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Toxoplasmose e transfusão de sangue

Toxoplasmosis and blood transfusion

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Toxoplasmose e transfusão de sangue

Toxoplasmosis and blood transfusion

Luiz Amorim

Professor Adjunto do Departamento de Medicina Clínica da Universidade Federal Fluminense e Diretor técnico da Hemobrás

Correspondência Correspondência: Luiz Amorim Hemobrás SCN - Quadra 1 Ed Central Park - 15º andar 70711-903 - Brasília-DF - Brasil Tel/fax: (61) 33274903 E-mail: luizm.amorim@saude.gov.br

Desde os anos 70, a transmissão do Toxoplasma gondii pelas transfusões sangüíneas tem sido uma preocupação recorrente, sobretudo depois que ficou demonstrado que o parasita sobrevive no sangue refrigerado (embora provavelmente não resista ao congelamento).1

No Brasil, nos anos 70 e 80, Amato Neto e cols. também salientavam o risco da toxoplamose transfusional e recomendavam a adoção de algumas medidas para atenuar o risco deste tipo de transmissão, dentre as quais merece menção o tratamento do sangue com violeta de genciana.2

Em 1971, o primeiro caso de transmissão deste parasita pela transfusão de um hemocomponente - no caso, um concentrado de leucócitos - foi descrito por Siegel e col.3 Um outro relato de transmissão transfusional da toxoplasmose só viria a ser feito em 1989, por Nelson e col.,4 em um paciente que apresentou coriorretinite por toxoplasma cinqüenta dias depois de receber uma transfusão de plaquetas. No entanto, em ambos os relatos, a inferência de que houve transmissão pela transfusão se deu basicamente por exclusão.

Estudo acerca da prevalência de anticorpos IgG contra Toxoplama gondii em vinte doadores de sangue de Curitiba, Paraná, é apresentado nesta edição da RBHH por Vaz RS e colegas.5 Neste estudo, a prevalência observada foi de 60% e esta prevalência tinha correlação direta com a idade dos doadores.

Estudos anteriores em doadores de sangue, feitos em Recife, PE, (160 doadores estudados, em 2003),6 e em Natal, RN, (151 doadores, em 1975)7 encontraram prevalências de 75% e 43,7%, respectivamente.

Os números apresentados por Vaz RS e cols.,5 neste número da RBHH, não diferem, portanto, dos resultados observados em doadores de sangue de outras regiões do país. O pequeno número de doadores incluídos, porém, não permite afirmar que a prevalência do Toxoplasma gondii em Curitiba é similar à de outras regiões do país.

Entretanto, um relato feito por de Medeiros BC e col,8 mostrou que, na cidade de Curitiba, durante um período de 11 anos, nove pacientes submetidos a transplante de medula óssea apresentaram toxoplamose disseminada, uma freqüência bem superior à descrita na literatura, o que sugere que, de fato, Curitiba pode ser uma região de alta endemicidade para a toxoplasmose.

Os autores do estudo publicado nessa edição da RBHH sugerem, à luz dos resultados que obtiveram, tanto no que diz respeito à soroprevalência quanto à freqüência de fatores de risco para toxoplasmose em 132 doadores entrevistados - hábito de comer carne crua e contato com animais de estimação - que os Serviços de Hemoterapia devem esclarecer os doadores e os receptores de transfusão sobre os riscos da toxoplasmose.

Propõem também que a triagem clínica dos candidatos à doação de sangue inclua perguntas específicas acerca de fatores de risco para toxoplasmose e que a sorologia para este parasita seja feita em doadores de sangue, pelo menos quando os componentes se destinarem a pacientes imunossuprimidos.

Não é possível concordar com estas duas conclusões; as perguntas relativas a risco para toxoplasmose - ingestão freqüente de carne crua e o fato de possuir ou conviver com animais de estimação - são absolutamente inespecíficas, e excluiriam um número considerável de pessoas da doação de sangue: 33% dos entrevistados comiam carne crua pelo menos uma vez por semana e 51% possuíam animais de estimação.

A introdução de testes sorológicos para toxoplasmose em doadores de sangue também seria de pouquíssima utilidade, já que a alta soroprevalência dos doadores implicaria um descarte inaceitavelmente elevado de hemocomponentes, ainda mais se considerarmos que a maioria dos casos de toxoplasmose em pacientes imunossuprimidos decorre de reativação de infecção crônica.8

Alternativas mais viáveis para a prevenção não apenas da toxoplasmose como de muitas outras doenças infecciosas transmissíveis pelo sangue seriam a inativação de patógenos - tecnologia já disponível para plasma e concentrados de plaquetas - e a utilização de microarranjos (microarrays), um tipo de nanotecnologia já em fase de testes, para a detecção simultânea, em um microchip, de dezenas ou até centenas de agentes infecciosos.

Estudos que busquem estabelecer com mais exatidão os riscos e as probabilidades de transmissão de toxoplasmose, utilizando procedimentos de look back e técnicas de biologia molecular também seriam muito úteis para a definição de possíveis medidas para atenuação do risco de toxoplasmose transfusional.

Recebido: 31/07/2008

Aceito: 01/08/2008

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

  • 1. Miller MJ, Aronson WJ, Remington JS. Late parasitemia in asymptomatic acquired toxoplasmosis. Ann Intern Med 1969; 71(1):139-45.
  • 2. Amato Neto V, Duarte MI, Cotrim JX, Moreira AA, de Sant'ana EJ, Campos R. Experimental study of the possible activity of gentian violet in preventing the transmission of toxoplasmosis due to blood transfusion. Rev Inst Med Trop São Paulo. 1985; 27(2):89-94.
  • 3. Siegel SE, Lunde MN, Gelderman AH, Halterman RH, Brown JA, et al Transmission of toxoplasmosis by leukocyte transfusion. Blood 1971;37(4):388-94.
  • 4. Nelson JC, Kauffmann DJ, Ciavarella D, Senisi WJ. Acquired toxoplasmic retinochoroiditis after platelet transfusion. Ann Ophthalmol 1989;21(7):253-4.
  • 5. Vaz RS, Guimarães ATB, Bonanato LD, Thomaz-Soccol V. Technical evaluation of serological screening tests for anti-Toxoplasma gondii antibodies to prevent unnecessary transfusion risks. Rev. bras. hematol. hemoter. 2008;30(4):277-280.
  • 6. Coêlho RA, Kobayashi M, Carvalho LB Jr. Prevalence of IgG antibodies specific to Toxoplasma gondii among blood donors in Recife, Northeast Brazil. Rev Inst Med Trop São Paulo 203;45(4): 229-31.
  • 7. de Araujo IF, Anna BS, Hyakutake S. Prevalence of anti-Toxoplasma gondii antibodies in blood donors of Natal (RN). Rev Farm Bioquim Univ São Paulo 1975;13(2):417-25.
  • 8. de Medeiros BC, de Medeiros CR, Werner B, Loddo G, Pasquini R, Bleggi-Torres LF. Disseminated toxoplasmosis after bone marrow transplantation: report f 9 cases. Transpl Infect Dis 2001;3(1):24-8.
  • 9. McCabe JR, Remington JS: Toxoplasmosis: the time has come. N Engl J Med 1988;318(5):313-15.
  • Correspondência:
    Luiz Amorim
    Hemobrás SCN - Quadra 1
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Out 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 2008
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