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Aspectos morfológicos da infiltração da medula óssea por condições exibindo diferenciação plasmocitária e gamopatia monoclonal

Morphological aspects of bone marrow infiltration by diseases characterized by plasma cell proliferation and monoclonal gamopathy

Resumos

As doenças linfoproliferativas com diferenciação plasmocitária e pico monoclonal são causas de dificuldade diagnóstica no estudo de espécimes de medula óssea. Conhecer os aspectos clínicos, morfológicos, imunofenotípicos e citogenéticos é fundamental para o diagnóstico correto. Descrevemos os aspectos práticos mais relevantes para a interpretação de biópsias de medula óssea frente às situações mais frequentes.

Gamopatia monoclonal; mieloma; linfoma linfoplasmacítico; linfoma da zona marginal; medula óssea


Some lymphoproliferative diseases with plasma cell differentiation and monoclonal gammopathy are challenging to diagnose when dealing with bone marrow biopsies. Knowledge of clinical, morphological, phenotypic and cytogenetic aspects is crucial to establish the correct diagnosis. We describe practical relevant aspects that help in the interpretation of bone marrow biopsies in these situations.

Monoclonal gammopathy; myeloma; lymphoplasmacytic lymphoma; marginal zone lymphoma; bone marrow


ARTIGO ESPECIAL SPECIAL ARTICLE

Aspectos morfológicos da infiltração da medula óssea por condições exibindo diferenciação plasmocitária e gamopatia monoclonal

Morphological aspects of bone marrow infiltration by diseases characterized by plasma cell proliferation and monoclonal gamopathy

Victor P. Andrade

Médico Oncologista. Gerente Médico de Análises Clínicas da Fundação Antônio Prudente Fleury Medicina e Saúde – São Paulo-SP

Correspondência Correspondência: Victor Piana de Andrade Av. Gen Waldomiro de Lima, 508 – Jabaquara 04344-903 – São Paulo-SP – Brasil E-mail: victor.andrade@fleury.com.br Doi:10.1590/S1516-84842009005000056

RESUMO

As doenças linfoproliferativas com diferenciação plasmocitária e pico monoclonal são causas de dificuldade diagnóstica no estudo de espécimes de medula óssea. Conhecer os aspectos clínicos, morfológicos, imunofenotípicos e citogenéticos é fundamental para o diagnóstico correto. Descrevemos os aspectos práticos mais relevantes para a interpretação de biópsias de medula óssea frente às situações mais frequentes.

Palavras-chave: Gamopatia monoclonal; mieloma; linfoma linfoplasmacítico; linfoma da zona marginal;medula óssea.

ABSTRACT

Some lymphoproliferative diseases with plasma cell differentiation and monoclonal gammopathy are challenging to diagnose when dealing with bone marrow biopsies. Knowledge of clinical, morphological, phenotypic and cytogenetic aspects is crucial to establish the correct diagnosis. We describe practical relevant aspects that help in the interpretation of bone marrow biopsies in these situations.

Key words: Monoclonal gammopathy; myeloma; lymphoplasmacytic lymphoma; marginal zone lymphoma; bone marrow.

Introdução

Nesta atualização discutiremos conceitos e atualizações sobre o envolvimento da medula óssea em quatro condições que podem cursar com gamopatia monoclonal e diferenciação plasmocitária:

1. Linfoma da zona marginal (LZM)

2. Linfoma linfoplasmacítico/Macroglobulinemia de Waldeström (LPL/MW)

3. Gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS)

4. Mieloma múltiplo (MM)

As causas de gamopatias monoclonais são a MGUS (55%-65%), MM (18%), Smoldering multiple myeloma (3%), plasmocitomas isolados ou extraósseos (2%), LPL/MW (2%) e LZM/outros linfomas (3%), amiloidose primária (8%-12%), outras causas (3%).1,2

Gamopatia monoclonal de significado indeterminado

A gamopatia monoclonal de significado indeterminado (MGUS – Monoclonal gamopathy of underteminated significance) é uma condição pré-maligna caracterizada por:

• Níveis séricos de IgG ou IgA >3mg/dL ou

• Proliferação monoclonal limitada de plasmócitos na medula óssea (<10%),

• Ausência de lesões de órgãos periféricos, como aqueles observados no mieloma múltiplo (MM).3

Esta é a discrasia plasmocitária mais comum, presente em aproximadamente 3% da população acima de 50 anos, com um risco de evolução para mieloma de 1% ao ano até os 60 anos e cerca de 5% após os 70 anos. Muitas vezes os pacientes são assintomáticos. Existem critérios clínicos e laboratoriais para este diagnóstico, mas a biópsia de medula óssea é sempre considerada nos pacientes com esta suspeita diagnóstica a fim de afastar outras causas.

Mais de 90% dos casos de MGUS tem anormalidades citogenéticas incluindo translocações envolvendo a região 14q32, hiperploidias e deleção do cromossomo 13, comuns ao MM, e, portanto, inúteis na diferenciação diagnóstica, mas com potencial informação prognóstica na avaliação do risco de progressão para MM.4,5 As taxas constantes de transformação para MM sugerem uma transformação baseada na hipótese do second-hit como um segundo evento aleatório e não cumulativo, ainda não esclarecido. Mutações do gene Ras, Myc, p53, metilações do p16 e outras translocações são descritas em MM e podem corresponder a este segundo evento na tumorigênese.4

O ambiente da medula óssea sofre alterações importantes nesta progressão para MM. A mais marcante delas é a angiogênese. Esta mudança está relacionada à detectção de IL-6 e VEGF e é espectral ao longo da progressão, sendo difícil, portanto, ser usada como critério diagnóstico. Entretanto, a elevada angiogênese se correlaciona com doença avançada, índice proliferativo e grau de envolvimento da medula óssea. Esta alteração desencadeou um interesse por estratégias antiangiogênicas no tratamento do MM.6-10

Nesta progressão para mieloma múltiplo, alguns pacientes podem ficar por anos em uma condição intermediária, denominada smoldering multiple myeloma (SMM). A distinção entre SMM e MGUS é necessária pelo maior risco de evolução para mieloma (cerca de 10%-20% ao ano), muito embora não exista um mecanismo patogenético diferente conhecido. Estes pacientes são assintomáticos, mas podem evoluir com quadro clássico de MM em um intervalo médio de três anos.4,11

Existe ainda uma condição similar, mas com pico sérico de IgM, exibindo os mesmos achados medulares, que caracteriza a smoldering Waldeström's macroglobulinemia (SMW) com risco elevado de progressão para macroglobulinemia de Waldeström (MW) / linfoma linfoplasmacítico (LPL). Neste caso é necessária a ausência de hiperviscosidade, linfadenomatia e hepatoesplenomegalia.4

Na medula óssea acometida por MGUS, a presença dos plasmócitos pode ser observada de forma intersticial ou formando grupo de tamanhos variados. O limite de 10% está baseado na contagem realizada no mielograma, mas a biópsia por agulha é especialmente útil nos casos de infiltração plasmocitária focal. Além disto, não há irregularidade das trabéculas ósseas como observada algumas vezes no MM.

O perfil imuno-histoquímico do MGUS é aquele de plasmócitos bem diferenciados com restrição da imunoglobulina de cadeia leve, ou seja, negativo para CD20, positividade variável para CD79a, positividade para CD138, MUM1, PAX5 e expressão relativa variável de IgKappa e IgLambda.

Há obviamente uma sobreposição com o acometimento focal da medula óssea por MM. A pesquisa imuno-histoquímica para CD138 permite quantificar melhor os plasmócitos e avaliar os agregados; entretanto, mesmo associado com IgKappa ou IgLambda, esta não pode ser usada para o diagnóstico diferencial uma vez que ambos são monoclonais.12 Usualmente, os plasmócitos no MGUS não têm expressão anômala de CD56, e alguns autores advogam seu uso na diferenciação com o MM, mas outros autores demonstraram que a positividade para CD56 e outras expressões anômalas existem em casos de MGUS e parecem aumentar ao longo do espectro de progressão para MM.13-15

As diferenças entre MGUS e MM se baseiam na apresentação clínica-laboratorial e apenas de posse destes dados o diagnóstico é possível.

Mieloma múltiplo

O MM é uma proliferação plasmocitária letal com envolvimento da medula óssea e tecidos extraósseos com caráter multifocal. Cerca de 90% dos casos ocorrem em pacientes acima dos 50 anos e a idade mediana é de 70 anos. O MM representa 1% das neoplasias malignas e 10%-15% das neoplasias hematopoéticas e é responsável por 20% dos óbitos neste grupo de neoplasias.

Os pacientes são sintomáticos, exibindo fadiga, dor óssea ou outros relacionados aos achados laboratoriais e o diagnóstico requer:

• Pico monoclonal soro (> 3 g/dL) ou urina, seja IgM, IgA ou IgG

• 3% sem pico monoclonal - mieloma não secretor

• Plasmócitos clonais na medula ou plasmocitoma isolado/extraósseo

• Lesão de orgãos alvo: hipercalcemia, insuficiência renal, anemia; lesões ósseas líticas, amiloidose, hiperviscosidade, infecções recorrentes.

O diagnóstico diferencial é amplo e considera nos casos de lesões osteolíticas o hiperparatireoidismo, metástases e outras neoplasias ósseas; nos casos de plasmocitose medular, as inflamações, infecções, doenças autoimunes e hiper-reatividades; e, nos casos de gamopatia monoclonal, as doenças imunoproliferativas, carcinomas metastáticos, inflamação/infecção, doenças autoimunes, miopatias/neuropatias, e outras causas como bócio, pólipos colônicos, osteoporose, hiperparatireoidismo, etc.

Os padrões mais comuns de infiltração são o padrão nodular ou difuso com erosão óssea, fibrose e neoformação vascular, mas virtualmente qualquer padrão pode ser observado, inclusive há casos com envolvimento tão focal e discreto que o diagnóstico pode ser dificultado. Deve-se preferir biopsiar sítios de osteólise. O envolvimento extraósseo é sinal de doença avançada.

O padrão morfológico das células pode variar entre plasmócitos bem diferenciados de aspecto normal, células binucleadas, células em anel de sinete ou com citoplasma claro, acúmulos de imunoglobulinas na forma de inclusões nucleares ou cristais citoplasmáticos, células de aspecto monocitoide, pequenas células hipercromáticas, células fusiformes ou histiocitoides (pseudo-Gaucher), plasmablastos ou células polimórficas.16 De fato, a morfologia do MM pode simular desde plasmocitoses reacionais a carcinomas, linfomas e mesmo sarcomas. A presença de células plasmablásticas ou anaplásicas está associada com prognóstico menos favorável e o mieloma anaplásico pode ser usado quando a morfologia imunoblástica/polimórfica for predominante.17, 18

O imunofenótipo está assim descrito:

• Ig citoplasmática + / Ig superficie -

o Kappa ou Lambda

• Positivo

o CD138, CD38, MUM-1

• Raros/Aberrantes

o CD56 (~75%), CD52, CD10, CD117, Ciclina D1

• Negativo

o CD20, CD19, CD22

Para além da morfologia plasmablástica, imunoblástica ou polimórfica, da clonalidade de imunoglobulinas de cadeia leve, a expressão aberrante de Ciclina D1, CD56 e CD10 é útil para o diagnóstico diferencial com as plasmocitoses reacionais no contexto adequado.

A pesquisa imuno-histoquímica de plasmócitos na medula óssea pelo anticorpo CD138, combinado com IgKappa e IgLambda, apresenta alta sensibilidade e especificidade na detecção do acometimento focal ou doença residual da medula por mieloma, quando comparado com outros testes, desde que a amostra obtida apresente boa representatividade do parênquima medular, além de apresentar um boa relação de custo-benefício.12,19 Embora outros elementos próprios da medula óssea sejam CD138 negativos, alguns carcinomas metastáticos podem apresentar positividade para CD138, em especial adenocarcinomas, e estes podem ter aspecto plasmocitoide. Entretanto, estas neoplasias são positivas para citoceratinas e negativas para IgKappa e IgLambda.

A pesquisa de CD56 por imuno-histoquímica também é um teste útil para diferenciar os plasmócitos com natureza reacional (CD56-) e os de natureza neoplásica (CD56+).13 Associações estatísticas foram descritas entre a hiperexpressão de ciclina D1 e o grau de diferenciação plasmocitária e também com a extensão de infiltração da medula óssea nos mielomas.20 Estas marcações aberrantes são especialmente úteis nas infiltrações discretas da medula óssea.

Os plasmócitos reacionais tendem a infiltrar a medula isoladamente ou em pequenos agregados perivasculares, enquanto os plasmócitos neoplásicos formam grandes agregados, áreas difusas, mas eventualmente dispõem-se isoladamente.

Linfomas com gamopatia monoclonal e diferenciação plasmocitária

Os padrões arquiteturais observados nas infiltrações por neoplasias de células B na medula óssea são:

• Difuso: infiltração substitui o parênquima medular

• Intersticial: infiltração permeia o parênquima medular

• Paratrabecular: nódulos linfoides com ampla superfície de contato com trabéculas ósseas

• Nodular: nódulos linfoides sem relação direta com as trabéculas ósseas

• Sinusoidal: células localizadas no interior ou adjacência de sinusoides

Algumas associações entre o tipo de linfoma e o padrão de infiltração da medula óssea são bem descritas, por exemplo, o padrão paratrabecular isolado no linfoma folicular (correspondendo a mais de 90% dos casos) e o padrão difuso ou nodular no linfoma linfocítico (LLC-B). O padrão sinusoidal foi, no passado, associado ao linfoma da zona marginal (LZM), no entanto, relatos mais recentes têm demonstrado que este padrão é muito inespecífico, raríssimamente acontece como único padrão de infiltração e que a imuno-histoquímica é necessária na identificação fidedigna desta infiltração.21, 22

A discordância do padrão citológico e arquitetural dos linfomas da medula óssea em relação ao padrão no linfonodo ou baço é bem conhecida da literatura e pode ocorrer de 20%-40% dos casos. Casos difusos no baço ou linfonodo podem ter apresentação nodular na medula e casos com pequenas células na medula não excluem um linfoma de grandes células no linfonodo. Aliás, os casos de linfoma difuso de grandes células com infiltração da medula óssea por células grandes têm um prognóstico pior do que os casos com discordância morfológica e predomínio de células pequenas.23-25

Segundo um estudo recente com 450 amostras de medula óssea infiltradas por linfomas, esta discordância morfológica é mais comum nos linfomas difusos de grandes células B (23%) e no linfoma folicular, que pode não apresentar a morfologia centrocítica clássica (39%). Os casos de linfoma da zona marginal apresentaram raramente esta discordância (6%) e os linfomas linfoplasmacíticos não apresentaram esta divergência morfológica com o sítio primário.21

Os patologistas devem estar esclarecidos sobre estes aspectos porque tem havido uma crescente demanda pela classificação dos linfomas em espécimes de medula óssea, a fim de se evitar a retirada cirúrgica de linfonodos ou do baço. O linfoma da zona marginal apresenta uma dificuldade adicional para esta classificação na medula óssea, já que não tem um marcador específico, e o diagnóstico é, pelo menos em parte, dependente da análise arquitetural e do sítio de acometimento.

Linfoma da Zona Marginal (LZM)

Esta é uma neoplasia indolente, que afeta adultos ou idosos, com predominância do sexo feminino. A gamopatia monoclonal está presente em até um terço dos casos. A célula neoplásica clássica é pequena ou intermediária, com núcleo redondo e citoplasma de moderado a abundante e tem origem em uma célula pós-centro germinativo de memória IgM+. Este tipo celular pode predominar ou estar permeado por linfócitos pequenos ou células plasmocitoides/plasmócitos e células grandes tipo centroblasto ou imunoblasto. Três formas clínicas são reconhecidas: o linfoma da zona marginal extranodal ou linfoma MALT (7,6% dos linfomas B); linfoma da zona marginal esplênico (LZME; <1% dos linfomas B) e o linfoma da zona marginal nodal (LZMN; <1% dos linfomas B). Casos avançados com comprometimento de linfonodos e baço podem ser impossíveis de subclassificar entre estes tipos de LZM.3

Os linfomas MALT têm evidências de hipermutação somática e rearranjo gênico e, em parte, são dependentes do estímulo antigênico para proliferação. O LZME e LZMN podem ser subdividos em grupos com e sem rearranjo do gene da IgH. Não há uma anormalidade citogenética que defina o LZM.3

O perfil imunofenotípico dos linfomas da zona marginal demonstra CD19+, CD20+ com restrição de cadeia leve, CD10-, CD5-, CD43 +/- e BCL2+. O LZME é geralmente IgM+IgD+ enquanto o MALT e LZMN são IgM+IgD-.3

De 30% a 50% dos linfomas MALT apresentam a translocação t(11:18)(q21:q21) recíproca API-MALT1, e em geral como anormalidade única. Esta translocação não está presente no LZME ou LZMN. O LZME apresenta como alteração mais comum as deleções heterogêneas do cromossomo 7, a t(9:14)(p13:q32), que justapõe os genes da IgH e PAX5.3

Os padrões de infiltração são muito variáveis e incluem nodular, paratrabecular e intersticial. O achado do padrão intrassinusoidal é mais facilmente observado por imuno-histoquímica para CD20 ou CD34.

O LZME se manifesta com linfocitose, esplenomegalia, anemia e trombocitopenia. A linfadenopatia periférica é incomum. O LZME acomete a medula com alta frequência (67%-100%). Já o linfoma MALT envolve uma variedade de órgãos dos quais o estômago é o mais comum. A maioria dos pacientes tem doença localizada ao diagnóstico e a medula óssea está acometida em apenas 10%-20% dos casos. O LZMN se manifesta nos linfonodos periféricos sem esplenomegalia ou apresentação extranodal. Os pacientes acometidos são, em geral, idosos e apresentam linfadenomegalia gereralizada, com 30% a 40% de envolvimento da medula óssea.22

O linfoma da zona marginal pode infiltrar a medula com uma grande variedade de padrões. Os padrões morfológicos na medula óssea do LZME, do LZMN e do linfoma MALT são muito similares e não é possível a classificação final destes tumores no espécime de medula óssea. A existência de padrões mistos é comum, ocorrendo em 83% dos casos de LZME e 50% dos LZMN no estudo de Inamdar e cols.26 Franco e cols. analisaram biópsias de medula óssea de 16 pacientes com LZME e encontraram o padrão sinusoidal quase exclusivamente.27 Entretanto, em outros estudos este padrão se mostrou inespecífico. Por exemplo, Kent e cols. encontraram o padrão sinusoidal em grande parte dos LZME (83%), mas também em 55% dos MALT, sendo inconspícuos no MALT e mais evidentes no LZME.22 Outros estudos não identificaram padrão sinusoidal no MALT, ou este foi raro e em menos de 5% da área de infiltração. Além disto, este padrão foi observado também em linfomas linfoplasmacíticos, linfomas difusos de grandes células B e células do manto, LLC-B e tricoleucemia e não pode ser considerado fidedigno da infiltração por LZM.21, 28-31

O encontro de centros germinativos clássicos na medula óssea auxilia na distinção entre a natureza benigna ou maligna, mas pode ser visto com baixa frequência nos LZM, especialmente no LZME e linfomas foliculares. Portanto, não deve ser utilizado como critério de exclusão de malignidade. Contudo, em um caso inequivocamente maligno, o encontro de padrão sinusoidal de infiltração e centros germinativos pode sugerir o diagnóstico de LZME.26, 32

Linfoma linfoplasmacítico

Esta é uma neoplasia heterogênea e de baixa reproducibilidade diagnóstica, composta por linfócitos pequenos, linfócitos plasmocitoides e plasmócitos, geralmente envolvendo a medula óssea, linfonodos e baço. Este linfoma representa 2% das neoplasias hematopoéticas e afeta pacientes idosos, com média de 65 anos. O curso clínico é indolente, mas 10%-15% apresentam uma evolução mais agressiva.26

A morfologia pode variar de formas com maior diferenciação plasmocitária (linfoplasmacítica), uma sugestão apenas de diferenciação plasmocitária (linfoplasmocitoide) ou formas mais atípicas (polimórfico). Esta morfologia está associada com a frequência de alterações citogenéticas, existindo em cerca de 30% dos casos, sendo 20% nos linfomas com morfologia linfoplasmacítica e 78% nos polimorfos, e também com a agressividade biológica, observada em 75% dos polimorfos e apenas 30% dos linfoplasmacíticos ou linfoplasmocitoides. O achado citogenético mais comum é a translocação t(9:14)(p13q32), presente em cerca de 50%, que resulta na fusão IgH/PAX-5 relacionada com o descontrole da proliferação e diferenciação das células B. A transformação para linfoma difuso de grande células ocorre em cerca de 10% dos casos e está mais associada aos LPL polimórficos e com cariótipos complexos.3, 33

O pico monoclonal de IgM é demonstrado na maioria dos casos e o perfil imunofenotípico do linfoma linfoplasmacítico é positivo para CD19, CD20, CD22, CD79a, IgM, Igkappa:Lambda > 5:1, citoplasmático, marcação variável para CD23, CD38 e CD138 e CD43 e negativo para CD10, CD5, IgG, Ciclina D1, TdT e CD34. 34, 35

A biópsia de medula óssea é mandatória e a biópsia de linfonodo é desejável naqueles com linfonodomegalias superficiais. Setenta e cinco a noventa por cento dos pacientes exibem infiltração medular ao diagnóstico, podendo ser mista, nodular, intersticial ou difusa. Nos casos com medula óssea livre, a obtenção do linfonodo é necessária.3

O padrão de infiltração da medula óssea mais comum é o misto, e isoladamente pode ser difuso, intersticial ou nodular, nesta ordem de frequência. Mais frequentemente há um acometimento de mais de 50% do espaço medular, entretanto, o linfoma linfoplasmacítico (LPL) é um dos linfomas que podem apresentar uma infiltração intersticial não detectável ao exame de rotina.21 Alguns achados comuns na infiltração medular por LPL são o grande número de mastócitos e macrófagos com hemossiderina entre as células neoplásicas.3

Resumo

• Os casos de gamopatia monoclonal de significado indeterminado, smoldering myeloma, mieloma múltiplo, linfoma linfoplasmacítico e linfoma da zona marginal podem apresentar semelhanças morfológicas e gamopatia monoclonal

• O linfoma da zona marginal, quando infiltra a medula óssea, geralmente o faz com padrões múltiplos, frequentemente com formação de nódulos linfoides com centros germinativos, e o padrão celular é similar ao sítio primário;

• A presença de nódulos linfoides com centros germinativos na medula óssea é um dado a favor da natureza neoplásica; entretanto, quando presente em um caso inequivocamente neoplásico favorece infiltração por linfoma da zona marginal;

• O linfoma linfoplasmacítico infiltra amplamente a medula óssea (>50% da amostra), com padrões múltiplos e predomínio difuso. Mastócitos e macrófagos com hemossiderina são frequentes, e a morfologia celular é similar ao sítio primário;

• O diagnóstico das lesões com diferenciação plasmocitária depende de estreita correlação com aspectos clínicos, radiológicos e laboratoriais;

• A presença de agrupamentos de plasmócitos monoclonais não é necessária e nem suficiente para um diagnóstico de infiltração por mieloma múltiplo

Recebido: 21/12/2008

Aceito: 16/04/2009

Hospital do Câncer/Fundação Antônio Prudente Fleury Medicina e Saúde – São Paulo-SP.

Avaliação: Editor e dois revisores externos

Conflito de interesses: sem conflito de interesse

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  • Correspondência:
    Victor Piana de Andrade
    Av. Gen Waldomiro de Lima, 508 – Jabaquara
    04344-903 – São Paulo-SP – Brasil
    E-mail:
    Doi:10.1590/S1516-84842009005000056
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Recebido
      21 Dez 2008
    • Aceito
      16 Abr 2009
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