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Mortalidade após esplenectomia

Postsplenectomy mortality

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Mortalidade após esplenectomia

Postsplenectomy mortality

Andy Petroianu

Professor titular do Depto. de Cirurgia da Faculdade de Medicina, UFMG; Docente–livre em Técnica Operatória e Cirurgia Experimental da EPM, Unifesp; Docente–livre em Gastroenterologia Cirúrgica da FMRP–USP; Mestre e Doutor em Cirurgia e em Fisiologia e Farmacologia – Instituto de Ciências Biológicas, UFMG, Pesquisador IA do CNPq, Membro titular da Academia Mineira de Medicina

Endereço de correspondência Correspondência: Andy Petroianu Avenida Afonso Pena, 1.626 – apto. 1.901 30130–005 – Belo Horizonte, MG Tel.:/Fax: (31) 3274–7744 – E–mail: petroian@medicina.ufmg.br

O artigo publicado por King e Shumacker Jr. (1952) com respeito a uma série de cem esplenectomias realizadas na Universidade de Indiana, Estados Unidos, na qual eles verificaram a morte de cinco crianças por sepse fulminante, tornou–se um marco na literatura referente ao baço e é citado por quase todos os autores que estudam esse órgão.1 Nesse trabalho, destaca–se o risco de morte por infecção após a retirada do baço.

Apesar da grande repercussão desse artigo, tido como original, diversos outros o precederam, porém sem o impacto que mereceriam pela real dimensão de sua importância.1 Os primeiros a identificar a sepse fulminante, que é uma afecção quase que exclusiva dos esplenectomizados, foram Gruber, Redneer e Kogut (1951), ao estudarem recém–nascidos esplenectomizados por púrpura trombocitopênica idiopática. No entanto, o relacionamento da sepse com a retirada do baço iniciou no final do século XIX, quando Bardach (1891) injetou solução contendo antraz no abdome de 25 cães esplenectomizados e 25 normais. Houve uma mortalidade de 19 cães esplenectomizados, enquanto apenas cinco dos que possuíam baço morreram. A exemplo desse trabalho, Morris e Bullock (1919) injetaram cultura de B. enteritidis no abdome de ratos e verificaram que 80,5% dos animais esplenectomizados morreram e apenas 38,9% dos controle evoluíram para óbito.1

Mesmo em humanos já havia publicações sobre sepse, como o artigo de William Mayo (1910), que descreveu uma pneumonia grave após esplenectomia. O'Donnell (1929) foi outro que registrou dois óbitos por infecção grave após esplenectomias para tratamento da síndrome de Banti.1 Em 1937, Hickling analisou a elevada mortalidade que ocorria em pacientes esplenectomizados, em decorrência de diferentes complicações pós–operatórias, porém sem destacar a sepse. De fato, constatou–se que. após a retirada do baço, os pacientes morriam em maior número e mais precocemente do que a expectativa da população geral, não somente em conseqüência de infecções graves, mas também por embolia pulmonar, infarto agudo do miocárdio e fenômenos ateroscleróticos.1

A pior complicação séptica que pode surgir após esplenectomia é a sepse fulminante, na qual o óbito ocorre desde poucas horas até alguns dias após o início de um quadro infeccioso, que começa com aparência simples, mas que evolui rapidamente para uma síndrome de resposta inflamatória sistêmica de difícil controle.1 O primeiro relato desse tipo de infecção em paciente esplenectomizado foi o de Johannus Ferrerius (1716). Esse cirurgião realizou com sucesso uma esplenectomia, em 1711, para tratar uma esplenomegalia decorrente de malária em uma paciente com 30 anos de idade. Decorridos cinco anos da operação, a paciente, que estivera bem durante esse período, apresentou um quadro de erisipela, que evoluiu rapidamente para uma infecção generalizada e óbito.1

Mesmo com todas as evidências científicas de que o baço é um órgão importante, tanto na defesa orgânica quanto por suas múltiplas funções metabólicas e hematológicas, a maior parte dos médicos continua indicando a retirada completa desse órgão para tratar ou controlar distúrbios metabólicos dislipidêmicos, como a doença de Gaucher, moléstias hematológicas, como a hepatoesplenomegalia mielóide (mais conhecida pelo nome impróprio de metaplasia mielóide) e afecções oncológicas, com destaque para as leucoses.2,3 Em todos esses casos, a esplenectomia total é desnecessária e o estado asplênico decorrente desse procedimento acompanha–se de complicações graves e até fatais, como insuficiência ou ruptura hepática, fraturas ósseas patológicas e os já esperados quadros infecciosos. Além disso, o número de trabalhos científicos que apontam para as operações esplenorredutoras como a melhor opção para a quase totalidade das doenças que se acompanham de esplenomegalia é cada vez maior. É importante mencionar que não há relato de sepse ou outra complicação comum depois de esplenectomia total após tratamentos conservadores, clínico ou cirúrgico do baço.4,5

Uma outra afecção que merece destaque é o hiperesplenismo. Atualmente, os hematologistas dispõem de um considerável arsenal medicamentoso, cada vez mais eficaz, para controlar essa doença ainda não completamente compreendida e que apresenta diversos aspectos em comum com as leucoses. Por outro lado, é fundamental não confundir essa afecção com a esplenomegalia, que pode ocorrer em afecções, como a encontrada nos quadros de hipertensão porta.6,7 Nessa situação, a citopenia, para determinadas séries e até a generalizada, restringe–se a sua constatação em exames laboratoriais, sem repercussão clínica alguma. Pacientes com plaquetas até abaixo de 10.000 e tempo de protrombina inferior a 50% do valor de referência não apresentam distúrbios de coagulação e são operados sem cuidado especial por causa desse achado apenas laboratorial. Da mesma maneira, leucopenias até inferiores a 1.000 não se associam a quadros sépticos e não é indicação para conduta preventiva ou terapêutica com vista a sepse.6

Por não ser uma doença do baço, esse quadro hiperesplênico laboratorial é sempre revertido com operações esplenorredutoras, como a esplenectomia parcial e a esplenectomia subtotal.4,6 Por outro lado, quando, por diversos motivos cirúrgicos, for inevitável a esplenectomia total, indicam–se os auto–implantes esplênicos, em quantidade suficiente (pelo menos 60 gramas), para prevenir a insuficiência esplênica, e dentro do território de drenagem porta (omento maior, mesentério e mesocólon), para preservar todas as funções do baço.7

Outra causa de asplenia iatrogênica injustificável é a decorrente das esplenectomias por trauma. Essa operação é realizada de rotina pela quase totalidade dos cirurgiões quando estão diante de um baço lesado. Na realidade, no trauma nunca há necessidade para se deixar o doente asplênico. A maior parte das lesões desse órgão não constitui indicação cirúrgica e pode ser acompanhada com controle clínico rigoroso do doente internado durante duas a três semanas. Nos casos em que houver instabilidade orgânica, o paciente pode ser operado com vista a suturar a lesão, desvascularizar a área lesada ou fazer uma ressecção parcial.17 Se, por limitação técnica ou dificuldade operatória, esse órgão tiver que ser removido totalmente, cabe realizar os auto–implantes, que são o procedimento cirúrgico mais fácil e rápido de ser realizado no abdome e prevenir, assim, a morte precoce.7

Para reforçar as ponderações deste Editorial, salienta–se o artigo de Pimpl e colaboradores, que, em 1989, compararam as causas de óbito de pessoas aleatórias, que morreram com baço, e de outras que foram ao óbito sem baço, por causas diversas sem o ato operatório.1 Entre os múltiplos achados desse trabalho, ressalta–se que três quartos dos doentes sem baço morreram por sepse, enquanto apenas um quarto dos óbitos em pacientes com baço ocorreu por infecção grave. Ainda, de acordo com essa pesquisa, mais de 35% dos asplênicos tiveram embolia pulmonar, em oposição aos menos de 10% que possuíam baço.

O artigo intitulado "Análise de sobrevivência relacionada ao sexo, após esplenectomia, em modelo animal", que está publicado neste fascículo de nossa querida Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, teve por base a possível maior resistência imunitária natural das fêmeas. Em sendo verdade esse pressuposto, seria plausível acreditar–se que as ratas sobrevivessem mais do que os ratos após serem submetidos à retirada completa do baço. Conforme já está estabelecido na literatura, a esplenectomia, mesmo sendo uma operação tecnicamente fácil e sem complicações cirúrgicas, acompanhou–se nessa pesquisa por mortes pós–operatórias em ambos os sexos. A muito maior mortalidade nos machos esteve de acordo com a idéia inicial que deu origem a essa investigação. Ao recorrer–se à literatura sobre o acompanhamento de esplenectomizados, constata–se a realidade de que a maior parte dos óbitos publicados na literatura ocorreu no sexo masculino. É incontestável que os homens apresentam muito mais lesões esplênicas do que as mulheres, por causa dos acidentes de trânsito, agressões físicas e guerras, portanto, o estado asplênico é também mais freqüente no sexo masculino. No entanto, não pode ser afastada a possibilidade de que os óbitos por sepse sejam também mais comuns no sexo masculino por seu estado de imunodeficiência maior em relação ao feminino.

Referências Bibliográficas

1. Petroianu A. O Baço. 2003; Ed CLR Balieiro, São Paulo.

2. Petroianu A. Cirurgias conservadoras do baço para tratamento da doença de Gaucher. Rev Bras Hematol Hemoter. 2004; 26: 13–18.

3. Petroianu A. Cirurgias conservadoras do baço para tratamento da esplenomegalia mielóide por mielofibrose. Rev Bras Hematol Hemoter. 2002;24:262–9.

4. Petroianu A, Resende V, Silva RG. Late follow–up of patients submitted to subtotal splenectomy. Int J Surg. 2006;4:152–8.

5. Petroianu A, Antunes LJ. Aspectos imunológicos da esquistossomose mansoni hepatoesplênica após cirurgia terapêutica. Rev Bras Hematol Hemoter. 2003;25:149–54.

6. Petroianu A, Oliveira AE, Alberti LR. "Hiperesplenismo" em hipertensão porta por esquistossomose mansônica. Rev Bras Hematol Hemoter. 2004;26:195–201.

7. Petroianu A. Avaliação da função fagocitária em remanescentes de esplenectomia subtotal e auto–implante esplênico autógeno. Rev Bras Hematol Hemoter. 2003;25:25–30.

Recebido: 15/02/2007

Aceito: 21/02/2007

Instituição: Depto. de Cirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG.

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor

Conflito de interesse: não declarado

  • Correspondência:
    Andy Petroianu
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    Tel.:/Fax: (31) 3274–7744 – E–mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007
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