Acessibilidade / Reportar erro

Leucemia promielocítica aguda: caracterização de alterações cromossômicas por citogenética tradicional e molecular (FISH)

Acute promyelocytic leukemia: characterization of chromosome abnormalities by classical cytogenetics and FISH

Resumos

A leucemia promielocítica aguda (LPA) corresponde a 10% -15% das leucemias mielóides agudas (LMA). Este tipo de leucemia (LMA-M3 de acordo com a classificação FAB) está associado, em cerca de 90% dos casos, à translocação t(15;17)(q22;q21), que resulta na fusão dos genes PML e RARalfa. A análise citogenética tradicional tem sido utilizada para confirmar o diagnóstico morfológico da LPA. Embora a t(15;17) não seja detectada em outros tipos de leucemia, podem ocorrer resultados "falso-negativos", decorrentes da análise de células que não pertencem ao clone neoplásico, da dificuldade de visualização da translocação ou, até mesmo, da existência de rearranjos crípticos que mascaram a translocação. Por outro lado, foram descritas alterações cromossômicas alternativas em pacientes com LPA e, nesses casos, o tratamento com ATRA não é eficaz. No período de julho de 1993 a dezembro de 2002 foram encaminhados para análise citogenética 47 casos com suspeita e/ou diagnóstico clínico-morfológico de LPA. Trinta e quatro pacientes (72,3%) apresentaram a t(15;17), detectada pela citogenética tradicional e/ou molecular. Em seis destes pacientes foram observadas alterações cromossômicas adicionais ou rearranjos envolvendo um terceiro cromossomo. Em cinco (10%) pacientes com características de LPA, a técnica de FISH não revelou a fusão PML/RARalfa, dado importante para a orientação do diagnóstico e da conduta terapêutica desses pacientes. O presente trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar a importância da análise citogenética tradicional e molecular no diagnóstico de pacientes com LPA.

Leucemia promielocítica aguda; análise citogenética; hibridação in situ fluorescente (FISH)


Acute promyelocytic leukemia (APL) accounts for 10 to 15% of acute myeloid leukemias (AML). This type of leukemia (AML-M3 according to the FAB classification) is associated, in about 90% of the cases, with a t(15;17)(q22;q21) translocation, resulting in the fusion of the PML and RARalpha genes. Traditional cytogenetic analysis has been used to confirm the morphological diagnosis of ALP. Although the t(15;17) translocation is characteristic for this kind of leukemia, "false-negative" results may occur as a result of the analysis of cells which do not belong to the neoplastic clone, of the difficulty to visualize the translocation and even of the existence of cryptic rearrangements masking the translocation. Moreover, alternative chromosome alterations were described in patients with APL and in these cases treatment with ATRA is not effective. From July 1993 to December 2002, 47 cases suspected of or being diagnosed with APL by clinical-laboratorial methods were referred for cytogenetic analysis. Thirty-four patients (72.3%) had the t(15;17) translocation, detected by traditional and/or molecular cytogenetics. In six of these patients, additional chromosome alterations or rearrangements involving a third chromosome were observed. In five patients (10%) with APL characteristics, the FISH technique did not reveal the PML/RARalpha fusion, an important finding in the process of reaching a diagnosis and of establishing a therapeutic conduct for these patients. This work was carried out with the purpose of evaluating the importance of traditional and molecular cytogenetic analysis in the diagnosis of APL.

Leukemia promyelocytic acute; cytogenetic analysis; fluorescent in situ hybridization (FISH)


ARTIGO ARTICLE

Leucemia promielocítica aguda: caracterização de alterações cromossômicas por citogenética tradicional e molecular (FISH)

Acute promyelocytic leukemia: characterization of chromosome abnormalities by classical cytogenetics and FISH

Michele R. SagrilloI,III; Silvia H. CardosoI; Luciana R. J. SilvaI; Claudia H. N. GraçaI; Euripides FerreiraI; Nelson HamerschlakII; João C. C. GuerraI; Nydia S. BacalI; Joyce A. D. AndradeIII; Cleide L. BorovikI

IDepartamento de Patologia Clínica, Hospital Israelita Albert Einstein

IIServiço de Oncologia, Hospital Israelita Albert Eintein

IIIUniversidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina – Departamento de Morfologia

Correspondência para Correspondência para: Michele Rorato Sagrillo Av. Albert Einstein, 627/701 05651-901 – São Paulo - SP – Brasil Tel.: (11) 3747-2103 E-mail: michelers@einstein.br

RESUMO

A leucemia promielocítica aguda (LPA) corresponde a 10% -15% das leucemias mielóides agudas (LMA). Este tipo de leucemia (LMA-M3 de acordo com a classificação FAB) está associado, em cerca de 90% dos casos, à translocação t(15;17)(q22;q21), que resulta na fusão dos genes PML e RARa. A análise citogenética tradicional tem sido utilizada para confirmar o diagnóstico morfológico da LPA. Embora a t(15;17) não seja detectada em outros tipos de leucemia, podem ocorrer resultados "falso-negativos", decorrentes da análise de células que não pertencem ao clone neoplásico, da dificuldade de visualização da translocação ou, até mesmo, da existência de rearranjos crípticos que mascaram a translocação. Por outro lado, foram descritas alterações cromossômicas alternativas em pacientes com LPA e, nesses casos, o tratamento com ATRA não é eficaz. No período de julho de 1993 a dezembro de 2002 foram encaminhados para análise citogenética 47 casos com suspeita e/ou diagnóstico clínico-morfológico de LPA. Trinta e quatro pacientes (72,3%) apresentaram a t(15;17), detectada pela citogenética tradicional e/ou molecular. Em seis destes pacientes foram observadas alterações cromossômicas adicionais ou rearranjos envolvendo um terceiro cromossomo. Em cinco (10%) pacientes com características de LPA, a técnica de FISH não revelou a fusão PML/RARa, dado importante para a orientação do diagnóstico e da conduta terapêutica desses pacientes. O presente trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar a importância da análise citogenética tradicional e molecular no diagnóstico de pacientes com LPA.

Palavras-chave: Leucemia promielocítica aguda; análise citogenética; hibridação in situ fluorescente (FISH).

ABSTRACT

Acute promyelocytic leukemia (APL) accounts for 10 to 15% of acute myeloid leukemias (AML). This type of leukemia (AML-M3 according to the FAB classification) is associated, in about 90% of the cases, with a t(15;17)(q22;q21) translocation, resulting in the fusion of the PML and RARa genes. Traditional cytogenetic analysis has been used to confirm the morphological diagnosis of ALP. Although the t(15;17) translocation is characteristic for this kind of leukemia, "false-negative" results may occur as a result of the analysis of cells which do not belong to the neoplastic clone, of the difficulty to visualize the translocation and even of the existence of cryptic rearrangements masking the translocation. Moreover, alternative chromosome alterations were described in patients with APL and in these cases treatment with ATRA is not effective. From July 1993 to December 2002, 47 cases suspected of or being diagnosed with APL by clinical-laboratorial methods were referred for cytogenetic analysis. Thirty-four patients (72.3%) had the t(15;17) translocation, detected by traditional and/or molecular cytogenetics. In six of these patients, additional chromosome alterations or rearrangements involving a third chromosome were observed. In five patients (10%) with APL characteristics, the FISH technique did not reveal the PML/RARa fusion, an important finding in the process of reaching a diagnosis and of establishing a therapeutic conduct for these patients. This work was carried out with the purpose of evaluating the importance of traditional and molecular cytogenetic analysis in the diagnosis of APL.

Key words: Leukemia promyelocytic acute/genetics; cytogenetic analysis; fluorescent in situ hybridization (FISH).

Introdução

A leucemia promielocítica aguda (LPA) ou LMA-M3, de acordo com a classificação FAB, corresponde a 10% - 15% das leucemias mielóides agudas (LMA). Este tipo de leucemia apresenta morfologia celular característica com promielócitos anormais, núcleo excêntrico, abundantes granulações no citoplasma. Caracteriza-se também pela presença de múltiplos bastonetes de Auer no citoplasma, formando feixes, dando a estas células a denominação de "Faggot cells" (células com maços ou feixes).1

Estudos de marcadores de superfície mostram que as células da LPA têm um padrão distinto quando comparado a outras LMAs. Ocorre alta expressão de antígenos mielomonocíticos (CD13, CD15 e CD33) e ausência de expressão de antígenos monocíticos (CD14, incluindo My4, Leu M3 e Mo2) e HLA-DR.2,3,4 Em cerca de 90% dos casos, está associada à translocação t(15;17)(q22;q21), que resulta na fusão dos genes PML e RARa identificada por Rowley et al, em 1977,5 mas com definição dos pontos de quebra só em 1984.6,7

Os pacientes com LPA apresentam quadro clínico e alterações laboratoriais compatíveis com coagulação intravascular disseminada (CIVD) e podem evoluir rapidamente ao óbito, devido a fenômenos hemorrágicos. Entretanto, o tratamento com ácido transretinóico (ATRA) associado à quimioterapia, tem resultado em boa resposta clínica dos pacientes, tornando a LPA uma das leucemias de melhor prognóstico.

Na maioria dos casos, os pacientes apresentam sintomas relacionados à anemia, trombocitopenia, organomegalia e distúrbios da coagulação.8 A primeira manifestação clínica em LPA é a leucopenia e na variante da LPA é a leucocitose.9 Outras características menos freqüentes são observadas em 15% a 20% dos pacientes e infiltração no sistema nervoso central e na pele são achados raros.8,10

Por outro lado, em cerca de 2% dos casos, o gene RARa está fusionado com outro gene diferente do PML: PLZF (promyelocytic leukemia zinc finger), NPM (nucleophosmin) e NuMA (nuclear mitotic apparatus) como resultado de translocações das alternativas: t(11;17)(q23;q21), t(5;17) (q35;q21) e t(11;17)(q13;q21), respectivamente. Mais recentemente, o gene STAT5b, localizado em 17q21, foi identificado como um novo parceiro do RARa em um caso de LPA com [der(17)].11 Nesses casos, o tratamento com ATRA não é eficaz.

A análise citogenética tradicional tem sido utilizada para confirmar o diagnóstico morfológico da LPA. Embora a t(15;17) não seja detectada em outros tipos de leucemia, podem ocorrer resultados "falso-negativos" decorrentes da análise de células que não pertencem ao clone neoplásico, da dificuldade de visualização da translocação ou, até mesmo, da existência de rearranjos crípticos que mascaram a translocação.

O advento da tecnologia de ácidos nucléicos, tais como PCR e FISH, tem revolucionado o campo das doenças genéticas e oncológicas. A sensibilidade destas técnicas para o diagnóstico e monitoramento das doenças a nível molecular está sendo aplicada na rotina de muitos laboratórios.

A técnica de FISH permite a visualização de seqüências específicas de ácidos nucléicos, no caso os genes PML e RARa em cromossomos metafásicos ou núcleos interfásicos.12 A técnica de FISH pode ser aplicada para determinar a origem clonal das leucemias, monitoramento da eficácia da terapia no tratamento, detectar a presença de doença residual mínima seguindo a terapia, identificar recaída da doença, detectar anomalias cromossômicas numéricas, bem como amplificação e deleção de genes.13

O presente trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar a importância da análise citogenética tradicional e molecular no diagnóstico de pacientes com LPA.

Casuística e Métodos

Amostra

No período de julho de 1993 a dezembro de 2002 foram encaminhados ao Hereditas Serviço de Genética Humana (julho de 1993 a março de 2001) ou ao Setor de Genética Laboratorial do Departamento de Patologia Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein (março de 2001 a dezembro de 2002), para análise citogenética, 47 casos de pacientes que apresentavam suspeita clínica inicial de LPA ou que mostraram resultado de imunofenotipagem compatível com LPA.

Análise citogenética foi realizada em 62 amostras dos 47 pacientes, sendo 47 ao diagnóstico e 15 amostras no acompanhamento do tratamento.

As amostras de aspirado de medula óssea foram coletadas nos diversos serviços clínicos e enviadas em meio de transporte para medula óssea (Cultilab) ou seringa heparinizada.

Cultura e preparações citológicas

Para obtenção de cromossomos metafásicos em amostra de medula óssea, utilizaram-se os procedimentos técnicos tradicionais. Resumidamente, as amostras foram semeadas em meio de cultura (RPMI 1640-Gibco/ MEM alfa-Gibco/ Soro Fetal Bovino-Gibco), incubadas por 24 a 48 horas a 37ºC e submetidas a tratamento com colchicina, hipotônica e fixação. Em seguida o material foi pingado sobre lâminas. Considerando o período de análise, houve uma certa variação na técnica, principalmente quanto a tempos de exposição a colchicina e hipotônica. Sempre que possível foram realizadas pelo menos duas culturas de cada paciente, uma de 24 horas e outra de 48 horas; em alguns casos anteriores a 1998 foram realizadas também preparações diretas. Após a análise, material remanescente em fixador foi mantido a 4ºC.

Para obtenção de banda G foi utilizado o procedimento descrito por Sanchez et al (1973)14 com modificações.

Sempre que possível, foram analisadas vinte metáfases de cada caso, preferencialmente em lâminas provenientes de duas culturas diferentes. Foram utilizados como critérios para classificação os recomendados pelo ISCN, 1995.15 Nos casos em que o cariótipo não pôde ser realizado por ausência de células em metáfase ou que o resultado se mostrou discrepante com outros dados clínico-laboratoriais e que havia material remanescente em fixador, foi feita a análise por FISH.

Posteriormente foi realizada revisão citogenética dos casos em que havia documentação fotográfica ou imagens digitalizadas de metáfases.

A técnica de FISH foi realizada com a sonda (LSI PML/RARa Dual Color Translocation Probe - Vysis, Inc) seguindo as recomendações do fabricante, com modificações. Em resumo: as lâminas foram submetidas a um pré-tratamento com solução de 2XSSC (NaCl / citrato de sódio) e desidratadas em uma bateria de álcoois 70%, 80% e 100% à temperatura ambiente. Para denaturação, as lâminas foram colocadas em uma solução de 70% formamida/ 30% 2XSSC (pH 7.0) aquecida a 73ºC por cinco minutos. A sonda denaturada simultaneamente foi aplicada sobre as lâminas, cobertas com lamínula e colocadas, em câmara úmida e no escuro, em estufa a 37ºC por, no mínimo, seis horas ou, preferencialmente, overnight. Após esse período, as lâminas foram lavadas em uma seqüência de três banhos de formamida e 2XSSC a 45ºC por dez minutos, e por cinco minutos na solução de 2XSSC e NP 40%. No momento da análise, as lâminas foram coradas com 10uL de DAPI II (Vysis, Inc.) e cobertas com lamínula.

A análise foi feita ao microscópio de fluorescência (Zeiss, axiophot) equipado com filtros Zeiss de bandas simples dos espectros verde (15), vermelho (09) e azul (02). Sempre que possível, foram analisados 100 núcleos e metáfases.

Interpretação técnica dos resultados de FISH

As sondas utilizadas detectam a justaposição do lócus do gene PML, localizado no cromossomo 15q22, com o lócus do gene RARa, localizado no cromossomo 17q21.1. A translocação t(15;17) produz uma fusão dos dois genes no cromossomo derivativo 15.

A sonda LSI PML (15q22), específica para a região 15q22, começando a marcação no íntron 7 até o centrômero com 180Kb,16 é marcada com fluoróforo vermelho (Spectrum Orange™) e a LSI RARa (17q21.1), específica para a região 17q21, começando no íntron 4 até o telômero com 400Kb 16 é marcada com fluoróforo verde (Spectrum Green™). A fusão dos dois genes produz uma fluorescência com sinais coincidentes (verde/vermelho). Assim, uma célula normal apresenta dois sinais verdes e dois vermelhos distintos; uma célula com a translocação t(15;17) mostra um sinal verde, um sinal vermelho e um sinal verde/vermelho coincidentes (Figura 1). De acordo com os resultados obtidos através da hibridização das sondas gênicas em amostra de indivíduos normais (controle negativo), foram considerados como positivos, isto é, com a t(15;17), os casos que apresentaram mais de 10% dos núcleos ou metáfases com um sinal verde, um sinal vermelho e um sinal verde/vermelho coincidentes.


As imagens foram digitalizadas com a utilização de câmera CCD e software Ikaros e Isis (Metasytem).

Resultados

Foram identificadas amostras de 47 pacientes com suspeita ou diagnóstico clínico-laboratorial de LPA, 20 do sexo masculino e 27 do sexo feminino, com idade variando de 1 a 69 anos. Seis casos foram encaminhados no período de julho de 1993 a dezembro de 1996; quatro casos em 1997; seis casos em 1998; sete casos em 1999; cinco casos em 2000; seis casos em 2001 e treze casos em 2002. A análise imuno-fenotípica, por citometria de fluxo foi realizada em 45 casos. (Tabela 1)

A análise citogenética inicial foi possível em 37 (79%) dos 47 pacientes. Dezessete pacientes apresentaram a t(15;17) clássica, três apresentaram a t(15;17) envolvendo um terceiro cromossomo (Figuras 2, 3 e 4), quatro apresentaram anomalias cromossômicas diferentes da t(15;17) e treze mostraram cariótipo normal, sendo que um desses pacientes possuía um cariótipo constitucional com trissomia 21. A análise por FISH foi possível nas dez amostras que não apresentaram células em metáfase e em nove foram observados sinais compatíveis com a fusão PML/RARa. Em quatro casos com cariótipo normal, a análise por FISH confirmou a ausência do rearranjo citogenético e, em dois casos com anomalias cromossômicas diferentes da t(15;17), a análise por FISH detectou a fusão PML/RARa. Na revisão das fotos ou imagens de todos os casos com cariótipo normal ou outras alterações detectamos a presença da t(15;17) em três deles: um com trissomia do cromossomo 8, um com monossomia do cromossomo 7 e um com cariótipo aparentemente normal. Análise por FISH foi realizada também em sete pacientes que apresentaram a t(15;17) clássica e nos três pacientes com translocações variantes. Em todos, a fusão PML/RARa foi confirmada. Desta forma, verificamos que, em cinco (10%) casos, a análise citogenética molecular afastou a presença do rearranjo PML/RARa. Em 33/42 (78,6%) casos a análise citogenética clássica ou molecular confirmou o diagnóstico de LPA (Tabela 2).




Análises citogenéticas clássica e/ou molecular foram realizadas durante o acompanhamento terapêutico em 15 amostras de 13 pacientes. Em apenas um paciente foi detectada recaída.

Discussão

O termo Leucemia Mielóide Aguda (LMA) refere-se a um conjunto de doenças distintas que diferem pelas suas evoluções patogênicas, anormalidades genéticas, aspectos clínicos, resposta terapêutica e prognóstico. A análise citogenética ou molecular tem sido um instrumento na identificação dos tipos de LMA, bem como no direcionamento da conduta terapêutica.17

Entre as recomendações do NCCN (National Comprehensive Cancer Network),18 o exame citogenético de aspirado de medula óssea é considerado mandatório para o diagnóstico de todos os casos de leucemia aguda. No caso específico de LPA, a identificação da t(15;17) ou o seu equivalente molecular é essencial para o início da terapia. Desta forma, a necessidade de um diagnóstico genético rápido e preciso é imprescindível.

Em nosso meio, a análise citogenética em pacientes com suspeita de leucemias com o objetivo clínico-terapêutico vem evoluindo exponencialmente no decorrer da última década. De fato, enquanto seis casos com suspeita de LPA foram encaminhados no intervalo de dois anos e meio (1993 a 1996), durante o ano de 2002 realizamos estudo citogenético em treze casos. Interessante notar que Chaufaille et al (2001)19 selecionaram 13 pacientes com LPA no período de 1996 a 1999 e 42 pacientes quando esse período se estende de 1997 a 2003. Dados epidemiológicos referentes à incidência de alterações cromossômicas em neoplasias hematológicas são escassos no Brasil. Em um levantamento realizado no Departamento de Patologia Clínica do HIAE, no período de 2001 a 2002, entre 43 pacientes adultos com LMA, 11 (25%) apresentaram a t(15;17).20 Entre 190 casos de LMA encaminhados para análise citogenética a outro laboratório comercial de SP, no período de 1997 a 2003, 42 (21%) tinham a t(15;17).21 Entre 453 pacientes com diagnóstico de LMA, no Rio Grande do Sul, a proporção de LPA é de 23%.22 Estas freqüências estão aumentadas em relação aos relatos da literatura de países europeus e Estados Unidos. Se por uma lado esses valores podem ser atribuídos à importância da identificação da t(15;17) para fins terapêuticos e representar um desvio de averiguação, por outro sugerem uma maior incidência da LPA entre latinos.23

Em nossa amostra, a análise cromossômica foi possível em 37 casos, dos quais 23 (62%) apresentaram a t(15;17). Quando incluímos a análise por FISH dos dez casos que não apresentaram metáfases, a freqüência do rearranjo PML/RARa é de 72.3% (34 dos 47 casos).

Esses valores encontram-se no limite inferior aos relatados na literatura, que consideram que a análise por banda G em células provenientes de preparações de aspirado de medula óssea documentam a t(15;17) em 70% a 80% dos casos com características morfológicas de LPA.24 Diversas razões podem explicar esse resultado:

A t(15;17) pode não ser visualizada devido à qualidade das preparações. Em nove casos de nossa amostra, a t(15;17) não foi observada pela análise citogenética clássica e não havia material disponível para análise por FISH. Diversos autores relatam que a morfologia dos cromossomos dos pacientes com LPA é ruim, dificultando a visualização da alteração.25,26 De fato, em três casos de nossa amostra, a t(15;17) só foi observada durante a revisão das fotos ou imagens digitalizadas. Por outro lado, as células que entram em divisão durante a cultura podem não ser derivadas dos promielócitos anormais, não contendo, portanto, a alteração cromossômica. Haferlach et al, (1998)27 usando uma técnica combinada de FISH e coloração May-Grünwald-Giemsa, mostraram que, enquanto 97% dos promielócitos possuíam sinais compatíveis com a fusão PML/RARa, apenas 18% dos polimorfonucleares mostravam sinais positivos e nenhum eritroblasto, linfócito ou célula plasmática mostrou o rearranjo. Por essa razão, outros autores consideram que a proporção de células com a t(15;17) é menor em amostras provenientes de preparações diretas do que em culturas de 24-48 horas.28 Em nossa amostra, três casos com cariótipo normal (4, 5 e 8) foram analisados apenas após preparação direta. Mancini et al (1995)25 detectaram apenas 1% a 12% das metáfases com a t(15;17) em pacientes com a fusão PML/RARa previamente detectada por reação em cadeia da polimerase (PCR) usando bibliotecas dos cromossomos 15 e 17.

Sabemos hoje que, em cerca de 2% dos casos, o gene RARa está envolvido em rearranjos com os genes PLZF, NPM ou NuMA, nas translocações t(11;17)(q23;q21), t(5;17)(q35;q21) e t(11;17)(q13;q21), respectivamente.11 Nestes casos, a sonda por nós utilizada não detecta estas alterações em núcleos interfásicos.

Em um paciente de nossa amostra (3) não foram visualizadas metáfases e a análise por FISH foi negativa. Não podemos afastar a presença de um rearranjo alternativo neste caso.

Inserções crípticas da fusão PML/RARa são observadas em cerca de 10% dos casos de LPA.29,30 Esses rearranjos podem ser evidenciados por FISH. Em nove casos de nossa amostra que apresentaram cariótipo normal, a análise por FISH não foi possível por não haver material disponível. Não podemos afastar a presença de rearranjos crípticos nesses casos.

Às vezes, a avaliação clínico-morfológica inicial pode não ser conclusiva e o paciente pode pertencer a outro subtipo das LMAs. Em nossa amostra, dois casos com cariótipo normal (7 e 30) foram reclassificados como pertencentes ao grupo FAB–M2 após reavaliação clínico-morfológica.

Finalmente, ainda podem ocorrer mecanismos alternativos que levam a uma doença indistinguível da LPA. Grimwade et al 1998,30 com o objetivo de caracterizar casos com LPA sem a t(15;17) clássica, revisaram noventa casos através da análise morfológica e resultados citogenéticos ou moleculares. Destes, quatro foram excluídos por apresentarem características morfológicas compatíveis com M1 ou M2, 11 por apresentar citogenética compatível com LPA (isocromossomo 17q) e 15 por não haver material remanescente para análise molecular. Dos sessenta casos restantes, em cinco não foram evidenciadas alterações envolvendo o gene RARa.

A análise citogenética clássica ou molecular realizada em 13 pacientes durante o acompanhamento terapêutico permitiu a detecção de recaída em sistema nervoso central (SNC) em um paciente. Neste caso, a análise por FISH em amostra de líquido cefalorraquidiano mostrou sinais compatíveis com a fusão em mais de 90% das células, enquanto a análise por PCR em amostra de sangue periférico revelou-se normal. Vinte e nove dias após este último exame, o teste de FISH em amostra de medula óssea mostrou sinais compatíveis com a fusão PML/RARa em 15% das células, confirmando uma recaída sistêmica.

Conclusões

No presente trabalho verificamos que a freqüência da t(15;17) entre 37 pacientes foi de 62% nos quais realizou-se análise citogenética clássica. Quando aplicada a técnica de FISH nos casos que não apresentaram metáfases adequadas, esta freqüência aumenta para 72,3%. A presença de alterações cromossômicas adicionais ou complexas foi observada em 15,8% dos casos. Interessante notar que, em nossa amostra, em 10% dos casos encaminhados com suspeita de LPA, a análise citogenética molecular afastou a presença do rearranjo PML/RARa.

A LPA requer especial atenção entre os subtipos de LMA por suas implicações prognósticas e terapêuticas. Com a terapia atual, 70%-80% dos pacientes se mantêm com sobrevida livre de doença em pelo menos cinco anos. O diagnóstico laboratorial preciso e a detecção rápida da t (15;17) (q22;q21) ou o seu equivalente molecular é importante para definir o diagnóstico e introdução do tratamento com ATRA.

O método de FISH tem se tornado rotina na prática clínica para confirmar alterações cromossômicas específicas e definir alterações mesmo quando a análise clássica não apresenta resultados satisfatórios. A análise por FISH pode ser realizada em diferentes tecidos e, por ser um método quantitativo, permite inclusive a detecção da recaída da doença.

A combinação de técnicas de citogenética clássica e molecular deve ser utilizada para obtenção de resultados mais precisos e com maior rapidez, apresentando grande importância no auxílio da seleção da terapia apropriada para os pacientes com LPA.

Avaliação: Editor e dois revisores externos.

Conflito de interesse: não declarado.

Recebido: 16/02/05

Aceito após modificações: 28/03/05

  • 1. Bennet JM, Catovsky D, Daniel MT, et al. Proposals for the classification of the acute leukemia. French-American-British (FAB) Cooperative Group. Br J Haematol 1976;33:451-458.
  • 2. Second Mic Cooperative Study Group. Morphologic, immunologic and cytogenetic (MIC) working classification of the acute myeloid leukemias. Br J Haematol 1988;68:487-494.
  • 3. Rovelli A, Biondi A, Rajnodi AC et al. Microgranular variant of acute promyelocytic leukemia in children. J Clin Oncol 1992;10:1.413-1.418.
  • 4. Fenaux P, Chomienne C, Degos L. Acute promyelocytic leukemia: biology and treatment. Semin Oncol 1997;24:92-102.
  • 5. Rowley JD, Golomb HM, Vardiman J, et al. Further evidence for a non-random chromosomal abnormality in acute promyelocytic leukemia. Int J Cancer 1977;20:869-872.
  • 6. Garson OM, Hagemeijer A, Kondo K, Rowley JD. Fourth International Workshop on Chromosomes in Leukemia 1982: Chromosomes in acute promyelocytic leukemia. Cancer Genet Cytogenet 1984;11:288-293.
  • 7. Larson RA, Kondo K, Vardiman JW, et al. Evidence for a 15;17 translocation in every patient with acute promyelocytic leukemia. Am J Med 1984;76:827-841.
  • 8. Mandelli F, Avvisati G, Lo Coco F. Advances in the understating and management of acute promyelocytic leukemia. Rev Exp Hematol 2002;6:60-71.
  • 9. Sun, T. Flow cytometric analysis of hematologic neoplasms: A color atlas and text in Acute Promyelocytic Leukemia (M3). Lippincott Williams & Wilkins 2002, 2ş ed, 227-232.
  • 10. Menéndez A, Gonzales A, Cabrera H, et al. Clinical spectrum of extramedullary acute promyelocytic leukemia. Eur J Haematol 2000;64:201-203.
  • 11. Sainty D, Liso V, Cantu-Rajnoldi A, et al. A new morphologic classification system for acute promyelocytic leukemia distinguishes cases with underlying PLZF/RARA gene rearrangements. Group Francais de Cytogenetique Hematologique, UK Cancer Cytogenetics Group and BIOMED 1 European Community-Concerted Action "Molecular Cytogenetic Diagnosis in Haematological Malignancies. Blood 2000;96:1287-1296.
  • 12. Pinkel D, Straume T, Gray J. Cytogenetic analysis using quantitative high sensitivity fluorescence hybridization. Proc Natl Acad Sci USA 1986;83:2934-2938.
  • 13. Lo Coco F, Diverio D, Falini B, et al. Genetic diagnosis and molecular monitoring in the management of acute promyelocytic leukemia. Blood 1999;94:12-22.
  • 14. Sanchez O, Escobar JI, Yunis JJ. A simple G banding technique. Lancet 1973;II:269.
  • 15
    ISCN (1995): An International System for Human Cytogenetic Nomenclature, Mitelman F (ed); Karger S, Basel, 1995.
  • 16. Xu L, Zhao Wl, Xiong SM, et al. Molecular cytogenetic characterization and clinical relevance of additional, complex and/or variant chromosome abnormalities in acute promyelocytic leukemia. Leukemia 2001;15:1359-1368.
  • 17. Löwenberg B, Griffin Jd, Tallman MS. Acute myeloid leukemia and acute promyelocytic leukemia. Hematology 2003;82-101.
  • 18
    NCCN (National Comprehensive Cancer Network). Cancer testing, work up, staging and follow-up within The Complete Library of NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology 2003.
  • 19. Chauffaille ML, Figueiredo MS, Beltrani R, et al. Acute promyelocytic leukemia: the study of t(15;17) translocation by fluorescent in situ hybridization, reverse transcriptase-polymerase chain reaction and cytogenetic techniques. Braz J Med Biol Res 2001;34:735-743.
  • 20. Costa Neto JB, Faulhaber MW, Bacal NS et al. Diagnóstico de Leucemia Mielóide Aguda em adultos no período de jan/2001 a dez/2002 no laboratório de Patologia Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein/SP. [resumo 257]. Rev Bras Hematol Hemoter 2003;25(2 Supl):80. [Apresentado no Congresso de Hematologia e Hemoterapia 2003 São Paulo, SP].
  • 21. Borri D, Chauffaille ML. Alterações citogenéticas mais frequentes em LMA: análise de 190 casos. [resumo 307]. Rev. Bras. Hematol Hemoter. 2003; 25(2 Supl):94. [Apresentado no Congresso de Hematologia e Hemoterapia; 2003 São Paulo, SP].
  • 22. Capra MEZ, Silla LMR, Guterres I, et al. Leucemia Mielóide aguda (LMA) no RS. [resumo 334]. Rev Bras Hematol Hemoter 2003; 25(2 Supl):102. [Apresentado no Congresso de Hematologia e Hemoterapia; 2003 São Paulo, SP].
  • 23. Douer D, Preston-Martin S, Chang E, et al. High frequency of acute promyelocytic leukemia among Latinos with acute myeloid leukemia. Blood 1996;87:308-313.
  • 24. Grimwade D, Gorman P, Duprez E, et al. Characterization of cryptic rearrangements and variant translocations in acute promyelocytic leukemia. Blood 1997;90:4.876-4.885.
  • 25. Mancini M, Nanni M, Cedrone M, et al. Combined cytogenetic, FISH and molecular analysis in acute promyelocytic leukaemia at diagnosis and in complete remission. Br J Haematol 1995;91:878-884.
  • 26. Sucic M, Zadro R, Burazer B, et al. Acute promyelocytic leukemia M3: cytomorphologic, immunophenotypic, cytogenetic and molecular variants. Journal of Hematotherapy & Stem Cell Research 2002;11:941-950.
  • 27. Haferlach T, Löffler H, Nickenig C, et al. Cell lineage specific involvement in acute promyelocytic leukaemia (APL) using a combination of May-Grünwald-Giemsa staining and fluorescence in situ hybridization techniques for the detection of the translocation t(15;17) (q22;q12). Br J Haematol 1998;103:93-98.
  • 28. Sandberg AA. The chromosomes in Human Cancer and Leukemia, 2nd ed; 1990.
  • 29. Raimondi, SC. Fluorescence in situ hybridization: Molecular probes for diagnosis of pediatric neoplastic diseases. Cancer Investigation 2000;18:135-147.
  • 30. Grimwade D, Walker H, Oliver F et al. The importance of diagnostic cytogenetics on outcome in AML: analysis of 1,612 patients entered into the MRC AML 10 trial. The Medical Research Council Adult and Children's Leukaemia Working Parties. Blood 1998;92:2.322-2.333.
  • Correspondência para:

    Michele Rorato Sagrillo
    Av. Albert Einstein, 627/701
    05651-901 – São Paulo - SP – Brasil
    Tel.: (11) 3747-2103
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      28 Mar 2005
    • Recebido
      16 Fev 2005
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org