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Indicações em transplante de células-tronco hematopoéticas em pacientes adultos com leucemia linfoide aguda

Indications for hematopoietic stem cell transplantation in adults in acute lymphoblastic leukemia

Resumos

Na leucemia linfoide aguda (LLA), a proliferação, acúmulo e infiltração de células imaturas caracterizam uma entidade heterogênea, apresentando ampla diversidade de aspectos clínicos e biológicos. Na LLA do adulto, a concentração de fatores prognósticos de alto risco, como o imunofenótipo B, alterações cromossômicas e, principalmente, a presença do cromossomo Ph positivo. Considerações a respeito da alta morbidade e mortalidade relacionadas ao transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) têm gerado controvérsias quanto à indicação desta modalidade terapêutica, nos pacientes adultos com LLA em primeira remissão (1ª RC). Os resultados da terapia convencional com quimioterapia, diante dos diferentes grupos de risco em pacientes com LLA, têm sido utilizados para a indicação de TCTH. Apresentamos o algoritmo de indicações do transplante de células-tronco hematopoéticas em pacientes adultos com LLA.

Leucemia linfoide aguda; adultos; fatores de prognóstico; transplante de células-tronco hematopoéticas


In acute lymphoblastic leukemia, accumulation and proliferation of immature cells infiltration characterise a heterogeneous entity, featuring a wide variety of clinical and biological aspects. In the adult LLA concentration of high-risk prognosis factors such as age, B-cell, chromosomic changes, and chiefly the presence of chromosome positive Ph. Considerations of high morbidity and mortality rates related to haematopoietic stem cell transplantation (TCTH) have generated controversy about this therapeutic modality in adult patients with LLA in first remission (1st RC). The results of conventional therapy with chemotherapy in contrast with different risk groups of patients with LLA, has been used for the indication of TCTH. Thus we present the algorithm indications of haematopoietic stem cell transplantation in adult patients with LLA. Rev.

Acute lymphoblastic leukemia; adults; prognostics factors; haematopoietic stem cell transplantation


Indicações em transplante de células-tronco hematopoéticas em pacientes adultos com leucemia linfoide aguda

Indications for hematopoietic stem cell transplantation in adults in acute lymphoblastic leukemia

Maria Aparecida ZanichelliI; Vergilio R. ColturatoII; Jairo SobrinhoIII

IHematologista, Serviço de Hematologia e TMO, Hospital Brigadeiro – São Paulo-SP

IIHematologista, Unidade de TMO do Hospital Amaral de Carvalho – Jaú-SP

IIIHematologista, Hospital Israelita Albert Einstein – São Paulo-SP

Correspondência Correspondência: Maria Aparecida Zanichelli Av. Brigadeiro Luis Antonio nº 2651 01401-901 – São Paulo-SP – Brasil Email: zanichellima@uol.com.br - hemato.brigadeiro@uol.com.br

RESUMO

Na leucemia linfoide aguda (LLA), a proliferação, acúmulo e infiltração de células imaturas caracterizam uma entidade heterogênea, apresentando ampla diversidade de aspectos clínicos e biológicos. Na LLA do adulto, a concentração de fatores prognósticos de alto risco, como o imunofenótipo B, alterações cromossômicas e, principalmente, a presença do cromossomo Ph positivo. Considerações a respeito da alta morbidade e mortalidade relacionadas ao transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) têm gerado controvérsias quanto à indicação desta modalidade terapêutica, nos pacientes adultos com LLA em primeira remissão (1ª RC). Os resultados da terapia convencional com quimioterapia, diante dos diferentes grupos de risco em pacientes com LLA, têm sido utilizados para a indicação de TCTH. Apresentamos o algoritmo de indicações do transplante de células-tronco hematopoéticas em pacientes adultos com LLA.

Palavras-chave: Leucemia linfoide aguda; adultos; fatores de prognóstico; transplante de células-tronco hematopoéticas.

ABSTRACT

In acute lymphoblastic leukemia, accumulation and proliferation of immature cells infiltration characterise a heterogeneous entity, featuring a wide variety of clinical and biological aspects. In the adult LLA concentration of high-risk prognosis factors such as age, B-cell, chromosomic changes, and chiefly the presence of chromosome positive Ph. Considerations of high morbidity and mortality rates related to haematopoietic stem cell transplantation (TCTH) have generated controversy about this therapeutic modality in adult patients with LLA in first remission (1st RC). The results of conventional therapy with chemotherapy in contrast with different risk groups of patients with LLA, has been used for the indication of TCTH. Thus we present the algorithm indications of haematopoietic stem cell transplantation in adult patients with LLA.

Key words: Acute lymphoblastic leukemia, adults, prognostics factors; haematopoietic stem cell transplantation.

Introdução

A leucemia linfoide aguda (LLA), neoplasia hematológica que determina proliferação, acúmulo e infiltração de células imaturas, caracteriza-se por ser heterogênea, apresentando ampla diversidade de aspectos clínicos e biológicos.

Na infância, a LLA representa 80% das leucemias agudas, tendo perspectiva de cura de 80% diante do tratamento quimioterápico intensivo; já nos adultos, ela representa 20% das leucemias agudas com sobrevida global prolongada em torno de 30% a 40%.

A partir de 15 anos de idade, existe mudança progressiva e significativa no comportamento biológico, agora desfavorável, nos pacientes portadores de LLA. Contribui de maneira expressiva para este cenário a grande concentração de fatores prognósticos negativos verificada na população adulta, por exemplo: a incidência de LLA -Ph1+ é de 25% em adultos e 3% em crianças, ou a t(12;21) e a hiperdiploidia > que 50 cromossomos, que, em crianças, constituem grupos de prognóstico favorável, totalizando 50% dos casos, não ocorrem nem em 10% da população adulta e, o pior, perdem o seu valor preditivo, favorável nesses pacientes.

Na atualidade são considerados fatores prognósticos negativos:

• Necessidade de um período superior a 4 semanas para a obtenção da remissão (falha indutória)

• Idade > 35 anos

Alterações citogenéticas: t(9;22) Ph+, t (4;11), cariótipo complexo ( 5 ou mais anormalidades cromossômicas), hipodiploidia (< 40), triploidia

• DRM + após a indução

• Leucometria >30.000 mm3 (linhagem B)

• Leucometria >100.000 mm3 (linhagem T)

Considerações a respeito da alta morbidade e mortalidade relacionadas ao transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) têm gerado controvérsias quanto à indicação desta modalidade terapêutica, nos pacientes adultos, com LLA em 1ª remissão (1ª RC). De uma maneira geral, os resultados da terapia convencional com quimioterapia, diante dos diferentes grupos de risco em pacientes com LLA, têm sido utilizados para a indicação de TCTH.

Em 1994, o grupo LALA Sebban1 relatou que existia benefício em realizar o transplante em 1ª RC para os pacientes de alto risco e não para os pacientes de risco básico. Durante um bom período, esta conduta foi aceita nos diversos centros de transplante.

Em 2006, Gökbuget, Hoelzer2 sugeriram a realização de TCTH em 1ª RC com doadores aparentados e/ou não aparentados, nos pacientes com LLA, com chance menor que 40% de sobrevida, diante da quimioterapia convencional.

Os dados dos registros internacionais indicam a LLA como sendo a segunda neoplasia com o maior número de procedimentos alogênicos (Figuras 1 e 2) e com maior frequência em pacientes em 1ª RC do que aqueles em 2ª RC ou mais No registro europeu de transplantes, o número de transplantes em 1ª RC tornou-se maior em 2004 (Figura 3). No período entre 1998-2006, o CIBMTR, em publicação, revelou que 70% dos pacientes transplantados em remissão nos USA o foram em 1ª RC.




O transplante em pacientes com LLA em 1ª RC revelam resultados de sobrevida estatisticamente superiores (Figuras 4 e 5, CIBMTR).



Storb et al,3 em uma avaliação de 182 pacientes adultos submetidos a transplante alogênico em diversos estádios da doença, revelaram que a sobrevida livre de eventos em cinco anos após o transplante foi de 43% para pacientes em 1ª RC, 23% para 2ª RC ou subsequentes remissões e apenas 9% para pacientes em recidiva (Figura 6). O levantamento realizado em 16 instituições brasileiras (583 pacientes) demonstrou o mesmo valor quanto à sobrevida nos transplantes realizados em 1ª remissão. Zanichelli (comunicação pessoal). Figura 7



Estudos de metanálise demonstram vantagem, em pacientes de alto risco, com custo benefício favorável.4 O transplante, quando realizado em 1ª RC, apresenta menor taxa de recidiva e mortalidade relacionada ao transplante (MRT) do que em pacientes em 2ª RC, respectivamente no TCTH aparentado e no TCTH não aparentado.

O grupo cooperativo MRC/ECOG publicou em 2008 (Blood) os resultados, comparando a evolução de pacientes adultos portadores de LLA, que dispunham de doadores familiares compatíveis, com aqueles que não dispunham de doadores, entre os últimos, comparando aqueles que realizaram TCTH autólogo, contra os que fizeram quimioterapia. Durante o período entre 1993 a 2006 foram incluídos 1.929 pacientes. Excluindo os pacientes com LLA Ph1+, os que não remitiram e aqueles que não foram testados para a disponibilidade de doadores familiares, restaram 1.150 pacientes. A análise de sobrevida global entre os pacientes de baixo risco foi significativamente melhor no grupo de pacientes que dispunha de doadores aparentados idênticos (Figura 8); já no grupo de alto risco, com disponibilidade de doadores, a sobrevida, embora melhor, não foi estatisticamente significante, de que aqueles que não dispunham de doador (Figura 9). É interessante comentar que a alta taxa de MRT, verificada no grupo de alto risco, submetido a TCTH familiar idêntico anulou o benefício de baixa recaída, diferentemente do que aconteceu com os pacientes do grupo de baixo risco, que também transplantaram (Figura 10). O grupo que fez quimioterapia e não dispunha de doador familiar apresentou sobrevida estatisticamente melhor do que aqueles que realizaram TCTH autólogo, mostrando a falta de benefício dessa última opção (Figura 11).





Em publicação de 2009, Larson5 conclui que o TCTH não deve ser feito de maneira indiscriminada para os pacientes adultos jovens, valorizando o resultado de quimioterapia intensiva nessa população, sugerindo que aqueles com baixo risco que forem direcionados para a quimioterapia, sejam monitorados quanto à DRM, para possível redirecionamento de conduta. Goldstone,6 também em 2009, valorizou a indicação de TCTH em adultos em primeira remissão, principalmente para aqueles com mais de 25 anos, uma vez que, na atualidade, existe a possibilidade de sobrevida livre de doença adequada, para os pacientes adultos mais jovens, utilizando-se protocolos terapêuticos intensivos pediátricos

No grupo de alto risco a indicação de TCTH está mantida, embora no resultado do MRC/ECOG, a melhor sobrevida verificada nos pacientes que dispunham de doador familiar não tenha atingido significância estatística, provavelmente devido a melhor sobrevida constatada nos estudos de metanálise (ref.) e diante de reconhecida menor recaída. Como a MRT na população maior que 35 anos é alta, estudos prospectivos controlados têm sido propostos, utilizando condicionamentos de intensidade reduzida, levando em conta os estimulantes resultados verificados previamente, ainda que não consolidados.7

Treansplante de célula-tronco hematopoética em leucemia linfoide aguda Ph +

Os pacientes com LLA Ph+ têm sido transplantados rotineiramente com doadores familiares ou não aparentados, em primeira remissão. Em publicação de 2009, Fielding et al. 8 relataram resultado da cooperação MRC/ECOG 2993 com melhor sobrevida livre de doença, para os pacientes adultos portadores de LLA que realizaram TCTH.

A utilização de inibidores de tirosina quinase em pacientes com LLA Ph+, associada à QT, está sendo cada vez mais valorizada.

Com a administração do imatinibe na dose de 400-600 mg ficou demonstrado que houve aumento na taxa de RC (~95%) e da negatividade de BCR/ABL (50%) (MDACC, Pethema, JALSG, GMALL), não aumentou significativamente a toxicidade da quimioterapia (Pethema). Pode ser mantido após o TMO (GMALL)

Considerações

• Pacientes adultos com LLA em 2ª RC têm chance limitada de cura com QT. TCTH está recomendado nessa situação .

• Atualmente, o resultado do TCTH não aparentado, compatível aproxima-se do aparentado idêntico, principalmente se considerarmos: Kiehl9 HLA de alta resolução Lee10.

Uso de globulina anti-timocito. 11

• Diante da indisponibilidade de doador na família , dar preferência ao doador voluntário 8/8 ou 10/10 com HLA em alta resolução. Em casos emergenciais, considerar a utilização de sangue de cordão umbilical placentário (SCUP), incluindo a opção de duplo cordão, principalmente em adultos jovens.12

• Dar preferência ao condicionamento com RCT, associado a ciclofosfamida ou etoposide.13

Considerações Finais

• O TCTH tem sido amplamente utilizado em pacientes de alto risco, em 1ª RC.

• Tem sua indicação valorizada em pacientes de baixo risco em 1ª RC.

• Dificilmente teremos uniformidade em sua utilização, devendo ser uma opção presente para os pacientes com LLA em 1ª RC

• Portaria 931, maio de 2006, contempla o TCTH em LLA/1ªRC, se Ph 1+, e deve ser adequada.

Algoritmo de Indicação de Transplante de células-tronco hematopoéticas

Pacientes com doador aparentado idêntico:

• LLA alto risco, 1ª RC

• LLA em 2ª RC ou mais.

• LA baixo risco, considerado e aceito, se indicado criteriosamente em pacientes com idade > 25 e análise dos resultados obtidos com a quimioterapia anteriormente realizada.

Considerações

• Utilizar inibidor de tirosina quinase no pré TCTH, nos pacientes com LLA Ph +

• Monitorizar DRM em pacientes jovens e baixo risco

Pacientes com doador não aparentado compatível:

• LLA alto risco, 1ª RC

• LLA em 2ª RC ou mais.

Considerações

• Utilizar inibidor de tirosina quinase no pré-TCTH, nos pacientes com LLA Ph+

• Monitorizar DRM em pacientes jovens e baixo risco, em quimioterapia.

Recebido: 05/11/2009

Aceito: 23/11/2009

Este artigo foi avaliado pelos coordenadores das Diretrizes do Transplante de Medula Óssea da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea, Luis Fernando Bouzas, Prof. Julio Cesar Voltarelli e Nelson Hamerschlak, e publicado após avaliação e revisão do editor, Milton Artur Ruiz

Conflito de interesse: sem conflito de interesse

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  • Correspondência:
    Maria Aparecida Zanichelli
    Av. Brigadeiro Luis Antonio nº 2651
    01401-901 – São Paulo-SP – Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Abr 2010
    • Data do Fascículo
      Maio 2010

    Histórico

    • Aceito
      23 Nov 2009
    • Recebido
      05 Nov 2009
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