Acessibilidade / Reportar erro

Leucemia linfóide crônica e linfoma linfocítico de pequenas células

Chronic lymphocytic leukemia and small lymphocytic lymphoma

Resumos

O linfoma linfocítico de pequenas células (LLPC) é considerado uma variante tumoral da leucemia linfocítica crônica e, por conseguinte, a mesma doença. Existem similaridades clínicas, morfológicas, imunofenotípicas e genéticas que parecem resistir até mesmo a uma análise mais aprofundada com o instrumental técnico atualmente disponível para o estudo da biologia molecular. Talvez o refinamento das técnicas de análise da expressão de multiplos genes, incluindo genes para microRNAs, tanto das células malignas quanto das remanescentes benignas do microambiente, e os avanços no conhecimento de determinantes da diferenciação celular possam, em um futuro próximo, esclarecer afinal se LLPC e LLC são doenças diferentes.

Leucemia linfocítica crônica; linfoma linfocítico de pequenas células; manifestações clínicas; diagnóstico; expressão gênica; microRNA


Small lymphocytic lymphoma (SLL) and chronic lymphocytic leukemia (CLL) are thought to be different expressions of the same disease. There are clinical, morphological, immuno-phenotypical and genotypical similarities that seem to resist even to advanced molecular biology techniques. It still needs to be defined, through a more refined understanding of the gene profile expression and microRNA biology of the malignant and surrounding micro-environment benign cells and a better understanding of the new paradigms of cell differentiation relativity, if SLL and CLL are different diseases.

Chronic lymphocytic leukemia; Small lymphocytic lymphoma; clinical manifestation; diagnosis; gene profile; microRNA biology


ARTIGO ARTICLE

Leucemia linfóide crônica e linfoma linfocítico de pequenas células: a mesma doença?

Chronic lymphocytic leukemia and small lymphocytic lymphoma: the same disease?

Lucia M. R. Silla

Departamento de Medicina Interna – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Serviço de Hematologia e Transplante de Medula Óssea – Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Endereço para correspondência Correspondência para: Lucia M. R. Silla Rua Ramiro Barcellos, 2.350 sala 2235 – Rio Branco Hospital de Clínicas de Porto Alegre 90035-003 – Porto Alegre-RS Tel.: (51) 316-8000 / 311-7461 – Fax.: (51) 316-8317 E-mail: rsilla@hcpa.ufrgs.br

RESUMO

O linfoma linfocítico de pequenas células (LLPC) é considerado uma variante tumoral da leucemia linfocítica crônica e, por conseguinte, a mesma doença. Existem similaridades clínicas, morfológicas, imunofenotípicas e genéticas que parecem resistir até mesmo a uma análise mais aprofundada com o instrumental técnico atualmente disponível para o estudo da biologia molecular. Talvez o refinamento das técnicas de análise da expressão de multiplos genes, incluindo genes para microRNAs, tanto das células malignas quanto das remanescentes benignas do microambiente, e os avanços no conhecimento de determinantes da diferenciação celular possam, em um futuro próximo, esclarecer afinal se LLPC e LLC são doenças diferentes.

Palavras-chave: Leucemia linfocítica crônica; linfoma linfocítico de pequenas células; manifestações clínicas; diagnóstico; expressão gênica; microRNA.

ABSTRACT

Small lymphocytic lymphoma (SLL) and chronic lymphocytic leukemia (CLL) are thought to be different expressions of the same disease. There are clinical, morphological, immuno-phenotypical and genotypical similarities that seem to resist even to advanced molecular biology techniques. It still needs to be defined, through a more refined understanding of the gene profile expression and microRNA biology of the malignant and surrounding micro-environment benign cells and a better understanding of the new paradigms of cell differentiation relativity, if SLL and CLL are different diseases.

Key words: Chronic lymphocytic leukemia; Small lymphocytic lymphoma; clinical manifestation; diagnosis; gene profile and microRNA biology.

Introdução

A evolução clínica igualmente heterogênea e a semelhança entre o fenótipo das células, tanto morfológico como imunofenotípico, fizeram com que as sucessivas classificações Kiel,1 REAL2 e WHO3 de doenças linfoproliferativas considerassem a leucemia linfocítica crônica (LLC) e o linfoma linfocítico de pequenas células (LLPC) a mesma doença. Tal conceito vem resistindo a todos os avanços da biologia molecular e celular, mesmo àqueles incorporados à pesquisa nos últimos cinco anos.

Doenças malignas são definidas pelas suas características morfológicas, fenotípicas, genotípicas e clínicas. A complexidade na caracterização das neoplasias linfóides tem representado um desafio permanente, pois a transformação neoplásica acrescenta à diversidade ainda não totalmente esclarecida dos linfócitos benignos, uma série de anomalias moleculares chegando, por vezes, a exibir, em uma mesma célula, marcadores observados em linhagens linfocitárias benignas diferentes. Ocasionalmente, expressam inclusive alguns marcadores "mielóides".

Os avanços da biotecnologia representados pela crescente capacidade em detectar a presença de oncogenes e, mais recentemente, a possibilidade de se avaliar a expressão concomitante de outros genes pela técnica do microarray, têm revelado ainda outras diferenças que podem ter impacto na biologia e caracterizar doenças biologicamente distintas que acometem a mesma linhagem celular.

Manifestações clínicas

A diferença indiscutível entre a LLC e o LLPC é que, no segundo, os linfócitos maduros, indistinguíveis do primeiro, se apresentam sobre a forma tumoral infiltrando gânglios e, ocasionalmente, baço, e comprometem a medula óssea em apenas 30% dos casos.4

Tsimberidou e col5 estudaram as características clínicas de 2.051 pacientes (199 com LLDPC e 1.852 com LLC) e encontraram diferenças significativas na forma de apresentação apenas no que se refere à concentração de hemoglobina, dosagem de gamaglobulinas séricas e linfocitose medular (Figura 1). É interessante observar que, apesar de o LLPC poder evoluir para LLC, em alguns casos isto jamais acontece.6


Características imunofenotípicas

A maioria dos trabalhos que compararam as características imunofenotípicas da LLC com as do LLPC é anterior ao reconhecimento dos marcadores mais importantes incluindo aqueles atualmente reconhecidos como de importância prognóstica, como o CD38 e o ZAP-70.7,8 De uma maneira geral, as características imunofenotípicas observadas naqueles estudos não foram significativamente diferentes exceto pela presença de LFA-1 no LLPC.8,9 Asplund SL e col,10 mais recentemente, reafirmaram a inexistência de diferenças imunofenótipas entre LLC e LLPC. Da mesma maneira, Tsimberidou AM e col,5 estudando 2.051 pacientes mostraram que a única diferença é a tendência dos marcadores para LFA estarem mais presentes no LLDPC.

Características genotípicas

Mutações e alterações cariotípicas associadas à LLC também foram descritas no LLPC5,11,12 (Figura 2). O perfil da expressão gênica da LLC e do LLPC é semelhante se comparados a partir de relatos em separado.13,14 Não foi ainda reportado um estudo que compare diretamente, por microarray, os respectivos perfis de expressão gênica.


Nos últimos anos foi descrita a presença de hipermutação somática na LLC e, hoje se sabe, que não só está presente na metade dos casos, como também sua presença se constitui em um marcador de bom prognóstico.15 Tal mutação foi também descrita no LLPC.16 Estes achados, embora auspiciosos por se acompanharem de sinalisadores de prognóstico, são de certa forma, surpreendentes.

Linfócitos B normais sofrem hipermutação somática, irreversível, quando apresentados ao antígeno nos centros germinativos dos orgão linfóides secundários, notadamente gânglios. É intrigante como uma célula leucêmica, por definição considerada como originária da medula óssea, ou, pelo menos, pré-centro germinativo, possa apresentar evidências de uma evolução ontogenética normal, assim como é também intrigante que células de um linfoma, consideradas como proliferações de gânglios linfóides, possam apresentar duas características conflitantes: alguns casos com hipermutação somática, outros não.

Finalmente, até certo ponto também surpreendente, é necessário que novos estudos confirmem este achado; do ponto de vista do perfil de expressão gênica não foram demonstradas diferenças entre os casos de LLC com ou sem hipermutação.17 Por outro lado, a análise de expressão de genes para microRNAs revelou existirem assinaturas diferentes de acordo com a presença ou ausência de hipermutação.18

Resposta ao tratamento

A análise da série de casos de LLC ou LLPC tratados no MD Anderson de 1985 a 20055 mostrou evolução e resposta ao tratamento indistinguíveis (Figuras 3 e 4).



Aparentemente, tanto a LLC quanto o LLPC podem evoluir de forma semelhante: 1/3 dos casos de forma agressiva, 1/3 intermediária e 1/3 de curso arrastado e indolente.

Considerações finais: a célula da LLC é a mesma do LLPC?

Embora anedótico por relato de caso único, Chen L e col19 se referiram a gêmeos univitelinos que apresentaram LLC aos 50 anos de idade: um sem mutação e o outro mutado, e Baeggio L e col20 observaram, em um mesmo paciente, o diagnóstico simultâneo de LLC/LLDPC no sangue periférico e medula óssea e de linfoma da zona marginal no baço. Interessantemente, neste último paciente, todas as células independentemente de onde obtidas, apresentavam a mesma hipermutação somática.

O efeito do microambiente, sobretudo o contato com células do estroma, in vitro, parece governar o homing e a apoptose nas células da LLC.21 No linfoma nodular, o microambiente celular, em análise por microarray, parece ter influência na agressividade clínica.22 Tais achados parecem sugerir um papel importante para o microambiente que, no entanto, não parece, pelo menos do ponto de vista clínico, diferenciar a LLC do LLPC. Em outras palavras: a preferência pelo microambiente do gânglio não parece interferir no curso do LLPC ou da LLC.

A biologia das células-tronco hematopoéticas no que se refere à proliferação e diferenciação hierárquica vem sendo questionada.23 Há hipóteses, consubstanciadas, de que o paradigma do comissionamento e diferenciação irreversíveis pode estar equivocado e a célula-tronco, pelo menos até certo ponto, pode sofrer "desdiferenciação".24 O mesmo foi descrito na linhagem linfóide: linfócitos B que perdem a expressão do Pax5 perdem a fidelidade à linhagem B voltando a apresentar capacidade de se diferenciar em macrófagos e linfócitos T.25 Evidências de "desdiferenciação" têm sido também observadas em plasmócitos malignos.26

Talvez, além das alterações genotípicas, o microambiente possa governar o trânsito, homing, ploriferação e diferenciação da célula, ou a desdiferenciação. Talvez linfócitos maduros como os observados na LLC/LLDPC sejam capazes de voltar de ambiente que favorece a hipermutação, ficando definitivamente mutados, mas ainda capazes de transitar. De qualquer modo, neste momento não é possivel saber se a célula da LLC e a do LLPC são a mesma célula que segue caminhos diferentes, ou células diferentes que seguem o mesmo caminho, ou, ainda, parece que na hematopoese não é possível saber se a célula é ela mesma. Em outras palavras, parece que o linfócito da LLC/LLPC é "um camaleão vulgaris no jardim das umbelíferas".

  • 1. Brittinger G, Bartels H, Common H et al. Clinical and prognostic relevance of the Kiel classification of non-Hodgkin lymphomas results of a prospective multicenter study by the Kiel Lymphoma Study Group. Hematol Oncol 1984;2:269-306.
  • 2. Harris NL, Jaffe ES, Stein H et al. A Revised European-American classification of lymphoid neoplasms: A proposal from the International Lymphoma Study Group. Blood 1994;84:1.361-1.393.
  • 3. Harris NL, Jaffe ES, Diebold J et al. The World Health Organization classification of neoplastic diseases of the hematopoietic and lymphoid tissues. Report of the Clinical Advisory Committee meeting, Airlie House, Virginia, November, 1997. Ann Oncol 1999;10:1.419-32.
  • 4. Jaffe ES, Pittaluga S. The pathology basis for the classification of non-Hodgkin’s lymphomas. In Hematology: Basic principles and Practice ed. Hoffman R, Benz EJ, Shattil SJ, Furie B, Cohen HJ, Silberstein LE and MacGlave. 2005 pp 1.379-1.396.
  • 5. Tsimberidou AM, Keating MJ, McLaughlin P et al. Comparison of small lymphocytic lymphoma with chronic lymphocytic leukemia. The M.D. Anderson Cancer Center experience. ASH 2005 (comunicação pessoal).
  • 6. Pangalis G, Nathwani B, Rappaport H. Malignant lymphoma, weel differentiated lymphocytic: its relationship with chronic lymphocytic leukemia and macroglobulinemia de Waldenström. Cancer 1977;39: 999-1.010.
  • 7. Batata A, Shen B. Relationship between chronic lymphocytic leukemia and small lymphocytic lymphoma. A comparative study of membrane phenotypes in 270 cases. Cancer 1992;70:625-32.
  • 8. Baldini L, Cro L, Calori R et al. Differential expression of very late activation antigen-3 (VLA-3)/VLA-4 in B-cell non-Hodgkin lymphoma and B-cell chronic lymphocytic leukemia. Blood 1992; 79:2.688-93.
  • 9. Angelopoulous MK, Kontopidous FN, Pangalis GA. Adhesion molecules in B-chronic lymphoproliferative disorders. Semin Hematol 1999; 36:178-97.
  • 10. Asplund SL, McKenna RW, Howard MS et al. Immunophenotype does not correlate with lymph node histology in chronic lymphocytic leukemia/small lymphocytic lymphoma. Am J Surg Pathol 2002; 26: 624-9.
  • 11. Dohner H, Stilgenbauer S, Benner A et al. Genomic aberrations and survival in chronic lymphocytic leukemia. N Engl J Med. 2000; 343:1.910-6.
  • 12. Krober A, Seiler T, Benner A et al. V(H) mutation status, CD38 expression level, genomic aberrations, and survival in chronic lymphocytic leukemia. Blood. 2002;100:1.410-6.
  • 13. Thieblemont C, Nasser V, Felman P et al. Small lymphocytic lymphoma, marginal zone B-cell lymphoma, and mantle cell lymphoma exhibit distinct gene-expression profiles allowing molecular diagnosis. Blood 2004; 103:2.727-37.
  • 14. Klein U, Tu Y, Stolovitzky GA et al. Gene expression profiling of B cell chronic lymphocytic leukemia reveals a homogeneous phenotype related to memory B cells. J Exp Med 2001;194:1.625-38.
  • 15. Hamblin TJ, Davis Z, Gardiner A et al. Unmutated Ig V(H) genes are associated with a more aggressive form of chronic lymphocytic leukemia. Blood 1999;94:1.848-54.
  • 16. Bahler DW, Aguilera NS, Chen CC et al. Histological and immunoglobulin VH gene analysis of interfollicular small lymphocytic lymphoma provides evidence for two types. Am J Pathol 2000;157:1.063-70.
  • 17. Klein U, Tu Y, Stolovitzky GA et al. Gene expression profiling of B cell chronic lymphocytic leukemia reveals a homogeneous phenotype related to memory B cells. J Exp Med 2001;194:1.625-38.
  • 18. Calin GA, Liu CG, Sevignani C et al. MicroRNA profiling reveals distinct signatures in B cell chronic lymphocytic leukemias. Proc Natl Acad Sci USA 2004;101(32):11.755-60.
  • 19. Chen L, Widhopf G, Huynh L et al. Expression of ZAP-70 is associated with increased B-cell receptor signaling in chronic lymphocytic leukemia. Blood 2002;100:4.609-14.
  • 20. Baseggio L, Gazzo S, Callet-Bauchu E et al. An unusual case of indolent B-cell lymphoma with distinct chronic lymphocytic leukemia and marginal zone differentiation according to the site of involvement. Leuk Lymphoma 2005;46:1.369-74.
  • 21. Burger JA, Kipps TJ. Chemokine receptors and stromal cells in the homing and homeostasis of chronic lymphocytic leukemia B cells. Leuk Lymphoma 2002;43:461-6.
  • 22. Kuppers H. Prognosis in follicular lymphoma-it’s in the microenvironment. N Engl J Med 2004;351:2.152-3.
  • 23. Quesenberry P, Colvin G, Lambert JF. The chiaroscuro stem cell: a unified stem cell theory. Blood 2002;100:4.266-71.
  • 24. Cerny J, Quesenberry PJ. Chromatin remodeling and stem cell theory of relativity. J Cell Physiol 2004;201:1-16.
  • 25. Mikkola I, Heavey B, Horcher M, Busslinger M. Reversion of B cell commitment upon loss of Pax5 expression. Science 2002;297:110-3.
  • 26. Staudt LM. Cancer: negative feedback for B cells. Nature 2004; 21; 431(7011):919-20.
  • Correspondência para:
    Lucia M. R. Silla
    Rua Ramiro Barcellos, 2.350 sala 2235 – Rio Branco
    Hospital de Clínicas de Porto Alegre
    90035-003 – Porto Alegre-RS
    Tel.: (51) 316-8000 / 311-7461 – Fax.: (51) 316-8317
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org