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O transplante de células-tronco hematopoéticas e o fator nutricional na evolução dos pacientes

Nutritional factor and outcomes after hematopoietic stem cell transplantation

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O transplante de células-tronco hematopoéticas e o fator nutricional na evolução dos pacientes

Nutritional factor and outcomes after hematopoietic stem cell transplantation

Sílvia M. Albertini

Prof. Assistente da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/Famerp

Correspondência Correspondência: Sílvia Maria Albertini Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416- Jardim Uinversitário 15091-000 – Sáo José do Rio Preto-SP – Brasil E-mail: silvialbertini@hotmail.com

O transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) é um procedimento com resultados imediatos e de longo prazo afetados pelo diagnóstico, estágio da doença, tipo de transplante (autólogo ou alogênico), grau de histocompatibilidade do doador, regime de condicionamento (mieloablativo, não mieloablativo ou de intensidade reduzida), fonte de células-tronco (medula óssea, sangue periférico ou sangue do cordão umbilical da placenta), idade, tratamento prévio e estado nutricional. No procedimento, os pacientes recebem quimioterapia associada ou não a radioterapia anterior ao transplante, com o objetivo de erradicar ao máximo as células tumorais residuais e promover a imunossupressão das células imunologicamente ativas.1

Desde o diagnóstico, durante as várias fases do tratamento, os pacientes submetidos ao TCTH passam por várias complicações, vivenciam alguns problemas singulares do transplante e vários decorrentes do próprio estresse a que são submetidos. A imunossupressão e a toxicidade intensa predispõem os transplantados a graves complicações, como, por exemplo, infecções, sangramentos, anemias, desenvolvimento da doença do enxerto-contra-hospedeiro (DECH) além da mucosite evidente no período de neutropenia e de aplasia.2-4

A mucosite oral pode ser uma complicação bastante significativa para os pacientes com câncer e submetidos ao TCTH e tem sido frequentemente analisada em pacientes que receberam altas doses de radioterapia, ou quimioterapia mielossupressiva. Ela está associada à dor e ao risco aumentado de infecções. Além disso, pode contribuir para a piora do estado nutricional e a sua incidência varia entre 75% a 99%.5,6

Os pacientes submetidos ao TCTH rotineiramente necessitam de terapia nutricional (TN) individualizada, devendo ser iniciada imediatamente desde o pré-transplante na vigência de risco nutricional ou da desnutrição. A TN visa manter e/ou recuperar o estado nutricional no pós-transplante, evitar ou minimizar as deficiências nutricionais decorrentes da quimioterapia e/ou radioterapia, proteger o trato gastrintestinal funcionante, evitar a desnutrição proteico-calórica e proporcionar melhor ingestão oral, fornecendo substrato de forma adequada para recuperação hematopoética e do sistema imune.7 (Acesso em 12 jan 2010). Disponível em: http://www.inca.gov.br/inca/Arquivos/publicacoes/Consenso_Nutricao_internet.pdf

A avaliação nutricional, iniciada no período pré-transplante, é o primeiro passo na detecção e tratamento de desnutrição, e pode racionalizar a TN.8,9 Sabe-se que os pacientes submetidos ao TCTH são considerados de risco aumentado para a desnutrição na fase anterior ao transplante e após, bem como a alteração do estado nutricional pré-TCTH é um fator prognóstico negativo para a evolução desses pacientes, interferindo no tempo de enxertia.10

Pacientes de muito baixo peso e também os obesos têm sido considerados pacientes de risco de morte no período pós-TCTH imediato, podendo também afetar a toxicidade e morbidade relacionadas ao tratamento. Além disso, um baixo índice de massa magra tem sido associado com um pior resultado e um maior tempo de hospitalização.11 Hadjibabaie M et al,12 num estudo prospectivo, avaliaram o estado nutricional de cinquenta pacientes submetidos ao TCTH, cinco dias antes do transplante e cinco, dez e vinte dias após o procedimento. Os resultados encontrados mostraram que o tempo de enxertia dos pacientes com IMC<18,5kg/m2 ocorreu três dias (p=0,002) e quatro dias (p<0,01) mais tarde que nos pacientes eutróficos ou obesos, respectivamente.

O balanço nitrogenado (BN), que demonstra o desequilíbrio existente entre anabolismo e catabolismo proteico, tem sido considerado um dos métodos mais sensíveis para avaliar o estado nutricional desses pacientes. No entanto, na prática clínica, a coleta de urina 24 h é trabalhosa, e na presença de vômitos e diarreia podem tornar as estimativas de perda de nitrogênio relativamente não confiáveis.10 No estudo de Hadjibabaie M et al,12 não foi encontrada nenhuma correlação significante entre o BN antes (D-5) e após (D+5, D+10 e D+20) o TCTH, e o tempo de enxertia (p=0,16). Entretanto, foi encontrada correlação negativa entre o BN nos dias +10 e +20 e a gravidade da DECH nos pacientes estudados (p<0,05).

Embora amplamente utilizados, os parâmetros antropométricos clássicos podem ser influenciados por desequilíbrio eletrolítico, dificultando sua adequada interpretação nas alterações no estado nutricional. Por sua vez, os indicadores bioquímicos utilizados na prática clínica para avaliar o estado nutricional de diversos tipos de pacientes também são limitados, pois se encontram dependentes dos parâmetros de inflamação, como as proteínas de fase aguda, sintetizadas durante estados inflamatórios e influenciadas pelo estado de hidratação do paciente, quimioterapia, radioterapia, sepse, DECH e pela função hepática.8,10 Rzepecki et al,13 num estudo prospectivo, avaliaram o estado nutricional de 54 pacientes (30 em transplante autólogo e 24 em alogênico). Neste estudo, com exceção da proteína ligada ao retinol (RPB), as mudanças nos níveis de proteínas de fase aguda correlacionaram-se com as mudanças nos níveis de todos os índices bioquímicos do estado nutricional (correlação de alta negatividade, r<-0,5 e p<0,05).

Devido às limitações dos métodos existentes para avaliação nutricional, a adoção de métodos práticos, de baixo custo e que manipulem o mínimo possível os pacientes submetidos ao TCTH é muito importante. Neste número da Revista Brasileira de Hematologia e Hematologia, Sommacal HM et al compararam diferentes métodos (antropométricos, bioquímicos e por bioimpedância elétrica) do dia -7 ao D+28 (em cinco intervalos de sete dias), em 17 pacientes adultos submetidos ao TCTH. O objetivo do estudo foi verificar qual método seria ideal e qual a frequência de aferição necessária e suficiente para assegurar um melhor estado nutricional. Dentre os resultados encontrados, destaca-se a possibilidade do emprego da combinação de percentual de perda de peso, com variáveis antropométricas (circunferência braquial e dobra cutânea do tríceps) e bioimpedância, em intervalos maiores de tempo, possibilitando desta forma uma menor manipulação destes pacientes.14

Conclui-se, portanto, que estudos clínicos focados na identificação dos pacientes desnutridos ou em risco nutricional devem ser realizados, para avaliar o impacto do estado nutricional na evolução clínica destes pacientes.

Recebido: 27/012010

Aceito: 30/01/2010

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

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  • Correspondência:

    Sílvia Maria Albertini
    Av. Brigadeiro Faria Lima, 5416- Jardim Uinversitário
    15091-000 – Sáo José do Rio Preto-SP – Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010
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