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Tratamento da anemia ferropênica: alternativas ao sulfato ferroso

Treatment of iron deficiency anemia: alternatives to ferrous sulfate

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Tratamento da anemia ferropênica: alternativas ao sulfato ferroso

Treatment of iron deficiency anemia: alternatives to ferrous sulfate

Rodolfo D. Cançado

Professor Adjunto da Disciplina de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Clínica Médica da Santa Casa de São Paulo.

Médico Hematologista do Serviço de Hematologia e Hemoterapia

Correspondência Correspondência: Rodolfo Delfini Cançado Hemocentro da Santa Casa de São Paulo Rua Marquês de Itú, 579 - 3º andar 01223-001 – São Paulo-SP – Brasil Fone/Fax: (11) 2176.7255 E-mail: rdcan@uol.com.br

O ferro é um elemento essencial na maioria dos processos fisiológicos do organismo humano, desempenhando função central no metabolismo energético celular.1,2

Deficiência de ferro é a alteração hematológica mais comum e acomete 20% a 30 % da população mundial, sobretudo crianças menores de 3 anos de idade e mulheres em idade fértil, constituindo-se, portanto, num grave problema de saúde pública, particularmente nos países em desenvolvimento.3-5

A deficiência de ferro resulta do desequilíbrio entre quantidade absorvida e consumo e/ou perda e deve-se a diversos fatores, tais como: Fisiológicos (necessidade aumentada – crescimento, gestação, parto e puerpério); Nutricionais (dieta não balanceada, ou seja, baixa disponibilidade de ferro heme; uso de antiácidos, ingesta de fitatos, fosfatos, oxalatos e tanino, que diminuem a absorção de ferro); Patológicos (perda de sangue ou diminuição de absorção intestinal – menorragia, sangramento gastrointestinal, parasitose, intolerância à lactose, medicamento [aspirina, anti-inflamatório não hormonal, anticoagulante], doação de sangue, gastrectomia, gastroplastia redutora.6-9

A deficiência de ferro desenvolve-se de maneira lenta e progressiva e, didaticamente, pode ser dividida em três estádios: depleção dos estoques de ferro, eritropoese deficiente em ferro e anemia ferropênica, que corresponde ao terceiro e último estádio da deficiência de ferro e caracteriza-se por diminuição da oferta de ferro à medula óssea com redução da síntese e do conteúdo de Hb nos precursores eritrocitários.2 Neste estádio, observa-se, além da redução da concentração da hemoglobina, hipocromia, microcitose, anisocitose e poiquilocitose; ferro sérico < 50 µg/dl; saturação da transferrina < 20% e ferritina < 30 ng/ml.2,5,6,7

O tratamento da anemia ferropênica compreende orientação nutricional e reposição na dose correta e por tempo adequado de ferro, além da identificação e correção, quando possível, da causa que levou à anemia.

A via preferencial de reposição de ferro é a oral, e a dose terapêutica recomendada é de 2 a 5 mg/kg/dia por período suficiente para normalizar os valores da Hb (quatro a oito semanas) e restaurar os estoques normais de ferro do organismo (dois a seis meses ou até obtenção de ferritina sérica maior que 50 ng/ml).2,5

Na prática, a dose máxima de ferro preconizada é de 150 a 200 mg de ferro elementar por dia, dividida em duas ou três tomadas. Acima de 200 mg, a mucosa intestinal atua como barreira, impedindo a absorção deste metal, e a proporção de ferro absorvido diminui significativamente.2,5,8

As causas mais frequentes de falha no tratamento com ferro oral são: continuidade da perda de sangue (por falha na identificação de sangramento e/ou de distúrbio de absorção de ferro [doença celíaca, gastrite atrófica autoimune e infecção pelo helicobacter pylori]); medicação usada inadequadamente (baixa adesão ao tratamento devido aos efeitos adversos (EA) gastrointestinais e/ou dose inadequada e/ou duração insuficiente); doença coexistente interferindo na resposta ao ferro oral (anemia doença crônica, doença renal crônica); doença inflamatória ou infecciosa associada; diagnóstico incorreto (talassemia beta menor); deficiências nutricionais combinadas.2,5-8

O tratamento da anemia ferropênica foi introduzido por Blaud, em 1832, pelo uso de composto contendo carbonato férrico como principal constituinte. A "pílula de Blaud" permaneceu como pilar do tratamento da deficiência de ferro por décadas até o aparecimento de novos compostos à base de ferro.8

Apesar da eficácia e efetividade dos compostos com sal ferroso, estes estão associados à elevada frequência de EA, como náuseas, vômitos, epigastralgia, dispepsia, desconforto abdominal, diarreia, obstipação, que pode chegar a 40%, o que determina menor tolerância, pior adesão ao tratamento e, consequentemente, piores resultados. Desta forma, sulfato ferroso não é o medicamento de primeira escolha no tratamento da anemia ferropênica; entretanto, é o único composto disponível para o tratamento dos pacientes atendidos pelo Sistema Único de Saúde.2,5,8-10

Embora a adoção de medidas práticas para minimizar os EA e melhorar a aderência ao tratamento com sais ferrosos, como ingerir o medicamento durante ou após as refeições, sendo que, neste caso, a diminuição da absorção poderá ser compensada pelo aumento da aderência ao tratamento; iniciar o tratamento com doses menores seguido de aumento gradativo das mesmas; na maioria das vezes, é necessário substituir o sulfato ferroso por outro tipo de medicamento com ferro.

Os sais férricos (ferripolimaltose) têm a vantagem de poderem ser administrados durante ou após a refeição, apresentam menor incidência de EA, o que lhes confere maior adesão e melhores resultados ao tratamento.9,10

Outras opções terapêuticas correspondem aos sais ferrosos com ferro aminoquelado (resultante da união covalente do ferro na forma ferrosa, quelado com um aminoácido – glicinato, citrato de cálcio) e o ferro carbonila.

Este fascículo publica importante trabalho científico de Farias et al.,11 que compara o tratamento de crianças menores de 6 anos de idade com ferro carbonila versus sulfato ferroso, mostrando o ferro carbonila como opção terapêutica eficaz e efetiva que deve ser considerada no tratamento de pacientes com anemia ferropênica.

Recebido: 04/05/2009

Aceito: 03/02/2009

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  • 4. Looker AC, Dallman PR, Carroll MD, Gunter EW, Johnson CL. Prevalence of iron deficiency in the United States. JAMA. 1997;277(12):973-6.
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  • 9. Saha L, Pandhi P, Gopalan S, Malhotra S, Saha PK. Comparison of efficacy, tolerability, and cost of iron polymaltose complex with ferrous sulphate in the treatment of iron deficiency anemia in pregnant women. enMed. 2007;9(1):1.
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  • 11. Farias ILG, Colpo E, Botton SR, Rosirene B. Silveira RB, Fleig A, et al. Carbonyl iron reduces anemia and improves effectiveness of treatment in under six-year-old children. Rev Bras Hematol. Hemoter. 2009;31(3):125-31. Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.
  • Correspondência:

    Rodolfo Delfini Cançado
    Hemocentro da Santa Casa de São Paulo
    Rua Marquês de Itú, 579 - 3º andar
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2009
    • Data do Fascículo
      2009
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