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Anticorpo monoclonal anti-fator VIII

Monoclonal antibody anti-factor VIII

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Anticorpo monoclonal anti-fator VIII

Monoclonal antibody anti-factor VIII

Eurípides Ferreira

Professor adjunto de Hematologia e Oncologia Clínica, Faculdade de Medicina da UFPR; Professor adjunto de Imunologia – Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Médico hematologista do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo

Correspondência Correspondência: Avenida Albert Einstein 627 – Morumbi 05651-901 – S.Paulo-SP E-mail: euripf@einstein.br

A existência de uma coagulopatia de caráter hereditário foi reconhecida pelo Rabino Simon Bem Gamaliel, em torno do século III, e no século XII pelos escritos de Maimondes, entre os judeus, e de Albucassis, entre os árabes.

A hemofilia foi claramente descrita por Otto em 1803 e coube a Nasse, em 1820, formular as leis de sua transmissão hereditária, e a Hopff, em 1828, e Schönlein, em 1939, cunharem o termo hemofilia, significando amor ao sangue.

A relevância histórica de hemofilia decorre dos acometimentos dos descendentes da rainha Vitória da Inglaterra, difundindo a doença às diferentes casas reais da Europa, com maior notoriedade para o caso do filho do Tzar Nicolau II e pela influência do monge Rasputin, com seus alegados poderes paranormais.

Várias tentativas terapêuticas foram feitas no decorrer dos séculos, que incluíram o emprego de "substâncias ovarianas, bioflavanóides, extratos de amendoim, citrato de sódio, lactados, irradiação e transplante esplênico". Adquiriu um caráter mais científico com as observações de MacFarlane, em 1934, que descobriu que venenos de cobra eram capazes de coagular o sangue, particularmente em pacientes com sangramento após extração dentária.

Em 1936, o plasma humano congelado foi utilizado pela primeira vez; em 1937, Patek e Taylor observaram que o precipitado do plasma tinha atividade coagulante e cunharam o termo globulina anti-hemofílica. Em 1940, Samuel Lange utilizou sangue fresco em pós-operatório.

Ainda no início da década de 1940, Edwin Cohn realizou o fracionamento do sangue e observou que a fração denominada Cohn I tinha atividade anti-hemofílica.

No início dos anos 50, o plasma bovino e suíno foi utilizado e logo abandonado em decorrência de fenômenos anafiláticos. Em 1957-58, os primeiros preparados do fator VIII humano foram disponíveis, e a Dra. Nilsson, na Suécia, iniciou o primeiro programa de tratamento profilático da hemofilia. Entretanto, somente em 1964, Judith Pool padronizou a obtenção do crio precipitado, posteriormente liofilizado, em 1968, provocando uma revolução no manejo e na qualidade de vida do paciente hemofílico.

Infelizmente, a obtenção de criopreciptado de um grande "pool" de doadores levou à calamitosa contaminação de grande parte dos hemofílicos pelo HIV e HCV, dizimando, segundo experiência própria, aproximadamente 50% dos hemofílicos de Curitiba. Rigorosa metodologia para eliminar os riscos de infecção viral, seja através da pasteurização ou pelo uso de detergentes, permitiram obter fator VIII mais seguro. A busca para obtenção do fator VIII altamente purificado e com maior especificidade foi contemplada, após a identificação do gene hemofílico, em 1984, e com a transfecção do seu DNA em células ovarianas de hamsters chineses, resultou no fator VIII recombinante, de uso clínico corrente.

Outra abordagem na obtenção de fator VIII altamente purificado é através do uso de anticorpos monoclonais obtidos em camundongos e utilizados em colunas de imuno­afinidade. Esta abordagem foi o escopo do substancial e relevante trabalho da Rossi-Ferreira R e colaboradores, desenvolvido com alto rigor cientifico no hemocentro de Botucatu e que é apresentado nesta edição.

Ambos os produtos são altamente específicos – acima de 3000 UI/mg de atividade específica – com igual papel nos protocolos de imunotolerância, porém o uso do fator recombinante induz maior incidência de inibidores (15% a 30%) em comparação com o fator VIII altamente purificado e oriundo do plasma. A pasteurização do fator obtido por coluna de imunoafinidade mostrou-se eficaz na prevenção de infecções virais. Outra desvantagem do fator VIII recombinante é o alto custo.

Finalmente, com o claro domínio da tecnologia de produção de anticorpos monoclonais anti-fator VIII e sua eficácia na produção altamente purificada desse fator, conclamamos as autoridades competentes a organizar a sua produção em escala industrial e estimular a independência do País para esse hemoderivado.

Referências Bibliográficas

1. Goudemand J, Rothschild C, Demiguel V, Vinciguerrat C, Lambert T, Chambost H, et al. FVIII-LFB and recombinant FVIII Study Groups Influence of the type of factor VIII concentrate on the incidence of factor VIII inhibitors in previously untreated patients with severe hemophilia A. Blood 2006;107(1):46-51.

2. Hoffman R et al. Hematology – Basic principles and practice. 4th ed. 2005, Elsevier.

3. Philipp CS. Monoclate-P Study Group Viral safety of a pasteurized, monoclonal antibody-purified factor VIII concentrate in previously untreated haemophilia A patients. Haemophilia 2001;7(2):146-53.

4. Purohit VS, Middaugh CR, Balasubramanian SV. Influence of aggregation on immunogenicity of recombinant human factor VIII in hemophilia A mice. J Pharm Sci 2006;95(2):358-71.

5. Wintrobe MM. Clinical Hematology – 7th edition. 1974, Lea & Febiger.

Recebido: 12/05/2006

Aceito: 24/05/2006

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

Conflito de interesse: não declarado

  • Correspondência:

    Avenida Albert Einstein 627 – Morumbi 05651-901 – S.Paulo-SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Jan 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2006
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