Acessibilidade / Reportar erro

Testes laboratoriais para avaliação do componente monoclonal

Laboratory tests for evaluating the M-component

Resumos

As gamopatias monoclonais resultam de hiperprodução de um único clone anormal de células plasmocitárias ou linfócitos B. O objetivo da avaliação laboratorial nas gamopatias é demonstrar a presença, a quantidade e o tipo de proteína anormal presente no soro e/ou na urina através do estudo do perfil protéico, quantificação das imunoglobulinas e cadeias leves e avaliação da proteinúria. Este artigo descreve as principais técnicas laboratoriais disponíveis, bem como suas indicações e limitações.

Gamopatia monoclonal; eletroforese; imunofixação; imunoglobulinas; relação kappa/lambda


Monoclonal gammopathies result from an overproduction of a single abnormal clone of a plasma cell or B lymphocyte. The purpose of the laboratory protocols in these situations is to demonstrate the presence, the characterization and the concentration of an abnormal protein detected in serum and/or urine samples. The laboratory investigation is based on the electrophoretic protein profile, quantification of immunoglobulins, free light chains and proteinuria. This paper describes the major available laboratory methods as well their indications and limitations.

Monoclonal gammopathies; electrophoresis; immunofixation; immunoglobulin; kappa/lambda ratio


ARTIGO ARTICLE

Testes laboratoriais para avaliação do componente monoclonal

Laboratory tests for evaluating the M-component

Paula Virginia Bottini

Médica patologista clínica, supervisora da Seção de Líquidos Biológicos / DPC / HC / Unicamp

Doutora em Medicina Interna / FCM / Unicamp

Correspondência Correspondência: Paula V. Bottini Divisão de Patologia Clínica / HC - Unicamp Cidade Universitária Zeferino Vaz, C.P. 6142 13083-888 - Campinas-SP - Brasil Tel: (19) 3521-7539 - Fax: (019) 3521-7510 E-mail: lbio@hc.unicamp.br

RESUMO

As gamopatias monoclonais resultam de hiperprodução de um único clone anormal de células plasmocitárias ou linfócitos B. O objetivo da avaliação laboratorial nas gamopatias é demonstrar a presença, a quantidade e o tipo de proteína anormal presente no soro e/ou na urina através do estudo do perfil protéico, quantificação das imunoglobulinas e cadeias leves e avaliação da proteinúria. Este artigo descreve as principais técnicas laboratoriais disponíveis, bem como suas indicações e limitações.

Palavras-chave: Gamopatia monoclonal; eletroforese; imunofixação; imunoglobulinas; relação kappa/lambda.

ABSTRACT

Monoclonal gammopathies result from an overproduction of a single abnormal clone of a plasma cell or B lymphocyte. The purpose of the laboratory protocols in these situations is to demonstrate the presence, the characterization and the concentration of an abnormal protein detected in serum and/or urine samples. The laboratory investigation is based on the electrophoretic protein profile, quantification of immunoglobulins, free light chains and proteinuria. This paper describes the major available laboratory methods as well their indications and limitations.

Key words: Monoclonal gammopathies; electrophoresis; immunofixation; immunoglobulin; kappa/lambda ratio.

Introdução

As gamopatias monoclonais resultam de hiperprodução de um único clone anormal de células plasmocitárias ou linfócitos B. A imunoglobulina monoclonal é reconhecida como uma banda de migração restrita na eletroforese de soro ou de urina (componente M).1 Quando a banda representa uma cadeia leve livre monoclonal, a proteína correspondente é conhecida por proteína de Bence Jones.2

Tanto o soro quanto a urina devem ser analisados para pesquisa de proteínas monoclonais.3 O objetivo da avaliação laboratorial é demonstrar a presença, a quantidade e o tipo de proteína anormal presente no soro e/ou na urina através do estudo do perfil protéico, quantificação das imunoglobulinas e cadeias leves bem como avaliação da proteinúria.

Estudo do perfil protéico

Tem por objetivo demonstrar a presença e o tipo de proteína anormal no soro e na urina, através de eletroforese de proteínas e imunofixação. A eletroforese é considerada um método de triagem para a presença do componente monoclonal, enquanto a imunofixação tem sido considerada atualmente como o padrão ouro para confirmar sua presença e distinguir entre cadeias dos tipos leve ou pesada.3-6

Eletroforese de proteínas

As proteínas são macromoléculas, compostas por aminoácidos com ligações de caráter covalente entre si. Dependendo da distribuição eletrônica, resultante das ligações covalentes ou iônicas a seus subgrupos estruturais, as proteínas podem ser polares ou não polares em um determinado pH. Na eletroforese, em gel de agarose, as proteínas são separadas de acordo com suas respectivas cargas elétricas, utilizando-se das forças eletroforéticas e eletroendosmóticas presentes no sistema. As separações são visualizadas com um corante sensível a proteínas.7 (Figuras 1 e 2)



Eletroforese capilar é uma técnica de separação eletroforética baseada nas diferenças da relação carga/massa das diversas proteínas, através da dissociação em pH constante dos grupos ácidos no soluto.8 É uma técnica mais sensível que a eletroforese em gel de agarose. Independente da técnica utilizada, os resultados devem ser expressos sob forma percentual e de concentração das diversas frações e em forma gráfica, destacando sempre a presença de bandas monoclonais quando estas estiverem presentes.

Eletroforese de alta resolução

A eletroforese de alta resolução alcança uma definição nos padrões de migração das proteínas em solução que vai muito além das cinco frações clássicas das técnicas tradicionais, o que amplia sua utilidade como ferramenta diagnóstica. Nesse contexto, o termo eletroforese de alta resolução refere-se a sistemas capazes de separar 95% da massa de proteínas totais em 10 a 15 frações, descontínuas e definidas.

No procedimento de alta resolução, as proteínas são separadas de acordo com suas respectivas cargas elétricas em gel de agarose específico, usando ambas as forças, eletroforética e eletroendosmótica, presentes no sistema. As separações são visualizadas com um corante altamente sensível a proteínas.9 Esta técnica deve ser utilizada apenas quando houver forte suspeita clínica e a eletroforese habitual apresentar resultado negativo.

Soro: A eletroforese em alta resolução é primariamente interpretada pela comparação das intensidades relativas das bandas encontradas em espécimes desconhecidos com aquelas obtidas em indivíduos sabidamente normais ou controles.

Urina: Um padrão eletroforético normal das proteínas urinárias deve mostrar um traço de albumina e algumas vezes uma banda de transferrina fraca.10 O padrão encontrado em casos de proteinúria glomerular consiste de fortes bandas de albumina, alfa1 glicoproteína ácida e alfa1 antitripsina em uma zona de alfa1 estendida, acompanhada de uma região com beta1-transferrina e ocasionalmente uma banda na região das gamaglobulinas.

O padrão urinário encontrado na proteinúria tubular usualmente consiste de uma banda fraca de albumina, uma banda dupla na região alfa 2 devido à presença de alfa 2 microglobulinas, e uma forte banda na região central da beta-globulina, devido à presença de beta 2 microglobulinas e algumas vezes coloração difusa no fundo na região da gama devida à presença de cadeias leves livres. A doença renal crônica ou a falência renal podem levar a danos nos glomérulos e túbulos, apresentando ambas as classes de proteínas (tubulares e glomerulares) na urina.

No mieloma múltiplo obtém-se uma banda bem delimitada na região das imunoglobulinas, com mobilidade bastante variável.

Imunofixação

O principal objetivo das técnicas de imunofixação (ou imunoeletroforese) é definir o tipo de proteína anormal presente na amostra, identificando as cadeias leves e pesadas envolvidas. A imunofixação, que vem substituindo a técnica de imunoeletroforese por ser mais sensível e rápida, combina as técnicas de eletroforese e imunoprecipitação. Após a separação das proteínas séricas por eletroforese, o anti-soro (contra IgA, IgG, IgM, cadeia leve kappa e lambda) é colocado sobre as frações separadas. As proteínas não precipitadas são lavadas e o imunoprecipitado é a seguir corado. A presença de proteína monoclonal é caracterizada na imunofixação pela presença de uma banda bem definida associada com uma classe de cadeia pesada (IgM, IgG, ou IgA) e banda de mesma mobilidade que reage com cadeia kappa ou lambda.11 Este método tem grande aplicação na identificação de proteínas M presentes em pequenas quantidades, que são difíceis de detectar por outros métodos. (Figura 3)


Imunoeletroforese

Menos utilizada atualmente, sendo aos poucos substituída pela imunofixação. Baseia-se na separação eletroforética das proteínas em gel de agarose e imunodifusão contra anti-soro humano total e anti-soros específicos para cadeias leves e pesadas de imunoglobulinas e apresenta alto grau de dificuldade, tanto na sua execução quanto na sua interpretação.

Quantificação das imunoglobulinas e cadeias leves

A principal aplicação da nefelometria ou turbidimetria no estudo das gamopatias monoclonais é a determinação da concentração das diversas imunoglobulinas, definindo o grau de envolvimento da proteína monoclonal identificada além de estabelecer a relação kappa/lambda.2

Nefelometria

Baseia-se na medida da intensidade de luz dispersada pela presença de partículas em suspensão quando um feixe de luz passa através da sua célula de fluxo (ou de reação). As partículas são formadas por uma reação de imunoprecipitação que ocorre quando um anticorpo específico entra em contato com seu antígeno específico. Possui maior sensibilidade que a imunoturbidimetria

Imunoturbidimetria

As imunoglobulinas formam com o anti-soro específico um complexo insolúvel, produzindo turbidez, cuja intensidade aumenta a absorbância e é proporcional à concentração da imunoglobulina presente na amostra.

Quantificação das cadeias leves livres

Freelite® é um reagente específico para dosagem de cadeias leves livres dos tipos kappa e lambda. Sua sensibilidade varia entre 0,3 e 0,4 mg/l, podendo ser utilizado para dosagens tanto no soro quanto na urina. Sua principal aplicação se dá nos casos onde não foi possível identificar o componente monoclonal pelas técnicas habituais, além de apresentar maior precisão na avaliação da remissão completa e da resposta ao tratamento pois as cadeias leves livres possuem meia-vida mais curta que as demais imunoglobulinas.12

Avaliação da proteinúria

A pesquisa de proteínas na urina deve ser sempre realizada por um método quantitativo e sensível, que detecte albumina e as demais proteínas.13

Triagem para presença de proteinúria

A triagem através de tiras reagentes não deve ser utilizada uma vez que as tiras detectam apenas albumina. Nos casos de mieloma múltiplo com excreção de cadeias leves livres na urina é bastante freqüente o achado de uma tira reagente negativa e a quantificação apresentar quantidades detectáveis de proteínas.

Quantificação da proteinúria

Uma vez que não se devem utilizar tiras reagentes, a pesquisa e quantificação da proteinúria deve ser sempre realizada através de reagentes específicos para proteínas urinárias, como, por exemplo, o vermelho de pirogalol ou cloreto de benzetônio

Pesquisa da proteína de Bence Jones

A técnica de precipitação pelo calor deve ser abandonada por não apresentar sensibilidade, especificidade e reprodutibilidade adequadas, além de fornecer altas taxas de resultados falso-negativos e falso-positivos. Esta pesquisa foi substituída pela eletroforese de proteínas urinárias e pela dosagem das cadeias leves kappa e lambda.14

Relação kappa/lambda

A avaliação da relação kappa/lambda na urina é bastante útil na diferenciação entre a proteinúria do mieloma múltiplo e demais proteinúrias tubulares.15 Uma amostra que apresente uma relação kappa/lambda normal sugere proteinúria tubular, enquanto uma relação kappa/lambda alterada é indicativa de mieloma múltiplo.

Recebido: 25/11/2006

Aceito: 05/01/2007

O tema apresentado e o convite ao(s) autor(es) consta da pauta elaborada pelo co-editor.

Avaliação: Co-editor e um revisor externo.

Publicado após revisão e concordância do editor.

Conflito de interesse: não declarado.

  • 1. Karen DF, Raymond A, Goeken JA et al Guidelines for clinical and laboratory evaluation of patients with monoclonal gammopathies. Arch Pathol Lab Med 1999;123:106-7.
  • 2. Attaelmannan M, Levinson SS. Understanding and identifying monoclonal gammopathies. Clin Cem 2000;1.230-8.
  • 3. Kyle RA. Sequence of testing for monoclonal gammopathies - serum and urine assays. Arch Pathol Lab Med 1999:123:114-8.
  • 4. Dispenzieri A, Gertz MA, Therneau TM, Kyle RA. Retrospective cohort study of 148 patients with polyclonal gammopathy. Mayo Clinic Proceedings 2001;76:476-87.
  • 5. The International Myeloma Working Group. Criteria for the classification of monoclonal gammopathies, multiple myeloma and related disorders: a report of the International Myeloma Working Group. British Journal of Haematology 2003;121:749-57.
  • 6. Smith A, Wisloff F, Samson D. Guidelines on the diagnosis and management of multiple myeloma 2005. British Journal of Haematology 2006;132:410-451.
  • 7. Burtis CA, Ashwood ER. Tietz Textbook of Clinical Chemistry. 2Ş Ed., 1994, WB Saunders, Philadelphia.
  • 8. Kuhn R, Hoffstetter-Kuhn. Capillary Electrophoresis: Principles and Practice. 1993, Springer-Verlag Press, Berlin.
  • 9. Keren DF. High-Resolution Electrophoresis and Immunofixation: Techniques and Interpretation 2nd ed, 1994. Butterworth-Heinemann Ed, USA.
  • 10. Sun T. Interpretation of protein and isoenzyme patterns in body fluids. 1991, Igaku-Shoin Medial Publishers, New York.
  • 11. Keren DF. Protein Electrophoresis in Clinical Diagnosis. 2003, Hodder Arnold Publication, USA.
  • 12. Kang SY, Suh JT, Lee HJ, et al Clinical usefulness of free light chain concentration as a tumor marker in multiple myeloma Ann Hematol 2005;84:588-93.
  • 13. Graziani M, Merlini G, Petrini C. Guidelines for the analysis of Bence Jones protein. Clin Chem Lab Med 2003;41(3):338-46.
  • 14. Kahn SN. Dear Dr [Bence] Jones, Editorial. Clinical Chemistry 1991;37(9):1.557-8
  • 15. Bottini PV, San Martin SMG, Ribeiro Alves MAVF, Garlipp CR. Tubular proteinuria: value of urinary kappa and lambda concentrations. Clin Chem1999;45(S6):A45.
  • Correspondência:
    Paula V. Bottini
    Divisão de Patologia Clínica / HC - Unicamp
    Cidade Universitária Zeferino Vaz, C.P. 6142
    13083-888 - Campinas-SP - Brasil
    Tel: (19) 3521-7539 - Fax: (019) 3521-7510
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Out 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      05 Jan 2007
    • Recebido
      25 Nov 2006
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org