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Avaliação do percentual de compatibilidade HLA entre membros da mesma família para pacientes à espera de transplante de medula óssea em Santa Catarina, Brasil

Evaluation of the percentage of HLA compatibility between members of the same family for patients awaiting bone marrow transplantation in the state of Santa Catarina, Brazil

Resumos

O transplante de medula óssea (TMO) é uma terapia especial utilizada para tratar pacientes com doenças hematológicas e certas alterações genéticas. Para que um transplante seja bem sucedido, é necessário, entre outros fatores, que haja compatibilidade para moléculas codificadas pelos genes HLA. Em geral, os transplantes de melhor prognóstico são aqueles realizados entre irmãos HLA idênticos. Este trabalho tem por objetivo avaliar o percentual de compatibilidade de doadores de medula óssea (MO) nas famílias de pacientes que necessitam de TMO no estado de Santa Catarina. A coleta dos dados foi realizada no arquivo do Laboratório de Imunogenética do Hemocentro de Santa Catarina (Hemosc), compreendendo o período de 2000 a 2007. Foram totalizados 469 casos de pacientes à espera de TMO. Para estes, foram triados 2.463 possíveis doadores aparentados. Destes, 49,8% eram irmãos dos pacientes. Houve compatibilidade com algum membro da família do paciente em 213 (45,4%) casos, sendo que 99% das compatibilidades foram estabelecidas entre irmãos, 0,7% com mães e 0,3% com tios dos pacientes. Avaliando-se os doadores, obteve-se um total de 1.230 irmãos tipificados para doação, dos quais 296 (24,06%) apresentaram compatibilidade com o paciente para o qual realizaram a tipificação. Os dados encontrados neste estudo mostram que a possibilidade de que seja encontrado um doador compatível para TMO dentro da família do paciente, em Santa Catarina, é bastante promissora, principalmente entre irmãos do paciente.

Transplante de medula óssea; compatibilidade HLA; doadores aparentados


Bone marrow transplantation (BMT) is a special therapy used to treat patients with hematological diseases and certain genetic disorders. For a transplant to be successful, it is necessary, among others factors, to have compatibility of the molecules coded by HLA genes. In general, the best prognosis for BMT is obtained with HLA-identical siblings. The aim of this work was to evaluate the percentage of compatibility between patients and possible related bone marrow donors in the state of Santa Catarina, Brazil. The data were collected from the records of patient treated between 2000 and 2007 in the Immunogenetic Laboratory of the Hematology Centre of Santa Catarina (Hemosc). A total of 469 cases of patients waiting for BMT were identified. For these, 2463 possible related donors were screened with 49.8% being siblings of the patients. There was compatibility with a member of the patient's family in 213 (45.4%) cases: 99% of the compatibility was established with siblings, 0.7% with the mother and 0.3% with an uncle. Evaluating the donors, a total of 1230 siblings were screened for donation of which 296 (24.06%) presented compatibility with the patient for whom HLA typing had been carried out. These data show that the possibility of finding a compatible donor in the patient's family, in the State of Santa Catarina, is somewhat promising, especially among siblings.

Bone marrow transplant; HLA compatibility; family donors


ARTIGO ARTICLE

Avaliação do percentual de compatibilidade HLA entre membros da mesma família para pacientes à espera de transplante de medula óssea em Santa Catarina, Brasil

Evaluation of the percentage of HLA compatibility between members of the same family for patients awaiting bone marrow transplantation in the state of Santa Catarina, Brazil

Carine MeinerzI; Mariana ChagasII; Leila C. DalmolinII; Mara D. P. SilveiraII; Fernanda CavalheroIII; Luiz Alberto P. FerreiraIV; Maria Luiza BazzoV

IFarmacêutica Bioquímica graduada pela UFSC - Florianópolis-SC

IIFarmacêutica Bioquímica do Setor de Imunogenética do Hemocentro de Santa Catarina/Hemosc - Florianópolis-SC

IIIBióloga do Setor de Imunogenética do Hemocentro de Santa Catarina - Hemosc/SC - Florianópolis-SC

IVProfessor Titular do Departamento de Análises Clínicas/UFSC - Florianópolis-SC

VProfessora Adjunta do Departamento de Análises Clínicas da Universidade Federal de Santa Catarina - Florianópolis-SC

Correspondência Correspondência: Maria Luiza Bazzo Universidade Federal de Santa Catarina Rua Hamburgo, 61 - Córrego Grande 88037380 - Florianópolis-SC - Brasil Fones: 55 48 3721 8148 (UFSC); 55 48 9972 8715 (cel) E-mail: mlbazzo@yahoo.com.br ou mlbazzo@ccs.ufsc.br

RESUMO

O transplante de medula óssea (TMO) é uma terapia especial utilizada para tratar pacientes com doenças hematológicas e certas alterações genéticas. Para que um transplante seja bem sucedido, é necessário, entre outros fatores, que haja compatibilidade para moléculas codificadas pelos genes HLA. Em geral, os transplantes de melhor prognóstico são aqueles realizados entre irmãos HLA idênticos. Este trabalho tem por objetivo avaliar o percentual de compatibilidade de doadores de medula óssea (MO) nas famílias de pacientes que necessitam de TMO no estado de Santa Catarina. A coleta dos dados foi realizada no arquivo do Laboratório de Imunogenética do Hemocentro de Santa Catarina (Hemosc), compreendendo o período de 2000 a 2007. Foram totalizados 469 casos de pacientes à espera de TMO. Para estes, foram triados 2.463 possíveis doadores aparentados. Destes, 49,8% eram irmãos dos pacientes. Houve compatibilidade com algum membro da família do paciente em 213 (45,4%) casos, sendo que 99% das compatibilidades foram estabelecidas entre irmãos, 0,7% com mães e 0,3% com tios dos pacientes. Avaliando-se os doadores, obteve-se um total de 1.230 irmãos tipificados para doação, dos quais 296 (24,06%) apresentaram compatibilidade com o paciente para o qual realizaram a tipificação. Os dados encontrados neste estudo mostram que a possibilidade de que seja encontrado um doador compatível para TMO dentro da família do paciente, em Santa Catarina, é bastante promissora, principalmente entre irmãos do paciente.

Palavras-chave: Transplante de medula óssea; compatibilidade HLA; doadores aparentados.

ABSTRACT

Bone marrow transplantation (BMT) is a special therapy used to treat patients with hematological diseases and certain genetic disorders. For a transplant to be successful, it is necessary, among others factors, to have compatibility of the molecules coded by HLA genes. In general, the best prognosis for BMT is obtained with HLA-identical siblings. The aim of this work was to evaluate the percentage of compatibility between patients and possible related bone marrow donors in the state of Santa Catarina, Brazil. The data were collected from the records of patient treated between 2000 and 2007 in the Immunogenetic Laboratory of the Hematology Centre of Santa Catarina (Hemosc). A total of 469 cases of patients waiting for BMT were identified. For these, 2463 possible related donors were screened with 49.8% being siblings of the patients. There was compatibility with a member of the patient's family in 213 (45.4%) cases: 99% of the compatibility was established with siblings, 0.7% with the mother and 0.3% with an uncle. Evaluating the donors, a total of 1230 siblings were screened for donation of which 296 (24.06%) presented compatibility with the patient for whom HLA typing had been carried out. These data show that the possibility of finding a compatible donor in the patient's family, in the State of Santa Catarina, is somewhat promising, especially among siblings.

Key words: Bone marrow transplant; HLA compatibility; family donors.

Introdução

O transplante de medula óssea (TMO) é uma terapia especial utilizada para tratar pacientes com doenças hematológicas e certas alterações genéticas, para as quais diferentes alternativas terapêuticas foram consideradas e excluídas.1 Para que um transplante seja bem sucedido, é necessário, entre outros fatores, que haja compatibilidade doador-receptor para moléculas codificadas pelos genes HLA (Human Leucocyte Antigens) pertencentes às classes I e II.2 Na atual rotina laboratorial dos exames de histocompatibilidade pré-transplante são avaliados os locos HLA-A, HLA-B e HLA-DRB1.

A herança HLA se dá de forma autossômica e co-dominante. Isto significa que um indivíduo expressa na superfície de suas células os produtos codificados pelos genes presentes nos cromossomos materno e paterno.3 Como cada genitor possui dois cromossomos 6 distintos, quatro diferentes combinações de haplótipos são possíveis para a sua descendência. Este padrão de herança é um fator importante na busca de doadores aparentados compatíveis para transplante.4 Em geral, os transplantes de melhor prognóstico são aqueles realizados com irmãos HLA idênticos, e que tem uma chance de ocorrência de 25%. Quando um irmão HLA genotipicamente idêntico não for encontrado, existe a possibilidade da busca estendida na família. Neste caso, deve-se fazer uma análise mais abrangente que inclua pais, avós, tios e primos em primeiro grau. Para os pacientes que não apresentam um doador compatível na família, resta a possibilidade de procurar um doador não consangüíneo.3

O objetivo deste trabalho foi a realização de uma análise retrospectiva dos casos em que houve busca por compatibilidade HLA para o tratamento dos pacientes com necessidade de TMO, visando estipular o percentual de casos em que se encontrou compatibilidade com doadores aparentados e o grau de parentesco das compatibilidades no estado de Santa Catarina.

Casuística e Método

Foi realizada uma análise retrospectiva dos dados de pacientes que necessitam de TMO, presentes no arquivo do Laboratório de Imunogenética do Hemocentro de Santa Catarina (Hemosc), que é responsável pela tipificação HLA no estado de Santa Catarina. O levantamento de dados foi realizado do período de março a agosto de 2007. A amostragem incluiu os dados dos prontuários dos pacientes vivos e que continham um ou mais doadores com parentesco relatado e apenas os doadores pertencentes à família do paciente. Todos os demais casos foram excluídos. Outro critério de exclusão utilizado foi a tipificação HLA exclusiva por método sorológico, por não trazer informação completa sobre tipagem HLA. Com isso, de um total de 566 prontuários de pacientes vivos à espera de TMO, 97 foram excluídos da amostragem utilizada para análise por possuírem tipificação HLA apenas sorológica, o que resultou em 469 casos cujas compatibilidades foram avaliadas.

O projeto de pesquisa que originou este trabalho foi aprovado sem restrições pelo Comitê Científico do Hemosc em 26 de dezembro de 2006.

Resultados

Número total de amostras

O estudo incluiu 469 casos de pacientes à espera de TMO e 2.463 doadores aparentados.

Avaliação do perfil dos doadores aparentados

Verificou-se um predomínio de irmãos como doadores potenciais (Tabela 1). Estes representaram 49,8% dos doadores, seguidos dos pais dos pacientes (18,5%), dos primos (14,0%) e dos tios (10,0%).

Avaliação das compatibilidades

Dos 469 casos avaliados, 256 (54,6%) pacientes não encontraram doadores compatíveis entre os membros de sua família e 213 (45,4%) encontraram. Dos 2.463 possíveis doadores, apenas 299 (12,1%) foram compatíveis com o paciente para o qual fizeram o teste, tendo sido encontrado, em 66 casos (14,1%), mais de um doador compatível por paciente. Para os outros 2.164 (87,9%) possíveis doadores não houve compatibilidade.

Para verificar qual o grau de parentesco que apresentou maior compatibilidade foi analisado o número de doadores compatíveis por grau de parentesco com o receptor. Dos 299 doadores compatíveis, 296 (99%) eram irmãos dos pacientes. Além dos irmãos, apenas foram compatíveis duas mães (0,7%) e um tio (0,3%). Todos os demais parentes não apresentaram compatibilidade (Figura 1).


Dos 1.230 irmãos que participaram da tipificação HLA, 296 foram compatíveis, resultando em um percentual de 24.1% de compatibilidade entre irmãos.

Foi verificado que meio-irmãos, tanto paternos quanto maternos, não apresentaram compatibilidade, que irmãos gêmeos apresentaram 100% de compatibilidade e, na busca estendida entre familiares, apenas um tio apresentou compatibilidade com um paciente, o que não foi observado para os demais familiares. (Tabela 2).

Discussão

O predomínio de irmãos na busca por compatibilidade HLA era esperado no presente trabalho, uma vez que estes são os parentes com maior probabilidade de compatibilidade e resultam em transplantes com melhor prognóstico.3-5 Este trabalho comprovou tal fato por meio dos resultados obtidos e elucidados na Figura 1, que mostra que quase a totalidade das compatibilidades (99%) foi estabelecida entre os pacientes e seus irmãos.

O percentual de compatibilidade encontrado no nosso estudo foi de 45,4% de casos, tendo se mostrado elevado, uma vez que se espera compatibilidade inferior a 35%, conforme Beatty et al., em 1993.6 Este dado é extremamente importante, pois mostra que as chances dos pacientes no estado de Santa Catarina encontrarem um doador compatível dentre os membros de sua própria família são promissoras. Isto pode se dar por diversos motivos, como, por exemplo, um possível baixo polimorfismo dos genes HLA no estado. Entretanto, tal hipótese só poderá ser considerada após um estudo populacional na região, para avaliação do perfil HLA da população catarinense. Outro dado a ser verificado é se o tamanho das famílias pode estar relacionado ao aumento do percentual de compatibilidade.

Embora os resultados de compatibilidade HLA com membros da família ampliada do paciente terem sido pequenos, a busca de doadores dentre estes familiares deve ser incentivada, pois a probabilidade de se encontrar um doador aparentado compatível pode ser muito maior do que a de se encontrar em um doador não aparentado. Em geral, quanto maior o tamanho da família ampliada, mais útil a busca por doadores aparentados. A probabilidade de encontrar compatibilidade depende muito da freqüência dos haplótipos envolvidos.7-8

Verificou-se que a probabilidade de que irmãos sejam compatíveis é de 24,1%. De acordo com a segregação mendeliana, a probabilidade de um paciente ter um irmão HLA idêntico é de 25%, embora esta chance dependa do tamanho médio das famílias numa população.3 Os resultados encontrados na tipificação HLA do Hemosc estão compatíveis com as estimativas genéticas.

A notificação da freqüência de compatibilidade HLA entre membros da mesma família e a tipificação destes é o ponto de partida para que sejam estipuladas estratégias de busca de doadores. Ainda, os dados obtidos com a realização deste estudo servirão para futuras análises, como o perfil HLA da população catarinense. Segundo Monte et al., os resultados de estudos populacionais têm implicações para os programas de transplante de órgãos com doadores não aparentados.9 Uma vez sabendo-se a freqüência dos antígenos HLA do tipo étnico predominante da região, pode-se predizer o tempo em lista de espera do receptor para que seja encontrado um doador nos programas de doadores voluntários de medula óssea. Assim, estas análises e suas divulgações contribuirão muito na elucidação das possíveis chances de serem encontrados doadores compatíveis também fora da família do paciente.

Recebido: 16/01/2008

Aceito após modificações: 14/03/2008

Avaliação: Editor e dois revisores externos

Conflito de interesse: não declarado

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  • Correspondência:
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      Out 2008

    Histórico

    • Aceito
      14 Mar 2008
    • Recebido
      16 Jan 2008
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