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Percepção de aprendizado em medicina transfusional

Learning perception in transfusion medicine

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Percepção de aprendizado em medicina transfusional

Learning perception in transfusion medicine

Marcia Cristina Z. Novaretti

Hematologia/Hemoterapia. Coordenadora do Serviço de Hemoterapia do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo -ICESP. Chefe da Divisão de Imuno-Hematologia da Fundação Pró-sangue, Hemocentro de São Paulo

Correspondência Correspondência: Marcia Cristina Zago Novaretti Av.Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 155-1º andar 05403-00 - São Paulo-SP - Brasil E-mail: marcia.novaretti@icesp.org.br

O uso adequado de sangue, hemocomponentes e hemoderivados resulta em terapia transfusional custo-efetiva e reduz o risco de complicações associadas à transfusão. A indicação de hemocomponentes e a detecção de reações transfusionais são feitas por médicos de diferentes especialidades, notadamente os hematologistas, oncologistas, intensivistas, anestesiologistas e traumatologistas. A coleta de amostra, a infusão de sangue e, por vezes, a detecção de reação transfusional, são realizadas pelos profissionais de enfermagem, quer seja do hospital quer do serviço de hemoterapia. Entretanto, a preocupação com a administração de sangue resume-se, frequentemente, às variações sazonais que ocorrem, resultando em baixo estoque de sangue nos serviços hemoterápicos.

Em 2002, em um estudo conduzido no Canadá, Rock et al. concluíram que o conhecimento médico sobre transfusão necessitava ser aprimorado, pois apenas 63% responderam corretamente as questões sobre prática transfusional clínica, e perguntas simples como estimativas do volume de unidade de plasma obtidas por aférese foram corretamente estimadas em menos de 10% dos participantes.1

Nesse número da RBHH, é apresentada instigante pesquisa que aborda a prática transfusional e a formação dos profissionais de saúde realizada em hospital universitário localizado no Triângulo Mineiro.2 Nesse estudo, participaram 44 profissionais de saúde, sendo que 64% consideravam-se informados sobre o assunto transfusão de sangue. Por outro lado, 54% não fizeram nenhum curso de atualização e 73% não participaram de programas de capacitação. Esse artigo proporciona relevantes informações, levando o leitor a reflexões sobre o tema.

Sabendo que a maioria dos pacientes em terapia intensiva é submetida à transfusão, a que podemos atribuir essa discrepância entre percepção e conhecimento de fato sobre a prática transfusional?

Como explicar que, vários médicos, enquanto não estão familiarizados com orientações quanto à prática transfusional, são "experts" nas indicações de produtos recombinantes de alto custo para uso em distúrbios hemostáticos?3,4

É curioso que, para medicamentos, as comissões das farmácias hospitalares advertem e solicitam justificativas toda vez que medicamentos são utilizados sem dosagem, periodicidade, ou para indicações não habituais. Por que isso não ocorre rotineiramente com a transfusão de sangue e componentes?

Em alguns países, como no Reino Unido, há determinação para que, a partir de 2010, todos os funcionários do Serviço Nacional Britânico de Transfusão, envolvidos com transfusão, tenham avaliação de competência a cada três anos. (NPSA.2006. Safer practice Notice: Right patient, Right Blood. www.npsa.nhs.uk/patientsafety/alerts-and-directives/notices/blood-trnsufsions. (acessado em 19 de outubro de 2009).

Iniciativas internacionais têm sido desenvolvidas com o intuito de promover o ensino e a pesquisa relacionada à medicina transfusional, e, muito embora o custo e a abrangência sejam limitados, os resultados têm sido surpreendentes.5

Uma breve revisão de literatura sugere ainda que, à medida que o conhecimento médico aumenta, o uso inapropriado de sangue e hemocomponentes diminui progressivamente, contribuindo para o uso racional do sangue e para melhor gestão do seu estoque.6

Apesar de, nos últimos anos, a transfusão de sangue ter se tornado muito mais segura em nosso país, os resultados do estudo de Silva et al.,2 demonstram que muito há de ser feito. Esse trabalho mostra que estratégias que contemplem não apenas os hematologistas, hemoterapeutas, mas tenham maior abrangência, junto aos colegas de outras especialidades médicas e de outras profissionais de saúde devem ser priorizadas. Que possamos não apenas instruir, mas acima de tudo motivar os profissionais de saúde envolvidos na prática transfusional, assim como os gestores quanto à importância da instituição de programas de educação continuada, da aplicação de instrumentos de avaliação de conhecimentos periódicos e do fortalecimento das comissões transfusionais. Por fim, que estratégias inovadoras de ensino, como uso de técnicas de aprendizado baseado em problemas, a divulgação junto às sociedades de classe de material educacional gratuito e o incentivo a programa de treinamento para os estudantes e recém-formados em medicina e enfermagem possam contribuir para rapidamente modificar essa situação.7

Recebido: 19/10/2009

Aceito: 28/10/2009

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

  • 1. Rock G, Berger R, Pinkerton P, Fernandes B. A pilot study to assess physician's knowledge in transfusion medicine. Transfus Med. 2002;12(2):125-8.
  • 2. Silva KFN, Soares S, Iwamoto HH. A prática transfusional e a formação dos profissionais de saúde. Rev. Bras. Hematol. Hemoter. 2009;31(6):421-6.
  • 3. Segal JB, Dzik WH. Paucity of studies to support that abnormal coagulation test results predict bleeding in the setting of invasive procedures: an evidence-based review. Transfusion. 2005;45(9): 1413-25.
  • 4. Holland L, Sarode R. Should plasma be transfused prophylactically before invasive procedures? Curr Opin Hematol. 2006;13(6):447-51
  • 5. Murphy EL, McFarland W, Lefrère J. Teaching transfusion medicine research methods in the developing world. Transfusion. 2009;49 (8):1532-4.
  • 6. Timmouth A, MacDougall L, Fergusson D, Amin M, Graham ID, Herbert PC, et al. Reducing the amount of blood transfused: a systematic review of behavioral interventions to change physicians transfusion practices. Arch Inter Med. 2005;165:845-52.
  • 7. Hill QA, Hill A, Allard S, Murphy MF. Towards better blood transfusion - recruitment and training. Transfus Med. 2009; 19(1):2-5.
  • Correspondência:
    Marcia Cristina Zago Novaretti
    Av.Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 155-1º andar
    05403-00 - São Paulo-SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Fev 2010
    • Data do Fascículo
      2009
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