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LLA em portadores de Síndrome de Down e TEL/AML1(ETV6/RUNX1)

Acute lymphoblastic leukemia in Down syndrome and TEL/AML1(ETV6/RUNX1)

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LLA em portadores de Síndrome de Down e TEL/AML1(ETV6/RUNX1)

Acute lymphoblastic leukemia in Down syndrome and TEL/AML1(ETV6/RUNX1)

Maria de Lourdes L. F. Chauffaille

Profa. Associada, Disciplina de Hematologia e Hemoterapia, Escola Paulista de Medicina, Unifesp. Assessora Médica para Hematologia e Citogenética, Fleury - Medicina e Saúde

Correspondência Correspondência: Maria de Lourdes L. Ferrari Chauffaille Disciplina de Hematologia e Hemoterapia Rua Botucatu 740, 3º andar - Vila Mariana 04023-900 - São Paulo-SP - Brasil E-mail: chauffaill@hemato.epm.br

A leucemia linfoblástica aguda (LLA) é o câncer mais frequente em crianças.1 Felizmente, nas últimas décadas, houve evidente melhora nos resultados de tratamento dessa doença graças ao uso combinado de agentes quimioterápicos e à diligente identificação de fatores prognósticos, que direcionam para o uso de regimes terapêuticos mais ou menos agressivos na dependência das características observadas.1 Dentre os fatores prognósticos destacam-se as alterações genéticas.2 Uma das aberrações cromossômicas identificadas como indicativa de prognóstico altamente favorável é a t(12;21), que cria um gene de fusão que inclui a porção 5' do gene TEL (ETV6) no cromossomo 12 e a região codificante do gene AML1 (RUNX1) no 21.1 A proteína de fusão decorrente inibe a atividade transcricional normal mediada por AML1, resultando em alteração na capacidade de autorrenovação e de diferenciação das células precursoras hematopoéticas.1 Acredita-se, nos casos que portam a TEL/AML1 (ETV6/RUNX1), que essa fusão seja o primeiro passo na leucemogênese ao dotar a célula pré-leucêmica com propriedade de autorrenovação e sobrevida.3 Essa translocação não é detectada pelo cariótipo por banda G, pois as regiões cromossômicas envolvidas são idênticas do ponto de vista citogenético, mas o rearranjo é observado por hibridação in situ por fluorescência (FISH) ou por RT-PCR. A fusão TEL/AML1 responde por até 25%-50% dos casos de LLA-B de crianças e por 10% de adultos.1 Em estudo conduzido no Brasil, esta anormalidade foi detectada em 19% das LLA com idade entre 6 meses e 16 anos.4

A síndrome de Down (SD) é causada pela trissomia do cromossomo 21 e está associada a várias características fenotípicas.5 A incidência da trissomia 21 é influenciada pela idade materna e difere entre as populações, variando de 1:319 até 1:1000 nascidos vivos.5

Muito se avançou na terapia para melhorar a função cognitiva dos portadores de SD e no entendimento do conteúdo gênico da trissomia 21. Além disso, medidas de inclusão social permitiram aumento na expectativa de vida de SD, de tal modo que, em países desenvolvidos, a vida média deles chega a mais de 55 anos.5

Portadores de SD têm frequência aumentada de LLA, de leucemia megacarioblástica aguda e de carcinoma de testículo, enquanto o risco de desenvolverem tumores sólidos está diminuído.5

A estimativa é de que LLA em portadores de SD (LLA-SD) corresponda de 1% a 3% de todas as LLA.6 Dentre 173 casos de LLA, ao diagnóstico, que tiveram cariótipo e imunofenótipo analisados no Fleury- Medicina e Saúde, entre janeiro de 1997 e dezembro de 2005, 1,7% eram LLA-SD (dados não publicados). A distribuição etária e o imunofenótipo em LLA-SD são iguais às da LLA comum de precursor B que ocorre nas demais crianças.6

No entanto, os fenômenos genéticos envolvidos na LLA-SD ainda não são conhecidos.5 Vários estudos mostram casos de LLA-SD com anomalias cromossômicas clonais, mutações resultantes em ganho de função no JAK2 e deleções submicroscópicas de genes, tais como TEL (ETV6), CDKN2A e PAX5.5 Como trissomia e tetrassomia do 21 são alterações adquiridas frequentes em LLA, especula-se que a trissomia constitucional e a somática do 21 possam facilitar a leucemogênese de modo semelhante.6 Um evento genético específico, como, por exemplo, a mutação JAK2 ou o cromossomo X extranumerário, pode cooperar com a trissomia 21 na indução da leucemia. Seria um modelo similar à cooperação entre mutação GATA1 e doença mieloproliferativa em SD.6

No tocante à prevalência de TEL/AML1 (ETV6/RUNX1) em LLA-SD, trabalhos demonstram uma frequência baixa, em torno de 2% a 5%.6,7 A relação entre LLA-SD e TEL/AML1 poderia oferecer alguma luz à interpretação dos fenômenos subjacentes. Nesse contexto, observar as características da LLA-SD em nosso meio é muito bem-vinda. E é precisamente isso que Zen e colaboradores9 fazem ao apresentar quatro casos de crianças com LLA-SD nas quais, além da pesquisa da fusão TEL/AML1, foram avaliadas as características clínicas, resposta terapêutica e alterações cromossômicas. É interessante notar, ressalvado o pequeno número de casos, que não houve diferenças com o relatado na literatura.

De qualquer forma, o assunto não se esgota aqui, e esse manuscrito projeta anseios para que mais estudos sejam conduzidos nessa área e que outras tantas questões sejam elucidadas, a exemplo da amplificação intracromossômica do 21, também identificável por FISH TEL/AML1.8

Oxalá num futuro próximo tenhamos maior compreensão dos mecanismos envolvidos na LLA-SD que possam pavimentar o desenvolvimento de alternativas terapêuticas ou mesmo profiláticas.

Recebido: 14/06/2009

Aceito: 30/06/2009

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

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  • 2. Harrison CJ. Cytogenetics of paediatric and adolescent acute lymphoblastic leukaemia. Br J Haematol. 2009;144(2):147-56.
  • 3. Pui CH, Robinson L, Cook AT. Acute lymphoblastic leukemia. Lancet. 2008;371:1030-43.
  • 4. Zen PRG, Paskulin GA. Prevalência em nosso meio da translocação (12;21)(p13;q22) em LLA da infância identificada através da FISH com sondas de DNA para o rearranjo TEL/AML1. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2009;31:119-120.
  • 5. Wiseman FK, Alford KA, Tybulewicz VLJ, Fisher EMC. Down syndrome-recent progress and future prospects. Hum Mol Genet. 2009;18(R1):R75-R83.
  • 6. Malinge S, Izraeli S, Crispino JD. Insights into the manifestations, outcomes, and mechanisms of leukemogenesis in Down syndrome. Blood. 2009;113:2619-28.
  • 7. Arico M, Ziino O, Valsecchi MG, Cazzaniga G, Baronci C, Messina C, et al; Italian Association of Pediatric Hematology and Oncology (AIEOP). Acute lymphoblastic leukemia and Down syndrome: presentinfg features and treatment outcome in the experience of the Italian Association of Pediatric Hematology and Oncology (AIEOP). Cancer. 2008;113(3):51.
  • 8. Strefford JC, Delft FWD, Robinson HM, Worley H, Yiannikouris O, Selzer R, et al. Complex genomic alterations and gene expression in acute lymphoblastic leukemia with intrachromosomal amplification of chromosome 21. PNAS. 2006; 103(21):8167-72.
  • 9. Zen PRG, Daudt LE, Rosa RFM, Paskulin GA. Evolução clínica e fusão TEL/AML1 em pacientes pediátricos com síndrome de Down e leucemia linfoblástica aguda. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2009; 31(5):321-325.
  • Correspondência:
    Maria de Lourdes L. Ferrari Chauffaille
    Disciplina de Hematologia e Hemoterapia
    Rua Botucatu 740, 3º andar - Vila Mariana
    04023-900 - São Paulo-SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2009
    • Data do Fascículo
      2009
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