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Diferenciação das anemias microcíticas utilizando a determinação do RDW

Differentiation of microcytic anemias by RDW measurement

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Diferenciação das anemias microcíticas utilizando a determinação do RDW

Differentiation of microcytic anemias by RDW measurement

Helena Z. W. Grotto

Professora Associada – Docente do Departamento de Patologia Clínica da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.

Correspondência Correspondência: Helena Zerlotti Wolf Grotto Departamento de Patologia Clínica – Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp 13083-970 – Campinas-SP – Brasil CP 6111 Tel.: (19) 35217064 E-mail: grotto@fcm.unicamp.br

Os equipamentos hematológicos fornecem diversos parâmetros visando auxiliar no diagnóstico laboratorial de várias condições clínicas. No que se refere à caracterização das alterações da linhagem eritrocítica, o objetivo maior é que esses dados possam representar ferramentas úteis no diagnóstico e na diferenciação de várias formas de anemias, assim como no acompanhamento do paciente submetido a uma determinada terapêutica. Determinações que caracterizam a hemácia madura circulante ou dados referentes aos reticulócitos têm sido freqüentemente incrementados pelos equipamentos e, concomitantemente, testados pelos usuários na tentativa de se estabelecer a aplicabilidade clínica dos novos parâmetros.

O RDW (red cell distribution width) é um desses índices. É medido como um coeficiente de variação da distribuição das hemácias, ou seja, é um indicativo do grau de anisocitose das hemácias expresso em porcentagem. O primeiro relato referente a esse índice como um indicador da heterogeneidade do volume eritrocitário data de 1975.1 Em 1980, um estudo mostrou sensibilidade de 78% e especificidade de 94% nos valores de RDW na diferenciação entre pacientes com anemia ferropriva e heterozigotos para alfa ou beta talassemias.2 Várias outras análises têm sido conduzidas, tanto na investigação das anemias microcíticas e macrocíticas, como, mais recentemente, como um marcador de doenças inflamatórias3 ou de risco para eventos cardiovasculares.4

Dados da literatura mostram que são controversos os resultados sobre a acurácia do RDW na diferenciação das anemias, tanto quando o RDW é testado como um índice isolado como quando associado a outros dados numéricos da hematimetria na forma de fórmulas matemáticas.5,6,7 Uma das limitações na análise desses resultados é que não existe uma homogeneidade nos valores discriminantes de cada parâmetro como indicativo de uma ou outra condição. No trabalho de Beyan et al6 foram adotados, entre outros parâmetros, valores de RDW superiores a 14% e número de hemácias inferior a 5 x109/L como favoráveis ao diagnóstico de anemia ferropriva e RDW menor ou igual a 14% e contagem de hemácias superior a 5 x109/L como favoráveis ao diagnóstico de beta talassemia. Os autores relataram que o número de hemácias foi o melhor índice discriminatório entre as duas anemias. Em outro estudo, onde o valor de cut-off do RDW para discriminar os dois tipos de anemia foi 17%, esse índice mostrou uma eficiência de 82,4%, enquanto a determinação do número de hemácias mostrou uma eficiência de 75,6% na diferenciação entre as duas anemias microcíticas.8

Nesta edição da RBHH é publicado um estudo de Matos e col. em que é avaliada a acurácia do RDW na diferenciação entre anemia ferropriva, anemia de doença crônica e beta talassemia heterozigótica. De acordo com os resultados apresentados, embora tenha havido uma leve tendência a maiores valores de RDW na anemia ferropriva, não houve diferença significativa entre os valores médios de RDW entre os três grupos estudados, o que leva os autores a sugerir a limitação da utilização desse parâmetro na distinção entre esses três tipos de anemia tão comuns no nosso meio.

O elevado grau de automação dos aparelhos hematológicos em uso na maioria dos laboratórios de análise de médio e grande porte tem proporcionado uma economia substancial de tempo na emissão dos resultados e grande grau de confiabilidade nos mesmos, desde que as normas preconizadas de controle de qualidade sejam efetivamente empregadas. Adicionalmente tem permitido a incorporação de novas informações que podem ser interessantes no entendimento da fisiopatogênese de determinadas doenças, assim como no diagnóstico laboratorial de algumas condições clínicas. Diferentemente do que possa aparentar, a tecnologia não substitui outros procedimentos laboratoriais como, por exemplo, a análise microscópica do sangue. No entanto, se utilizados com critério, os diversos recursos oferecidos pela automação podem representar importantes ferramentas principalmente no reconhecimento de amostras anormais, reservando um tempo maior na análise mais pormenorizada das amostras alteradas.

Os resultados deste estudo e os demais relatos da literatura confirmam essa abordagem. Na prática, o que se observa é que esses novos parâmetros podem ser bastante úteis como screening, uma vez que, dependendo dos resultados, podem sugerir um ou outro diagnóstico mais provável. A partir dessa primeira informação, outros testes laboratoriais mais específicos devem ser realizados, obedecendo uma ordem lógica dentro do suposto diagnóstico e tendo os dados clínicos como importantes aliados. Assim, por exemplo, pacientes que apresentam anemia microcítica/hipocrômica, com altos valores de RDW e número de hemácias inferior a 5 x109/L devem ser primeiramente investigados sobre uma possível deficiência de ferro. Já os casos em que os valores de RDW apresentam valores intermediários e altas contagens de hemácias, supostamente tratam-se de talassêmicos heterozigóticos, e um estudo hemoglobínico deve ser indicado como primeira opção de investigação.

Concluindo, a utilização do RDW e demais parâmetros fornecidos pela automação podem representar um auxílio importante no diagnóstico de diversas condições clínicas. No entanto, devem ser interpretados com cautela, e o suposto diagnóstico deve ser confirmado com exames mais sensíveis e específicos relacionados à hipótese diagnóstica.

Recebido: 18/03/2008

Aceito: 25/03/2008

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

  • 1. Bessman JD, Johnson RK. Erythrocyte volume distribution in normal and abnormal subjects. Blood. 1975;46(3):369-79.
  • 2. Bessman JD, Gilmer PR Jr, Gardner FH. Improved classification of anemias by MCV and RDW. Am J Clin Pathol. 1983;80(3):322-6.
  • 3. Clarke K, Sagunarthy R, Kansal S. RDW as an additional marker in inflammatory bowel disease/undifferentiated colitis. Dig Dis Sci. 2008; DOI 10.1007/s10620-007-0176-8.
  • 4. Tonelli M, Sacks F, Arnold M, Moye L, Davis B, Pfeffer M; for the Cholesterol and Recurrent Events (CARE) Trial Investigators. Relation between red blood cell distribution width and cardiovascular event rate in people with coronary disease. Circulation. 2008; 117(2):163-8.
  • 5. Lima CSP, Reis ARC, Grotto HZW, Saad STO, Costa FF. Comparison of red cell distribution width and a red cell discriminant function incorporating volume dispersion for distinguishing iron deficiency from beta thalassemia trait in patients with microcytosis. São Paulo Med J. 1996;114(5):1265-9.
  • 6. Beyan C, Kaptan K, Ifran A. Predictive value of discrimination indices in differential diagnosis of iron deficiency anemia and beta-thalassemia trait. Eur J Haematol. 2007;78(6):534-26.
  • 7. Ntaios G, Chatzinikolaou A, Saouli Z, Girtovits F, et al. Discrimination indices as screening tests for beta-thalassemic trait. Ann Hematol. 2007;86(7):487-91.
  • 8. Grotto HZW, Carneiro MV, Dezotti BHC, Kimura EM. RDW utility and interpretation of erythrocyte distribution curve for anemia diagnoses. Rev Bras Pat Clin. 1994;30(4):164-72.
  • Correspondência:
    Helena Zerlotti Wolf Grotto
    Departamento de Patologia Clínica – Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
    13083-970 – Campinas-SP – Brasil
    CP 6111
    Tel.: (19) 35217064
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Abr 2008
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