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Analisador automático hematológico e a importância de validar novos equipamentos em laboratórios clínicos

Automated hematology analyzer and the importance of validation of new equipment in the clinical laboratory

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Analisador automático hematológico e a importância de validar novos equipamentos em laboratórios clínicos

Automated hematology analyzer and the importance of validation of new equipment in the clinical laboratory

Nydia S. Bacall

Médica hematologista e patologista clínica. Presidente do Centro de Hematologia de São Paulo. Responsável pelo Serviço de Citometria de Fluxo do Hospital Israelita Albert Einstein

Correspondência Correspondência: Nydia S. Bacall Rua Campos Bicudo, 140 & Itam Bibi 04536-010 & São Paulo - SP & Brasil Tel.: (55 11) 3747-2450 E-mail: nsbacal@einstein.br

Alguns princípios nos equipamentos de contagem de células automatizadas que descreveremos abaixo são utilizados pelos principais fabricantes dos atuais analisadores automáticos hematológicos como a Beckman Coulter, Sysmex Corporation, Roche Produtcts Ltd, Abbott Diagnostics, Siemens Healthcare Diagnostics/Bayer, Horiba Diagnostics/Horiba ABX entre outros instrumentos.

A contagem de células por impedância foi primeiramente descrita por Wallace Coulter em 1956, depende do fato dos glóbulos vermelhos serem pobres condutores de eletricidade, enquanto certos diluentes são bons condutores; essa diferença forma a base desse sistema de contagem. Dois eletrodos de platina mergulhados separadamente por um orifício de 60 a 100 micrometros de diâmetro, sendo um no interior do equipamento e outro no líquido contendo as partículas a serem contadas, permite que cada partícula que passe pelo orifício desloque o volume de líquido, modificando de forma mensurável a impedância proporcional ao volume deslocado. Esses pulsos são amplificados e contados num volume de sangue predeterminado.

Por esse método são contados eritrócitos, e em diferente diluição após lise das hemácias contam-se os leucócitos e as plaquetas. O ajuste do aparelho permite sensibilidade para cada tamanho de partícula, sendo fundamental regular a intensidade da corrente e o "limiar" de detecção para o tamanho de partícula a ser contada. O registro simultâneo da amplitude (volume da partícula) e do número de partículas contadas fornece o volume corpuscular médio (VCM) que, multiplicado pelo número de eritrócitos, fornece o hematócrito.

A determinação da hemoglobina por espectrofotometria fornece por divisão eletrônica a hemoglobina corpuscular média (HCM) e a concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM). Portanto, esses equipamentos fornecem a leucometria, número de hemácias e plaquetas, VCM, Hematócrito, Hemoglobina, HCM e CHCM. As precisões nessas contagens apresentam uma variação de 2% a 5%.1 O princípio Coulter tem sido empregado por muitos anos, e nos instrumentos multicanais foram desenvolvidos sistemas eletrônicos com o avanço dos microprocessadores. O emprego de três aberturas, duas para quantificação de leucócitos e uma para quantificação de eritrócitos e plaquetas, foi um avanço do qual o equipamento da Beckman Coulter T8-90 tornou-se referência até hoje.2

A propriedade de dispersão de luz (Light Scattering) na qual glóbulos vermelhos e outras células do sangue permitem a quantificação por detectores eletro-óticos e varia conforme a área de superfície celular e, portanto, seu volume, faz com que essa luz seja captada por fotomultiplicadores ou fotodiodos convertendo-se em impulsos elétricos. O sistema de foco hidrodinâmico melhorou o desempenho desses contadores.

As análises para diferencial de leucometria dependem do volume e de outras características físicas das células e também da ligação de corantes a grânulos ou atividade de enzimas celulares, tais como peroxidase. A tecnologia utilizada em estudo para caracterizar as células inclui dispersão da luz, absorbância e impedância medidas com baixa ou alta frequência de corrente eletromagnética ou corrente de radio- frequência.

O diferencial em três partes designa granulócitos ou grandes células, linfócitos ou pequenas células e monócitos, células mononucleares ou células de médio tamanho. Na prática, pouca especificação para eosinófilos e basófilos que, às vezes, são contados na categoria de monócitos.

Instrumentos automatizados com diferencial em cinco partes que utilizam o VCS (volume, condutividade e dispersão de luz) permitem analisar até 8.000 células em cada amostra.

A contagem de cinco tipos celulares baseia-se em características físicas dos leucócitos, depois da remoção parcial do citoplasma, e pode ser realizada por três determinações simultaneamente:

& Medida da impedância com corrente eletromagnética de baixa frequência, dependendo principalmente do volume celular.

& Medida da condutividade com corrente eletromagnética de alta frequência (radiofrequência), dependente da estrutura interna celular, inclusive relação núcleo citoplasma, densidade nuclear e granularidade.

& Dispersão frontal de luz em 10% a 70°, na qual as células passam por um feixe de laser, determinada pela estrutura, pela forma e pela reflexibidade da célula.3

Muitos contadores diferenciais automatizados incorporaram citometria de fluxo tendo a capacidade de realizar contagem diferencial em três partes ou em cinco a sete partes.

Na contagem de cinco a sete partes, as células são classificadas como neutrófilos, eosinófilos, basófilos, linfócitos e monócitos, e em uma contagem diferencial estendida pode incluir células grandes imaturas (blastos e granulócitos imaturos) e linfócitos atípicos (incluindo blastos pequenos). A citometria de fluxo classifica maior número de células, tendo, portanto, maior precisão, mas somente essa tecnologia nos monócitos e basófilos apresentam menor precisão do que se espera pelo número de células contadas.

O instrumento da Beckman-Coulter, o contador A T 5diff fornece os cinco elementos diferenciais de leucócitos através de dois canais: a contagem de leucócitos e de basófilos são feitas por impedância após lise diferencial, os basófilos são mais resistentes à perda do citoplasma em meio ácido. Os outros elementos são identificados no segundo canal, com uma combinação da medida de volume (impedância) e citoquímica e absorvância (negro-clorazol). Esse corante liga-se aos grânulos do eosinófilo fortemente, neutrófilos (de modo intermediário) e dos monócitos (fracamente), sendo que os linfócitos não se coram.

Os instrumentos da Sysmex que incorporam citometria de fluxo fluorescente com fluorescência nos múltiplos canais fornecem a contagem diferencial através do laser, corrente contínua para impedância e corrente em radiofrequência para determinar a estrutura interna das células. O analisador hematológico Sysmex XS-1000i apresenta tecnologia 5-Diff e citometria de fluxo fluorescente.

Outros equipamentos da Sysmex combinam uma polimetina fluorescente com os ácidos nucleicos (DNA nuclear e RNA nas organelas citoplasmáticas), permitindo a contagem de reticulócitos e a identificação de plaquetas contendo RNA, assim como a identificação e contagem de eritroblastos. A contagem de plaquetas é feita duplamente: por impedância e por método óptico, no canal de reticulócitos, após marcação com corante fluorescente. Os canais do XE-2100 são: canal de hemoglobina utilizando um reagente sem cianeto (lauril-sulfato); canal de eritrócitos/plaquetas, que mede e conta por impedância em um fluxo com foco hidrodinâmico; canal de diferencial para neutrófilos, eosinófilos, linfócitos e monócitos após interação com corante fluorescente, sendo medida a dispersão lateral da luz (estrutura interna da célula), dispersão frontal (tamanho celular) e intensidade de fluorescência (tamanho do núcleo); canal de leucócitos/basófilos, que lisa todas as células menos os basófilos, sendo diferenciados por dispersão de luz frontal e lateral; canal de eritroblastos, sendo identificados por intensidade de fluorescência e dispersão frontal da luz; canal de granulócitos imaturos distintos por impedância e corrente de radiofrequência.

A contagem de eritroblastos e sua subtração do total de leucócitos permitem uma contagem verdadeira de leucócitos na amostra. Os equipamentos que utilizam esse sistema são Abbott CellDyn 4000, Sysmex XE2100 e o Beckman-Coulter LH750.

Houve um avanço nos alertas e rejeição da amostra em caso de eritroblastos, mielócitos, promielócitos, blastos e linfócitos atípicos.

Muitos dos alertas para linfócitos atípicos ou variantes são reconhecidos pela alteração de volume características de impedância ou dispersão de luz. Identificação de eosinófilos pela habilidade de seus grânulos polarizarem a luz ou detectar desvio à esquerda ou a presença de blastos pela redução da dispersão de luz do núcleo de muitos granulócitos imaturos. Instrumentos que incorporam citoquímica expressam um índice de atividade média da peroxidase, que pode estar aumentado em infecções, em algumas mielodisplasias, leucemias, AIDS e anemia megalobástica e pode estar diminuído em deficiência de peroxidase em neutrófilo adquirida ou congênita. A porcentagem de granulócitos imaturos do Sysmex XE2100 prediz a infecção, tendo correspondência direta com a contagem absoluta de neutrófilos. Os pigmentos de malária podem ser detectados pelos parâmetros que definem o tipo de leucócito.

Contagem diferencial em lâmina automatizada é relativamente lenta e sua precisão não é melhor que a contagem manual, tendo tido melhora com a rede neural artificial, por exemplo no DiffMaster, CellVision AB, SE-223 70, Lund Sweden.4,5

A incorporação da tecnologia de laser com argônio e de anticorpos monoclonais específicos ligados a fluorocromos permite a quantificação precisa de alguns tipos de células. Essa metodologia para a plaquetometria é de fundamental importância em pacientes plaquetopênicos. Essa metodologia também tem permitido demonstrar a origem de uma linfocitose B ou T auxiliando na triagem de doenças linfoproliferativas. É possivel quantificar subtipos celulares de interesse, como células linfocitárias auxiliadoras (CD4/Helper) e supressoras (CD8/Supressor) no sangue periférico. Essa metodologia foi introduzida em 2005 com o equipamento Cell-Dynn Sapphire da Abbott Diagnostics. Para toda instrumentação a ser utilizada é fundamental manter uma documentação escrita e completa com instruções específicas de verificação operacional e da manutenção dos equipamentos, assim como de seu desempenho.5

Nessa edição da RBHH, o artigo sobre "Validação de Tecnologia 5diff do Analisador hematológico Sysmex XS-1000i para Laboratório de Pequeno/Médio Porte" descreve as vantagens de se utilizar uma tecnologia voltada para equipamentos de grande porte em laboratórios menores e compara seu desempenho em relação à contagem diferencial manual e o equipamento T-890 da Beckman Coulter.

As vantagens na contagem diferencial de células por analisadores hematológicos automatizados incluem diminuição do tempo de liberação, maior precisão com diminuição do coeficiente de variação, melhor reprodutibilidade, maior produtividade, e, após o desenvolvimento tecnológico desses equipamentos aprimorando os tipos de alertas que sugerem revisão de lâmina de esfregaço de sangue, tem ocorrido uma melhora na qualidade total dos exames liberados. O consenso estabelecido pela International Society for Laboratory Hematology & ISLH (www.islh.org) com critérios para revisão do hemograma e do diferencial de leucócitos tem auxiliado os laboratórios nessa definição.

Através de uma análise comparativa publicada no CAP em dezembro de 2008 é possível avaliar todos os equipamentos disponíveis atualmente. Interessante observar que a acurácia descrita para o XS-1000i em relação ao diferencial manual por equações de regressão mostra-se semelhante ao encontrado no trabalho relatado acima, sendo menor para monócitos % r = 0,78 e y = 0,86 e basófilo % r = 0,29 e y = 0,15. (CAP Today vol.22 nº12, dec.2008 - Disponível em http://www.cap.org/apps/docs/cap_today/1208/1208_much_ ado_about_size_10a.pdf)

Conhecer os equipamentos nos quais se trabalha é importante para saber os alertas não previstos em seu menu e que necessitam obrigatoriamente de revisão de lâmina. A validação tecnológica comparativa permite trabalhar com segurança.

Recebido: 10/08/2009

Aceito: 13/08/2009

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

  • 1. Brandalise SR, Guerra CCC, Nahas L, Pasternak J, Rosenfeld G, Rosenfeld LGM Automação em hematologia. In: Manual de Técnicas e Recomendações em Hematologia da Sociedade Brasileira de Hematologia e Hemoterapia. 1975. Pág. 41-57.
  • 2. Bain J B. Células sanguíneas: um guia prático. 3Ş ed., Artmed, 2003; 50-52.
  • 3. Dacie and Lewis. Practical Haematology, 10Şed. Churchill Livingstone, Edinburgh, 2006.
  • 4
    National Committee for Clinical Laboratory Standards. Approved Standard H, 20 A: Reference Leukocyte Count (Proporcional) and Evaluation of Instrumental Methods. USA National Committee for Clinical Laboratory Standards, PA, 1992.
  • 5
    Clinical and Laboratory Standards Institute. Approved Standard GP, 31 A: Laboratory Instrument Implementation, Verification, and Maintenance; Approved Guideline, 2009.
  • Correspondência:

    Nydia S. Bacall
    Rua Campos Bicudo, 140 & Itam Bibi
    04536-010 & São Paulo - SP & Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Out 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009
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