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Avaliação da eficácia do uso intravenoso de sacarato de hidróxido de ferro III no tratamento de pacientes adultos com anemia ferropriva

Evaluation of the efficacy of intravenous iron III-hydroxide saccharate for treating adult patients with iron deficiency anemia

Resumos

O objetivo desse estudo foi avaliar a eficácia do uso intravenoso de sacarato de hidróxido de ferro III no tratamento de pacientes adultos com anemia ferropriva. No período de janeiro de 2003 a dezembro de 2005, estudamos cinqüenta pacientes com anemia ferropriva que apresentaram intolerância e/ou resposta inadequada ao tratamento com ferro por via oral e/ou valor de hemoglobina inferior a 7,0 g/dL. Os principais exames laboratoriais realizados foram: hemograma completo, contagem de reticulócitos, ferro sérico, capacidade total de ligação de ferro e ferritina sérica. Os pacientes receberam uma dose semanal de 200 mg de sacarato de hidróxido de ferro III diluído em 250 mL de soro fisiológico a 0,9%, administrado por via intravenosa em trinta minutos. O tratamento foi realizado até a obtenção do valor de hemoglobina igual ou maior que 12,0 g/dL para mulheres e 13,0 g/dL para homens, ou até a administração da dose total de ferro parenteral recomendada para cada paciente. A idade mediana dos cinqüenta pacientes estudados foi de 45 anos, variando entre 28 e 76 anos; quarenta (80,0%) eram do sexo feminino. A causa mais comum de anemia ferropriva no sexo feminino foi sangramento uterino anormal observado em 25/40 pacientes (62,5%) e, no sexo masculino, gastrectomia parcial em 7/10 (70,0%). Vinte e quatro (48,0%) pacientes foram incluídos nesse estudo por falta de resposta à terapia com ferro oral, 22 (44,0%) por intolerância ao ferro oral e quatro (8,0%) por hemoglobina < 7,0 g/dL. Os valores médios da hemoglobina e da ferritina sérica foram de 8,48 g/dL e 4,65 ng/mL (pré-tratamento) e 12,34 g/dL e 93,20 ng/mL (pós-tratamento)(p<0,001), respectivamente. O aumento médio de hemoglobina foi de 3,61 g/dL e de 4,83 g/dL para os sexos feminino e masculino, respectivamente. Correção da anemia foi obtida em 26 (65,0%) das quarenta pacientes do sexo feminino e em nove (90,0%) dos dez pacientes do sexo masculino. Seis pacientes haviam recebido transfusão de hemácias antes de iniciar o tratamento com ferro intravenoso. Dos cinqüenta pacientes estudados, nenhum recebeu transfusão de hemácias durante ou após o término do tratamento. O uso intravenoso de sacarato de hidróxido de ferro III é uma opção eficaz e segura no tratamento de pacientes adultos com anemia ferropriva que não obtiveram resposta satisfatória com a utilização do ferro oral. Esta opção terapêutica deve ser levada em consideração sobretudo nos pacientes com anemia sintomática a fim de se obter rápido aumento dos valores da hemoglobina e se evitar transfusão de hemácias.

Anemia ferropriva; ferro intravenoso; sacarato de hidróxido de ferro III


The objective of this study was to evaluate the efficacy of intravenous iron III-hydroxide saccharate to treat adult patients with iron deficiency anemia. Between January 2003 and December 2005 we studied 50 patients with iron deficiency anemia who presented intolerance or inadequate response to oral iron therapy, or hemoglobin level < 7 g/dL. The main laboratory tests performed were: complete blood cell count, reticulocyte count, serum iron, total iron-binding capacity and serum ferritin. The patients received a weekly dose of 200 mg of iron diluted in 250 mL of 0.9% sodium chloride solution administered intravenously during 30 minutes. It was performed until a hemoglobin level = 12.0 g/dL for women or13.0 g/dL for men was reached or completing the administration of the total dose of parenteral iron recommended for each patient. The median age of the patients studied was 45 years (age range from 18 to 76). Forty out of 25 patients (80%) were women. The most common cause of iron deficiency anemia was abnormal uterine bleeding observed in 62.5% of female patients (25 out of 40) and partial gastrectomy in 70% of male patients (7 out of 10). Twenty-four (48%) patients were included in this study due to a lack of response to oral iron therapy, 22 (44%) showed intolerance to oral iron and 2 (8%) presented with a hemoglobin level < 7.0 g/dL. The mean hemoglobin and ferritin values were 8.48 g/dL and 4.65 ng/mL (pretreatment) and 12.34 g/dL and 93.20 ng/mL (post-treatment) (p<0.001), respectively. The average increase of hemoglobin was 3.61 g/dL and 4.83 gdL for women and men, respectively. Correction of anemia was obtained in 26 out of 40 female patients (65%) and in 9 out of 10 male patients (90%). Six patients received blood transfusions before starting intravenous iron treatment. None of the 50 studied patients needed red blood cell transfusions during or after completing the treatment. The use of intravenous iron III-hydroxide saccharate is an efficacious and safe option in the treatment of adult patients with iron deficiency anemia who lack satisfactory response to oral iron therapy. This treatment option should be considered mainly in patients with severe anemia in order to obtain rapid increases in the hemoglobin levels and to avoid blood transfusions.

Iron deficiency anemia; intravenous iron; iron III-hydroxide saccharate


ARTIGOS ARTICLES

Avaliação da eficácia do uso intravenoso de sacarato de hidróxido de ferro III no tratamento de pacientes adultos com anemia ferropriva

Evaluation of the efficacy of intravenous iron III–hydroxide saccharate for treating adult patients with iron deficiency anemia

Rodolfo D. CançadoI; Sérgio A. B. BrasilI; Tatiana G. NoronhaII; Carlos S. ChiattoneIII

IProfessor assistente da Disciplina de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

IIMédica ex–residente da Disciplina de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo

IIIChefe da Disciplina de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e diretor do Hemocentro da Santa Casa de São Paulo

Endereço para correspondência Correspondência: Rodolfo Delfini Cançado Hemocentro da Santa Casa de São Paulo Rua Marquês de Itú, 579 – 2º andar 01223–001 – São Paulo–SP – Brasil E–mail: rdcan@uol.com.br

RESUMO

O objetivo desse estudo foi avaliar a eficácia do uso intravenoso de sacarato de hidróxido de ferro III no tratamento de pacientes adultos com anemia ferropriva. No período de janeiro de 2003 a dezembro de 2005, estudamos cinqüenta pacientes com anemia ferropriva que apresentaram intolerância e/ou resposta inadequada ao tratamento com ferro por via oral e/ou valor de hemoglobina inferior a 7,0 g/dL. Os principais exames laboratoriais realizados foram: hemograma completo, contagem de reticulócitos, ferro sérico, capacidade total de ligação de ferro e ferritina sérica. Os pacientes receberam uma dose semanal de 200 mg de sacarato de hidróxido de ferro III diluído em 250 mL de soro fisiológico a 0,9%, administrado por via intravenosa em trinta minutos. O tratamento foi realizado até a obtenção do valor de hemoglobina igual ou maior que 12,0 g/dL para mulheres e 13,0 g/dL para homens, ou até a administração da dose total de ferro parenteral recomendada para cada paciente. A idade mediana dos cinqüenta pacientes estudados foi de 45 anos, variando entre 28 e 76 anos; quarenta (80,0%) eram do sexo feminino. A causa mais comum de anemia ferropriva no sexo feminino foi sangramento uterino anormal observado em 25/40 pacientes (62,5%) e, no sexo masculino, gastrectomia parcial em 7/10 (70,0%). Vinte e quatro (48,0%) pacientes foram incluídos nesse estudo por falta de resposta à terapia com ferro oral, 22 (44,0%) por intolerância ao ferro oral e quatro (8,0%) por hemoglobina < 7,0 g/dL. Os valores médios da hemoglobina e da ferritina sérica foram de 8,48 g/dL e 4,65 ng/mL (pré–tratamento) e 12,34 g/dL e 93,20 ng/mL (pós–tratamento)(p<0,001), respectivamente. O aumento médio de hemoglobina foi de 3,61 g/dL e de 4,83 g/dL para os sexos feminino e masculino, respectivamente. Correção da anemia foi obtida em 26 (65,0%) das quarenta pacientes do sexo feminino e em nove (90,0%) dos dez pacientes do sexo masculino. Seis pacientes haviam recebido transfusão de hemácias antes de iniciar o tratamento com ferro intravenoso. Dos cinqüenta pacientes estudados, nenhum recebeu transfusão de hemácias durante ou após o término do tratamento. O uso intravenoso de sacarato de hidróxido de ferro III é uma opção eficaz e segura no tratamento de pacientes adultos com anemia ferropriva que não obtiveram resposta satisfatória com a utilização do ferro oral. Esta opção terapêutica deve ser levada em consideração sobretudo nos pacientes com anemia sintomática a fim de se obter rápido aumento dos valores da hemoglobina e se evitar transfusão de hemácias.

Palavras–chave: Anemia ferropriva; ferro intravenoso; sacarato de hidróxido de ferro III.

ABSTRACT

The objective of this study was to evaluate the efficacy of intravenous iron III–hydroxide saccharate to treat adult patients with iron deficiency anemia. Between January 2003 and December 2005 we studied 50 patients with iron deficiency anemia who presented intolerance or inadequate response to oral iron therapy, or hemoglobin level < 7 g/dL. The main laboratory tests performed were: complete blood cell count, reticulocyte count, serum iron, total iron–binding capacity and serum ferritin. The patients received a weekly dose of 200 mg of iron diluted in 250 mL of 0.9% sodium chloride solution administered intravenously during 30 minutes. It was performed until a hemoglobin level = 12.0 g/dL for women or13.0 g/dL for men was reached or completing the administration of the total dose of parenteral iron recommended for each patient. The median age of the patients studied was 45 years (age range from 18 to 76). Forty out of 25 patients (80%) were women. The most common cause of iron deficiency anemia was abnormal uterine bleeding observed in 62.5% of female patients (25 out of 40) and partial gastrectomy in 70% of male patients (7 out of 10). Twenty–four (48%) patients were included in this study due to a lack of response to oral iron therapy, 22 (44%) showed intolerance to oral iron and 2 (8%) presented with a hemoglobin level < 7.0 g/dL. The mean hemoglobin and ferritin values were 8.48 g/dL and 4.65 ng/mL (pretreatment) and 12.34 g/dL and 93.20 ng/mL (post–treatment) (p<0.001), respectively. The average increase of hemoglobin was 3.61 g/dL and 4.83 gdL for women and men, respectively. Correction of anemia was obtained in 26 out of 40 female patients (65%) and in 9 out of 10 male patients (90%). Six patients received blood transfusions before starting intravenous iron treatment. None of the 50 studied patients needed red blood cell transfusions during or after completing the treatment. The use of intravenous iron III–hydroxide saccharate is an efficacious and safe option in the treatment of adult patients with iron deficiency anemia who lack satisfactory response to oral iron therapy. This treatment option should be considered mainly in patients with severe anemia in order to obtain rapid increases in the hemoglobin levels and to avoid blood transfusions.

Key words: Iron deficiency anemia; intravenous iron; iron III–hydroxide saccharate.

Introdução

A deficiência de ferro continua sendo importante problema de saúde pública não apenas nos países em desenvolvimento como nos países desenvolvidos. Looker et al., em 1997, mostraram que nos EUA a deficiência de ferro acomete 1,0% a 4,0% dos homens e 6,0% a 11,0% das mulheres; e cerca de 2,0% dos homens e 4,0% das mulheres têm anemia ferropriva.1

No Brasil, segundo dados da Organização Mundial de Saúde e de publicações nacionais, estima–se que a deficiência de ferro acometa cerca de 20% da população feminina e cerca de 5% da população masculina, sendo que essas porcentagens tendem a ser ainda mais elevadas nas regiões mais pobres do País, como o Norte e o Nordeste.2

Gualandro et al.,3 analisando 1.229 mulheres aceitas para doação de sangue, 19,8% apresentavam deficiência de ferro. Cançado et al.,4 estudando 300 doadores de sangue, observaram que 18,5% das mulheres que estavam doando pela primeira vez apresentavam deficiência de ferro.

A causa básica da diminuição dos estoques de ferro é o desequilíbrio entre quantidade absorvida e consumo e/ou perdas, que ocorrem por diversas vias, resultando no esgotamento das reservas de ferro do organismo. Isso pode ocorrer devido a diversos fatores, tais como: necessidade aumentada de ferro (crescimento, menstruação, gestação); diminuição da oferta ou da absorção do ferro (baixa quantidade e/ou biodisponibilidade do ferro da dieta, doenças inflamatórias crônicas intestinais, gastrectomia, etc.); ou perda de ferro (sangramento patológico por alterações do trato gastrointestinal, verminoses, doação de sangue, etc.).5–8

O tratamento da anemia ferropriva consiste na identificação e correção, quando possível, da(s) causa(s) que levou (levaram) à anemia, associado à reposição de ferro. Via de regra, recomenda–se a via oral como via preferencial de administração de ferro, na dose de 3,0 a 5,0 mg/kg de peso corporal por período suficiente para normalizar os valores da hemoglobina e restaurar os estoques normais de ferro do organismo.6–8 No entanto, a efetividade de tal tratamento depende da capacidade de absorção intestinal de ferro e, principalmente, da tolerância do paciente ao tratamento oral, determinada pela freqüência e intensidade dos efeitos colaterais, sobretudo gastrointestinais.6

A absorção de ferro pode ser insuficiente frente às necessidades do organismo, como nos pacientes com perda crônica de sangue e nos pacientes gastrectomizados ou com insuficiência renal. Quanto à tolerabilidade ao ferro oral, cerca de 10,0% a 40,0% dos pacientes apresentam efeitos colaterais intensos e não toleram tal tratamento.7,8

Dessa forma, frente às situações nas quais a reposição oral de ferro é incapaz de suprir as necessidades do organismo, a utilização de ferro por via parenteral, particularmente por via intravenosa, é uma opção terapêutica de grande valia nesse grupo de pacientes.8,9

O objetivo desse estudo foi avaliar a eficácia do uso intravenoso de sacarato de hidróxido de ferro III no tratamento de pacientes adultos com anemia ferropriva que não obtiveram resposta satisfatória à terapia com ferro oral.

Casuística e Método

No período de janeiro de 2003 a dezembro de 2005, cinqüenta pacientes acompanhados no Serviço de Hematologia e Oncologia da Santa Casa de São Paulo foram incluídos nesse estudo, que fora previamente aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Todos os pacientes tinham diagnóstico de anemia ferropriva (Hb < 12,0 g/dL para mulheres, Hb < 13,0 g/dL para homens e ferritina sérica < 12,0 ng/mL) e apresentavam pelo menos um dos seguintes critérios de inclusão: a) intolerância ao ferro oral determinada pela ocorrência de efeitos adversos que levaram ao abandono do tratamento; b) resposta inadequada definida como incremento menor que 50% dos valores iniciais da hemoglobina após trinta dias de administração oral de sulfato ferroso na dose de 5 mg/kg de peso corporal; c) hemoglobina < 7,0 g/dL. Foram excluídos desse estudo pacientes: com idade < 18 anos; gestantes no primeiro trimestre da gravidez; pacientes com diagnóstico de anemia não–ferropênica; pacientes com história prévia de hipersensibilidade ao sacarato de hidróxido de ferro III.

Todos os pacientes, após aceitarem participar desse estudo, foram submetidos aos seguintes procedimentos: história clínica (incluindo questionamento sobre antecedentes menstruais e obstétricos, perda crônica de sangue, doação de sangue, transfusão de sangue, uso de medicamentos como aspirina, antiinflamatórios não–hormonais, vitamina C etc.) e exame físico.

A coleta de amostra de sangue para a realização dos seguintes exames: hemograma completo, contagem de reticulócitos, ferro sérico, capacidade total de ligação (técnica batrofenantrolina), ferritina (enzimaimunensaio, Abbott), uréia, creatinina, desidrogenase láctica, eletroforese de hemoglobina em acetato de celulose em tampão alcalino (pH 8,6) de TBE (tris–Borato–EDTA), protoparasitológico e pesquisa de sangue oculto nas fezes. Nos casos em que houve indicação, foi realizada endoscopia digestiva alta e/ou colonoscopia.

O índice de saturação da transferrina (IST) foi calculado pela fórmula: IST = (Ferro / capacidade total de ligação de ferro) x 100. Foram realizados, quinzenalmente, hemograma completo com plaquetas e contagem de reticulócitos, e, após o término do tratamento, hemograma completo com plaquetas, contagem de reticulócitos e determinação sérica do ferro, da capacidade total de ligação de ferro e da ferritina.

Os pacientes foram classificados como caucasóides e não–caucasóides, baseando–se em classificação subjetiva do entrevistador, que considerou a cor da pele, o tipo do cabelo, o formato dos olhos, o formato do nariz e a espessura dos lábios. Essa classificação foi escolhida devido à baixa acurácia na detecção dos tipos mulato claro, mulato escuro e negro e à pequena quantidade de doadores da raça amarela existente na amostra. Assim, mulatos claros, mulatos escuros, negros e amarelos foram classificados como não–caucasóides.

Freqüência da administração, tempo de infusão e dose do sacarato de hidróxido de ferro III

Os cinqüenta pacientes receberam uma dose semanal de 200 mg de sacarato de hidróxido de ferro III diluído em 250 mL de soro fisiológico a 0,9%, administrado por via intravenosa em trinta minutos.

O cálculo da dose total recomendada para cada paciente foi realizado através da fórmula:

Coleta dos exames, acompanhamento do paciente e término do tratamento

N = [(Peso corpóreo em kg x DHb x 2,4) + 500] / 20

N=número em mL de sacarato de hidróxido de ferro III intravenoso a ser aplicado durante o tratamento completo; DHb=diferença entre o valor de hemoglobina de 12,0 g/dL para as mulheres e 13,0 g/dL para os homens e a hemoglobina encontrada.9,10

A coleta dos exames e a administração intravenosa do sacarato do hidróxido de ferro III foram realizadas no Setor de Quimioterapia da Santa Casa de São Paulo sob a supervisão médica e/ou da equipe de enfermagem.

Com a finalidade de avaliação da segurança, a cada administração do ferro intravenoso foram verificados e registrados: temperatura, pressão arterial e freqüência cardíaca (antes e após o procedimento) além de sintomas como: gosto metálico, náusea, vômito, rubor facial, dispnéia, artralgia, mialgia, dor abdominal, dor lombar e outros.

O tratamento foi realizado até a obtenção dos valores de hemoglobina > 12,0 g/dL para mulheres e > 13,0 g/dL para homens, ou até a administração da dose total de ferro intravenoso recomendada para cada paciente.

Caracterização do sangramento uterino anormal em mulheres

Informações a respeito do padrão menstrual, isto é, intervalo entre as menstruações, duração das mentruações e quantidade de fluxo menstrual foram obtidas por ocasião da anamnese. Denominamos sangramento uterino anormal a queixa referida pela paciente de excessiva quantidade de fluxo sangüíneo menstrual caracterizado por duração da menstruação maior do que cinco dias e/ou pela presença de coágulos, presença de ciclos menstruais mais curtos (polimenorréia) ou de sangramento anormal fora da ciclo menstrual (metrorragia).

Análise estatística

A análise estatística foi realizada utilizando–se teste não paramétrico de Mann–Whitney para a comparação entre as variáveis estudadas. Foi estabelecido um alfa de 5% para análise de significância, sendo o banco de dados processado e os cálculos realizados no software SigmaStat (Jandel Inc, EUA).

Resultados

As características dos cinqüenta pacientes estudados quanto à idade, sexo e grupo étnico podem ser observadas na Tabela 1.

A Tabela 2 mostra a distribuição dos pacientes de acordo com a faixa etária, e na Tabela 3 podemos observar a distribuição dos pacientes segundo o motivo de inclusão no estudo. Na Tabela 4 observa–se a distribuição dos pacientes de acordo com a causa principal identificada como responsável pela condição de anemia ferropriva.

Das 25 pacientes com sangramento uterino anormal, cinco (20,0%) apresentavam fator adicional à condição de anemia ferropriva: sangramento digestivo [diverticulite (uma) e por uso regular de ácido acetilsalicílico (uma) e disfunção plaquetária (uma)]; gastrectomia (uma), gastroplastia redutora (uma). Das 15 pacientes sem sangramento uterino anormal, nove (60,0%) apresentavam como causa da anemia: sangramento digestivo [gastrite (duas), diverticulite (duas), angiodisplasia do cólon (duas), Rendu Osler–Weber (uma)], gatrectomia parcial (uma) e gastroplastia redutora (uma).

Entre os dez pacientes do sexo masculino, sete tinham antecedente de gastrectomia parcial e dois apresentavam sangramento digestivo: esquistossomose (um) e diverticulite (um).

Na Tabela 5 podemos observar a análise comparativa dos resultados obtidos das principais variáveis laboratoriais utilizadas ao início e no término do tratamento.

A Tabela 6 mostra os valores de hemoglobina antes e após o tratamento, o aumento da hemoglobina e o número de ampolas administradas de ferro intravenoso de acordo com o sexo. A duração média do tratamento foi de seis semanas, variando entre quatro e nove semanas.

Correção da anemia foi obtida em 26 (65,0%) das quarenta pacientes do sexo feminino e em nove (90,0%) dos dez pacientes do sexo masculino.

Seis pacientes haviam recebido transfusão de hemácias antes do início do tratamento com ferro intravenoso. As principais características desses pacientes estão na Tabela 7. Nenhum recebeu transfusão de hemácias durante ou após o término do tratamento com ferro intravenoso.

Quanto à segurança do fármaco utilizado, nenhum paciente apresentou qualquer reação adversa grave à terapêutica com ferro intravenoso. Constatamos a ocorrência de apenas sete eventos adversos em 599 infusões endovenosas (1,2%) atribuídos ao fármaco: gosto metálico, sensação de calor e dor articular. Não houve necessidade de suspensão do tratamento em nenhum desses casos.

Discussão

A reposição oral de ferro tem sido aceita universalmente como tratamento de escolha do paciente com anemia ferropriva. Entretanto, a terapêutica com ferro intravenoso constitui alternativa eficaz, que pode ser indicada em determinadas situações nas quais a reposição oral de ferro não for suficiente para se obter a normalização dos valores da hemoglobina e/ou dos depósitos normais de ferro no organismo em virtude de má absorção, baixa tolerabilidade por parte do paciente, ou ainda, quando for necessária rápida correção da hemoglobina circulante.7–9

Nesse estudo, analisamos cinqüenta pacientes com anemia ferropriva cuja idade média foi de 45 anos, variando entre 28 e 76 anos; 40 (80,0%) eram do sexo feminino e 72,0% dos pacientes encontravam–se entre 35 e 54 anos.

Vinte e quatro (48,0%) pacientes tinham como motivo de inclusão neste estudo a falha de resposta à terapia com ferro oral. Essa falha de tratamento deveu–se, basicamente, à persistência da causa ou fator responsável pela anemia, ou seja, persistência do sangramento crônico ou diminuição da absorção do ferro. Nesses casos, a reposição oral de ferro não foi suficiente para correção da anemia e tampouco para normalização dos depósitos de ferro do organismo.

Vinte e dois (44,0%) pacientes foram incluídos nesse estudo por intolerância ao ferro oral. Os principais sais de ferro disponíveis para suplementação oral são: sulfato ferroso, cujo comprimido de 300 mg contém 60 mg de ferro elementar; fumarato de ferro (Fe++), cujo comprimido de 200 mg equivale a 66 mg de ferro elementar; gluconato de ferro (Fe++), 300 mg correspondem a 36 mg de ferro elementar; e hidróxido de ferro III polimaltosado, 330 mg equivalem a 100 mg de ferro elementar. A dose preconizada para indivíduos adultos é de 3 a 5 mg/kg de peso corpóreo por dia ou 150 a 200 mg de ferro elementar por dia dividida em três tomadas.6–8

Estima–se que cerca de 10,0% a 40,0% dos pacientes apresentem reações adversas à administração de ferro por via oral. As reações mais comuns são de natureza gastrointestinal, como náusea, epigastralgia, vômito, diarréia ou constipação. Tais sintomas se devem, na maioria das vezes, à dose utilizada e não ao composto propriamente dito, embora as preparações de liberação lenta (ex. ferro polimaltosado) ofereçam melhor tolerabilidade. Alguns desses sintomas podem ser minimizados administrando–se o ferro juntamente com as refeições ou diminuindo a dose administrada. Entretanto, a persistência desses efeitos adversos resulta em menor adesão do paciente ao tratamento e, conseqüentemente, menor eficácia do mesmo.8,10

A causa mais comum de anemia ferropriva no sexo feminino foi sangramento uterino anormal observado em 25/40 (62,5%). Na mulher em idade reprodutiva, a perda sangüínea nas menstruações é freqüentemente responsável pelo aumento das necessidades de ferro.

Guerra et al., estudando mulheres com anemia ferropriva, verificaram como principal causa da anemia a perda menstrual abundante caracterizada por duração média da menstruação de 5,3 dias e presença de coágulos.2

Nas mulheres com menstruação abundante, quer em número de dias quer pela presença de coágulos, há necessidade de acompanhamento permanente enquanto persistir a causa, ou seja, o sangramento uterino anormal. Nessas situações, é comum a persistência da deficiência de ferro e recorrência da anemia, e, por sua vez, uso prolongado de ferro oral propiciando maior ocorrência de efeitos adversos bem como menor aderência da paciente ao tratamento. A detecção da diminuição dos estoques de ferro indica a necessidade de reintrodução da terapêutica, cuja duração e intervalo variam de caso a caso.7,8

Para mulheres em idade reprodutiva, presença de anemia cuja intensidade é desproporcional à perda sangüínea menstrual referida pela paciente indica, obrigatoriamente, a necessidade de investigação de possível causa ou fator adicional relacionado à condição de anemia ferropriva, além da causa ginecológica.6,7

Nesse estudo, das 25 pacientes com sangramento uterino anormal, cinco (20,0%) apresentavam fator adicional à condição de anemia ferropriva, sobretudo presença de sangramento digestivo (observado em três pacientes), gastrectomia (uma), gastroplastia redutora (uma).

Em mulheres pós–menopausa e em homens, a disponibilidade restrita de ferro proveniente da dieta raramente é a única explicação para a deficiência de ferro, devendo–se considerar outras causas como perda de sangue pelo trato gastrointestinal.6,7 Das 15 pacientes sem sangramento uterino anormal, nove (60,0%) apresentavam como causa da anemia: sangramento digestivo observado em sete (46,5%) casos [gastrite (dois), diverticulite (dois), angiodisplasia do cólon (dois), Rendu Osler–Weber (um)], gastrectomia parcial (um) e gastroplastia redutora (um).

A causa mais comum de anemia ferropriva no sexo masculino foi gastrectomia parcial observada em 7/10 (70,0%). Dos outros três pacientes, dois apresentavam sangramento digestivo [esquistossomose (um) e diverticulite (um)].

Cerca de 50,0% dos pacientes submetidos à gastrectomia desenvolvem, ulteriormente, algum grau de deficiência de ferro, podendo ser acompanhada de anemia. Os principais fatores envolvidos na gênese dessa deficiência são: exclusão de boa parte do duodeno (nas reconstruções a Bilroth II), aumento do trânsito gastrointestinal com diminuição do tempo disponível para a absorção, redução na formação do ácido clorídrico e perda sangüínea gastrointestinal pré ou pós–operatória, sem a adequada reposição de ferro.5,7

A experiência obtida com a utilização de complexos de ferro–dextran, sobretudo nas décadas de 70 e 80, gerou acentuado temor na indicação do tratamento com ferro parenteral devido à elevada incidência de reações adversas e de complicações graves após administração do ferro–dextran.6,9 Esses preparados são constituídos de complexos fracos e instáveis, resultando na liberação plasmática de ferro iônico, rápida saturação das proteínas de transporte, depósito preferencial no tecido hepático e concentrações mais elevadas de ferro sobretudo nos rins. Além disso, a presença de polímeros biológicos na composição das preparações de ferro–dextran aumentam significativamente o risco de reações anafiláticas.7,8

A partir da década de 90, dois novos compostos de ferro para utilização por via intravenosa foram aprovados pelo FDA (Food and Drug Administration) norte–americano, embora esses compostos já estivessem sendo utilizados na Europa e em outros continentes há mais tempo. Esses compostos correspondem ao gluconato férrico de sódio e ao sacarato de hidróxido de ferro III.8–10

A utilização de complexos de hidróxido férrico polinucleares, como é o caso do sacarato de hidróxido de ferro III, tem–se mostrado altamente eficaz, com excelente tolerabilidade e toxicidade mínima devido à maior estabilidade desse complexo de alto peso molecular, que tem a propriedade de não liberar ferro iônico na circulação, evitando assim a saturação da transferrina plasmática.8–10 O ferro é captado pelo sistema mononuclear macrofágico não apenas hepático, mas também do baço e da medula óssea, bem como pela transferrina e pela apoferritina, A seguir, é rapidamente metabolizado e prontamente disponível para ser utilizado para a eritropoese.9–11

Em nosso estudo, todos os pacientes apresentaram aumento significativo dos valores médios do ferro sérico, da hemoglobina circulante e da ferritina sérica. O incremento médio de hemoglobina foi de 3,61 g/dL para o sexo feminino e de 4,83 g/dL para o sexo masculino após período médio de tratamento relativamente curto, ou seja, de seis semanas.

A correção da anemia foi obtida em 26/40 (65,0%) dos pacientes do sexo feminino e em 9/10 (90,0%) dos pacientes do sexo masculino.

Quinze pacientes (quatorze mulheres e um homen), embora tenham obtido incremento significativo com a administração do ferro intravenoso, não obtiveram normalização dos valores da hemoglobina. Isto deveu–se, provavelmente, à persistência da causa que levou à anemia e sugere a necessidade de continuação do tratamento com ferro. Os dados obtidos em nosso estudo são concordantes com os resultados publicados na literatura.10,12–16

Quatro (8,0%) pacientes foram incluídos por apresentarem valor de hemoglobina menor do que 7,0 g/dL e, conseqüentemente, necessidade de correção mais rápida da hemoglobina.

Seis pacientes, três deles com mais de 60 anos, haviam recebido transfusão de hemácias antes de iniciar o tratamento com ferro intravenoso. A capacidade de adaptação do organismo frente à situação de anemia depende de vários fatores como idade, condições cardiovasculares e pulmonares, e velocidade de instalação da anemia. Levando–se em consideração que o incremento da concentração da hemoglobina com a administração de ferro intravenoso é relativamente rápida, cabe ao médico clínico considerar a real necessidade da indicação de transfusão de hemácias ou de se aguardar a resposta com a terapêutica com ferro intravenoso, se as condições clínicas do paciente assim o permitirem.

Dos cinqüenta pacientes estudados, nenhum recebeu transfusão de hemácias durante ou após o término do tratamento.

Quanto à segurança do medicamento utilizado, nenhum paciente apresentou qualquer reação adversa grave à terapêutica com ferro intravenoso. Constatamos a ocorrência de apenas sete eventos adversos em 599 infusões endovenosas (1,2%) atribuídos ao fármaco sem que houvesse necessidade de suspensão do tratamento em nenhum dos casos. Embora o pequeno número de casos estudados, os resultados observados em nosso estudo confirmam os dados relatados na literatura.8,11,13,16

Conclusão

O uso intravenoso do sacarato de hidróxido de ferro III é uma opção eficaz e segura no tratamento de pacientes adultos com anemia ferropriva que não obtiveram resposta satisfatória com a utilização do ferro oral.

Essa opção terapêutica deve ser levada em consideração sobretudo nos pacientes com graus mais intensos de anemia, com o objetivo de se obter rápido aumento dos valores de hemoglobina e se evitar o uso da transfusão de hemácias.

Agradecimentos

Agradecemos aos pacientes que participaram deste estudo, ao Serviço de Patologia Clínica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo pela realização dos exames laboratoriais e ao Laboratório Altana Pharma de São Paulo, que nos forneceu parte da quantidade de Noripurum endovenoso – sacarato de hidróxido de ferro III, utilizado neste trabalho.

Recebido: 13/06/2006

Aceito: 05/12/2006

Este estudo recebeu apoio da FAP–SC – Fundação de Amparo à Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas de Santa Casa de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Trabalho realizado na disciplina de Hematologia e Oncologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, Brasil.

Avaliação: Editor e dois revisores externos

Conflito de interesse: não declarado

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  • Correspondência:
    Rodolfo Delfini Cançado
    Hemocentro da Santa Casa de São Paulo
    Rua Marquês de Itú, 579 – 2º andar
    01223–001 – São Paulo–SP – Brasil
    E–mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      05 Dez 2006
    • Recebido
      13 Jun 2006
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