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Resultados do controle de qualidade de produtos hemoderivados: análise sanitária

Results of quality control of plasma derivatives products: sanitary analysis

Resumos

O Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde - INCQS, unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz, desempenha seu papel no controle de qualidade pericial, de bens e serviços sujeitos ao regime de Vigilância Sanitária, em particular medicamentos denominados de hemoderivados. Este trabalho fundamentou-se na análise de 3.100 lotes de hemoderivados, no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004, assim distribuídos: 31,6% (n=980) de albumina humana, 28,7% (n=890) de fator VIII, 21,4% (n=662) de imunoglobulina humana, 8,3% (n=257) de fator IX, 7,1% (n=220) de imunoglobulinas específicas como anti-Rho (D), antitetânica, anti-rábica, anti-Hepatite B e antivaricela zoster e 2,9% (n=91) de complexo protrombínico. As amostras foram recebidas para análise oriundas dos segmentos: portos, aeroportos e fronteiras de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo e de apreensões realizadas pelos estados de Pernambuco, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Quanto à modalidade de análise: 92,3% correspondem à análise controle, 5,9% fiscal, 1,4% orientação e 0,4% análise prévia. Da internalização dos hemoderivados importados: 40,0% ocorreram pelo aeroporto de Brasília, 26,9% por São Paulo e 25,2% pelo Rio de Janeiro. Concluindo, dos lotes de hemoderivados analisados, 99,1% apresentaram resultados satisfatórios e 0,9% foram insatisfatórios quanto ao ensaio de inspeção visual, solubilidade, ensaio de estabilidade e químico, e quanto ao teste de pirogênio e toxicidade inespecífica. Desta forma, monitorar a qualidade dos produtos hemoderivados é um instrumento fundamental no exercício das ações de Vigilância Sanitária.

Hemoderivados; monitoramento da qualidade


The technical scientific unit of the National Institute of Quality Control in Health (INCQS), part of the Oswaldo Cruz Foundation, has a role of investigational quality control of products and services related to health surveillance, in particular medicines denominated plasma derivative products. This paper is based on the analysis of the 3100 plasma derivative products from January 2000 to December 2004: 31.6% (n=980) of human albumin, 28.7% (n=890) of factor VIII, 21.4% (n=662) of human immunoglobulins, 8.3% (n=257) of factor IX, 7.1% (n=22) of specific immunoglobulin classes containing anti-Rho (D) immunoglobulin, anti-hepatitis B, anti-tetanus, anti-rabies and anti-varicella-zoster and 2.91% (n=91) of prothrombin complex. The products submitted to analysis came from airports and frontiers of Brasília, Rio de Janeiro and São Paulo, and products confiscated by the states of Pernambuco, Santa Catarina, Rio de Janeiro and Rio Grande do Sul. The type of analysis was characterized as: 92.3% control analysis; 5.9% fiscal analysis; 1.4% guidance and 0.4% preliminary analysis. In respect to imported plasma derivatives, 40.0% originated from the airport in Brasilia, 26.9% in São Paulo and 25.2% in Rio de Janeiro. In conclusion, 99.1% of the plasma derivative products analyzed was considered satisfactory and 0.9% unsatisfactory as identified by visual inspection, solubility, stability and chemical assays and pyrogenic and unspecific toxicity tests. Thus, the assessment of the quality of plasma derivative products is an essential tool for health surveillance.

Plasma derivatives products; quality assessment


ARTIGO ARTICLE

Resultados do controle de qualidade de produtos hemoderivados - análise sanitária

Results of quality control of plasma derivatives products - sanitary analysis

Marisa C. AdatiI; André L. GemalII; Helena C. B. GuedesI

ITecnologista Senior em Saúde Pública – Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde - Fiocruz – Rio de Janeiro-RJ

IIProfessor Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Diretor do INCQS/Fiocruz – Rio de Janeiro-RJ

Correspondência Correspondência: Marisa Coelho Adati Fundação Oswaldo Cruz Avenida Brasil, 4365 – Manguinhos 21070-900 – Rio de Janeiro-RJ – Brasil E-mail: marisa.adati@incqs.fiocruz.br Doi: 10.1590/S1516-84842009005000058

RESUMO

O Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde – INCQS, unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, desempenha seu papel no controle de qualidade pericial, de bens e serviços sujeitos ao regime de Vigilância Sanitária, em particular medicamentos denominados de hemoderivados. Este trabalho fundamentou-se na análise de 3.100 lotes de hemoderivados, no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004, assim distribuídos: 31,6% (n=980) de albumina humana, 28,7% (n=890) de fator VIII, 21,4% (n=662) de imunoglobulina humana, 8,3% (n=257) de fator IX, 7,1% (n=220) de imunoglobulinas específicas como anti-Rho (D), antitetânica, anti-rábica, anti-Hepatite B e antivaricela zoster e 2,9% (n=91) de complexo protrombínico. As amostras foram recebidas para análise oriundas dos segmentos: portos, aeroportos e fronteiras de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo e de apreensões realizadas pelos estados de Pernambuco, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Quanto à modalidade de análise: 92,3% correspondem à análise controle, 5,9% fiscal, 1,4% orientação e 0,4% análise prévia. Da internalização dos hemoderivados importados: 40,0% ocorreram pelo aeroporto de Brasília, 26,9% por São Paulo e 25,2% pelo Rio de Janeiro. Concluindo, dos lotes de hemoderivados analisados, 99,1% apresentaram resultados satisfatórios e 0,9% foram insatisfatórios quanto ao ensaio de inspeção visual, solubilidade, ensaio de estabilidade e químico, e quanto ao teste de pirogênio e toxicidade inespecífica. Desta forma, monitorar a qualidade dos produtos hemoderivados é um instrumento fundamental no exercício das ações de Vigilância Sanitária.

Palavras-chave: Hemoderivados; monitoramento da qualidade.

ABSTRACT

The technical scientific unit of the National Institute of Quality Control in Health (INCQS), part of the Oswaldo Cruz Foundation, has a role of investigational quality control of products and services related to health surveillance, in particular medicines denominated plasma derivative products. This paper is based on the analysis of the 3100 plasma derivative products from January 2000 to December 2004: 31.6% (n=980) of human albumin, 28.7% (n=890) of factor VIII, 21.4% (n=662) of human immunoglobulins, 8.3% (n=257) of factor IX, 7.1% (n=22) of specific immunoglobulin classes containing anti-Rho (D) immunoglobulin, anti-hepatitis B, anti-tetanus, anti-rabies and anti-varicella-zoster and 2.91% (n=91) of prothrombin complex. The products submitted to analysis came from airports and frontiers of Brasília, Rio de Janeiro and São Paulo, and products confiscated by the states of Pernambuco, Santa Catarina, Rio de Janeiro and Rio Grande do Sul. The type of analysis was characterized as: 92.3% control analysis; 5.9% fiscal analysis; 1.4% guidance and 0.4% preliminary analysis. In respect to imported plasma derivatives, 40.0% originated from the airport in Brasilia, 26.9% in São Paulo and 25.2% in Rio de Janeiro. In conclusion, 99.1% of the plasma derivative products analyzed was considered satisfactory and 0.9% unsatisfactory as identified by visual inspection, solubility, stability and chemical assays and pyrogenic and unspecific toxicity tests. Thus, the assessment of the quality of plasma derivative products is an essential tool for health surveillance.

Key words: Plasma derivatives products; quality assessment.

Introdução

O Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde – INCQS, uma unidade técnico-científica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), inaugurada em 1981, sucessora do Laboratório Central de Controle de Drogas, Medicamentos e Alimentos – LCCDMA, tem como missão atuar como referência nacional para as questões técnico-científicas relativas ao controle da qualidade de produtos e serviços vinculados à Vigilância Sanitária.1,2 Desta forma, o INCQS vem rotineiramente realizando as análises previstas na legislação vigente,2 como análise prévia, fiscal e de controle dos produtos hemoderivados nacionais e importados, em atendimento a legislação vigente, Resolução RDC n° 46 de 18 de maio de 2000.3

Os produtos hemoderivados são medicamentos obtidos por meio da matéria-prima plasma humano, proveniente do sangue coletado de doadores voluntários, altruístas e não remunerados, posteriormente submetidos ao processo de fracionamento.3,4 O termo fracionamento é usado para descrever a seguinte sequência de processos: separação das proteínas plasmáticas (precipitação e/ou cromatografia), purificação (cromatografia de troca iônica ou afinidade) e uma ou mais etapas de inativação ou remoção viral,5 com a finalidade de conferir estabilidade, eficácia, qualidade e segurança.6,7 O método de fracionamento do plasma humano desenvolvido por Cohn e colaboradores da Universidade de Harvard, durante a 2ª Guerra Mundial, consiste na precipitação das proteínas plasmáticas pela combinação de diferentes concentrações de etanol a baixa temperatura, a partir de ajustes de pH e constante dielétrica, para precipitação seletiva das diferentes proteínas.8 No entanto, outros produtores alternativamente separam as proteínas através de cromatografia de troca iônica, gel filtração ou por outros métodos de afinidade, sem a utilização do etanol.9 No método de Cohn-Oncley, a fração I contém, especificamente, fibrinogênio, que é o principal componente proteico da coagulação sanguínea, enquanto na fração II+III está contida a maior concentração de imunoglobulinas. A fração V é a matéria-prima da albumina humana, e o fator VIII é um componente da fração crioprecipitado do plasma humano. O fator IX e complexo protrombínico (fatores da coagulação II, VII, IX e X) são obtidos após a remoção do crioprecipitado, com etapas de fracionamento semelhantes, assim como o processo de inativação/remoção viral.10,11 Os hemoderivados, em destaque neste estudo são: albumina humana, imunoglobulina normal, concentrado de fator VIII, concentrado de fator IX, complexo protrombínico e imunoglobulina específica,3 devidamente registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Ministério da Saúde.12

Este trabalho tem como objetivo apresentar o monitoramento da qualidade dos lotes de produtos hemoderivados, no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004, antes de serem internalizados e distribuídos no País, conforme estabelecido na legislação vigente.3

Material e Método

Para a execução deste trabalho, foram utilizadas as informações constantes dos seguintes segmentos: a) Sistema de Gerenciamento de Amostras (SGA 2000) do INCQS; b) Termo de Colheita de Amostras proveniente da Gerência Geral de Portos, Aeroportos e Fronteiras (GGPAF), das Vigilâncias Sanitárias de diferentes estados do País2,3 e c) de lotes de amostras de hemoderivados recebidas para análise no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004.

No período estudado foi recebida, para análise, uma amostragem de 3.100 lotes de hemoderivados, 2.873 lotes (92,7%) oriundos de empresas internacionais e 227 lotes (7,3%) nacionais. No caso de produtos importados, antes do embarque no Brasil, conforme preconizado na legislação, a Anvisa procede à análise técnica documental e autoriza a importação de cada lote por meio do deferimento da Licença de Importação - LI.13 Durante os desembaraços alfandegários, ocorridos principalmente nos aeroportos dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, os técnicos da GGPAF/Anvisa/MS coletam 10 frascos de cada lote, acondicionados em invólucros lacrados, acompanhados de Termo de Coleta de Amostras preenchidos e encaminhados ao INCQS para análise.3 Enquanto aguarda a liberação dos resultados das análises, a carga fica sob guarda, por meio do Termo de Fiel Depositário, para posteriormente ser internalizada e distribuída no País.3

Na sequência, também foram avaliados, durante o mesmo período estudado, os requerentes de análise: a) Gerência Geral de Portos, Aeroportos e Fronteiras (GGPAF) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Ministério da Saúde (MS) dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e de outros aeroportos que coletaram amostras de hemoderivados importados em atendimento à legislação vigente;3 b) Vigilância Sanitária (Visa) Estadual e Municipal, que apreenderam amostras para fins de análise fiscal, principalmente em atendimento a denúncias de desvio de qualidade de produto;1,2 c) Outros requerentes, incluídos neste item foram as instituições públicas, laboratórios de Saúde Pública.

Outro parâmetro avaliado foi a modalidade de análise. De acordo com a legislação vigente,2 o INCQS realiza: a) análise fiscal por definição efetuada nos produtos registrados, em caráter de rotina, para a apuração de infração ou verificação de ocorrência fortuita ou eventual; b) análise controle efetuada em amostras sob regime de Vigilância Sanitária, após sua entrega ao consumo e destinada a comprovar a conformidade do produto com a fórmula que deu origem ao registro; c) análise prévia efetuada em determinados produtos sob o regime de Vigilância Sanitária, a fim de ser verificado se os mesmos podem ser objeto de registro;2 d) análise de orientação destinada a atender as instituições públicas de saúde.

Por fim, os hemoderivados foram analisados frente aos ensaios realizados de acordo com a legislação vigente, Resolução RDC n° 46/00: análise documental – realizada de acordo com a modalidade de análise pretendida; no caso de análise fiscal, o documento que acompanha o produto apreendido é o Termo de Coleta de Amostras devidamente preenchido, principalmente quanto ao motivo da apreensão. No caso de análise controle de produto importado, este é acompanhado por formulário preenchido contendo as seguintes informações: número da LI, nome do produto, número do lote, prazo de validade, nome do detentor do registro, número de registro do produto na Anvisa/MS e outras informações pertinentes. Além deste formulário, acompanham também os certificados de controle de qualidade da matéria-prima e do produto final, antes do embarque das amostras para o Brasil. No ato do recebimento do produto, esta documentação é minuciosamente conferida e analisada3 e, no caso de divergências entre a documentação e as amostras recebidas, a Anvisa/MS é imediatamente comunicada e o produto liberado somente após a sua expressa autorização. Avaliações também foram efetuadas quanto aos ensaios pertinentes e critérios de aceitabilidade: análise de rotulagem, embalagem e certificado de liberação do produto – de acordo com a legislação vigente; determinação dos fatores da coagulação – fator VIII e fator IX – potência estimada entre 80% a 120% e 80% a 125%, respectivamente; determinação de hemaglutinina anti-A e anti-B – igual ou inferior a diluição de 1:64; determinação do radical heme – absorbância menor ou igual a 0,150; ensaio de estabilidade – ausência de sinais de gelificação e/ou floculação; ensaio de identidade – reatividade somente frente a soro anti-humano; ensaio de solubilidade – imunoglobulinas – inferior a 20 minutos e fatores de coagulação – inferior a 10 minutos; ensaios sorológicos – não reagente; inspeção visual – solução límpida, isenta de partículas; ensaios químicos (efetuados no Departamento de Química do INCQS) – segundo a Resolução RDC n° 46/00; teste de segurança (efetuados no Departamento de Farmacologia e Toxicologia do INCQS) – segundo a Resolução RDC n° 46/00.

Resultados

Nos Gráficos 1 e 2 estão demonstrados os quantitativos de lotes de hemoderivados importados e nacionais recebidos para análise, período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004, de acordo com o tipo de produto.



Dos 3.100 lotes de hemoderivados analisados, o maior percentual, 31,6% (n= 980), correspondeu a albumina humana; 28,7% (n= 890) de lotes de fator VIII; 21,4% (n= 662) de lotes de imunoglobulina humana; 8,3% (n= 257) de fator IX; 7,1% (n= 220) de imunoglobulinas específicas (discriminadas no Gráfico 2) e 2,9% (n= 91) corresponderam ao complexo protrombínico.

Dentre as imunoglobulinas específicas recebidas para análise, 50% (n= 110 lotes) corresponderam a imunoglobulina anti-D; 24% (n= 52 lotes) a imunoglobulina anti-hepatite B; 18% (n= 40 lotes) a imunoglobulina antitetânica; 6% (n= 12 lotes) a imunoglobulina anti-rábica e 2% (n= 05 lotes) corresponderam a imunoglobulina antivaricela zoster.

O Gráfico 3 mostra os diferentes requerentes de análise de produtos hemoderivados no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004.


Os lotes de produtos hemoderivados foram analisados segundo as modalidades: fiscal, controle, orientação e prévia, como apresentado no Gráfico 4.


Dos 3.100 lotes de medicamentos hemoderivados nacionais e importados recebidos para análise no INCQS, 92,3% (n= 2.859 lotes) corresponderam à modalidade de análise controle, 5,9% (n= 183 lotes) à modalidade de análise fiscal, 1,4% (n= 44 lotes) à análise de orientação e 0,4% (n= 14 lotes) à análise prévia.

Os hemoderivados foram analisados de acordo com a legislação vigente e os resultados analíticos foram distribuídos de acordo com a modalidade de análise, conforme demonstrado no Gráfico 5.


Os resultados satisfatórios foram detectados nas seguintes análises: análise controle, fiscal e de orientação, que corresponderam a 99,1% (n= 3.073) dos lotes analisados e 0,9% (n= 27 lotes) mostrou resultados insatisfatórios. O maior índice de resultados satisfatórios foi obtido na análise controle, 91,9% (n= 2.851 lotes) e 0,26% (n= 08 lotes) de resultados insatisfatórios. A análise fiscal obteve 5,4% (n= 166 lotes) de resultados satisfatórios e 0,5% (n= 17 lotes) de resultados insatisfatórios, enquanto a análise de orientação, 1,4% (n= 42 lotes) de resultados foram satisfatórios e 0,06% (n= 02 lotes) de resultados foram insatisfatórios, a análise prévia obteve 0,5% (n= 14 lotes) de resultados satisfatórios.

Os resultados insatisfatórios distribuídos de acordo com o ensaio realizado, segundo os requisitos preconizados na Resolução RDC n° 46/00, são mostrados na Tabela 1.

Os produtos foram analisados de acordo com a legislação vigente sendo discriminados os ensaios com resultados insatisfatórios. No ensaio de inspeção visual, 12 resultados foram insatisfatórios, pois foi constatada a presença de fragmentos de rolha de borracha. Na solubilidade, sete resultados foram insatisfatórios visto que a reconstituição do liófilo foi superior ao tempo previsto na legislação, dez minutos. No ensaio de estabilidade, um resultado foi insatisfatório, com a formação de gelificação após o período de incubação, indicando deterioração do produto. O ensaio químico de determinação de polímeros e agregados obteve cinco resultados insatisfatórios, superior ao preconizado na legislação. O teste de pirogênio contou com três resultados insatisfatórios, ou seja, pirogênio positivo. No teste de toxicidade inespecífica, um resultado foi insatisfatório, pois o produto ao ser inoculado em cobaias e camundongos causou morte ou perda de peso nos animais.

Os resultados insatisfatórios também foram avaliados por ensaio e por tipo de hemoderivado, conforme demonstrado no Gráfico 6. Este gráfico demonstra resultados insatisfatórios quanto à inspeção visual em nove lotes de fator VIII e em três lotes de fator IX; no ensaio químico em cinco lotes de albumina humana; e, em seguida, quanto à solubilidade, em sete lotes de fator IX; teste de pirogênio em três lotes de albumina humana, enquanto o ensaio de estabilidade em um lote de fator VIII e o teste de toxicidade inespecífica em um lote de albumina humana.


Discussão

O monitoramento da qualidade dos produtos hemoderivados no período de janeiro de 2000 a dezembro de 2004 analisou 3.100 lotes e demonstrou que a albumina humana é o produto de maior demanda no mercado nacional, 31,6% (n= 980 lotes) do total de produtos recebidos e analisados. Este produto, por ocasião do estudo, contava também com produção nacional por empresas pública e privada, no entanto com produção pouco representativa para atender a demanda nacional, ficando o consumo restrito aos estados nos quais as empresas estavam instaladas. A imunoglobulina normal foi o terceiro produto mais consumido no País (n= 662 lotes); como não há produção nacional, todo o produto consumido no período foi 100% importado. Nesse período, o Ministério da Saúde não adquiria estes produtos para atendimento à rede de saúde pública, ficando a aquisição restrita aos detentores de registro do produto para comercialização na rede hospitalar, porém, no momento, o MS adquire esses produtos por meio de licitação para distribuição na rede pública hospitalar.

Em relação às imunoglobulinas específicas destacou-se a anti-D, adquirida pelos detentores de registro no País enquanto as imunoglobulinas anti-hepatite B, anti-rábica, antitetânicas e antivaricela zoster, de menor consumo, sendo adquiridas exclusivamente pelo MS, em atenção ao Programa Nacional de Imunizações. Cabe destacar que o fator VIII foi o segundo hemoderivado mais consumido no País (n= 890 lotes), sendo este produto adquirido unicamente pelo MS por meio de licitações anuais, para atendimento de 5.411 pacientes portadores de hemofilia.14 O fator IX foi o quarto produto mais consumido no País e, semelhantemente ao fator VIII, é totalmente importado e adquirido unicamente pelo MS atendendo aproximadamente 886 pacientes portadores de hemofilia B.14 Já o complexo protrombínico representa consumo reduzido, e também é adquirido exclusivamente pelo MS para atender aos pacientes portadores de coagulopatias.

Quanto aos requerentes de análise, este trabalho destacou a Gerência Geral de Portos, Aeroportos e Fronteiras (GGPAF) da Anvisa/MS com 92,4% (n= 2864 lotes) das amostras encaminhadas para análise. Dentre os lotes coletados e encaminhados pela GGPAF/Anvisa/MS, sobressaiu a GGPAF/DF, que demandou 40,0% (n= 1243 lotes) das análises. É evidente que o Ministério da Saúde é o maior adquirente de fatores de coagulação, fator VIII, fator IX e complexo protrombínico. Ressalta-se que o Brasil é o único país da América Latina a fornecer esses medicamentos a todos os pacientes portadores de coagulopatias da rede pública de saúde. Os demais requerentes de análise representaram 7,7% (n= 236 lotes) das amostras coletadas e encaminhadas para análise, principalmente através de apreensões pelas Vigilâncias Sanitárias dos estados do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Pernambuco, em atendimento a denúncias de desvio de qualidade do produto.

No que diz respeito às modalidades de análise dos hemoderivados, a saber: controle, fiscal e prévia, além da análise de orientação,2,3 os lotes de amostras foram analisados segundo a distribuição: 92,3% (n= 2859 lotes) através de análise controle, que é efetuada em produtos no consumo após o registro na Anvisa/MS. Por tratar de produtos importados, a GGPAF coleta amostras para verificação da conformidade do produto com a fórmula que deu lhe origem, por intermédio de análise controle.1,2,3

Conclusão

Os resultados analíticos demonstraram que 99,1% (n= 3.073 lotes) avaliados obtiveram resultados satisfatórios e apenas 0,9% (n= 27 lotes) resultados insatisfatórios. Cabe ressaltar que a análise fiscal liderou índice dos resultados insatisfatórios com 0,5% (n= 17 lotes) dos 0,9% do total.15 Este fato é justificável visto que, no período estudado, foram alvo de inúmeras denúncias, quanto à sua qualidade, os hemoderivados fabricados pela empresa nacional, LIP - Laboratórios de Produtos Plasmáticos Ltda, localizada no Rio Grande do Sul. A empresa foi inspecionada quanto ao cumprimento dos requisitos das Boas Práticas de Fabricação16 e, por apresentar sucessivos desvios de qualidade, foi interditada pela Vigilância Sanitária local; por fim, paralisaram suas atividades no final do ano 2000.15 Vale ressaltar que os resultados insatisfatórios das análises realizadas foram restritos às amostras recebidas nos anos de 2000 a 2002 e, nos anos subsequentes, 2003 e 2004, os lotes de hemoderivados analisados apresentaram 100% de resultados satisfatórios.

Por fim, pode-se concluir que a produção e o controle de qualidade de produtos hemoderivados estão regulamentados pela Resolução RDC n° 46 de 18 de maio de 2000, harmonizada no Grupo Mercado Comum – Mercosul, pela Resolução GMC n° 33/99, além de atos normativos internacionais, favorecendo com isso a qualidade, segurança e eficácia desses medicamentos. Monitorar a qualidade dos produtos hemoderivados como instrumento de vigilância sanitária, entendida como "um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse à saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionam com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo, e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde."17,18,19 Na ocasião do estudo, os hemoderivados importados, que representaram 92,4% dos produtos, ainda não eram rotineiramente liberados pelas agências de saúde de seus respectivos países. Entretanto, tal situação foi alterada, pois, no momento, as agências como Food and Drug Administration (USA), Paul Ehrlich Institute (Alemanha), Agence Française de Sécurité Sanitaire dês Produits de Santé (França), entre outras, emitem certificado de qualidade ratificando os certificados de liberação dos lotes produzidos pelas diferentes empresas.

Recebido: 09/09/2008

Aceito após modificações: 02/03/2009

Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde – Fundação Oswaldo Cruz – Rio de Janeiro-RJ.

Conflito de interesses: sem conflito de interesse.

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    Brasil. Resolução RDC n° 46 de 18 de maio de 2000. Normatiza os processos de produção e controle de qualidade, a aquisição e distribuição dos medicamentos hemoderivados para uso humano.
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  • Correspondência:
    Marisa Coelho Adati
    Fundação Oswaldo Cruz
    Avenida Brasil, 4365 – Manguinhos
    21070-900 – Rio de Janeiro-RJ – Brasil
    E-mail:
    Doi: 10.1590/S1516-84842009005000058
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Recebido
      09 Set 2008
    • Aceito
      02 Mar 2009
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