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A importância do controle de qualidade para a contagem de reticulócitos por métodos visual e automatizado

The importance of quality control for manual and automated reticulocyte counts

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A importância do controle de qualidade para a contagem de reticulócitos por métodos visual e automatizado

The importance of quality control for manual and automated reticulocyte counts

Maria Suely Soares Leonart

Farmacêutica-Bioquímica. Professora Titular em Análises Clínicas na Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR

Correspondência Correspondência: Maria Suely Soares Leonart Av. Nossa Senhora da Luz, 160 - Apto.1, Bacacheri 82510020 - Curitiba-PR - Brasil E-mail: msue@uol.com.br

A contagem de reticulócitos no sangue periférico é uma determinação valiosa no laboratório de hematologia por ser um indicador sensível da atividade eritropoética da medula óssea, tanto no diagnóstico e acompanhamento de anemias quanto no monitoramento de terapias e de transplante de medula óssea. O método tradicional de contagem de reticulócitos é o visual, sendo que a avaliação de seus resultados permite que se façam escolhas adequadas em relação aos exames laboratoriais específicos para o diagnóstico das anemias em geral. Porém, esta técnica tem sido acusada de tediosa e de apresentar falta de acurácia e pobre reprodutibilidade.1 A precisão e a acurácia deste método, no entanto, podem ser aceitáveis quando realizado dentro de critérios técnicos rigorosamente estabelecidos, como os preconizados pelo National Committee for Clinical Laboratory Standards e International Committee for Standardization in Haematology,2 incluindo a coleta e a preservação do sangue, a escolha do corante, a diluição da amostra, o critério de reconhecimento dos reticulócitos e o número de eritrócitos a serem contados. Por exemplo, para erros entre 5% e 20%, estabeleceu-se o número de células e serem contadas, que deve aumentar à medida que diminui a concentração de reticulócitos. Em uma amostra com 1% de reticulócitos, é necessário contar 2.525 eritrócitos para incorrer em uma variação de 20%; e 40.400 eritrócitos, para 5% de variação.3

A variação observada em alguns estudos sobre o método visual de contagem de reticulócitos foi de 9,7% a 20,5%,4 de 27,5%,5 e de 17,1% para amostras com valores elevados e 47,3% para amostras com valores dentro da normalidade.6 Observou-se também que a introdução do erro pré-analítico pode elevar a variação da fração reticulocitária para 41%.7 Ainda, em caso de armazenamento, em amostras de sangue mantidas a 4ºC, a porcentagem relativa de reticulócitos se reduz a cerca de 80% dos valores iniciais em uma semana, e a 60% após três semanas.8

A automação da contagem de reticulócitos realizada por citometria de fluxo tem melhorado consideravelmente a qualidade desta investigação.9 A contagem eletrônica em citometria de fluxo é mais objetiva e exata e ainda detecta diferenças nas quantidades de RNA, determinando índice de maturidade de reticulócitos (RMI), reticulócitos de alta fluorescência (HFR) e fração de reticulócitos imaturos (IRF), que podem ser usados como sinais precoces de crescimento na medula óssea após transplante. O volume reticulocitário médio (MCVr), a hemoglobina reticulocitária (CHr) e a concentração de hemoglobina reticulocitária média (CHCMr) permitem o acesso ao estado funcional da eritropoese no diagnóstico e monitoramento da deficiência de ferro e da terapia com eritropoetina.10

Em diversos trabalhos de comparação entre as metodologias disponíveis, observou-se boa precisão e linearidade para analisadores hematológicos como o ABX Pentra 120 Retic, Sysmex R-2000 (6,0%), Sistema Coulter STKS (6,9%), Beckman Coulter LH 750, Cell-Dyn 3500 e XE 2100, FACSort (Becton-Dickinson) (8,4%) e EPICS Profile (Coulter) (6,3% e 7,8%), com coeficientes de correlação superiores a 0,8% e coeficientes de variação intraensaios da ordem de 6% a 8%.1,5,9,11,12

A acurácia dos aparelhos, no entanto, é problemática porque as contagens, feitas de acordo com as especificações dos fabricantes, podem não ser suficientes para se encontrar o valor verdadeiro, o que torna importante o desenvolvimento de materiais biológicos de referência para controle de qualidade,9 bem como a implementação de programas de controle de qualidade externo.

Os procedimentos para o controle de qualidade de aparelhos multicanais para hematologia incluem o emprego de métodos de referência aceitáveis como, por exemplo, o método da cianometahemoglobina, a contagem manual de plaquetas em microscopia de contraste de fase e a determinação do micro-hematócrito por centrifugação, bem como a cuidadosa calibração dos aparelhos, com a determinação de valores alvo a cada semana, devendo-se acompanhar com amostras comercialmente preparadas.13 No caso da contagem de reticulócitos, levando-se em conta que a contagem visual apresenta boa acurácia se realizada de acordo com as normas preconizadas,2 pode ser empregada como controle de qualidade da exatidão dos aparelhos. Eritrócitos preservados poderiam ser empregados como controles para métodos automatizados.8

A implementação de programas de controle de qualidade externo tem resultado em redução dos coeficientes de variação para diversos parâmetros medidos pelos analisadores hematológicos.9,14 Após 14 anos da implantação de um programa de controle de qualidade externo de proficiência em hematologia, aumentaram de 40% para 94,7% os laboratórios indianos que apresentavam índices aceitáveis de resultados para diversas determinações hematológicas, inclusive contagem de reticulócitos.15

O trabalho de Simionatto e colaboradores,16 publicado neste volume da Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, apresenta um estudo sobre a variação interobservadores para a contagem visual de reticulócitos, mostrando que dois examinadores experimentados e que seguiram rigorosamente os critérios estabelecidos, apresentaram estreita correlação entre seus resultados, enquanto outros examinadores participantes, que atuaram de acordo com sua rotina laboratorial, apresentaram maior dispersão de resultados. Este tipo de avaliação deve ser estimulada, em especial na implementação de programas de controle de qualidade externo, com a finalidade de retroalimentação em relação aos resultados obtidos, e de conscientização de técnicos de diferentes laboratórios a respeito de suas limitações e da importância de se manter a educação continuada e de se padronizarem as metodologias empregadas. Em nosso meio,é importante ressaltar que o emprego do método visual para a contagem de reticulócitos predomina, especialmente devido ao custo da manutenção dos reagentes necessários para a metodologia automatizada.

Recebido: 23/06/2009

Aceito: 30/06/2009

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

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  • 2
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  • Correspondência:
    Maria Suely Soares Leonart
    Av. Nossa Senhora da Luz, 160 - Apto.1, Bacacheri
    82510020 - Curitiba-PR - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      2009
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