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Importância dos testes sorológicos de triagem e confirmatórios na detecção de doadores de sangue infectados pelo vírus da hepatite C

Importance of screening and confirmatory tests to detect blood donors infected by the hepatitis C virus

Resumos

A triagem sorológica de doadores de sangue com baixos índices de prevalência de infecção, como no caso da hepatite C (HCV), gera um percentual considerável de resultados falso-positivos e descarte de bolsas de hemocomponentes freqüentemente não infectados. O objetivo deste estudo foi pesquisar o perfil sorológico e, com base no teste confirmatório, a ocorrência de hepatite C nos doadores com sorologia positiva ou indeterminada do Hemocentro Regional de Uberaba (HRU). Os testes confirmatórios foram realizados por meio da detecção do RNA do HCV no plasma, utilizando-se o método RT-PCR qualitativa. Foram realizadas, no período de 1992 a 2005, 171.027 doações de sangue no HRU, sendo 24,3% de doadores iniciais e 75,7% de retorno. O índice de inaptidão para HCV foi de 0,3% (561 doações), sendo que 53,0% destas eram de doadores iniciais e 47,0% de retorno, com prevalências de 0,5% e 0,2%, respectivamente (p<0,0001). O índice de reações inconclusivas foi significativamente maior nos doadores de retorno (p=0,0214). Noventa e oito candidatos foram submetidos à PCR qualitativa e apenas 34 (34,7%) apresentaram resultados positivos, com índice de positividade significativamente menor nos doadores de retorno (p=0,0184) e quase três vezes menor nos inconclusivos. Assim, verificamos que grande número de doadores, tanto anti-HCV positivos quanto indeterminados, não tiveram confirmada a presença da infecção pelo HCV, levando-nos a concluir que a inaptidão sorológica para hepatite C no HRU, na maioria das vezes, não correspondeu à presença de infecção viral no doador.

Triagem sorológica; doadores de sangue; hepatite C; teste confirmatório


Serological screening of blood donors with low indexes of infection, including hepatitis C virus (HCV), accounts for a substantial percentage of false-positive results with consequent loss of non-infected blood components. The aim of this study was to evaluate the occurrence of hepatitis C using confirmatory tests for blood donors with positive or inconclusive results at Hemocentro Regional de Uberaba (HRU). Confirmatory tests were performed by the detection of HCV RNA in plasma using qualitative RT-PCR. The study was carried out from 1992 to 2005 for 171,027 blood donors, 24.3% first-time and 75.7% repeat donors. The ineligibility rate to HCV was 0.3% (561 donors) with 52.9% of them being first-time donors and 47.0% repeat donors with prevalences of 0.5% and 0.2% respectively (p<0.0001). The rate of inconclusive results was significantly higher among repeat donors (p=0.0214). Ninety-eight samples were subjected to qualitative PCR and only 34.7% (34) had positive results, with a significantly lower rate of positiveness for repeat donors (p = 0.0184) and almost a threefold lower rate of inconclusive results for the same donors. These results showed that, for a large number of donors with positive and inconclusive tests for anti-HCV, the infection was not confirmed. We concluded that serological ineligibility for hepatitis C of donors at HRU was not always associated with the presence of viral infection.

Serological screening; blood donors; hepatitis C; confirmatory test


ARTIGO ARTICLE

Importância dos testes sorológicos de triagem e confirmatórios na detecção de doadores de sangue infectados pelo vírus da hepatite C

Importance of screening and confirmatory tests to detect blood donors infected by the hepatitis C virus

Fernanda B. GarciaI; Geisa P. M. GomideII; Gilberto A. PereiraIII; Helio Moraes-SouzaIV

IBiomédica. Programa de Pós-Graduação em Patologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) – Uberaba-MG

IIResponsável pelo Ambulatório de Hepatites do Hospital Escola da UFTM – Uberaba-MG

IIIProfessor da Disciplina de Bioestatística da UFTM

IVProfessor Titular da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da UFTM – Uberaba-MG

RESUMO

A triagem sorológica de doadores de sangue com baixos índices de prevalência de infecção, como no caso da hepatite C (HCV), gera um percentual considerável de resultados falso-positivos e descarte de bolsas de hemocomponentes freqüentemente não infectados. O objetivo deste estudo foi pesquisar o perfil sorológico e, com base no teste confirmatório, a ocorrência de hepatite C nos doadores com sorologia positiva ou indeterminada do Hemocentro Regional de Uberaba (HRU). Os testes confirmatórios foram realizados por meio da detecção do RNA do HCV no plasma, utilizando-se o método RT-PCR qualitativa. Foram realizadas, no período de 1992 a 2005, 171.027 doações de sangue no HRU, sendo 24,3% de doadores iniciais e 75,7% de retorno. O índice de inaptidão para HCV foi de 0,3% (561 doações), sendo que 53,0% destas eram de doadores iniciais e 47,0% de retorno, com prevalências de 0,5% e 0,2%, respectivamente (p<0,0001). O índice de reações inconclusivas foi significativamente maior nos doadores de retorno (p=0,0214). Noventa e oito candidatos foram submetidos à PCR qualitativa e apenas 34 (34,7%) apresentaram resultados positivos, com índice de positividade significativamente menor nos doadores de retorno (p=0,0184) e quase três vezes menor nos inconclusivos. Assim, verificamos que grande número de doadores, tanto anti-HCV positivos quanto indeterminados, não tiveram confirmada a presença da infecção pelo HCV, levando-nos a concluir que a inaptidão sorológica para hepatite C no HRU, na maioria das vezes, não correspondeu à presença de infecção viral no doador.

Palavras-chave: Triagem sorológica; doadores de sangue; hepatite C; teste confirmatório.

ABSTRACT

Serological screening of blood donors with low indexes of infection, including hepatitis C virus (HCV), accounts for a substantial percentage of false-positive results with consequent loss of non-infected blood components. The aim of this study was to evaluate the occurrence of hepatitis C using confirmatory tests for blood donors with positive or inconclusive results at Hemocentro Regional de Uberaba (HRU). Confirmatory tests were performed by the detection of HCV RNA in plasma using qualitative RT-PCR. The study was carried out from 1992 to 2005 for 171,027 blood donors, 24.3% first-time and 75.7% repeat donors. The ineligibility rate to HCV was 0.3% (561 donors) with 52.9% of them being first-time donors and 47.0% repeat donors with prevalences of 0.5% and 0.2% respectively (p<0.0001). The rate of inconclusive results was significantly higher among repeat donors (p=0.0214). Ninety-eight samples were subjected to qualitative PCR and only 34.7% (34) had positive results, with a significantly lower rate of positiveness for repeat donors (p = 0.0184) and almost a threefold lower rate of inconclusive results for the same donors. These results showed that, for a large number of donors with positive and inconclusive tests for anti-HCV, the infection was not confirmed. We concluded that serological ineligibility for hepatitis C of donors at HRU was not always associated with the presence of viral infection.

Key words: Serological screening; blood donors; hepatitis C; confirmatory test.

Introdução

O teste para detecção de anti-HCV tornou-se obrigatório na triagem sorológica dos bancos de sangue brasileiros em novembro de 1993.1 Alguns hemocentros introduziram-no mais precocemente, como a Fundação Hemominas, que introduziu-o em sua rotina em 1992.2 Desde então, o aperfeiçoamento das técnicas e o desenvolvimento dos testes anti- HCV de segunda, terceira e quarta geração vêm incrementando progressivamente a sensibilidade e a especificidade dos mesmos, com detecção cada vez mais precoce da infecção, aumentando a eficácia da triagem sorológica e conseqüentemente, reduzindo as taxas de incidência de hepatite C pós-transfusional.

Para aumentar a segurança do receptor de sangue e hemoderivados, exige-se que os testes utilizados na triagem laboratorial apresentem alta sensibilidade.3 Define-se como sensibilidade de um teste diagnóstico a habilidade de detectar a doença em indivíduos realmente doentes e a especificidade pela capacidade de identificar corretamente a ausência de doença.4 Porém, ainda não há no mercado mundial testes sorológicos com 100% de sensibilidade e especificidade, e os disponíveis, ao serem aplicados em populações onde são baixos os valores de prevalência, como candidatos a doadores de sangue, geram um percentual considerável de resultados falso-positivos.5,6

A confirmação do diagnóstico da hepatite C é realizada por meio dos testes de detecção de ácidos nucléicos (nucleic acid test – NAT) do HCV. A reação em cadeia da polimerase (PCR), técnica pioneira do NAT, é considerada padrão ouro para o diagnóstico de infecção pelo HCV.7,8

Faculta-se aos serviços de hemoterapia a realização de testes confirmatórios ou complementares, mas é de responsabilidade destes a convocação e orientação do doador com resultados de exames alterados e o seu encaminhamento a serviços assistenciais, para confirmação do diagnóstico e orientação terapêutica. No caso dos exames confirmatórios terem sido realizados pelo banco de sangue, é da responsabilidade deste encaminhar o paciente para a devida orientação clínica.3 Contudo, até a confirmação do diagnóstico, o doador convive com o estigma de uma doença muitas vezes inexistente, gerando grande tensão e comprometimento de suas funções diárias, além de perdas financeiras para o Sistema Único de Saúde (SUS) em decorrência do descarte de bolsas de hemocomponentes freqüentemente não infectados.9

Como a Fundação Hemominas ainda não realiza o teste NAT na triagem de seus doadores, este estudo se propõe a pesquisar em uma de suas unidades, o Hemocentro Regional de Uberaba (HRU), com base no teste confirmatório, a ocorrência de hepatite C no período de novembro de 1992 a dezembro de 2005.

Casuística e Método

Participaram deste estudo doadores com sorologia positiva ou indeterminada para hepatite C, na triagem sorológica do HRU, no período de novembro de 1992 a dezembro de 2005.

Com o nome e a data de nascimento de cada doador, foi pesquisado o número do seu registro geral (RG) no Hospital Escola (HE) da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). A partir do RG foi possível verificar, ao analisar os seus prontuários no Serviço de Arquivos Médicos, o comparecimento ou não dos doadores inaptos sorológicos encaminhados pelo HRU ao Ambulatório de Hepatites do HE da UFTM. Procuraram-se informações, entre outras, sobre a realização de testes confirmatórios para hepatite C, nos quais encontramos o resultado da PCR qualitativa em 84 deles.

Doadores do HRU com sorologia não negativa para hepatite C no período de 2002 a 2005, que não compareceram ao Ambulatório de Hepatites e/ou não realizaram a PCR, foram convidados por telefonema a participar do projeto. Quatorze doadores compareceram e foram devidamente informados sobre a pesquisa a ser realizada. Após consentimento informado e assinado, foram submetidos à punção venosa para realização da PCR qualitativa para hepatite C.

Foram utilizados testes ELISA de terceira geração dos laboratórios Ortho, Abbott e Organon na triagem sorológica no HRU desde o início da triagem em novembro de 1992, com exceção do período de abril de 2001 a fevereiro de 2002 e a partir de maio de 2005, em que foi utilizado o kit comercial Ortho Murex de 4ª geração. Antes de serem colocados na rotina, todos os kits são validados pelo controle de qualidade do HRU.

Todos os testes confirmatórios foram realizados por meio da detecção do RNA do HCV no plasma, utilizando-se o método RT-PCR qualitativa, com o kit comercial "Amplicor HCV"da Roche Diagnostics Systems, versão 2.0, com limite inferior de detecção de 50 UI/mL.

Desenvolveu-se um banco de dados em planilha eletrônica no programa Microsoft Excel. Para a análise estatística foi empregado teste de associação não paramétrica, como o teste exato de Fisher e o teste do qui-quadrado. Nos casos em que o tamanho amostral foi superior a 40 e todas as freqüências esperadas superiores a 5, utilizou-se o teste qui-quadrado sem correção de Yates; nos casos em que as freqüências esperadas mostraram-se inferiores a 5, utilizou-se o teste exato de Fisher. Os resultados dos testes foram considerados significativos quando a probabilidade de rejeição da hipótese de nulidade foi menor do que 5% (p<0,05).

O protocolo deste estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Fundação Hemominas e da UFTM. A autorização para participação no estudo foi obtida por meio de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, onde constam detalhes da execução da pesquisa. Os candidatos convidados tiveram livre escolha na sua decisão.

Resultados

No período de novembro de 1992 a dezembro de 2005, o HRU coletou 171.027 bolsas de sangue, e, destas, 561 (0,3%) foram descartadas por suspeita de hepatite C, das quais 406 mantiveram o mesmo perfil sorológico na repetição do teste. Apesar dos doadores de retorno terem sido responsáveis por 75,7% das doações no período, 53,0% (215) dos inaptos era doadores iniciais e 47,0% (191) de retorno, com índice de prevalência de 0,5% e 0,2%, respectivamente (χ2=179,51, p<0,0001). Considerando somente os 406 doadores que mantiveram o mesmo perfil sorológico, verificamos que a prevalência de positivos foi maioria tanto entre os doadores iniciais (188/87,4%) quanto nos de retorno (144/75,4%). No entanto, dentre os doadores com resultados positivos, 188 (56,7%) eram iniciais, e dentre aqueles com resultados inconclusivos, 47 (63,5%) eram doadores de retorno (χ2=9,061, p=0,0026), evidenciando que o resultado positivo está significativamente associado ao doador inicial, enquanto o resultado inconclusivo está associado ao doador de retorno (Tabela 1).

Noventa e oito (24,1%) doadores inaptos foram submetidos a exames confirmatórios pela PCR qualitativa, sendo que, destes, apenas 34 (34,7%) apresentaram resultados positivos e 64 (65,3%) não tiveram confirmada a presença da infecção pelo HCV. Observamos que, dentre os 83 doadores ELISA positivo, 32 (38,6%) apresentaram PCR positiva, e, entre os 15 com teste ELISA indeterminado, apenas dois (13,3%) foram PCR positiva, diferença que não se mostrou estatisticamente significativa (teste exato de Fisher; p=0,0782) (Tabela 2).

A análise do índice de positividade da PCR quanto ao tipo de doação (inicial ou retorno), evidenciou positividade significativamente maior nos doadores iniciais (44,1%), quando comparados aos de retorno (20,5%) (teste exato de Fisher, p=0,0184) (Tabela 3).

Discussão

O índice de inaptidão dos doadores para hepatite C no HRU foi de 0,3% no período analisado. O Relatório de Produção da rede hemoterápica brasileira apresentou em 2002 taxa de inaptidão sorológica para esta doença nos bancos de sangue do país de 0,51%, sendo 0,47% na Região Sudeste e 0,24% no estado de Minas Gerais.10 Em nosso estudo, encontramos no HRU ocorrência de 0,12% naquele ano, portanto ainda menor que a encontrada no estado (dados não mostrados). Esta menor prevalência de inaptidão no HRU provavelmente é devida ao aumento do número de doadores de retorno neste serviço, correspondendo a um total de 83,0% de doadores aptos na triagem clínica em 2002 versus 57,3% para o país.10 A maior ocorrência de candidatos inaptos para os testes de triagem entre aqueles que estão doando sangue pela primeira vez é concordante com outros estudos, como já esperado, visto que a maioria destes doadores não havia sido submetida a uma triagem sorológica prévia.9,11

Considerando que reações inconclusivas possam sugerir clearance viral e/ou cura da infecção, o que ocorre em aproximadamente 20% a 50% dos infectados,12,13 seria esperado ocorrência muito maior entre os doadores iniciais que entre os de retorno. Estes resultados aparentemente contraditórios, uma vez que os doadores de retorno, em tese, teriam menor tempo de infecção e assim maior probabilidade de se manterem infectados, na verdade sugerem que resultados inconclusivos neste grupo freqüentemente significam falha de especificidade sorológica e, portanto, têm pequena correlação com a infecção pela hepatite C.

Entre os doadores do HRU com reações não negativas à segunda amostra da triagem para hepatite C, a maioria (80,3%) compareceu ao Serviço a que foram encaminhados. Porém, 49,0% não retornaram às consultas e apenas 20,7% realizaram o exame confirmatório. A baixa adesão ao tratamento, além de preocupante e merecer análise mais profunda, tem sido observada também em outros serviços.14,15

O índice de positividade da PCR de apenas 34,7%, apesar de abaixo do encontrado por Kim et al6 (57,1% em 354 doadores com anti-HCV positivo), é superior aos achados de Tuker et al16 na África do Sul, onde a prevalência de anticorpos anti-HCV foi de 0,4% e, destes, apenas 13,7% tiveram confirmada a presença do vírus. No Brasil, estudos realizados no Distrito Federal e em Goiânia relataram índices de positividade no teste confirmatório em doadores com teste de ELISA reagente para hepatite C de 71,9% e 82,0% respectivamente.17,18

Resultados falso-positivos nas técnicas imunoenzimáticas são moderadamente freqüentes e podem ser devido ao clearance do vírus nos casos de cura espontânea (cicatriz sorológica), à presença de anticorpos contra proteínas residuais do vetor empregado na produção do antígeno recombinante que compõe o kit sorológico, às doenças auto-imunes e, ainda, à degradação protéica de soros estocados por longos períodos e/ou inadequadamente.19,20

A porcentagem de resultados falso-positivos está inversamente relacionada à prevalência de infecção na população estudada. Segundo Prohaska et al,5 o valor preditivo positivo dos testes sorológicos de triagem por ELISA para anti-HCV é elevado em populações de alto risco de infecção pelo HCV. Entretanto, é baixo em doadores de sangue, considerados população de baixo risco de infecção para hepatite C. Portanto, particularmente nesse grupo, um resultado reagente obtido nos testes de triagem deve ser interpretado com grande cautela, especialmente em se tratando de doador de retorno, conforme sugerido neste estudo, pela significativa menor ocorrência de positividade da PCR neste grupo.

Krezschmar et al21 demonstraram diferenças de sensibilidade nos diferentes kits de PCR disponíveis no mercado, sendo que o teste Cobas Amplicor HCV test, versão 2.0 (Roche Diagnostics), que foi utilizado no presente trabalho, foi reagente em apenas uma de cinco replicatas de uma amostra com baixa viremia de HCV, enquanto outro kit apresentou resultado similar, dois não reagiram em nenhuma amostra, um reagiu em duas amostras, um em três e apenas o teste Cobas TaqScreen MPX foi reagente nas cinco triplicatas. Devemos lembrar que o teste utilizado tem o propósito de diagnóstico e não de triagem sorológica, sendo, portanto, preferencialmente mais específico que sensível, e tal fato poderia contribuir também para o baixo índice de positividade para a PCR em nosso estudo.

Apesar de encontrarmos um percentual de PCR positiva entre os doadores ELISA positivo (38,6%) quase três vezes maior que o observado naqueles ELISA indeterminado (13,3%), não podemos afirmar com significância estatística (p=0,0782) que a positividade da PCR esteja relacionada com a positividade do ELISA e, conseqüentemente a negatividade da PCR relacionada com a indeterminação do teste ELISA, mesmo usando um teste estatístico mais robusto, indicado para situações em que temos freqüências baixas, que foi o caso do teste exato de Fisher.

O fato de encontramos PCR positiva em dois de nossos doadores ELISA indeterminado carece de análise mais detalhada pelas suas peculiaridades. Um deles apresentou anti-HCV indeterminado na primeira e na segunda amostra, dois resultados negativos para este teste realizado fora da Instituição, uma PCR positiva, uma carga viral baixa (1.500UI/mL) e outra indetectável. O outro doador apresentou ELISA positivo na primeira amostra e indeterminado na segunda, uma PCR positiva, uma negativa e uma terceira positiva e carga viral indetectável. Estes resultados sugerem que, devido à baixa viremia, esses doadores poderiam estar apresentando baixos e flutuantes níveis de anticorpos, o que seria concordante com alguns estudos que encontraram correlação positiva entre a titulação de anticorpos anti-HCV e a concentração de RNA do HCV.21-23

Entre os doadores inaptos com testes confirmatórios positivos, observamos significante predomínio daqueles que estavam doando sangue pela primeira vez (44,1%) em comparação aos doadores de retorno (20,5%) (p=0,0184, teste exato de Fisher). Embora com valores superiores, Busch et al24 também encontraram uma relação do teste confirmatório positivo com o doador inicial, onde 80,4% dos doadores iniciais com anti-HCV positivo também eram PCR positiva e entre aqueles de retorno, 41,1% tiveram confirmada a presença do vírus.

Existem alguns estudos sobre o efeito da notificação no estado emocional ou psicológico dos doadores com sorologia reativa para testes de triagem nos bancos de sangue. Em 1993, Cleary et al25 documentaram sintomas de depressão em doadores informados de soropositividade para HIV. O estado depressivo, também documentado por outros autores, esteve presente mesmo em doadores informados que os testes poderiam não corresponder ao seu exato perfil sorológico.26,27

Os resultados deste estudo reforçam nossa impressão inicial de que a maioria dos exames de triagem para hepatite C no HRU não corresponde ao real perfil sorológico dos doadores em relação à doença. E, ainda, que resultados falso-positivos ou cicatriz sorológica de indivíduos que evoluíram para a cura espontânea, além de aumentar desnecessariamente o descarte de bolsas, estaria certamente trazendo sérias conseqüências psicológicas àquele que se dispõe a exercitar sua cidadania com a doação de sangue.

Selecionar um teste de triagem com o máximo de especificidade (sem comprometer a sensibilidade) e inserir na triagem sorológica testes de detecção de ácidos nucléicos diminuiria o número de doadores com reações falso-positivas, evitando assim conseqüências indesejáveis aos serviços de hemoterapia e aos próprios doadores de sangue, além de reduzir o tempo de detecção, minimizando o problema de janela imunológica.

Recebido: 30/11/2006

Aceito após modificações: 03/03/2007

Avaliação: Editor e dois revisores externos

Conflito de interesse: não declarado

Universidade Federal do Triângulo Mineiro/Hemocentro Regional de Uberaba-MG.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Out 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Aceito
      03 Mar 2007
    • Recebido
      30 Nov 2006
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