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Transformação da LLC-B: síndrome de Richter

Transformation of the CLL-B: Richter’s syndrome

Resumos

A síndrome de Richter é caracterizada pela transformação da leucemia linfóide crônica (LLC) para o linfoma não-Hodgkin de alto grau de malignidade, leucemia pró-linfocítica, doença de Hodgkin, mieloma múltiplo ou leucemia linfoblástica. A transformação de Richter ocorre em 2%-6% dos casos de LLC, mas a incidência pode ser maior, se nova biópsia de linfonodo for realizada no paciente com alterações clínicas, mas com leucemia previamente controlada. A despeito do tratamento agressivo, a duração da sobrevida mediana varia de 5 a 8 meses. Logo, novas estratégias visando ao tratamento curativo são necessárias.

Leucemia linfóide crônica; LLC; síndrome de Richter


Richter’s Syndrome denotes the leukemic evolution to high-grade non-Hodgkin’s lymphoma, prolymphocytic leukemia, Hodgkin’s disease, multiple myeloma or acute lymphoblastic leukemia in patients with chronic lymphocytic leukemia (CLL). Richter’s syndrome occurs in 2% to 6% of all cases of CLL, but the incidence may be higher if lymph node biopsies are performed when systemic symptoms develop in patients with previously well-controlled leukemia. Current treatments are aggressive, but prognosis is poor, and the median survival ranges from five months to eight months. Thus, novel curative treatment strategies are needed.

Chronic lymphocytic leukemia; CLL; Richter’s syndrome


ARTIGO ARTICLE

Transformação da LLC-b – síndrome de Richter

Transformation of the Cll-b – Richter’s syndrome

Jane A. Dobbin

Médica hematologista. Chefe do Serviço de Hematologia do Instituto Nacional de Câncer (INCA) / Ministério da Saúde

Endereço de correspondência Correspondência para: Jane de Almeida Dobbin Instituto Nacional de Câncer Praça Cruz Vermelha, 23 – 8º Andar 20230-130 – Rio de Janeiro - RJ E-mail: jdobbin @inca.gov.br

RESUMO

A síndrome de Richter é caracterizada pela transformação da leucemia linfóide crônica (LLC) para o linfoma não-Hodgkin de alto grau de malignidade, leucemia pró-linfocítica, doença de Hodgkin, mieloma múltiplo ou leucemia linfoblástica. A transformação de Richter ocorre em 2%-6% dos casos de LLC, mas a incidência pode ser maior, se nova biópsia de linfonodo for realizada no paciente com alterações clínicas, mas com leucemia previamente controlada. A despeito do tratamento agressivo, a duração da sobrevida mediana varia de 5 a 8 meses. Logo, novas estratégias visando ao tratamento curativo são necessárias.

Palavras-chave: Leucemia linfóide crônica; LLC; síndrome de Richter.

ABSTRACT

Richter’s Syndrome denotes the leukemic evolution to high-grade non-Hodgkin’s lymphoma, prolymphocytic leukemia, Hodgkin’s disease, multiple myeloma or acute lymphoblastic leukemia in patients with chronic lymphocytic leukemia (CLL). Richter’s syndrome occurs in 2% to 6% of all cases of CLL, but the incidence may be higher if lymph node biopsies are performed when systemic symptoms develop in patients with previously well-controlled leukemia. Current treatments are aggressive, but prognosis is poor, and the median survival ranges from five months to eight months. Thus, novel curative treatment strategies are needed.

Key words: Chronic lymphocytic leukemia; CLL; Richter’s syndrome.

Introdução

Classicamente, a síndrome de Richter (SR) é a transformação da leucemia linfóide crônica (LLC) em linfoma não-Hodgkin difuso de grandes células (LDGC).1 Embora essa definição estivesse inicialmente restrita ao LDGC, os relatos de neoplasias linfóides secundárias à LLC vêm se expandindo nos últimos anos, com a inclusão da leucemia pró-linfocítica (LPL), a doença de Hodgkin (DH), o mieloma múltiplo (MM) e a leucemia linfoblástica (LLA).2

A ocorrência da SR é rara, correspondendo a 2%-6% dos casos de LLC, mas pode ser maior se biópsias linfonodais forem procedidas em pacientes com diagnóstico firmado de LLC, mas que apresentam alterações do quadro clínico após estar a leucemia controlada.1,2,3

Os aspectos acima apontados remetem à necessidade de melhor se estudar essa síndrome, bem como estabelecer tratamentos mais efetivos, visto que os atualmente em uso, além de agressivos, resultam em sobrevida mediana de 5-8 meses.1,2

O objetivo do presente trabalho é revisar as características clínicas, patológicas e terapêuticas da síndrome de Richter, para concluir sobre os caminhos que podem ser seguidos do ponto de vista do seu diagnóstico e tratamento.

Aspectos clínicos e laboratoriais

A SR é caracterizada pela presença de febre, perda de peso, aumento rápido e assimétrico dos linfonodos, súbita deterioração clínica, aumento da atividade da desidrogenase lática sérica e uma sobrevida mediana global de cinco meses após a transformação da LLC.1 A transformação pode resultar em diversas variantes da síndrome de Richter – linfomatosas, leucêmicas ou mielomatosa – cujas freqüências relativas estão dispostas na Tabela 1.

Transformação para LDGC

Enquanto a variante LDGC representa 65%-70% dos casos de síndrome de Richter, a transformação “imunoblástica” é reconhecida na LLC e ocorre em 3%-5% dos casos desta doença. Em raras apresentações, a transformação se dá na medula óssea e dificilmente as células transformadas são visualizadas no sangue periférico. Quando vistas, a sua morfologia é semelhante à morfologia da leucemia aguda, com blastos grandes expressando imuno­globulina de superfície de membrana (SmIg) e alguns marcadores da LLC. A SR é muitas vezes associada à presença de proteínas monoclonais no soro ou de cadeias leves na urina.3 Estudos do rearranjo dos genes da região variável da molécula de imunoglobulina são úteis para demonstrar se os novos clones se originam do mesmo clone (verdadeira transformação) das células da LLC-B preexistente ou se este é um novo clone maligno.3 A desidrogenase lática sérica (DHL) está elevada em 80% dos casos e a hipercalcemia, que é rara na LLC-B, pode ser um sinal da SR.2

Transformação para LPL

Nesse caso, que corresponde a 15%-20% dos casos de SR, a transformação ocorre em 2% a 5% dos pacientes e em média 24 a 36 meses após o diagnóstico da LLC. A sobrevida global é de 6-12 meses.2 O início geralmente é insidioso, ao contrário da transformação para o LDGC, com volumosa esplenomegalia e progressiva adenopatia. Pode haver anemia, trombo­citopenia e aumento dos pró-linfócitos em mais do que 30% das células leucêmicas, e esses pró-linfócitos tanto podem ser de origem B quanto de origem T. Os de células B perdem o marcador CD5 e expressam fortemente a SmIg e o CD20 (FMC7). A hipercalcemia não é um achado freqüente.1,2

Transformação para DH

A SR do tipo doença de Hodgkin ocorre em 1% dos pacientes com LLC e representa 15% de todos os casos de SR. Seu aparecimento se dá num tempo mediano de 44 meses após o diagnóstico de LLC, com sintomas B em mais da metade dos pacientes, doença avançada (estágios III e IV), esplenomegalia e anemia hemolítica auto-imune. A sobrevida mediana é de 13 meses a partir da transformação.2

Transformação para MM

Observado em menos de 1% de todos os casos de SR, pode se diferenciar do mieloma de novo por iniciar o quadro com sintomas sistêmicos (febre e perda de peso) e lesões extra-ósseas.2

Transformação para LLA

Também são raros os relatos, que somam menos de 1% dos casos de SR. Os pacientes evoluem com mau prognóstico e não há aspecto que diferencie a LLA secundária da LLA de novo.2

Patogênese

Citogenética

A trissomia 12 é uma anormalidade citogenética comumente observada na síndrome de Richter, tanto isoladamente quanto em combinação com outras anormalidades, que incluem alterações estruturais dos cromossomas 13q, 11q, 6q e 14q. A presença da trissomia 12 está fortemente relacionada com o número aumentado de pró-linfócitos e de linfócitos atípicos e com uma imunofenotipagem anormal que inclui a negatividade do CD5 e a forte expressão para o CD20 (FMC7) e para a SmIg. Os estudos sugerem que a trissomia 12 pode ser um marcador para a transformação da LLC em LPL.2

Imunossupressão

É sabido que o sistema imune do paciente com LLC é deficiente e que há um risco maior de uma segunda neoplasia maligna. Alguns relatos2 sugerem que a imu­nossupressão intensa provocada pela fludarabina, com redução do CD4, pode contribuir para induzir a SR. Keating e colaboradores4 relataram que, após três cursos de tratamento com a fludarabina, a subpopulação de linfócitos CD4 e CD8 reduziu para níveis de 150 - 200/µL no sangue periférico. Thorton et al5 relatam uma incidência de 12% de SR entre 101 pacientes tratados com protocolos que incluem a fludarabina.

p53

Dependendo do método laboratorial utilizado, mutações do gene supressor tumoral p53 podem ser detectadas em 10% a 17% dos pacientes com LLC e são relacionadas a resistência à terapia, ao estágio avançado da leucemia e à sobrevida curta dos doentes. Assim como a trissomia 12, esse gene mutado está também relacionado ao aumento do número de pró-linfócitos.2 A fludarabina, in vivo, tem o potencial de reduzir os subclones p53 mutantes que são resistentes aos outros quimioterápicos.6

c-myc

O proto-oncogene c-myc é encontrado nos tumores com alto índice mitótico. Embora pouco estudado para que possa ser incluído na patogênese da SR, há alguns relatos do aumento do número de cópias em uma transformação blastóide e nas células transformadas do LDGC.2

Vírus de Epstein-Barr

Nos pacientes com LLC, o vírus de Epstein-Barr (EBV) tem sido associado com a transformação para o LDGC e para a DH.3 Estudos de hibridização in situ e imunoistoquímica demonstram o EBV nas células de Reed-Sternberg e nas células tipo Reed-Sternberg, mas não nos linfócitos adjacentes.2 Thorton et al5 questionam se o efeito imunossupressor da fludarabina e similares pode levar o EBV a desencadear a transformação que leva à SR.

Tratamento

Tratamento da SR / LDGC

Os esquemas quimioterápicos mais freqüentes são aqueles que incluem antraciclina, como, por exemplo, o CHOP. A resposta, entretanto, é transitória e a sobrevida mediana, de cinco meses.1,2 Tentativas com MACOP-B, DHAP ou HyperCVAD não melhoraram o resultado e foram associadas a significativa mielossupressão e complicações infecciosas.2 Anticorpos monoclonais conjugados e não conjugados2 poderiam ser uma estratégia terapêutica, mas não há referências na literatura que justifiquem o seu uso. Rodrigues et al7 mostraram uma melhora da sobrevida livre de doença e da sobrevida global em três entre oito pacientes que se submeteram ao transplante de medula óssea alogênico não-mieloablativo.

Tratamento da SR / LPL

Tratamentos baseados em agentes alquilantes nas doses convencionais não tiveram bons resultados, proporcionando uma sobrevida global de seis a 12 meses. Esplenectomia não melhorou os resultados. Indaga-se se a associação com análogos da purina e o transplante de medula óssea mieloablativo e não mieloablativo poderiam melhorar a sobrevida global.2

Tratamento da SR / DH

A literatura é limitada quanto ao tratamento da SR manifesta por DH. Ao contrário da DH de novo, a manifestação da DH como SR foi mais resistente ao MOPP ou ao ABVD (associados ou não à radioterapia) e a sobrevida mediana foi de apenas 13 meses.2

Tratamento da SR / MM

Brouet observou que três de 11 pacientes apresentaram remissão prolongada entre três a sete anos com o tratamento convencional do MM.2

Tratamento da SR / LLA

A casuística na literatura é pequena quanto ao tratamento da SR manifesta como LLA, observando-se, entretanto, pouca tolerância hematológica à quimioterapia convencional, configurando com isso um prognóstico muito ruim a essa apresentação de SR.2

Conclusões

• A síndrome de Richter pode ser induzida por um processo viral ou por alterações genéticas.

• Os doentes têm sobrevida global curta, mesmo que tratados com quimioterapia intensiva.

• A sobrevida global depende da variante da síndrome de Richter e da resposta ao tratamento.

• São necessários estudos multicêntricos sobre outras modalidades de tratamento e por variante da síndrome de Richter.

  • 1. De Vita VT, Hellman S, Rosenberg AS. Cancer - Principles and Practice of Oncology. Philadelphia. Lippincott Williams & Wilkins, 2005, p. 2.898 (7th ed.)
  • 2. Seymour J, Campbell J. Richters Syndrome. In: Cheson BD. Chronic Lymphoid Leukemias. 2ª ed, Marcel Dekker, Inc. 2001, Chap. 21, p. 459-483.
  • 3. Catovsky D. Chronic lymphocytic leukaemia and other B-cell disorders. In: Hoffbrand AV et al. Postgraduate Haematology. 5. ed, Blackwell Publishing 2005, Chap. 38, p. 619-643.
  • 4. Keating MJ, OBrien S, Lerner S et al. Long-term follow-up of patients with chronic lymphocytic leukemia (CLL) receiving fludarabine regimens as initial therapy. Blood 1998;92(4):1.165-1.171,
  • 5. Thorton PD, Bellos C, Santon A et al. Richters transformation of chronic lymphocytic leukemia. The possible role of fludarabine and the Epstein-Barr virus in its pathogenesis. Leukemia Research 2005;29:389-395.
  • 6. Rosenwal DA, Chuang EY, Davis RE et al. Fludarabine treatment of patients with chronic lymphocytic leukemia induces a p53-dependent gene expression response. Blood 2004;104(5):1.428-1.434.
  • 7. Rodriguez J, Keating MJ, OBrien S et al. Allogeneic haematopoietic transplantation for Richters Syndrome. Br J Haematol 2000;110 (4): 897-9.
  • Correspondência para:
    Jane de Almeida Dobbin
    Instituto Nacional de Câncer
    Praça Cruz Vermelha, 23 – 8º Andar
    20230-130 – Rio de Janeiro - RJ
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
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