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A propósito da apoptose em LMC: estudos promissores

The proposal of apoptosis in chronic myeloid leukemia: promising studies

EDITORIAL EDITORIAL

A propósito da apoptose em LMC: estudos promissores

The proposal of apoptosis in chronic myeloid leukemia: promising studies

Maria de Lourdes L. F. Chauffaille

Profa. Adjunta da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia, Unifesp/EPM. Assessora Médica, Fleury - Centro de Medicina Diagnóstica

Correspondência para Correspondência para: Maria de Lourdes L. F. Chauffaille Instituto Fleury de Ensino e Pesquisa Rua Gal. Valdomiro de Lima, 509 – Jabaquara 04344-070 – São Paulo - SP E-mail: chauffaill@hemato.epm.br

Apoptose é uma forma de morte celular identificada a partir da década de 70 1 e, hoje, é um tópico muito estudado. Também é designada como morte celular programada ou suicídio celular e diferencia-se da morte celular reconhecida como necrose. Enquanto a apoptose é altamente ordenada a ponto de ser chamada de morte programada, a necrose é abrupta, ocorrendo após insulto extremo. O fenômeno apoptótico é necessário, fundamental e altamente organizado para o desenvolvimento e a manutenção da integridade do organismo, além de ser tão complexo quanto à divisão e à diferenciação celulares. O desencadeamento da apoptose é orquestrado tanto no desenvolvimento embrionário e na renovação tecidual como na resposta patológica à lesão celular (ruptura do DNA) ou à infecção por patógenos, ou seja, situações que representam ameaças à integridade do organismo.

A apoptose é a contraposição à mitose para a regulação da homeostase e, consequentemente, o crescimento de um tecido, seja ele normal ou maligno, é resultante do equilíbrio entre a taxa de proliferação e de destruição celulares2, portanto um balanço delicado entre reguladores de vias pró e antiapoptóticas que controlam o processo mantendo a homeostase. Há a promoção do processo de carcinogênese quando este equilíbrio é alterado em favor do prolongamento de sobrevida celular, situação que ocorre após uma série de alterações moleculares para que a célula adquira o fenótipo maligno. Alguns agentes carcinogênicos agem diminuindo a taxa de morte celular em vez de aumentarem a proliferação.

Uma rede complexa de moléculas regula a apoptose e os principais componentes são as caspases (enzimas proteolíticas) que podem ser ativadas pela via mitocondrial ou intrínseca, ou seja, por sinais que levam à liberação de citocromo c desencadeando uma série de reações até à formação do apoptossoma. A via extrínseca estriba-se na família de receptores para a morte TNF, Fas, TRAIL para o desatar todo o processo.3

A demonstração de que o gene Bcl-2 (Vaux et al,1988) bloqueia a apoptose, foi, por assim dizer, o marco inicial para os estudos da relação entre apoptose e câncer, ainda que o sistema apoptótico não tenha sido desenvolvido evolutivamente para preveni-lo.4 Em alguns linfomas, leucemia linfóide crônica de célula B e melanoma, dentre outras neoplasias, há aumento da expressão da proteína Bcl-2, com conseqüente efeito antiapoptótico. A família de proteínas Bcl-2 inclui tanto membros pró como antiapoptóticos que direta ou indiretamente antagonizam suas próprias funções. Logo foi observado que a resistência a drogas quimioterápicas também podia se dar pela superexpressão de Bcl-2, que agindo fora da mitocôndria, evitaria a apoptose antes que o citocromo c fosse liberado. Parece claro que as terapias antineoplásicas bem estabelecidas requerem a via apoptótica intacta para destruir o tumor, portanto o conhecimento das mutações, como no caso da leucemia mielóide crônica (LMC), leva a tratamento moldado para a sua causa.5

A LMC, uma neoplasia extensivamente estudada em função da presença de alteração genética única, a translocação entre os cromossomos 9 e 22, que resulta no cromossomo Philadelphia e na produção de proteína quimérica anômala BCR/ABL, responsável pelo processo molecular que determina a transformação maligna, tem a apoptose inibida por ação desta proteína.6

Os autores do artigo intitulado "Leucemia Mielóide Crônica e o Sistema Fas-FasL" muito apropriadamente chamam a atenção para o tema da apoptose na LMC. Descrevem os mecanismos intrínseco e extrínseco de ativação da apoptose, detalham o sistema Fas-FasL, em particular, e apontam a importância e influência do mesmo na terapêutica da doença. Expõem como as diferentes drogas mais freqüente e recentemente utilizadas no tratamento desta doença interferem na apoptose, oferecendo uma comparação didática para a compreensão dos diversos mecanismos de ação. Demonstram também o papel da apoptose no transplante de medula óssea na LMC, em especial na doença do enxerto versus o hospedeiro, na qual assume efeito danoso ao paciente.

O fato de em nosso meio também contarmos com investigadores voltados para este tema abre a possibilidade de aquisição de conhecimentos pormenorizados das diversas facetas tanto desta doença, e suas modalidades terapêuticas, como do assunto em si e, fundamentalmente, lança desafios para novas investigações cujos resultados podem ser de inestimável valor.

Todavia é preciso lembrar que há muito por ser pesquisado. Precisa ser elucidado como a apoptose é regulada, como pode ser reparada por terapia genética específica, como pode ser desencadeada seletivamente por meio de tratamentos dirigidos para induzir suicídio de células malignas enquanto as residuais normais permaneceriam intactas, como ativadores de caspases, a exemplo de p53 e c-Myc desencadeiam o mecanismo de morte, como as caspases iniciam as alterações de membrana que resultam em remoção de células apoptóticas por fagocitose ou onde está o ponto de retorno, após o qual a apoptose uma vez desencadeada não pode mais ser revertida. Enfim, há uma série de aspectos, vias e mecanismos que restam por ser mais bem compreendidos e esclarecidos. Oxalá os pesquisadores alcancem resultados expressivos e pavimentem o caminho para se atingir o objetivo final, qual seja, a cura da doença e o bem-estar do paciente.

Referências Bibliográficas

1. Kerr JFR, Wyllie AH, Curie AR. Apoptosis: a basic biological phenomenon with wide ranging implications in tissue kinetics. Br J Cancer 1972;26:239-257.

2. Denmeade SR, Isaacs JT. Programmed cell death (apotosis) and cancer chemotherapy. Cancer Control J 2005;3(4):1-10.

3. Reed JC, Pellecchia M. Apoptosis-based therapies for heamtologic malignancies. Blood 2005;106(2):408-18.

4. Yin XM, Dong Z. (ed). 2003. Essentials of apoptosis: a guide for basic and clinical research. Humana Press, New Jersey.

5. Deininger M, Buchdunger E, Druker BJ. The development of imatinib as a therapeutic agent for CML. Blood 2005;105(7):2.640-2.653.

6. Chopra R, Pu QQ, Elefanty AG. Biology of BCR/ABL. Blood Rev 1999;13:211-29.

  • Correspondência para:

    Maria de Lourdes L. F. Chauffaille
    Instituto Fleury de Ensino e Pesquisa
    Rua Gal. Valdomiro de Lima, 509 – Jabaquara
    04344-070 – São Paulo - SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2005
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