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Virus SEN: epidemiologia e sua relação com doenças hepáticas

SEN virus: epidemiology and its relation to liver disease

Resumos

Um vírus recentemente identificado e denominado como vírus SEN (SENV) tem sido considerado como um possível agente causador das hepatites não A-E. Trata-se de um DNA vírus de cadeia única, não-envelopado, pertencente à superfamília Circoviridae, com prevalência bastante variável em indivíduos saudáveis. Embora sua principal via de transmissão parece ser a parenteral, outras formas de transmissão não podem ser excluídas. Apesar da prevalência da infecção pelo SENV ser mais freqüente em pacientes com doenças hepáticas do que na população geral, não existem evidências comprovando que a infecção isolada por este vírus cause hepatite aguda ou que a co-infecção com os vírus das hepatites A, B ou C piore o curso da doença hepática. Em indivíduos com doença hepática preexistente não foram observadas diferenças estatisticamente significantes nos níveis de alanina aminotransferase (ALT) e nos achados histológicos hepáticos quando comparados os pacientes com e sem a infecção associada pelo vírus SEN. Diferente das infecções crônicas causadas pelos vírus B e C, a infecção pelo SENV não tem sido considerada como um fator de risco para o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular. Finalmente, apesar da maior prevalência da infecção pelo vírus SEN em pacientes transfundidos, não existe evidência clara da relação causal entre este agente infeccioso e a hepatite pós-transfusional não A-E. Novos estudos são necessários para se definir a patogênese e a importãncia clínica da infecção pelo vírus SEN.

SENV; Circoviridae; hepatite não A-E; hepatite pós-tranfusional


SENV, a new, recently-identified human virus, has been considered a possible causative agent of non-A to E hepatitis. It is a single stranded, non-enveloped DNA virus classified within the Circoviridae family. Prevalence in different populations shows great variability with differences between countries and ethnic groups. Although parenteral route is an efficient way for virus transmission, other routes of transmission cannot be excluded. The effect of SENV on acute and chronic liver diseases has been studied. In spite of the fact that the prevalence of SENV is higher among patients with hepatic disorders, there is no evidence that SENV infection is able to cause acute hepatitis or to change the clinical course of hepatitis A, B or C. There is also no evidence that alanine aminotransferase (ALT) is higher or that the histological parameters are worse in patients with hepatic disorders co-infected with SENV as compared to patients without co-infections. Unlike chronic hepatitis B Virus or Hepatitis C Virus infection, SENV infection has not been considered a risk factor for developing hepatocellular carcinoma. Finally, although it is clear that the prevalence of SENV is higher in blood transfusion recipients, there is no clear evidence that this virus is the causative agent of post-transfusion hepatitis. Further studies are needed to define the clinical importance of SENV infection.

SENV; Circoviridae; non-A to E hepatitis; post-transfusion hepatitis


TENDÊNCIAS TRENDS

Virus SEN: epidemiologia e sua relação com doenças hepáticas

SEN virus: epidemiology and its relation to liver disease

Rogério FailaceI; Ester C. SabinoII; Alfredo Mendrone JuniorIII

IMédico da Divisão de Medicina Transfusional da Fundação Pró-Sangue / Hemocentro de São Paulo

IIMédica responsável pelo Laboratório de Biologia Molecular da Divisão de Sorologia da Fundação Pró-Sangue/ Hemocentro de São Paulo

IIIMédico coordenador da Divisão de Medicina Transfusional e da Divisão de Criopreservação Celular da Fundação Pró-Sangue/ Hemocentro de São Paulo. Professor colaborador da disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Correspondência para: Alfredo Mendrone Junior Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 155 — Cerqueira César 05403-000 — São Paulo-SP Tel / Fax: (11) 3061-5544 ramal 358 E-mail: alfredo.mendrone@prosangue.sp.gov.br

RESUMO

Um vírus recentemente identificado e denominado como vírus SEN (SENV) tem sido considerado como um possível agente causador das hepatites não A-E. Trata-se de um DNA vírus de cadeia única, não-envelopado, pertencente à superfamília Circoviridae, com prevalência bastante variável em indivíduos saudáveis. Embora sua principal via de transmissão parece ser a parenteral, outras formas de transmissão não podem ser excluídas. Apesar da prevalência da infecção pelo SENV ser mais freqüente em pacientes com doenças hepáticas do que na população geral, não existem evidências comprovando que a infecção isolada por este vírus cause hepatite aguda ou que a co-infecção com os vírus das hepatites A, B ou C piore o curso da doença hepática. Em indivíduos com doença hepática preexistente não foram observadas diferenças estatisticamente significantes nos níveis de alanina aminotransferase (ALT) e nos achados histológicos hepáticos quando comparados os pacientes com e sem a infecção associada pelo vírus SEN. Diferente das infecções crônicas causadas pelos vírus B e C, a infecção pelo SENV não tem sido considerada como um fator de risco para o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular. Finalmente, apesar da maior prevalência da infecção pelo vírus SEN em pacientes transfundidos, não existe evidência clara da relação causal entre este agente infeccioso e a hepatite pós-transfusional não A-E. Novos estudos são necessários para se definir a patogênese e a importãncia clínica da infecção pelo vírus SEN.

Palavras-chave: SENV; Circoviridae; hepatite não A-E; hepatite pós-tranfusional.

ABSTRACT

SENV, a new, recently-identified human virus, has been considered a possible causative agent of non-A to E hepatitis. It is a single stranded, non-enveloped DNA virus classified within the Circoviridae family. Prevalence in different populations shows great variability with differences between countries and ethnic groups. Although parenteral route is an efficient way for virus transmission, other routes of transmission cannot be excluded. The effect of SENV on acute and chronic liver diseases has been studied. In spite of the fact that the prevalence of SENV is higher among patients with hepatic disorders, there is no evidence that SENV infection is able to cause acute hepatitis or to change the clinical course of hepatitis A, B or C. There is also no evidence that alanine aminotransferase (ALT) is higher or that the histological parameters are worse in patients with hepatic disorders co-infected with SENV as compared to patients without co-infections. Unlike chronic hepatitis B Virus or Hepatitis C Virus infection, SENV infection has not been considered a risk factor for developing hepatocellular carcinoma. Finally, although it is clear that the prevalence of SENV is higher in blood transfusion recipients, there is no clear evidence that this virus is the causative agent of post-transfusion hepatitis. Further studies are needed to define the clinical importance of SENV infection.

Key words: SENV; Circoviridae; non-A to E hepatitis; post-transfusion hepatitis.

Introdução

Mesmo após a descoberta do vírus da hepatite C (HCV) em 19891 e os recentes avanços nas técnicas de biologia molecular para detecção de agentes patogênicos hepato-tróficos, aproximadamente 10% dos casos de hepatites agudas relacionadas com transfusão permaneceram sem etio-logia definida,2,8 sugerindo a existência de agentes adicionais envolvidos na etiologia destas hepatites denominadas não A - E.

Dois vírus, o GB tipo C,3 também conhecido como vírus G da hepatite (HGV),4 e o vírus TT (Transfusion-Transmitted Virus, ou TTV),5 isolados em 1995 e 1997, respectivamente, foram apontados como possíveis causadores de hepatites agudas pós-transfusionais. Quando estes vírus foram descobertos, a expectativa era que eles estivessem envolvidos na patogênese da grande maioria dos casos de hepatites não A-E.

O HGV é um RNA vírus, pertencente à família Flaviridae. Tem sido reportado em quase todo o mundo com prevalência variável em doadores de sangue de acordo com a população estudada. No Brasil, a prevalência do vírus HGV entre doadores de sangue varia de 7,1% a 8,3%.9,10 O vírus pode ser detectado no sangue por biologia molecular ou pela detecção de um anticorpo dirigido contra a proteína E2 do envelope viral (anticorpo anti-E2), o qual tem sido utilizado como um marcador de clareamento viral. Apesar das evidências apontarem a via parenteral como a melhor forma de transmissão deste vírus, um modo sexual de transmissão também deve ocorrer.11,12

Já o TTV é um DNA vírus de cadeia única, não envelopado, pertencente à família Circoviridae. Foi isolado no Japão a partir do soro de um paciente com hepatite não A-E cujo nome tinha as iniciais TT. Também tem distribuição mundial e a prevalência da infecção pelo TTV varia de acordo com a população estudada e com a seqüência iniciadora (primer) utilizada para a reação de polimerização em cadeia (PCR). No Brasil, a prevalência em doadores de sangue varia de 5,5% a 81%.13,14 Assim como o HGV, a via parenteral é a principal forma de transmissão embora outras vias de transmissão, como a sexual e a vertical, também devam ocorrer.15,16

Embora estes vírus tenham prevalência mais alta entre portadores de doenças hepáticas do que em doadores de sangue saudáveis, não foi possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre a infecção por estes vírus e o desenvolvimento de hepatite aguda ou crônica.6,7,8

Em 1999, pesquisadores italianos do Instituto de Biologia Molecular DiaSorin, ao estudarem possíveis etiologias virais em casos de hepatites pós-transfusionais não A-E, descobriram um novo vírus em um paciente usuário de drogas injetáveis e infectado pelo vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). O vírus foi denominado SEN (SENV), em função das iniciais do nome do paciente. A primeira notícia sobre a sua descoberta foi publicada no New York Times, em 1999, e a primeira publicação científica ocorreu em 2001.17 Apesar do SENV ter sido descoberto no campo da pesquisa de hepatites pós-transfusionais, ainda não há evidência de que este vírus cause hepatite nos indivíduos infectados ou que piore o curso de doença hepática pre-existente.

Assim como o vírus TT, o vírus SEN pertence à família Circoviridae.18 Trata-se de um vírus DNA de fita única, não envelopado, com aproximadamente 3.800 nucleotídeos. Embora seja um vírus DNA, apresenta uma taxa de mutação próxima à do vírus RNA.30 A análise filogenética do SENV revelou a existência de oito cepas diferentes, denomi nadas de A a H,18 sendo que apenas duas delas, a D e a H, foram associadas à possível ocorrência de hepatites pós-transfusionais não A-E.19 O SENV tem sido detectado por PCR, cuja sensibilidade depende da seqüência iniciadora (primer) utilizada para a reação.18

Epidemiologia

A prevalência do SENV entre indivíduos previamente saudáveis, incluindo doadores de sangue, varia consideravelmente conforme a distribuição geográfica da população estudada, tendo sido relatada como sendo 1,8% nos EUA,19 de 10% a 20% no Japão,20 de 15% a 51% em Taiwan,21,40 5% na Tailândia,22 de 8% a 17% na Alemanha,23 24% na Grécia24 e pelo menos 13% na Itália.25 A prevalência das infecções pelas cepas D e H também é variável de acordo com a distribuição geográfica. A cepa D é mais prevalente no Japão,20 enquanto a cepa H é mais prevalente nos EUA19 e em Taiwan.21 A co-infecção por ambas as cepas não é rara.19,20,21,40 Não há relatos na literatura sobre a prevalência da infecção pelo vírus SEN no Brasil.

Embora a principal forma de disseminação do SENV ainda seja questionável,23 existem muitas evidências a respeito da transmissão parenteral do vírus, especialmente em decorrência da transfusão de hemocomponentes. Um estudo realizado conjuntamente pelo Departamento de Medicina Transfusional do NIH (National Institute of Health), nos EUA, e pelo Instituto de Pesquisas Biomoleculares DiaSorin, da Itália, revelou que a incidência de infecção recém-adquirida pelo SENV (cepas D e/ou H) após transfusão foi de 30% (86 de 286) comparado com apenas 3% (3 de 97) dos pacientes não transfundidos (p<0,001) (Tabela 1) e que o volume transfundido influenciou na taxa de infecção, com aumento de até 45% naqueles pacientes que receberam 13 ou mais unidades de hemocomponentes (p<0,001).19 Neste mesmo estudo, entre os pacientes com hepatite não A-E associada à transfusão, 11 de 12 (92%) foram infectados pelo SENV após a transfusão, comparados com 55 de 225 pacientes (24%) que foram transfundidos, mas que não desenvolveram hepatite pós transfusional (p<0,001).

Também a favor da transmissão parenteral do SENV está o achado de que indivíduos que apresentam risco elevado para adquirir doenças transmissíveis pelo sangue têm maior prevalência de infecção pelo SENV. A prevalência em pacientes submetidos a hemodiálise variou entre 13% e 68%21,23,26 e entre usuários de drogas injetáveis de 23% a 54%.21,23,27 Infecção concomitante pelo SENV e HIV variou de 44% a 54%23,27 e foi maior entre os pacientes que se infectaram com o vírus HIV através do uso de drogas injetáveis (71%) do que entre aqueles que se contaminaram através de relação sexual (26%).25 Entre hemofílicos, a pre-valência do SENV foi estimada entre 42% e 68%.21,23 Apesar do pouco conhecimento a respeito do efeito sobre o SENV dos procedimentos de inativação viral aplicados durante o processo de fabricação de hemoderivados, é provável que este vírus seja resistente à maioria deles, uma vez que se trata de um vírus não envelopado. Finalmente, a transmissão transfusional do SENV é fortemente apoiada pela detecção de homologia superior a 99% entre o vírus isolado em amostras de sangue dos pacientes infectados após a transfusão e dos seus respectivos doadores.28

Apesar destas evidências a favor da via parenteral como a principal rota de transmissão do SENV, outras formas de transmissão não podem ser excluídas. Da mesma forma como ocorre com o HBV, a transmissão do SENV da mãe para o filho também foi descrita. Entretanto, ainda não foi possível precisar se esta transmissão ocorre antes, durante ou após o parto. Em um estudo publicado em 2002, o SENV foi detectado em 10 de 15 crianças filhas de mães infectadas e em apenas 3 crianças filhas de mães não-infectadas.29 Nestas 13 crianças infectadas, apenas uma teve o vírus detectado logo após o parto. Nas outras 12, a detecção ocorreu entre um e 16 meses após o nascimento.

Infecção pelo Senv e doenças hepáticas

Embora a infecção pelo SENV seja mais prevalente em pacientes portadores de doenças hepáticas quando comparados com a população geral, até o presente momento não existem evidências sólidas comprovando que a infecção por este vírus possa causar hepatite aguda ou agravar a evolução de uma hepatite preexistente, incluindo hepatites causadas pelos vírus A,13 B21,22,24 e C.21-24,27,31-33 Infecção pelo SENV foi relatada em 20% a 60% de pacientes infectados pelo vírus da hepatite B (HBV)20,21,22,24 e em 7% a 67% dos pacientes infectados pelo HCV.22,24,27,31 Vários estudos mostraram que, nestes pacientes, a co-infecção pelo SENV não causou diferenças significativas nos níveis de alanina amino-transferase (ALT), bilirrubinas ou nos achados histo-patológicos hepáticos.20,21,22,24,27,31 Serin41 investigou a prevalência do SENV em cem pacientes que tinham níveis altos de ALT e aspartato aminotransferase (AST), negativos para HBV DNA e HCV RNA e sem história de transfusão de sangue. Como grupo controle foram analisados cinqüenta indivíduos normais, com níveis normais de ALT e AST, também negativos para HBV DNA e HCV RNA e sem história transfusional. Os autores detectaram SENV DNA em 13 dos cem pacientes analisados (13%) e em cinco dos cinqüenta indivíduos do grupo controle (10%); ou seja, SENV foi detectado quase na mesma freqüência nos pacientes e no grupo controle. Além disso, SENV não parece ter contribuído para a patogênese da doença hepática nesta coorte. Os autores também concluíram que a transmissão do SENV não parece estar associada somente com a transfusão de sangue mas que outras formas de transmissão também devem estar envolvidas.

Em pacientes com hepatite C, o nível de ALT nos vinte indivíduos co-infectados pelo SENV foi de 604 U/L, comparado com 649 U/L em 29 indivíduos infectados exclusivamente pelo HCV, mostrando que a severidade da infecção pelo HCV não foi influenciada pela coexistência do SENV. Com relação à evolução para cronicidade da hepatite C (duração maior que um ano), também não houve diferença estatisticamente significante entre os pacientes co-infectados pelo SENV e os que não apresentavam a co-infecção.19 Em um estudo conduzido no Japão,20 a infecção pelo SENV foi investigada em pacientes com diferentes doenças hepáticas agudas e crônicas e em doadores de sangue sadios (Tabela 2).

Nesta análise, o SENV foi identificado em 32% dos pacientes com hepatite fulminante, em 17% dos pacientes com hepatite aguda, em 27% dos pacientes com hepatite crônica, em 31% dos pacientes com cirrose hepática, em 33% dos pacientes com hepatite auto-imune, em 46% dos pacientes com cirrose biliar primária e em 10% dos doadores de sangue. De acordo com este estudo, a infecção pelo SENV foi significativamente mais freqüente (p<0,0001) nos pacientes com doença hepática do que na população dos doadores de sangue; entretanto, não houve diferença significante na prevalência entre os pacientes com hepatite aguda não A-E e os pacientes com hepatite aguda ou crônica por um vírus conhecido ou doença hepática não viral. Os autores concluíram que os resultados não sugerem que o SENV seja um possível agente causal de hepatite não A-E.

Com relação ao possível potencial carcinogênico do SENV, em um estudo realizado na Tailândia, em 2003,36 a presença do HBV, do HCV e do SENV foi pesquisada em 86 pacientes com carcinoma hepatocelular. Os resultados sugeriram que, diferentemente das infecções pelo HBV e HCV, a infecção isolada pelo SENV não desempenha papel relevante na hepatocarcinogênese. Mais ainda, a co-infecção pelo SENV não parece aumentar o risco de desenvolvimento de carcinoma hepatocelular em pacientes cronicamente infectados pelo HBV e pelo HCV.

A prevalência do SENV (cepas D e H) em pacientes com hepatopatia crônica e pacientes com carcinoma hepatocelular (CHC) hepático foi comparada com a pre-valência entre doadores de sangue em um estudo realizado na Tailândia em 2003.22 Neste mesmo estudo foram também avaliados o impacto da infecção pelo SENV na evolução clínica e laboratorial das hepatopatias crônicas e no prognóstico do CHC. O SENV foi detectado em 5 de 100 doadores de sangue (5%), em 15 de 60 pacientes com hepatopatia crônica (25%) e em 25 de 60 pacientes com CHC (42%). A prevalência do SENV em pacientes com CHC foi maior do que entre pacientes com hepatopatia crônica (p=0.05) e entre doadores de sangue (p<0.001). Não houve diferenças entre pacientes SENV positivos e SENV negativos no que diz respeito a dados demográficos, presumível fonte de infecção, alterações bioquímicas e severidade da hepatopatia crônica e do CHC. Os dados obtidos sugerem que a infecção pelo SENV é freqüente em pacientes com hepatopatia crônica e em pacientes com carcinoma hepatocelular; entretanto, possíveis efeitos patogênicos associados ao SENV nas hepatopatias crônicas e no CHC não puderam ser estabelecidos. Moryama37 comparou os achados histopatológicos do fígado em pacientes com hepatite crônica causada pelo vírus C co-infectados e não co-infectados pelo vírus SEN para determinar as características clínicas e histológicas da infecção pelo SENV. Os autores concluíram que a infecção pelo SENV influenciou nos achados patológicos no fígado mas que a probabilidade cumulativa de desenvolvimento de CHC de fígado e a sobrevida global não foram diferentes entre os pacientes SENV DNA positivos e negativos. Em outro estudo recentemente publicado, Momosaki et al38 determinaram a prevalência do SENV em cinqüenta pacientes com CHC hepático, incluindo pacientes que não pareciam estar infectados pelos vírus B e C da hepatite. Os autores encontraram infecção isolada pelo SENV em apenas um paciente com CHC e concluíram que este vírus não parece ser um fator causal para os casos de CHC critogênicos.

Co-infecção pelo Senv e vírus Hiv

Alguns autores têm especulado se a co-infecção pelo vírus SEN em pacientes infectados pelo vírus HIV pode influenciar na evolução e na sobrevida destes pacientes e se existem fatores relacionados com a infecção pelo vírus HIV que podem influenciar na prevalência da infecção pelo SENV. Em um estudo realizado na Universidade de Dusseldorf, 217 pacientes HIV positivos foram analisados com o objetivo de avaliar o efeito da co-infecção pelo SENV-D e SENV-H na sobrevida e determinar a prevalência do SENV nestes pacientes, comparando com a prevalência em 112 doadores de sangue normais.39 A prevalência do SENV foi maior nos pacientes HIV positivos (56/217 e 12/112, respectivamente; p < 0,001), e uma influência negativa na evolução foi observada quando a carga viral do SENV-H DNA era maior do que 530 cópias/mL. Uma análise de regressão multi-variada, incluindo contagem de linfócitos CD4 positivos, idade, sexo, número de cópias de HIV-RNA, terapia anti-retroviral e infecção concomitante pelo vírus C da hepatite, revelou que nível alto de SENV-H DNA foi um fator de risco independente e indicador de mau prognóstico em pacientes HIV positivos. Um outro estudo42 realizado pelos mesmos autores revelou que a prevalência do SENV foi maior em pacientes com número de células CD4 menor do que 200/mm3 (13/42; 31%) quando comparado aos pacientes com CD4 entre 200 e 500/mm3 (8/65; 12,3%) e acima de 500/mm3 (2,4%) e em pacientes com HIV-RNA detec-tável (p=0,005). A análise multivariada utilizando modelo de regressão logística identificou que a positividade para HIV-RNA e a contagem de linfócitos CD4 foram fatores independentes que influenciaram positivamente na prevalência de SENV. Os autores concluíram que a prevalência do SENV em indivíduos infectados pelo HIV depende de fatores que refletem o status imune atual do paciente como carga viral e contagem de células CD4 positivas.

Conclusão

Apesar de inequívoca a transmissão do SENV através da transfusão de sangue e da maior prevalência da infeccção por este vírus em pacientes com hepatite não A-E pós-transfusional quando comparados com controles sadios, nenhum estudo estabeleceu que o SENV possa ser um agente causal de hepatite pós-transfusional, que a sua presença agrave a evolução de uma doença hepática preexistente ou que o vírus tenha potencial carcinogênico hepático. A grande maioria dos pacientes com infecção isolada pelo SENV não desenvolveu hepatite aguda ou crônica ou carcinoma hepato-celular. Mais estudos são necessários para que se possa definir a patogênese e a importância clínica da infecção pelo vírus SEN.

Recebido: 26/12/2005

Aceito após modificações: 14/02/2006

Avaliação: Editor e dois revisores externos.

Conflito de interesse: não declarado

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Recebido
      26 Dez 2005
    • Aceito
      14 Fev 2006
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