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Controle de qualidade na preservação de eritrócitos para transfusão

Quality control of preserved red blood cells for transfusion

EDITORIAIS E COMENTÁRIOS / EDITORIALS AND COMMENTS

Controle de qualidade na preservação de eritrócitos para transfusão

Quality control of preserved red blood cells for transfusion

Maria Suely S. Leonart

Hematologia e Citologia Clínica, Professora Titular na Universidade Federal do Paraná

Correspondência Correspondência: Maria Suely Soares Leonart Avenida Nossa Senhora da Luz, 160, apto 1 - Bacacheri 82510020 - Curitiba-PR - Brasil E-mail: msue@uol.com.br,

Desde as primeiras transfusões sanguíneas, ainda no século XVIII, pesquisadores e hemoterapeutas têm buscado a forma de transmitir a vida através de células que mantenham a sua essência, mas que não provoquem efeitos deletérios ao receptor. Nas transfusões diretas entre doador e receptor, da mesma forma que se observava a vida retornando a corpos já quase inertes, ocorriam reações adversas inesperadas e, muitas vezes, letais. A partir das dificuldades enfrentadas, aprofundaram-se estudos no sentido de garantir a qualidade.1

Durante o século XX, houve uma revolução na hemoterapia com o desenvolvimento de novas tecnologias e de soluções aditivas para concentrados de hemácias. Assim, multiplicaram-se estudos sobre os eritrócitos envolvendo morfologia, metabolismo e sobrevida em condições de armazenamento.1-6

O emprego e o aperfeiçoamento de métodos de controle de qualidade em laboratório clínico se desenvolveram na segunda metade do século, com provas substanciais de que o seu emprego pode reduzir significativamente as margens de erro.7 A demanda universal da luta contra a disseminação da síndrome da imunodeficência adquirida (AIDS), bem como de outras doenças infecciosas, em especial a partir da década de 80, acabou contribuindo de forma decisiva para a implantação de métodos mais eficientes para a garantia e o controle de qualidade em laboratórios clínicos e em hemocentros.1,6

A garantia da qualidade em hemoterapia só pode ser alcançada através da padronização cuidadosa do trabalho realizado em todas as suas etapas, da seleção de doadores aos cuidados com os receptores. A hemoterapia atual está fundamentada no emprego de bolsas plásticas descartáveis, na transfusão de hemocomponentes e de hemoderivados.8-10 Apesar da padronização necessária, podem ocorrer variações nas unidades eritrocitárias, que devem ser monitoradas periodicamente durante o estoque, constituindo parte do controle de qualidade em hemoterapia,11 bem como no emprego das unidades transfusionais eritrocitárias.12

Os eritrócitos, se preservados em soluções aditivas, devem manter a sua integridade e viabilidade por longos períodos. Durante o período de estoque para transfusão, há consumo de glicose, acúmulo de íons potássio no meio extracelular e queda dos níveis de ATP que correlacionam com alterações morfológicas e com a sobrevida pós-transfusional, além de uma lenta diminuição de atividades enzimáticas, com perda de fosfolipídeos e oxidação das proteínas e dos lipídeos da membrana.3,13-17 As soluções mais empregadas, rotineiramente, são SAGM e ADSOL, as quais mantêm os eritrócitos viáveis para transfusão por até seis semanas.3,13 No entanto, eritrócitos preservados ainda considerados adequados para transfusão, podem provocar reações graves, ou mesmo a morte, em pacientes críticos, em especial os que apresentam comorbidade cardíaca e respiratória ou em choque séptico, ou mesmo os recém-natos.17-20

O controle de qualidade das bolsas eritrocitárias inclui determinações laboratoriais a serem realizadas após a coleta e fracionamento do sangue e durante a preservação. Entre estas determinações, são consideradas relevantes o volume da unidade eritrocitária e seu conteúdo de hemoglobina total, acompanhados da determinação do hematócrito, no sentido de que, presumivelmente, haveria um aporte adequado de oxigênio aos tecidos do receptor. No Brasil, a RDC 153/2004 da Anvisa recomenda também a determinação do grau de hemólise no primeiro e no trigésimo quinto dias de preservação. Além dessas determinações, o Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná (Hemepar) inclui em sua rotina de controle de qualidade a medida das concentrações de glicose e de íons potássio extracelulares.11

O artigo "Estudo de métodos laboratoriais para o controle de qualidade de unidades transfusionais eritrocitárias no Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná (Hemepar), Brasil", publicado neste número da Revista Brasileira de Hematologia e Hemoterapia, apresenta uma proposta de implantação de um sistema de controle de qualidade interno com determinações que avaliam a morfologia eritrocitária e a situação metabólica e fisiológica dos eritrócitos a cada duas semanas durante a preservação, indicando um alto índice de correlação entre eles.21

O emprego de sistemas como esse pode contribuir para a melhoria da qualidade de unidades eritrocitárias e para o sucesso de transfusões de eritrócitos, especialmente em casos de pacientes gravemente enfermos ou recém-nascidos.

Recebido: 15/01/2010

Aceito: 15/01/2010

Avaliação: O tema abordado foi sugerido e avaliado pelo editor.

Suporte Financeiro: Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Paraná, Centro de Hematologia e Hemoterapia do Paraná (Hemepar).

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  • Correspondência:
    Maria Suely Soares Leonart
    Avenida Nossa Senhora da Luz, 160, apto 1 - Bacacheri
    82510020 - Curitiba-PR - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      2010
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