos de haptoglobinas e quantificação de hemoglobinas A2 e fetal em portadores de Doença de Chagas. S J do Rio Preto, SP, 1993. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas) - Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, Unesp.
  • 9. Chinelato-Fernandes, AR. Diferenciação molecular de mutantes de hemoglobinas humanas na população brasileira. São José do Rio Preto, SP, 2003. Tese (Doutoramento em Ciências Biológicas) - Instituto de Biociências Letras e Ciências Exatas, Unesp.
  • 10. Arends T. High concentrations of haemoglobin A2 in malaria patients. Nature 1967;30:1.517-8.
  • 11. Shear HL et al. Transgenic mice expressing human fetal globin are protected from malaria by a novel mechanism. Blood 1998;92:2520-26.
  • 12. Pasvol G, Weatherall DJ, Wilson FJM. Effects of foetal haemoglobin on susceptibility of red cells to Plasmodium falciparum Nature 1997;270:171.
  • Endereço para correspondência
    Wanessa Christina de Souza
    LHGDH - Departamento de Biologia – IBILCE-Unesp
    Rua Cristóvão Colombo, 265.
    15054-000. São José do Rio Preto, SP.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Abr 2004
    • Data do Fascículo
      2003

    Histórico

    • Aceito
      05 Jul 2003
    • Recebido
      18 Jun 2003
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