Acessibilidade / Reportar erro

Sarcoma granulocítico com apresentação inicial cutânea e ganglionar

Granulocytic sarcoma of skin and lymph nodes

Resumo

A case of granulocytic sarcoma of skin and lymph nodes is reported in a 65-year-old man as an initial presentation of a myeloproliferative disorder, chiefly involving myelofibrosis. The symptoms, physical examination, hematological findings, imunohistochemistry and anatomopathological results and evolution of the disease are described. As this is an unusual case, stress was placed on the diagnostic confusion that may occur.

Granulocytic sarcoma; myeloproliferative disorder; myeloperoxidase


Granulocytic sarcoma; myeloproliferative disorder; myeloperoxidase

CARTA AO EDITOR

Sarcoma granulocítico com apresentação inicial cutânea e ganglionar

Granulocytic sarcoma of skin and lymph nodes

Herivaldo F. SilvaI; Verônica M. BenevidesII; Rodrigo M. RibeiroIII; Germana FranckIII; Alana J. M. CastroI; Francisco D. Rocha FilhoIV; Francisco V. A. FerreiraV

IServiço de Hematologia do Hospital Universitário Walter Cantídio

IIResidente de Clínica Médica do Hospital Universitário Walter Cantídio

IIIResidente de Hematologia do Hospital Universitário Walter Cantídio

IVServiço de Patologia do Hospital Universitário Walter Cantídio

VServiço de Patologia do Instituto do Câncer do Ceará

Endereço para correspondência Correspondência: Herivaldo Ferreira da Silva Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará - Hemoce Av. José Bastos, 3390 60435-160 – Fortaleza-CE - Brasil Tel.: (85) 3101-2272 E-mail: herivaldo@hemoce.ce.gov.br

ABSTRACT

A case of granulocytic sarcoma of skin and lymph nodes is reported in a 65-year-old man as an initial presentation of a myeloproliferative disorder, chiefly involving myelofibrosis. The symptoms, physical examination, hematological findings, imunohistochemistry and anatomopathological results and evolution of the disease are described. As this is an unusual case, stress was placed on the diagnostic confusion that may occur.

Key words: Granulocytic sarcoma; myeloproliferative disorder; myeloperoxidase.

Sr. Editor

O sarcoma granulocítico (SG), cloroma ou tumor mielóide extramedular, é uma massa tumoral de mieloblastos ou células mielóides imaturas que aparece em locais extramedulares, principalmente tecido ósseo.1 É uma variante rara das neoplasias mielóides, conhecida antigamente por cloroma, por sua coloração esverdeada, secundária à expressão de mieloperoxidase (MPO).2

A massa tumoral pode preceder ou ocorrer concomitantemente com leucemia mielóide aguda (LMA), mielóide crônica, com os outros tipos de síndromes mieloproliferativas ou mielodisplásicas.3 O SG pode também ser manifestação inicial ou de recaída de LMA previamente tratada, em remissão, sendo acometidas com maior freqüência, as estruturas ósseas (crânio, seios paranasais, esterno, costelas, vértebras e pelve); gânglios linfáticos e pele também são locais comuns.1

O SG pode ser também a primeira evidência de uma LMA e preceder sua manifestação na MO. Ocorre em 2% a 14% dos casos de LMA.1 É mais freqüente na LMA com t(8;21) e nos subtipos morfológicos FAB M1 e M2.4

Os mieloblastos no SG expressam antígenos associados a células mielóides, como CD13, CD33, CD117 e MPO. Os monoblastos dos sarcomas monoblásticos apresentam antígenos de superfície, CD14, CD116, CD115 e usualmente reagem com anticorpos para lisozima, CD68 pela imunohistoquímica.

Relatamos um caso de SG com infiltrações cutânea e ganglionar, como primeira evidência de uma síndrome mieloproliferativa, secundário a mielofibrose primária, diagnóstico confirmado por achados citológicos do sangue, MO, pele e imunohistoquímica de MO, gânglio e pele.

Paciente F.M.S., 65 anos, masculino, agricultor, procedente de Santarém-PA, admitido no Serviço de Hematologia do Hospital Universitário Walter Cantídio, em setembro de 2005, com relato de prurido generalizado há três anos, seguindo-se o aparecimento de placas eritêmato-descamativas em membros superiores e inferiores, aparecimento de "massa" em região inguinal bilateral há 24 e aumento de volume abdominal há aproximadamente 12 meses. Referia internamento prévio em dois hospitais terciários, com diagnóstico inicial de micose fungóide e, posteriormente, síndrome de Sézary.

Ao exame físico, apresentava estado geral regular, hipocorado (2+/4+), hidratado, afebril, eupnéico, sem alterações neurológicas. Pressão arterial em decúbito dorsal de 120 x 70 mmHg, freqüência cardíaca de 92 bpm, sopro sistólico pancardíaco (2+/6+). Ausculta pulmonar fisiológica. Exame abdominal, fígado palpável a 4,0 cm do RCD e baço a 8,0 cm do RCE. Apresentava dois linfonodos palpáveis em região inguinal direita, dois em região inguinal esquerda, um linfonodo em cadeia cervical posterior esquerda, o maior com diâmetro de 3,0 cm, fibroelásticos, não fusionados, sem sinais flogísticos, aderidos a planos profundos. Havia lesões cutâneas em placas, eritêmato-descamativas, pruriginosas, em tórax e membros (Figuras 1e 2). Uma primeira biópsia e imunohistoquímica de pele que revelavam infiltrado linfóide atípico, provável micose fungóide, não sendo possível confirmação diagnóstica, antígeno de proliferação celular Ki-67, CD20, CD3 e CD1a positivos. A tomografia de abdome (TC) confirmou hepatoesplenomegalia e presença de linfonodos inguinais bilateralmente. Na biópsia de MO, material hipercelular, compatível com envolvimento medular por linfoma - micose fungóide/Sézary, hiperplasia megacariocítica e fibrose, com aumento da reticulina.


O hemograma mostrou Hb: 7,5g/dL, Ht: 22%, hemácias normocíticas e normocrômicas; leucócitos: 16x109/L, com desvio escalonado até blastos; e plaquetopenia: 16x109/L. Sorologias para sífilis, HIV 1 e 2, HTLV 1 e 2, hepatite B e C negativas. Imunohistoquímica de pele: CD20, CD34, CD2 e CD68 negativos e CD45RB e MPO positivos, concluindo que a positividade para MPO indica a origem mielóide das células neoplásicas, confirmando o diagnóstico de leucemia mielóide aguda/sarcoma granulocítico (Figura 3). A biópsia de linfonodo cervical mostrou hematopoese extramedular com grande componente de células jovens, sendo consistente com SG (Figura 4). O mielograma apresentou medula hipocelular, série eritróide com 10% de hemácias em lágrimas, série mielóide 76% e 3% de blastos. Os hemogramas seriados mostraram persistência de reação leucoeritroblástica e dacriócitos. O cariótipo foi normal pela análise de mitoses em banda G.



O paciente foi tratado com hidroxiuréia (2,0g) ao dia, durante cinco dias, havendo piora das lesões cutâneas, iniciando-se ARA-C, subcutâneo, em baixas doses. Houve regressão total das lesões e do prurido. O paciente encontra-se em acompanhamento ambulatorial até o momento.

No caso descrito, evidenciamos a associação de SG com síndrome mieloproliferativa, mais especificamente mielofibrose idiopática, pois o paciente apresentava acentuada esplenomegalia, reação leucoeritroblástica, presença de dacriócitos e fibrose medular confirmado pela reticulina.

Envolvimento cutâneo em LMA é manifestação comum, entretanto SG sem manifestações leucêmicas é uma condição rara.5 O diagnóstico pode ser difícil sem imunohistoquímica. Quando os sarcomas consistem de células predominantes da linhagem monocítica, são diagnosticados erroneamente como linfomas malignos mesmo com imunohistoquímica porque freqüentemente apresentam positividade para antígenos de células T. No caso em estudo, o paciente teve diagnóstico inicial de linfoma cutâneo T.

As manifestações do SG são semelhantes às do linfoma, podendo ser facilmente confundido com linfoma maligno, quando não há evidência de leucemia. Antígenos mielóides, como a lisozima, devem ser incluídos no diagnóstico imunohistoquímico de linfoma para excluir SG.6 Neste caso a imunohistoquímica revelou positividade para a MPO e os achados histológicos de pele e gânglio linfático foram compatíveis com infiltração por SG. Na literatura, encontram-se relato de cerca de 400 casos de SG,7,8 sendo mais freqüentes em crianças, geralmente associados a estruturas ósseas. Quando o tumor aparece precedendo a apresentação da leucemia mielóide crônica, as estruturas mais freqüentemente comprometidas são os gânglios linfáticos, meninges, pele, mamas e ossos planos. No presente caso, o SG foi descrito em adulto, sem comprometimento ósseo, como a primeira evidência de uma síndrome mieloproliferativa.

Recebido: 13/09/2006

Aceito após modificações: 29/01/2008

Avaliação: Editor e dois revisores externos

Conflito de interesse: não declarado

  • 1. Liu PI, Ishimaru T, McGregor DH, Okada H, Steer A. Autopsy study of granulocytic sarcoma (chloroma) in patients with myelogenous leukemia, Hiroshima-Nagasaki 1949-1969. Cancer 1973;31(4): 948-55.
  • 2. Baer MR. Management of unusual presentations of acute leukemia. Hematol Oncol Clin North American. 1993;7:275-92.
  • 3. Neimen RS, Barcos M, Berard C, Bonner H, Mann R, Rydell RE, et al. Granulocytic sarcoma: a clinicopathologic study of 61 biopsied cases. Cancer. 1981;48(6):1426-37.
  • 4. Sébahoun, G. Leucémie aiguë myéloide. In: Hématologie clinique et biologique. Arnette, Group SA, 2006;157-66.
  • 5. Khalidi H, Medeiros J, Chang KL, Brynes RK, Slovak ML, Arber DA. The immunophenotype of adult acute myeloid leukemia: High frequency of lymphoid antigen expression and comparison of immunophenotype, French-American-British classification, and karyotypic abnormalities. Am J Clin Pathol 1998;49:211-20.
  • 6. Bsingh T, Magnuson J, Harel SG. Granulocytic sarcoma of the nasal septum. Rhinology. 1994;8 (6):319-22.
  • 7. Agaliotis DP, Papermrusen PR, Moscinsk LC, Elfenhem GJ. Case report of spontaneous remission of cytogenetic replse chronic myelogenous leukemia suggestive of progression to blast crisis after allogenic bone marrow transplantation animales. Hematology 1995;70(1):37-41.
  • 8. Chabner BA, Haskel CM, Cannelos GP. Destructive bone lesions in chronic granulocytic leukemia. Medicine. 1969;48:401-10.
  • Correspondência:
    Herivaldo Ferreira da Silva
    Centro de Hematologia e Hemoterapia do Ceará - Hemoce
    Av. José Bastos, 3390
    60435-160 – Fortaleza-CE - Brasil
    Tel.: (85) 3101-2272
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2008

    Histórico

    • Aceito
      29 Jan 2008
    • Recebido
      13 Set 2006
    Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular R. Dr. Diogo de Faria, 775 cj 114, 04037-002 São Paulo/SP/Brasil, Tel. (55 11) 2369-7767/2338-6764 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: secretaria@rbhh.org