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Aloimunização após transfusão de concentrado de hemácias em pacientes atendidos em um serviço de emergência

Post-transfusion red cell alloimmunisation in patients with acute disorders and medical emergencies

EDITORIAIS / EDITORIALS

Aloimunização após transfusão de concentrado de hemácias em pacientes atendidos em um serviço de emergência

Post-transfusion red cell alloimmunisation in patients with acute disorders and medical emergencies

José Orlando Bordin

Professor titular da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Federal de São Paulo

Correspondência Correspondência: José Orlando Bordin Universidade Federal de São Paulo Disciplina de Hematologia e Hemoterapia Rua Botucatu, 740 04023-900 - São Paulo-SP – Brasil Tel.: (11)5579-1550; Fax: (11)5571-8806 E-mail: jobordin@hemato.epm.br

A aloimunização após exposição a aloantígenos eritrocitários depende de fatores genéticos e adquiridos do paciente, dose e via de administração, e da imunogenicidade do antígeno, porém a cinética exata desta complicação transfusional ainda não está completamente elucidada. A taxa de aloimunização eritrocitária em pacientes transfundidos cronicamente pode atingir 50%, entretanto a incidência de anticorpos clinicamente relevantes em pacientes transfundidos, ocasionalmente, não é perfeitamente conhecida. Estima-se que cerca de 1% dos pacientes são sensibilizados a cada unidade de hemácias transfundida.

O artigo de Santos et al.,1 publicado neste fascículo da Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, descreve resultados sobre aloimunização eritrocitária em pacientes com condições clínicas agudas que foram transfundidos com concentrados de hemácias. Após exclusão de 501 pacientes que apresentavam aloimunização prévia, ou que estavam com tempo de internação inferior a uma semana, os autores analisaram 5.690 receptores (4.025 homens e 1.665 mulheres). Utilizando a técnica de gel centrifugação, os investigadores detectaram aloanticorpos eritrocitários em 120 indivíduos (taxa de aloimunização = 2,1%), correspondendo a 60 homens (taxa de aloimunização = 1,5%) e 60 mulheres (taxa de aloimunização = 3,6%). O número médio de unidades transfundidas foi de 2,87 unidades/paciente levando a um risco de aloimunização de 0,83% por unidade transfundida, sendo 0,59% para os homens, e 1,44% para as mulheres. O tempo médio de detecção dos aloanticorpos eritrocitários foi de 20,1 dias, e os anticorpos detectados com maior freqüência foram anti-E (18%) e anti-D (16%).1 Esses achados devem ser comparados com os descritos na literatura internacional.

Recentemente, um estudo retrospectivo multicêntrico internacional analisou os fatores que podem influenciar a taxa e a especificidade de aloanticorpos eritrocitários, enfatizando especialmente o tempo de intervalo entre a transfusão e a detecção do anticorpo. Foram estudados aloanticorpos clinicamente significantes dirigidos contra antígenos dos grupos sangüíneos Rhesus, Kell, Duffy, Kidd, e MNSs. A análise multivariada envolvendo 1.710 pacientes imunizados revelou que o tempo entre a transfusão e a detecção do anticorpo estava fortemente associado com a especificidade do anticorpo. Anti-Jkª e anti-Jkb foram encontrados durante vários meses, enquanto anti-K e anti-Fyª foram os anticorpos mais observados após cinco anos da transfusão. Entre todos os pacientes sensibilizados, novos anticorpos foram detectados dentro de 14 dias após transfusão em 299 indivíduos (16,8%), e após 14 dias em 1.479 pacientes (8,2%). Um subgrupo (50%) dos receptores de transfusão foi novamente testado para aloimunização devido à nova indicação transfusional, e 11 entre os 2.932 pacientes (0,4%) retestados até três dias após a transfusão desenvolveram novos anticorpos.2

Considerando que com expectativas de vida mais longa a probabilidade de novas transfusões aumenta, um estudo retrospectivo multicêntrico de 20 anos foi realizado com pacientes aloimunizados, sem doença oncohematológica, e não transfundidos cronicamente, para analisar a formação adicional de aloanticorpos dirigidos contra antígenos dos sistemas de grupos sangüíneos Rhesus, Kell, Duffy, Kidd, e MNSs após novos eventos transfusionais. Foi observado que 21,4% de 653 pacientes produziram 157 novos anticorpos, e que, ao final do estudo, 33,4% dos pacientes possuíam múltiplos anticorpos. Entre 140 pacientes que formaram novos anticorpos, 80 (57%) foram sensibilizados após receberem um número mediano de duas unidades de hemácias.3

É importante lembrar que a taxa de aloimunização eritrocitária pode diferir entre determinadas regiões ou países, devido a diferenças entre o padrão fenotípico eritrocitário da população de doadores e dos receptores.4,5 A identificação das características dos pacientes com maior risco para aloimunização eritrocitária pode facilitar a decisão de limitar o uso de unidades com fenotipagem compatível ampliada (além de ABO e Rh) para os pacientes com maior risco. Como foi descrito anteriormente, o risco de aloimunização aumenta com maior freqüência o volume transfusional, e a imunização depende da antigenicidade e da via de administração. Assim, pacientes com hemoglobinopatias devem possuir taxas mais elevadas de aloimunização quando comparados a pacientes transfundidos devido à condição clínica aguda.6 Entretanto, alguns estudos demonstram que a taxa de aloimunização eritrocitária de pacientes com doença falciforme no Brasil não é tão elevada como aquela descrita por estudos norte-americanos e europeus, provavelmente devido ao maior grau de miscigenação e compatibilidade entre a expressão antigênica de doadores e de pacientes com hemoglobinopatia.4,5,7

Recentemente, um estudo de caso-controle examinou fatores clínicos potencialmente associados a maior risco de aloimunização em 87 pacientes e 101 indivíduos controles. Alguns fatores aparentes para aumento do risco de aloimunização foram identificados: presença de tumor maligno sólido, transplante alogênico de células hematopoéticas e história de diabetes mellitus. Por outro lado, a presença de doença linfoproliferativa ou doença ateroesclerótica sintomática parece representar fatores de proteção contra produção de aloanticorpos após transfusão.8 É possível que esses fatores de risco estejam relacionados a um estado de inflamação crônica, como o aumento da ativação imune descrito na síndrome metabólica caracterizada por obesidade, inflamação, diabetes e doença cardíaca. Nesse contexto, estudos experimentais com modelo murino de aloimunização a antígenos eritrocitários que utilizaram camundongos mHEL, que expressam lisozima de ovo, como doadores de sangue, revelaram que a presença de inflamação nos animais transfundidos aumentou significantemente a aloimunização.9

Em conclusão, o artigo de Santos et al.1 fornece novas informações sobre aloimunização eritrocitária em pacientes que recebem transfusões ocasionais devido a condições clínicas agudas e pode ser útil para a elaboração de novos estudos que facilitem o entendimento dos fatores de risco envolvidos nessa complicação transfusional.

Recebido:05/12/2007

Aceito: 05/12/2007

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor

Conflito de interesse: não declarado

  • 1. Santos FWR, Magalhães SMM, Mota RMS, Pitombeira MH. Post-transfusion red cell alloimmunization in patients with acute disorders and medical emergencies. Rev Bras Hematol Hemoter. 2007;29(4):369-372.
  • 2. Schonewille H, van de Watering LM, Loomans DS, Brand. Red blood cell alloantibodies after transfusion: factors influencing incidence and specificity. Transfusion. 2006;46:250-6.
  • 3. Schonewille H, van de Watering LM, Brand. Additional red blood cell alloantibodies after blood transfusions in a nonhematologic alloimmunized patient cohort: is it time to take precautionary measures? Transfusion. 2006;46:630-5.
  • 4. Vichinsky EP, Earles A, Johnson RA, Hoag MS, Williams A, Lubin B. Alloimmunization in sickle cell anemia and transfusion of racially unmatched blood. N Engl J Med. 1990;322:1617-21.
  • 5. Moreira Jr G, Bordin JO, Kuroda A, Kerbauy J. Red blood cell alloimunization in sickle cell disease: The influence of racial and antigenic pattern differences between donors and recipients in Brazil Am J Hematol. 1996;52:197-200.
  • 6. Campbell-Lee SA. The future of red cell alloimmunization. Transfusion. 2007;47:1959-60.
  • 7. Fabron Jr A, Baleotti Jr W, Mello AB, Chiba AK, Kuwano S, Figueiredo MS, Bordin JO. Application of noninvasive phagocytic cellular assays using autologous monocytes to assess red cell alloantibodies in sickle cell patients. Transfus Apher Sci. 2004;31:29-35.
  • 8. Bauer MP, Wiersum-Osselton J, Schipperus M, Vandenbroucke JP, Briet E. Clinical predictors of alloimmunization after red blood cell transfusion. Transfusion. 2007;47:2066-71.
  • 9. Hendrickson JE, Desmares M, Deshpande SS, Chadwick TE, Hyller CD, Roback JD, Zimring JC. Recipient inflammation affects the frequency and magnitude of immunization to transfused red blood cells. Transfusion. 2006;46:1526-36.
  • Correspondência:
    José Orlando Bordin
    Universidade Federal de São Paulo
    Disciplina de Hematologia e Hemoterapia
    Rua Botucatu, 740
    04023-900 - São Paulo-SP – Brasil
    Tel.: (11)5579-1550; Fax: (11)5571-8806
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007
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