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Síndromes mielodisplásicas e mielodisplásicas/mieloproliferativas

Myelodysplastic syndromes and diseases with myelodysplastic and myeloproliferative features

Resumos

As síndromes mielodisplásicas (SMD) representam um grupo heterogêneo de doenças hematológicas caracterizadas por hematopoese ineficaz e risco aumentado de evolução para leucemia mieloide aguda. Neste artigo educativo são apresentados aspectos gerais da sua fisiopatologia, diagnóstico, apresentação histopatológica e seu papel no diagnóstico diferencial, classificação e estratificação prognóstica. Ressalta-se a importância da avaliação clínica e laboratorial, que inclui avaliação do sangue periférico e medula óssea: morfologia - aspirado medular e biópsia óssea -, citogenética, imunofenotipagem, além de dados evolutivos. O diagnóstico definitivo, em especial nos casos de baixo risco, deve considerar a exclusão de causas não clonais que podem, através de alterações dismielopoéticas reativas, simular a mielodisplasia, tais como infecções virais, principalmente pelo HIV. A nova classificação revisada da Organização Mundial da Saúde (OMS-2008) é apresentada e discutida.

Síndromes mielodisplásicas; síndromes mieloproliferativas; critérios diagnósticos; histopatologia


Myelodysplastic syndromes (MDS) represent a heterogeneous group of hematologic disorders characterized by ineffective hematopoiesis and an increased risk of developing acute myeloid leukemia. In this educational article the general aspects of the physiopathology, diagnosis, and histopathological features of MDS and their role in differential diagnosis, classification and prognostic categorization are presented. The importance of clinical and laboratory evaluations, including peripheral blood and bone marrow analyses, including morphology - aspirate and core biopsy, cytogenetics, immunophenotype and careful serial follow-up is emphasized. Definite diagnosis of MDS, especially in low-risk subtypes, should consider the exclusion of disorders with reactive bone marrow alterations, such as viral infections for example HIV. The new revised World Health Organization (WHO-2008) classification is presented and discussed.

Myelodysplastic syndromes; myeloproliferative disorders; diagnostic criteria; histopathology


ARTIGO ESPECIAL SPECIAL ARTICLE

Síndromes mielodisplásicas e mielodisplásicas/mieloproliferativas

Myelodysplastic syndromes and diseases with myelodysplastic and myeloproliferative features

José VassalloI; Silvia M. M. MagalhãesII

IProfessor Titular de Patologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) - Campinas-SP

IIProfessor Adjunto de Hematologia, Departamento de Clínica Médica - Serviço de Hematologia do Hospital Universitário Walter Cantídio, Universidade Federal do Ceará - Fortaleza-CE

CorrespondênciaCorrespondência: José Vassallo Laboratório de Patologia Investigativa e Molecular CIPED, Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Rua Tessália Vieira de Camargo, 126 Caixa Postal 6111 13080-887 - Campinas-SP - Brasil Tel.:/Fax (55-19) 3289-3897 E-mail: vassallomeister@gmail.com Doi: 10.1590/S1516-84842009005000062

RESUMO

As síndromes mielodisplásicas (SMD) representam um grupo heterogêneo de doenças hematológicas caracterizadas por hematopoese ineficaz e risco aumentado de evolução para leucemia mieloide aguda. Neste artigo educativo são apresentados aspectos gerais da sua fisiopatologia, diagnóstico, apresentação histopatológica e seu papel no diagnóstico diferencial, classificação e estratificação prognóstica. Ressalta-se a importância da avaliação clínica e laboratorial, que inclui avaliação do sangue periférico e medula óssea: morfologia - aspirado medular e biópsia óssea -, citogenética, imunofenotipagem, além de dados evolutivos. O diagnóstico definitivo, em especial nos casos de baixo risco, deve considerar a exclusão de causas não clonais que podem, através de alterações dismielopoéticas reativas, simular a mielodisplasia, tais como infecções virais, principalmente pelo HIV. A nova classificação revisada da Organização Mundial da Saúde (OMS-2008) é apresentada e discutida.

Palavras-chave: Síndromes mielodisplásicas; síndromes mieloproliferativas; critérios diagnósticos; histopatologia.

ABSTRACT

Myelodysplastic syndromes (MDS) represent a heterogeneous group of hematologic disorders characterized by ineffective hematopoiesis and an increased risk of developing acute myeloid leukemia. In this educational article the general aspects of the physiopathology, diagnosis, and histopathological features of MDS and their role in differential diagnosis, classification and prognostic categorization are presented. The importance of clinical and laboratory evaluations, including peripheral blood and bone marrow analyses, including morphology - aspirate and core biopsy, cytogenetics, immunophenotype and careful serial follow-up is emphasized. Definite diagnosis of MDS, especially in low-risk subtypes, should consider the exclusion of disorders with reactive bone marrow alterations, such as viral infections for example HIV. The new revised World Health Organization (WHO-2008) classification is presented and discussed.

Key words: Myelodysplastic syndromes; myeloproliferative disorders; diagnostic criteria; histopathology.

Introdução

As síndromes mielodisplásicas (SMD) representam um grupo heterogêneo de doenças com ampla variação de manifestações clínicas e patológicas, que têm em comum um defeito clonal nas células progenitoras hematopoéticas (stem cells). Clinicamente, caracterizam-se por citopenia de uma ou mais linhagens hematopoéticas. Os sintomas, quando presentes, relacionam-se à insuficiência das linhagens afetadas e, eventualmente, à transformação leucêmica, que ocorre em cerca de um terço dos casos. Diferente das síndromes mieloproliferativas crônicas, nas SMD não se observam, em geral, organomegalias (hepato ou esplenomegalia). A maioria dos casos em adultos é primária, com anomalias citogenéticas em 40%-60% dos casos. Uma minoria é secundária, relacionada à exposição a agentes tóxicos, como quimioterápicos e radiação ionizante.1As SMD secundárias geralmente são mais agressivas, mais frequentemente relacionadas a anomalias citogenéticas complexas (80%) e podem ser de dois tipos:

• tipo clássico: início tardio, em geral depois de sete anos após exposição a agentes alquilantes, frequentemente do tipo AREB e citogenética com alterações complexas envolvendo o cromossomo 7.

• tipo rapidamente progressivo: histórico de exposição principalmente a inibidores da topoisomerase, com frequente expressão da proteína p53 e frequentemente com translocações do 11q23 e 21q22. A evolução para LMA pode ser muito rápida.

Em pacientes pediátricos, as SMD podem ser secundárias a anomalias hematológicas congênitas, como a anemia de Fanconi, neutropenia congênita severa, síndrome de Shwachman-Diamond, anemia de Diamond-Blackfan.

As SMD ocorrem principalmente em indivíduos mais velhos, com uma incidência de 2-12/ 100.000 habitantes/ano na população geral, que se eleva a 50/100.000 habitantes/ano na faixa etária acima dos 70 anos de idade. A incidência é crescente com a idade e maior naqueles expostos a agentes mutagênicos terapêuticos, ocupacionais e/ou ambientais.

A patogênese das SMD ainda é pouco compreendida, uma vez que há participação de um complexo de eventos anormais.2 Uma sequência de alterações genéticas adquiridas resulta no desenvolvimento de um clone anômalo e geneticamente instável de stem cells. Este clone anômalo apresenta alterações de proliferação e maturação, com aumento da apoptose, responsável pelas citopenias nos estágios iniciais da doença. A apoptose decresce e a proliferação aumenta, à medida que a SMD evolui para fases mais avançadas e transformação leucêmica, devido à instabilidade genômica e lesões genéticas adicionais. As respostas imunes e de microambiente anômalas parecem representar um fenômeno secundário, também envolvido na fisiopatologia das alterações clínicas deste grupo de doenças.3 Acredita-se que as alterações cromossômicas, como, por exemplo, a que ocorre na deleção do braço longo do cromossomo 5 (síndrome 5q-) envolva genes relacionados a citocinas e seus receptores, reguladores do ciclo celular, fatores de transcrição, mediadores de sinalização e, mais recentemente, proteínas ribossomais, como a RPS14. A alteração ou deleção de um grupo de genes que desempenham um papel no controle da hemopoese parece desencadear os fenômenos vistos clinicamente.

O diagnóstico deve ser considerado em pacientes com citopenias isoladas ou combinadas, associadas a alterações de maturação em uma ou mais linhagens hematopoéticas. A avaliação inicial inclui, além do exame do sangue periférico, o aspirado medular com reação de Perls, o estudo histopatológico da medula óssea com avaliação da trama de fibras reticulínicas, a análise citogenética e a citometria de fluxo, em casos de difícil diagnóstico e para pesquisa de clone HPN (hemoglobinúria paroxística noturna). Especialmente nos casos sem excesso de blastos ou alterações cromossômicas específicas, condições não clonais que cursam com a associação citopenia e dispoeses devem ser excluídas.4,5 Em algumas situações clínicas especiais, outras investigações estão indicadas e têm implicações terapêuticas: a tipagem para o HLA-DR15 (na SMD hipocelular), a pesquisa da translocação envolvendo o 5q31-33 e/ou rearranjo do gene PDGFRβ (na leucemia mielomonocítica crônica) e a avaliação da mutação de JAK-2 V617F (nos casos com trombocitose). A aplicação do perfil de expressão gênica (microarray analysis) é ainda preliminar e talvez tenha aplicação futura no diagnóstico da SMD e como fator preditivo de resposta terapêutica.6

Classificação das SMD

Propostas de classificação morfológica com implicações prognósticas visam identificar subgrupos de pacientes, orientar diferentes opções terapêuticas6 e permitir análise comparativa de resultados (Figura 1). As SMD foram, desde 1982, tradicionalmente classificadas de acordo com feições citopatológicas aliadas à contagem de blastos (classificação Franco-Americano-Britânica - FAB). Em 1997, foi proposto o IPSS (International Prognostic Score System) com base exclusivamente em SMD primária. O escore proposto considera o percentual de blastos, a presença e tipo de anomalia citogenética e o número e magnitude das citopenias, estratificando quatro subgrupos de risco com relação à sobrevida global e transformação leucêmica. A nomenclatura adotada, a partir de 2001, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o número de linhagens hematopoéticas acometidas (uma ou múltiplas linhagens), reconhece a síndrome 5q- e reduz o percentual de blastos que define leucemia aguda para 20%. A leucemia mielomonocítica crônica (LMMC) passa a ser classificada no grupo com feições mielodisplásicas / mieloproliferativas. Essa classificação foi recentemente revisada, incluindo agora os seguintes subtipos7:

• Citopenias refratárias com displasia em uma linhagem: anemia refratária (AR) (CID-O - 9980/3), neutropenia refratária (NR), (CID-O - 9991/3), trombocitopenia refratária (TR) (CID-O - 9992/3). O percentual de blastos na medula óssea é inferior a 5%.

• AR com sideroblastos em anel: o percentual de blastos na medula óssea é inferior a 5%, e sideroblastos anelados são >15%. Alterações displásicas são restritas à linhagem eritroide; (CID - 9982/3).

• Citopenia refratária com displasia multilinear: o percentual de blastos na medula óssea é inferior a 5%. Alterações displásicas são observadas em pelo menos 10% das células de, no mínimo, duas linhagens envolvidas. Pode haver ou não sideroblastos em anel >15%; (CID - 9985/3).

• AR com excesso de blastos: alterações displásicas observadas em uma ou mais linhagens. No tipo 1, o percentual de blastos na medula varia de 5% a 9% e no tipo 2 de 10% a 19%; (CID - 9983/3).

• SMD associada com deleção isolada do braço longo do cromossomo 5: o percentual de blastos na medula óssea é inferior a 5%. (CID - 9986/3).

• MD não classificada: alterações displásicas observadas em <10% de uma ou mais linhagens, acompanhadas de alteração citogenética específica. O percentual de blastos na medula óssea é inferior a 5%; (CID - 9989/3).


A inclusão de alterações citogenéticas agrega valor na estratificação prognóstica quando associada à análise citomorfológica e contagem de blastos. Numa publicação recente,8 os achados citogenéticos em 491 casos de SMD estudados foram: cariótipo normal em 40,1%; del(5q) em 8,7%; trissomia do cromossomo 8 em 4,5%; del(7)(q31q23) em 4,1%; del(12p) em 3,4%; del(20q) em 3,0%; monossomia 7 em 2,7%; rearranjos do cromossomo 3q em 2,6%; del(17p) e +1q em 1,2% cada; del(11)(q14q23) e nulissomia Y em 1,0% cada; miscelânea em 5,5% dos casos. A sobrevida global foi mais favorável na del(11)(q14a23) e del(12p), intermediária na del(7)(q31a35) e pobre nos rearranjos do 3q. A transformação leucêmica foi menor na del(11)(q14a23) e del(12p), intermediária na del(20q) e alta na trissomia 8.

A proposta recente de integrar o IPSS com a classificação da OMS - o WPSS - considera a dependência transfusional como fator de impacto prognóstico negativo na sobrevida global, em especial nos pacientes de baixo risco, e propõe um modelo de estratificação de risco em cinco categorias com sobrevida mediana que varia de 8 meses a 136 meses. Esse refinamento, além de propor um sistema dinâmico, que pode ser aplicado ao diagnóstico e durante a evolução da doença, beneficia em especial o grande e heterogêneo grupo de baixo risco. Mais recentemente, Garcia-Manero e colaboradores propuseram um escore para estratificação de pacientes de baixo risco, considerando os parâmetros que, à análise multivariada, se associaram com menor sobrevida: plaquetopenia, anemia, idade avançada, excesso de blastos, e alterações citogenéticas desfavoráveis. Níveis elevados de ferritina e beta2-microglobulina, embora não incluídos no modelo, também estavam associados a pior prognóstico.9

Dentre os pacientes considerados de baixo risco foi possível identificar três categorias com impressionantes diferenças em sobrevida global: 80,3m, 26,6m e 14,2m. A desidrogenase lática tem também sido considerada uma variável prognóstica independente, útil ao diagnóstico e durante o seguimento como indicador precoce de progressão da doença e seleção de pacientes para intervenção terapêutica precoce.

Casos com citopenias inexplicadas e persistentes (>6 meses), que não preenchem os critérios diagnósticos mínimos morfológicos e citogenéticos propostos para a SMD, são denominados citopenia refratária de significado indeterminado (ICUS - idiopathic cytopenia of indetermined significance).10

Considerando que as propostas até então existentes não se fundamentam em aspectos biológicos ou fisiopatológicos da doença, a avaliação de pacientes individuais para decisão terapêutica deve ser feita com cautela e considerando o curso e evolução clínica. Sobretudo porque as terapias disponíveis, à exceção do transplante de medula óssea, não têm objetivo de cura e trazem um potencial de reações adversas que devem ser consideradas. Nos últimos três anos, o FDA (Food and Drug Administration) aprovou três drogas com potencial de modificar a história natural da doença, tornando mais relevantes ainda as estratégias de estratificação de risco e terapia adaptada ao risco.11

Embora uma porcentagem dos casos de SMD evolua para leucemia mieloide aguda (LMA), e ambas as doenças, SMD e LMA, tenham natureza clonal, algumas diferenças devem ser enfatizadas:

• a idade média de apresentação é de 70 anos nas SMD e 45-65 anos na LMA;

• na SMD, uma ou mais linhagens são displásicas, enquanto na LMA há geralmente um bloqueio de diferenciação restrito a uma linhagem hematopoética. A OMS reconhece a leucemia mieloide aguda com displasia em múltiplas linhagens (CID - 9895/3), que apresenta displasia em, no mínimo, duas linhagens, alteração citogenética relacionada ou, ainda, que evolua a partir de um quadro de SMD ou SMD/MP;7

• a hemopoese normal está suprimida em graus variáveis na SMD e em desvantagem competitiva na LMA;

• as anomalias citogenéticas mais frequentes nas SMD envolvem os cromossomos;

• 5 e 7 e na LMA são t(8;21), inv16 e t(15;17);8

• a contagem de blastos deve ser inferior a 20% nas SMD e maior ou igual a 20% na LMA;

• a apoptose é proeminente na AR e ARSA, variável na AREB e baixa na LMA;

• a diferenciação está anormal na SMD e bloqueada na LMA;

• a resposta à citarabina é pobre nas SMD e boa na LMA.

Estudo histopatológico da medula óssea nas SMD

O estudo histopatológico da medula óssea (MO) é útil no diagnóstico das SMD, contribuindo para:

• avaliação da celularidade medular;

• avaliação da distribuição topográfica e da maturação das linhagens celulares (Figura 2A);

• detecção de achados sugestivos de processos reativos (plasmocitose, edema, atrofia serosa, aumento de fibras reticulínicas);

• avaliação de alterações estromais: necrose, fibrose, atrofia serosa;

• análise de megacariócitos anormalmente hipolobulados, pequenos e agrupados (mais facilmente avaliáveis na histopatologia (Figura 2B);

• aplicação da imuno-histoquímica, como, por exemplo, expressão anômala de CD34, CD117/c-kit ou da proteína p53 em células imaturas; expressão de marcadores de linhagem em precursores imaturos, refinando a avaliação de sua topografia, ou detecção de neoplasias intersticiais não suspeitadas à morfologia convencional (Figuras 2C e 2D);

• aplicação da fluorescência in situ (FISH) na pesquisa de alterações cromossômicas numéricas e de translocações.12,13






Na experiência do autor (JV), em até 20% dos casos, o patologista pode não detectar anomalias à histopatologia.14 Em cerca de 50% dos casos, o diagnóstico de SMD pode ser apoiado devido às alterações significativas da linhagem megacariocítica, e em 20% foram vistas alterações megaloblastoides. Digna de nota é a frequência com que a medula óssea é hipocelular em nosso meio, (aproximadamente um quarto dos casos, contra 5%-15% na literatura),15 embora este achado não tenha sido associado com o prognóstico em análise multivariada. A forma hipocelular da SMD está associada a algumas características: subtipo AR, menor probabilidade de evolução para leucemia aguda, citopenias mais severas, provável hiper-regulação de genes relacionados à inflamação nas células CD34+, o que torna essa variante mais responsiva a terapias imunossupressoras. Nesses casos de SMD, a biópsia de MO reveste-se de especial importância, já que se impõe o diagnóstico diferencial com aplasia medular. Nesta doença, não há atipias de megacariócitos, o que é frequentemente encontrado na SMD hipocelular.

Na forma hiperfibrótica da SMD (10%-15% dos casos), o histopatologista se vê confrontado com o diagnóstico diferencial com outras causas de fibrose medular, principalmente com síndromes mieloproliferativas crônicas. No entanto, ao contrário destas, não há organomegalias na SMD hiperfibrótica. Esta corresponde mais frequentemente ao tipo AREB, apresenta grande número de megacariócitos atípicos e agrupamentos de blastos CD34+.

O diagnóstico diferencial dos achados histopatológicos inclui:

• doenças congênitas hematológicas;

• deficiência de ferro, vitamina B12 e folato;

• toxicidade química: quimioterapia, alcoolismo;

• regeneração medular pós-aplasia (e. g., pós-quimioterapia);

• doenças crônicas: renais, tireoideanas e hepáticas;

• doenças reumatológicas e estados autoimunes;

• infecções virais: HIV, parvovírus (Figuras 3A e 3B);

• alterações secundárias a outras neoplasias;

• leucemia mieloide aguda hipocelular;

• síndromes mieloproliferativas crônicas; e

• doenças com feições mieloproliferativas e mielodisplásicas.


Em relação à infecção pelo HIV, os achados que mais chamam a atenção são a hipercelularidade, com retardo maturativo, e as alterações dos megacariócitos. Porém, estes achados estão associados com plasmocitose importante, por vezes com infiltrados linfoides atípicos, atrofia serosa e granulomas. Uma estreita correlação dos dados clínicos, laboratoriais e evolutivos é mandatória para excluir processos dismielopoéticos que simulam achados das SMD à histopatologia.

A classificação da OMS, revisada em 2008, define ainda um subgrupo de neoplasias mieloides mielodisplásicas/mieloproliferativas, que se caracterizam, ao diagnóstico, pela presença simultânea de feições mielodisplásicas (citopenias e dispoeses) e mieloproliferativas (leucocitose, trombocitose, visceromegalias), na ausência de cromossomo Philadelphia ou gene de fusão BCL/ABR. Fazem parte dessa classificação a LMMC, dividida em tipo 1 e tipo 2, em função do percentual de blastos, mais promonócitos em sangue periférico e medula óssea; a leucemia mieloide crônica atípica (LMC-a), que se distingue pela presença de disgranulopoese e ausência de cromossomo Philadelphia; a leucemia mielomonocítica juvenil (LMMJ), que acomete crianças e pertence ao grupo das neoplasias mieloides pediátricas. Um grupo não classificável inclui a anemia refratária com sideroblastos em anel e trombocitose (ARSA-T) (plaquetas > 450.000/mm3) que apresenta elevados índices de positividade para mutação de JAK-2 V617F.16

Lembretes importantes:

• As SMD correspondem a um grupo complexo de doenças clonais, caracterizado por citopenias e alterações displásicas, na ausência de organomegalias;

• Anomalias citogenéticas estão presentes em aproximadamente 50% dos casos e fornecem dados para o diagnóstico e estratificação prognóstica, em conjunto com os critérios da OMS;

• O diagnóstico de SMD se apoia no conjunto de dados clínicos, citológicos, histopatológicos, citogenéticos e evolutivos;

• Embora a biópsia de MO frequentemente traga importantes achados distintivos para apoiar o diagnóstico de SMD (especialmente: avaliação precisa da celularidade; fibrose, depósitos de hemossiderina e outras alterações estromais; dismegacariopoese; avaliação topográfica de alterações de precursores hematológicos; utilização da imuno-histoquímica e da FISH), os patologistas devem ter cuidado ao tentar fechar o diagnóstico desacompanhado das demais informações clínicas e laboratoriais, pois vários processos acompanhados de dismielopoese reativa podem simular SMD;

• O diagnóstico correto e a estratificação prognóstica são importantes para seleção do tratamento adequado e para a seleção de um subgrupo de pacientes que potencialmente se beneficia de intervenção terapêutica precoce.

Recebido: 16/12/2008

Aceito: 20/01/2009

Avaliação: Editor e dois revisores externos

Suporte Financeiro: José Vassallo é Pesquisador do CNPq.

Faculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas-SP e Programa de Pós-Graduação da Fundação Antonio Prudente, Hospital do Câncer de São Paulo. Departamento de Clínica Médica - Serviço de Hematologia do Hospital Universitário Walter Cantídio, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza-CE.

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  • Correspondência:
    José Vassallo
    Laboratório de Patologia Investigativa e Molecular
    CIPED, Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp
    Rua Tessália Vieira de Camargo, 126 Caixa Postal
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    E-mail:
    Doi: 10.1590/S1516-84842009005000062
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      20 Jan 2009
    • Recebido
      16 Dez 2008
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