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Produção de Lactobacillus plantarum em Melaço de Cana-de-açúcar

Resumo

Comparative growth studies of Pediococcus pentosaceus were done in MRS (control) culture medium as well as in culture medium of 5% sugar cane blackstrap molasses (Broth 1) enriched with yeast extract (Broth 2) and enriched with beef extract (Broth 30. The experiment was carried out in a shaker (96 rpm) in 250 mL Erlenmeyers flasks with working volume of 150 mL, initial inoculum of about 10³ - 10(4) FCU/mL, at 35 ± 1ºC temperature and 28-hour fermentation. The biomass pruductivity was higher in MRS broth (0.0375 g/L.h), followed by Broth 2 (0.0275), Broth 3 (0.0189) and Broth 1 (0.0151). The higher viable cells number occured in MRS (13.96 log10 FCU/mL), followed by Broth 2 (12.09), Broth 3 (10.12) and Broth 1 (8.42).

Pediococcus pentosaceus; starter culture; molasses


Pediococcus pentosaceus; starter culture; molasses

Produção de Lactobacillus plantarum em Melaço de Cana-de-açúcar

Angel R. N. Villavicencio; Ernani S. Sant’Anna* * Autor para correspondência ; Regina C. O. Tôrres

Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos - CAL / CCA / UFSC. Av. Admar Gonzaga, 1346 - Itacorubi - 88034-001 Florianópolis, SC

ABSTRACT

Comparative growth studies of Pediococcus pentosaceus were done in MRS (control) culture medium as well as in culture medium of 5% sugar cane blackstrap molasses (Broth 1) enriched with yeast extract (Broth 2) and enriched with beef extract (Broth 30. The experiment was carried out in a shaker (96 rpm) in 250 mL Erlenmeyers flasks with working volume of 150 mL, initial inoculum of about 103 - 104 FCU/mL, at 35 ± 1ºC temperature and 28-hour fermentation. The biomass pruductivity was higher in MRS broth (0.0375 g/L.h), followed by Broth 2 (0.0275), Broth 3 (0.0189) and Broth 1 (0.0151). The higher viable cells number occured in MRS (13.96 log10 FCU/mL), followed by Broth 2 (12.09), Broth 3 (10.12) and Broth 1 (8.42).

Keywords: Pediococcus pentosaceus, starter culture, molasses

INTRODUÇÃO

Um segmento importante na industrialização de carnes é a fabricação de embutidos crus, os quais podem ser curados através de uma microbiota selvagem ou mediante a utilização de cultivos iniciadores. No primeiro caso podem ocorrer perdas significativas, principalmente pelo fato do processo não ser controlado. No Brasil, onde a produção é da ordem de 20 mil toneladas/ano, estima-se que estas perdas sejam de 500 a 1000 t/ano. Quando cultivos iniciadores são utilizados estas perdas podem ser anuladas, pois o processo é facilmente controlado, inibindo o crescimento de patógenos e outros microrganismos indesejáveis, resultando em um produto de excelente características.

As bactérias ácido lácticas são utilizadas para alterar as propriedades aromáticas e texturais de alimentos e para prolongar a vida de prateleira de alimentos como leite, carnes, frutas, vegetais e cereais (DesaI et al., 1997).

As culturas iniciadores de bactérias produtoras de ácido láctico afetam a qualidade dos embutidos crus de muitas formas. A formação do ácido láctico a partir de uma fonte de carboidrato é a mais importante. Como resultado, a redução do pH causa: coagulação das proteínas da carne, melhorando a textura; sabor ácido; melhor estabilidade higiênica e avermelhamento como resultado da redução do nitrito (Hammes et al., 1990).

Acidulantes químicos como glucona-delta-lactona (GDL) tem sido usado para acelerar a redução do pH, mas os produtos manufacturados com GDL não apresentam o flavor característico de salame seco (Coventry et al., 1991).

Os cultivos iniciadores normalmente são constituídos de um ou mais microrganismo acidificantes e um microrganismo nitrato redutor. Pediococcus pentosaceus, Lactobacillus plantarum, dentre outros, são utilizados como microrganismos acidificantes e Micrococcus varians é utilizado como nitrato redutor. Pediococcus pentosaceus é um microrganismo produtor de ácido láctico utilizado principalmente na conservação de carnes, é um microrganismo não patógeno (GRAS - Generally Recognized As Safe), homofermentativo e pode utilizar uma grande variedade de carboidratos como fonte de carbono (Garvie, 1986).

Estes cultivos iniciadores estão disponíveis no mercado com diferentes composições e formas de apresentação, mas normalmente estas misturas são liofilizadas. Em escala industrial de produção os meios de cultura utilizados são iguais ou semelhantes ao Man-Rogosa-Sharpe (MRS).

O objetivo deste trabalho foi tentar viabilizar o crescimento de Pediococcus pentosaceus em meio de cultura, cuja principal fonte de carbono fosse oriunda do melaço de cana-de-açúcar, para posteriormente compor um cultivo iniciador para a cura de produtos cárneos.

O melaço de cana-de-açúcar, subproduto da fabricação do açúcar, é relativamente abundante no Brasil e possui em sua composição uma grande variedade de açúcares fermentescíveis, sendo considerado um substrato com grande potencial e inúmeras aplicações nas fermentações industriais.

Devido a estas características, o melaço de cana-de-açúcar foi utilizado como substrato para viabilizar o crescimento de Pediococcus pentosaceus, avaliando-se sua eficiência na produção de células viáveis e biomassa.

MATERIAL E MÉTODOS

Microrganismo: Pediococcus pentosaceus, PC-1, isolado a partir de uma cultura starter comercial (Pedio-Sart 40, Christian Hansen’s Laboratories). A cultura foi ativada em caldo MRS (Man, Rogosa & Sharpe) a 35°C por 24 horas e mantida em tubos inclinados com agar MRS (Oxoid), armazenada 4°C com glicerol estéril (2%) para evitar o ressecamento do meio.

Substrato: melaço de cana-de-açúcar, de mesmo lote e armazenado a -20° C. O melaço foi diluído a 5% (v/v) em água destilada e centrifugado a 5000 rpm por 25 min. O sobrenadante foi usado em todas as formulações dos caldos experimentais.

Caldos de cultivo: foram formulados três caldos experimentais: Caldo 1, constituído apenas de melaço; Caldo 2, melaço suplementado com 0,5% (p/v) de extrato de levedura (Biobrás) e Caldo 3, melaço suplementado com 0,5% (p/v) de extrato de carne (Biobrás). O caldo MRS (Oxoid) foi usado como controle. Os caldos foram esterilizados a 121ºC por 15 min.

Composição do MRS (g/L): peptona (10,0g); extrato de carne (8,0g); extrato de levedura (4,0g); glicose (20,0g); Tween 80 (1,0mL); K2HPO4 (2,0g); C2H3NaO2 . 3H2O (5,0g); C6H5O7 (NH4)3 (2,0g); MgSO4 . 7H2O (0,2g); MnSO4 . 4H2O (0,05g).

Condições de cultivo: O experimento foi conduzido em bateladas em frascos Erlenmeyers de 250 mL, em banho com agitação de 96 rpm, volume de trabalho de 150 mL, temperatura de 35 ± 1°C, inóculo inicial de 103 - 104 UFC/mL e tempo de fermentação de 28 horas.

Avaliação do crescimento: em alíquotas de 10 mL, foram determinadas a biomassa (Baush & Lomb, spectronic 20), pH (pH-meter Micronal, B 317), consumo de açúcares por cromatografia e número de células viáveis, por semeadura (0,1 mL) em superfície em placas de agar MRS, incubadas a 35°C por 24 horas.

A biomassa (g/L) foi estimada por espectofotometria (Kanasaki et al., 1975) com leitura de absorbância a 520 nm usando como referência uma curva padrão de absorbância versus peso seco. A absorbância foi determinada em alíquotas de 3 mL (triplicata), centrifugadas (Fanem, 204 N) a 3000 rpm por 15 min. O sobrenadante foi armazenado a -20ºC (para posterior determinação do consumo de açúcares) e as células foram ressuspensas em 3 mL de água peptonada a 1%, 3 mL de EDTA a 1% e 2 gotas de NaOH 10M. A leitura foi feita contra um branco destas soluções.

Para determinação do peso seco (curva padrão), alíquotas de 3 mL (triplicata) foram centrifugadas a 3000 rpm por 15 min. As células, ressuspensas em 3 mL de água de destilada, foram transferidas para cadinhos (tarados), secas em estufa (Fanem 315 SE) a 105ºC e resfriadas em dessecador até peso constante.

A produtividade de biomassa (g/L.h) foi calculada como biomassa produzida por intervalo de tempo (Xf -X0/tf-t0).

Consumo de açúcares: a concentração de sacarose, glicose e frutose, foi determinada por cromatografia líquida de alta eficiência (Gradiente, CG 480 com analisador de massa CG 437 B ultravioleta visível).

Análise do melaço: foram determinadassegundo as técnicas da AOAC (1984): umidade (técnica nº 9.006); cinzas (nº 14006); nitrogênio total (nº 2057); glicídios redutores em glicose (nº 31091) e glicídios não redutores em sacarose (nº 31092).

Análises estatísticas: os dados foram analizados por análise de variância e a comparação de médias pelo teste de Duncan com 5% de significância (p< 0,05). Todos os experimentos foram realizados em triplicata.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com o aumento crescente da utilização de culturas iniciadoras e visto que estas culturas não são produzidas no Brasil, procurou-se um meio de cultivo alternativo, com matéria-prima disponível no mercado nacional visando a minimização dos custos.

O melaço de cana-de-açúcar puro apresentou a seguinte composição centesimal (g% p/p): umidade (9,10), cinzas (9,98), nitrogênio total (0,52), glicídios redutores, em glicose (14,72) e glicídios não-redutores, em sacarose (33,78).

Embora a composição do melaço possa ser bastante variável e dependente de inúmeros fatores, pode-se observar um significativo conteúdo em minerais (cinzas) e glicídios e alguma disponibilidade de nitrogênio, apesar de insuficiente para a maioria dos processos de fermentação industrial. Tradicionalmente os melaços também são muito pobres em fósforo e potássio (Esteves, 1988). Considerando que para o crescimento de qualquer microrganismo o substrato deve atender as necessidades nutricionais e energéticas do mesmo (carbono, hidrogênio, oxigênio e nitrogênio), procurou-se enriquecer o melaço com uma fonte que suprisse estas necessidades, no caso, extrato de carne e extrato de levedura.

A escolha da concentração de melaço (5%), deveu-se ao fato de Pedioccoccus pentosaceus ter apresentado um melhor crescimento em testes preliminares, quando comparado a outras concentrações de 1% e 3% onde os açúcares foram rapidamente metabolizados e, 7% e 10% onde ocorreu um crescimento lento comparado com a concentração de 5%.

O caldo 1 (melaço a 5%) mostrou ser muito deficiente para o crescimento de Pediococcus pentosaceus, considerando a concentração máxima de biomassa, 0,446 g/L (Figura I) e número de células viáveis (Tabela I), quando comparado com os demais caldos experimentais e principalmente com o Caldo MRS (controle).


A produtividade de biomassa foi de 0,0375; 0,0275; 0,0189 e 0,0151 g/L.h para o MRS, Caldo 2, Caldo 3 e Caldo 1 respectivamente, todos estatisticamente diferentes (p<0,05). No Caldo 2 a produtividade foi de 73,3% em relação a obtida no MRS.

A Tabela I mostra o número de células viáveis de Pediococcus pentosacus até 28 horas de cultivo. O Caldo MRS apresentou o maior número de células viáveis (13,96 log10 UFC/mL), enquanto o Caldo 1 apresentou o menor número (8,42 log10 UFC/mL). Nos Caldos 3 e 2 foram encontrados valores de 10,12 e 12,09 log10 UFC/mL. Todos estatisticamente diferentes (p<0,05).

As vitaminas como ácido nicotínico, ácido pantotênico e biotina são fatores de crescimento para Pediococcus pentosaceus (JENSENet al., 1954) e estão presentes no extrato de levedura. Talvez seja esta a razão para o bom desempenho no Caldo 2; além disso a solubilidade da proteína de levedura hidrolisada, favorece um melhor aproveitamento do nitrogênio, o que também pode ter interferido favoravelmente.

O pH inicial e final nos cultivos de Pediococcus pentosaceus foi: Caldo 1 (6,1 e 4,3), Caldo 2 (6,0 e 3,8), Caldo 3 (6,1 e 3,9) e MRS (6,3 e 3,8). Estes dados estão em acordo com GARVIE (1986) que considera o pH ótimo inicial de 6,0 - 6,5 e após 24 horas de cultivo em MRS é geralmente inferior a 4,0. Segundo BUCKE et al. (1988) o pH final em caldo glicosado é de 3,5 - 3,8 após 24 horas de cultivo.

Sacarose, glicose e frutose são metabolizados por P. pentosaceus de forma diferenciada. A Figura II mostra que no Caldo 2 ocorreu o maior consumo de sacarose e somente 3,018 mg/mL não foram metabolizados, representando um consumo de 86,43% da sacarose disponível, percentual bem superior ao dos Caldos 1 e 3 que foram 29,52 e 59,67%, respectivamente.


Com relação a glicose (Figura III), no Caldo 2 o microrganismo metabolizou 91,92 % do açúcar disponível enquanto que nos Caldos 1 e 3 foi consumido 88,85 e 58,16%, respectivamente. Ainda com relação a glicose, observa-se que no Caldo 1, Pediococcus pentosaceus apresentou uma preferência pela metabolização deste açúcar, provavelmente como consequência das deficiências nutricionais do meio.


Na Figura IV podemos observar o comportamento de Pediococcus pentosaceus com relação a metabolização da frutose nos três Caldos. No caldo 1, 81,28% da frutose disponível foi metabolizada, enquanto que nos Caldos 2 e 3 apenas 68,83% e 59,13, respectivamente.


Entre os meios experimentais o Caldo 2 apresentou o melhor desempenho, considerando o número de células viáveis ao término de 28 horas de fermentação, mas foi inferior ao caldo MRS. Entretanto, se analisarmos o aumento do número de células viáveis em ciclos de log (TabelaI), vamos constatar que no cultivo em Caldo 2 (melaço a 5% enriquecido com 0,5% de extrato de levedura) houve um aumento de 9 ciclos, igual ao MRS, o que para o propósito do presente trabalho é muito interessante.

Considerando que o valor comercial de 1Kg de melaço é de R$ 0,04 e considerando também a composição dos caldos - o custo aproximado do Caldo 1 (R$ 0,0028), Caldo 2 (R$ 7,79), Caldo 3 (R$ 11,60) e Caldo MRS (R$ 34,76) - podemos verificar uma redução no custo de produção de P. pentosaceus em Caldo 2 de cerca de 78% em relação ao caldo MRS.

Em resumo, podemos concluir que o melaço de cana-de-açúcar é um substrato interessante para o crescimento de Pediococcus pentosaceus por ser uma excelente fonte de carbono, possuindo muitos dos micronutrientes indispensáveis para o seu crescimento, e relativamente econômico, considerando uma redução no custo de produção de P. pentosaceus em Caldo 2 (5% de melaço suplementado com 0,5% de extrato de levedura) de cerca de 78% em relação ao custo do caldo MRS, para um crescimento da ordem de 9 ciclos logarítmicos no número de células viáveis.

Received: July 31, 1998;

Revised: August 05, 1998;

Accpted: October 29 , 1998.

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  • *
    Autor para correspondência
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      1999

    Histórico

    • Aceito
      29 Out 1998
    • Revisado
      05 Ago 1998
    • Recebido
      31 Jul 1998
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