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Formulação de "chocolate" de cupuaçu e reologia do produto líquido

Formulation of cupuassu "chocololate" and rheology of liquid product

Resumos

O "chocolate" de cupuaçu é um produto cujo processo de fabricação consiste na transformação das amêndoas de cupuaçu (sementes após o beneficiamento) em um derivado com sabor, textura, odor e aparência semelhantes ao do chocolate elaborado com cacau. Este produto pode ser processado nas formas de pó e tabletes (meio amargo, ao leite e branco). O cupuaçu é um fruto cilíndrico, sendo que no seu interior possui sementes recobertas inteiramente por uma massa branca e bastante espessa. O presente trabalho apresenta formulações de "chocolates" de cupuaçu (meio amargo, ao leite e branco), em que a fase gordurosa se compõe de mistura de gordura de cupuaçu e manteiga de cacau, juntamente com parâmetros reológicos do produto líquido. Utilizaram-se os sensores vane e cilindro concêntrico para a determinação reológica. Os produtos obtidos apresentaram similaridades com chocolates tradicionais em aroma e nos parâmetros reológicos a 40 ºC, com maior maciez.

Chocolate; Theobroma grandiflorum; Cupuaçu; Gorduras; Reologia; Vane


Cupuassu "chocolate" is a product whose process of manufacture consists to transform cupuassu seeds (after fermentation, toasting and grinding) in derived one with flavour, texture, odor and appearance similar to chocolate elaborated with cocoa. It could be processed as powder and tablets (semi sweet, milk and white types). Cupuassu is a cylindrical fruit, and in its interior there are seeds involved by a white and thick mass. This work intends to show formulations of cupuassu chocolates (semi sweet, milk and white types), where the fatty phase is blends of cupuassu fat and cocoa butter (1 to 5.9 %), and the flow behaviour of the product was evaluated using the vane and coaxial cylinder sensors at 40 ºC. The products obtained were very similar to the tablets of traditional chocolates in flavour and rheological parameters at 40 ºC, with flow properties of soft chocolate.

Chocolate; Theobroma grandiflorum; Cupuassu; Fats; Rheology; Vane


TRABALHOS ORIGINAIS

Formulação de "chocolate" de cupuaçu e reologia do produto líquido

Formulation of cupuassu "chocololate" and rheology of liquid product

Suzana Caetano da Silva Lannes* * Correspondência: S.C.S. Lannes Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica FCF/USP Av. Prof. Lineu Prestes, 580 - bloco 16 / Cid. Universitária São Paulo-SP E-mail: scslan@usp.br ; Magda Leite Medeiros; Renata Lira Amaral

Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica, Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Universidade de São Paulo

RESUMO

O "chocolate" de cupuaçu é um produto cujo processo de fabricação consiste na transformação das amêndoas de cupuaçu (sementes após o beneficiamento) em um derivado com sabor, textura, odor e aparência semelhantes ao do chocolate elaborado com cacau. Este produto pode ser processado nas formas de pó e tabletes (meio amargo, ao leite e branco). O cupuaçu é um fruto cilíndrico, sendo que no seu interior possui sementes recobertas inteiramente por uma massa branca e bastante espessa. O presente trabalho apresenta formulações de "chocolates" de cupuaçu (meio amargo, ao leite e branco), em que a fase gordurosa se compõe de mistura de gordura de cupuaçu e manteiga de cacau, juntamente com parâmetros reológicos do produto líquido. Utilizaram-se os sensores vane e cilindro concêntrico para a determinação reológica. Os produtos obtidos apresentaram similaridades com chocolates tradicionais em aroma e nos parâmetros reológicos a 40 ºC, com maior maciez.

Unitermos: Chocolate. Theobroma grandiflorum. Cupuaçu. Gorduras. Reologia. Vane

ABSTRACT

Cupuassu "chocolate" is a product whose process of manufacture consists to transform cupuassu seeds (after fermentation, toasting and grinding) in derived one with flavour, texture, odor and appearance similar to chocolate elaborated with cocoa. It could be processed as powder and tablets (semi sweet, milk and white types). Cupuassu is a cylindrical fruit, and in its interior there are seeds involved by a white and thick mass. This work intends to show formulations of cupuassu chocolates (semi sweet, milk and white types), where the fatty phase is blends of cupuassu fat and cocoa butter (1 to 5.9 %), and the flow behaviour of the product was evaluated using the vane and coaxial cylinder sensors at 40 ºC. The products obtained were very similar to the tablets of traditional chocolates in flavour and rheological parameters at 40 ºC, with flow properties of soft chocolate.

Uniterms: Chocolate. Theobroma grandiflorum. Cupuassu. Fats. Rheology. Vane.

INTRODUÇÃO

Chocolate é uma dispersão sólida de massa de cacau, partículas de açúcar, aditivos, manteiga de cacau, lecitina e aromatizantes. O chocolate ao leite, adicionalmente, contém gordura e proteína do leite e lactose. Na fase líquida, a manteiga de cacau e outras gorduras adicionadas produzem a fase contínua. Sua concentração varia de 28-40% (Minifie,1980; Martin, 1987; Beckett, 1994; Lannes, Gioielli, 1998).

Segundo a legislação brasileira, o chocolate deve ser obtido a partir de matérias-primas sãs e limpas, isentas de matéria terrosa, de parasitas, detritos animais, cascas de semente de cacau e outros detritos vegetais. No preparo de qualquer tipo de chocolate, o cacau deve estar presente, no mínimo, na proporção de 32%. O açúcar empregado no seu preparo deve ser a sacarose, podendo ser substituída parcialmente por glicose. É expressamente proibido adicionar óleos estranhos a qualquer tipo de chocolate, bem como à manteiga de cacau. Também não podem ser adicionados amidos ou féculas estranhas (ANVISA, 1978).

O Cupuaçu (Theobroma grandiflorum) é caracterizado pelas suas características muito agradáveis de sabore odor. É usado para preparar variedade de sucos, sorvetes e outras sobremesas. A semente, cujo peso em base seca reduz-se a cerca de 16% do original, pode ser usada para obtenção de produto similar à manteiga de cacau, sendo de aproximadamente 50% o conteúdo de gordura da semente. Até agora o cupuaçu é comercializado no mercado nacional, porém, o aumento do interesse internacional levará, certamente, ao grande aumento de área cultivada, que já pode ser visto tomando-se por base o desenvolvimento da produção em Rondônia de 1989 a 1992, que neste período aumentou dez vezes, para 200 toneladas de polpa de fruta (equivalente a aproximadamente 600 toneladas de fruta), em 1992. A demanda pelo produto ainda é limitada em relação à sua oferta. A produção por planta chega a aproximadamente 20 a 30 frutos com espaçamento de plantio em monocultura de 6 m por 6 m, resultando em 2.800 kg de polpa de fruta/ha por ano. Durante a safra de 1996, o preço por fruto no mercado de Manaus estava entre 70 centavos e 2 dólares, dependendo do tamanho e qualidade do fruto. O preço da polpa de fruta congelada, fora da estação, foi até 16 dólares por quilo, como observado no mercado local. Como a castanha, também o cupuaçu é bem adaptado ao pobre solo argiloso da Amazônia, porém responde bem a melhores condições de local de plantio (Wolf, 1997; Venturieri, 1993).

O "chocolate" de cupuaçu (cupulate) começou a ser estudado pelo CPATU (Centro de Pesquisa Agroflorestal da Amazônia Oriental) da Embrapa, em 1986, apresentando algumas vantagens como custo menor (uma tonelada do produto à base de cacau tem custo de 10 a 25% superior à tonelada do cupulate). Foram preparados produtos ao leite, branco e meio amargo, em cujas formulações constavam apenas amêndoas de cupuaçu, açúcar refinado, manteiga de cupuaçu e leite em pó instantâneo. A fermentação da semente de cupuaçu é favorecida pelos resíduos orgânicos, pois tendo o fruto 35-40% de polpa, mesmo após o beneficiamento sobram algumas substâncias orgânicas coladas na semente (Pará, 1993; Nazaré et al., 1990; Vasconcelos et al., 1975).

Tanto da polpa quanto da semente do cupuaçu, vários subprodutos podem ser obtidos e estudados. Produtos como "chocolate" em pó, e/ou "achocolatado", podem ser obtidos a partir da moagem da torta desengordurada de cupuaçu, misturados com outros ingredientes (Medeiros, Lannes, 1999).

A matéria-prima para a produção da pasta de cupuaçu está constituída por semente de cupuaçu após fermentação, secagem e moagem. Para conseguir alta qualidade do produto as sementes têm que estar devidamente fermentadas e secas. Não se podem obter produtos de primeira qualidade com sementes de baixa qualidade.

O chocolate tem características fundamentais que o distinguem, como sabor e textura. Existem muitos sabores diferentes de chocolate, todos eles devem estar livres de sabores desagradáveis e conter aqueles agradáveis que o consumidor associará ao produto. Uma particularidade básica da textura é que deve ser sólido à temperatura ambiente (20-25 ºC) e fundir rapidamente na boca a 37 ºC, produzindo um líquido com viscosidade adequada ao paladar. O processamento do chocolate está relacionado com certos critérios, sendo necessário o desenvolvimento do sabor do produto. A utilização de fruto sem tratamento produziria sabor muito desagradável (Beckett, 1994).

A mistura de substâncias e suas interações são fortemente dependentes da produção e pré-tratamento. A tensão de cisalhamento inicial do chocolate, por exemplo, aumenta com o longo tempo de temperagem.

O comportamento de fluxo de uma substância é fortemente influenciado pela temperatura devido a trocas em suas interações inter e intra-moleculares. Esta dependência é muito distinta especialmente a substâncias com alta viscosidade. A viscosidade decresce com aumento das temperaturas. A tensão de cisalhamento inicial de Casson pode diferir de acordo com a composição do chocolate. Como conseqüência desta dependência, é importante manter a temperatura constante durante um ensaio reológico (Barnes et al., 1994; Chevalley, 1975; Rao, 1977).

A viscosidade tem sido usada há vários anos pela indústria de chocolates para descrever o aspecto de qualidade de seu produto. Também é utilizada para dimensionar tubulações e bombas que são utilizadas no transporte de chocolate fundido na planta de fabricação. Em aspectos práticos, o chocolate precisa fluir de acordo com sua utilização, por exemplo, chocolate utilizado como cobertura de bombons precisa fluir mais que aquele utilizado para produção de tabletes (Lannes, Gioielli, 1997).

Para muitos fluidos pseudoplásticos, com uma tensão de cisalhamento inicial, as propriedades de fluxo podem ser caracterizadas pela equação de Casson ( Eq.(1)):

onde τ é a tensão de cisalhamento, γ é a taxa de cisalhamento e K0 e K1 constantes que estão relacionadas com a concentração da suspensão, viscosidade do meio, tamanho das partículas e fatores interativos. Esta equação tem sido usada para descrever as propriedades de chocolate líquido. Uma forma alternada desta equação pode ser (Eq.(2)):

onde ηé a viscosidade de cisalhamento infinita (indepen e τ0 dente da taxa de cisalhamento) é a tensão de cisalhamento (Lannes, Gioielli, 2000).

São utilizados dois parâmetros para definir a reologia de chocolates: "yield value" (tensão inicial), expressa em dinas/cm2 (Pascalx10-1), é a mínima quantidade de força necessária para produzir um fluxo ou como fazer o chocolate fluir; e "viscosidade plástica" (Pascalxseg ou 10 Poise), que descreve as características de fluxo tendo este iniciado ou é quando o chocolate flui (Lannes, Gioielli, 1997).

MATERIAL E MÉTODOS

Material

Manteiga de cacau desodorizada (proveniente do estado da Bahia-BR, marca JOANES), gordura de cupuaçu natural (CHOCAM), massa de cupuaçu (CHOCAM), leite em pó integral, lecitina de soja, açúcar refinado, baunilha, polirricinoleato de poliglicerol (PGPR).

Métodos

Produção do "chocolate"

Foi utilizada planta piloto, com os seguintes equipamentos: misturador tipo sigma encamisado, moinho de três rolos (com controle de temperatura), mini concha vertical. Seguiu-se o fluxograma abaixo (Figura 1):


Foram formuladas bateladas de 3 kg. Não seguiu-se método de produção industrial clássico, havendo diminuição da temperatura de conchagem na última hora de processo. Os emulsificantes foram adicionados durante a conchagem. A umidade final do produto foi de 1,5%. A temperagem manual foi efetuada após derretimento do produto em forno microondas (potência média), até temperatura de 48 ºC, com posterior resfriamento em tábua de mármore até 30 ºC, colocação em forma de policarbonato e geladeira (8 ºC por 15 minutos).

Granulometria

A granulometria da massa de "chocolate" obtida foi determinada com micrômetro Mitutoyo, sendo que para leitura o produto foi misturado à vaselina, com várias repetições para verificação da repetibilidade.

Reologia

Os parâmetros reológicos foram obtidos em um reômetro do tipo rotacional, sistema Searle (DIN 53019), marca Rheotest modelo RN 3.1, o qual possui um dispositivo que permite a variação da velocidade de rotação do cilindro interno de 0 a 1000 rpm e torque de 0,1 a 160 mN.m. O equipamento é acoplado a um banho termostatizado. Os parâmetros de Casson foram calculados pelo programa de computador do equipamento. Os ensaios foram conduzidos segundo norma da OICC a 40 ºC (OICC, 1973). Foram utilizados sensores vane e cilindro concêntrico. Para o rotor vane, trabalhou-se em tensão controlada de 100 mN.m; para o cilindro concêntrico trabalhou-se em taxa controlada de 300 1/s (branco e ao leite) e 80 1/s (meio amargo). Os parâmetros de análise foram determinados com ensaios prévios.

Os sensores têm as seguintes dimensões:

• cilindro concêntrico: raio = 35,04 mm e altura = 52,56 mm;

• vane: de quatro lâminas, com altura = 70,00 mm e diâmetro = 30,00 mm

• raio do copo: 38,00 mm

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Formulação dos "chocolates" de cupuaçu

Os "chocolates" de cupuaçu foram formulados acertando-se o conteúdo de gordura total segundo um padrão mínimo de 32%, a fim de se obter produtos de qualidade semelhante a chocolates europeus (mais macios). A Tabela 1 apresenta as formulações utilizadas para os três tipos de "chocolates".

A granulometria dos produtos foi padronizada em 19 mm. A formulação foi acertada de acordo com a experiência do autor para formulação de chocolates.

A massa de cupuaçu utilizada continha um total de 62,25% de gordura. O conteúdo total de gordura é a soma das gorduras da massa de cupuaçu (gordura de cupuaçu), gordura do leite e manteiga de cacau. No tipo branco utilizaram-se 2,78% de manteiga de cacau da gordura total; no tipo ao leite, 16,86% do total de gordura; e no tipo meio amargo, 9,06% de manteiga do conteudo total de gordura da formulação. Verifica-se, então, que uma quantidade pequena de manteiga de cacau foi necessária para se acertar a formulação do "chocolate" obtido, conforme desejado. Medeiros et al. (1999) estudaram as interações entre as gorduras de cacau e de cupuaçu, verificando seu comportamento de sólidos e consistência, cujos resultados auxiliam na aplicação dessas gorduras em produtos de chocolate.

A massa e a gordura de cupuaçu foram fornecidas por uma indústria que processava as sementes de cupuaçu (fermentação, secagem, torrefação, trituração e moagem). A torta (massa) de cupuaçu foi analisada por Medeiros e Lannes (1999), fornecendo resultados aplicáveis para sua utilização. O procedimento de fermentação foi conduzido de maneira simples, em caixas de madeira, revolvendo-se as sementes periodicamente para promover aeração e homogeneidade na fermentação das sementes.

A secagem foi feita com procedimento também simplificado de exposição ao sol e, também, revolvendo-se as sementes, chegando-se a um conteúdo de umidade menor que 7%, para impedir o crescimento de mofos durante o armazenamento. A torrefação, responsável pela atribuição ao chocolate de seu sabor típico e de perda de umidade, foi feita em equipamento torrefador, sendo que a má torrefação pode atribuir ao produto sabor de "queimado", de amêndoa e de fumaça. Em seguida, as sementes foram trituradas, a fim de se retirar as cascas, sendo que se recomenda máximo de 2% de casca no produto limpo. As cascas deixadas no produto não possuem sabor nem aroma e podem conter bactérias. Em seguida, procedeu-se à moa-gem em moinho de rolos e a retirada de parte da gordura em equipamento filtro-prensa.

Pode-se observar que como falha de processamento dessas sementes houve fermentação não completa, que segundo a indústria era de seis dias, e resíduos de casca na massa do produto. Assim, é sugerido que o tempo de fermentação aumente para aproximadamente dez dias e que a torrefação seja melhor conduzida, a fim de que não fique sabor residual de "amêndoa" no produto final, o que interfere negativamente na produção do "chocolate". Observou-se, ainda, que não foi feito o tratamento térmico da massa de cupuaçu, a fim de se reduzir a presença bolores e leveduras, melhorar o sabor e retirar excesso de umidade e acidez. Porém, o que importou nesta etapa do trabalho foi obter uma boa formulação, sem nenhum outro processamento adicional, como método de modificação para a gordura de cupuaçu, a fim de se modificar sua curva de sólidos e de consistência para impor maior resistência térmica ao produto.

Com relação ao aroma e aspecto do produto obtido, estes são perfeitamente comparáveis ao chocolate tradicional, obtido do cacau.

Observou-se que com relação à textura, os produtos obtidos compararam-se a chocolates de procedência européia, com maior maciez que o padrão nacional, porém apresentando resistência ao derretimento.

Análise reológica

As propriedades reológicas do chocolate são influenciadas por fatores como conteúdo de matéria graxa, umidade, presença de emulsificantes, tempo de concha-gem, tamanho de partículas, temperatura, entre outros. O chocolate fundido é uma suspensão de partículas de açúcar e sólidos de cacau e, se for o caso, de sólidos de leite em uma fase gordurosa contínua. A equação de Casson (que melhor se adapta ao chocolate), por uma regressão linear com os dados de tensão de cisalhamento e taxa de deformação fornece os parâmetros limite de escoamento (tensão inicial) de Casson (σCA ) e a viscosidade plástica de Casson (ηCA) (Lannes, Gioielli, 1997; Rosen, Foster, 1978).

Materiais que tipicamente exibem tensão de cisalhamento são sistemas multifásicos. Exemplo comum é uma suspensão onde partículas sólidas estão dispersas num meio líquido (chocolates são suspensões de sólidos do açúcar e do cacau dispersos na manteiga de cacau). Sob a condição de atração mútua, as partículas interagem umas com as outras para formar flocos, que, por sua vez, interagem para criar uma rede contínua e tridimensional (uma estrutura floculada), que pode impedir o fluxo à baixa tensão (Liddell, Boger, 1996).

A tensão de cisalhamento inicial é associada como a tensão de transição entre comportamentos sólido-elástico e líquido-viscoso, porém esta transição usualmente ocorre numa faixa de tensão, durante a qual o material exibe propriedades elástica e viscosa. Uma suspensão flui somente quando a tensão é suficiente para quebrar a estrutura. A tensão de cisalhamento inicial determina o processo de contração durante a produção, armazenamento e transporte e é responsável pela funcionalidade do produto final (Liddell, Borger, 1996; Wilson et al., 1993).

O rotor vane é usado para medições diretas de tensão de cisalhamento. O vane típico consiste de quatro lâminas finas arranjadas com o mesmo ângulo ao redor deum bastão. É normalmente operado em taxa controlada, pela qual uma velocidade rotacional constante é aplicada ao vane imerso no material e a tensão resultante é medida como função do tempo. Pode também ser operado no modo tensão controlada, pelo qual uma tensão constante é aplicada em passos ao vane imerso no material (Medeiros, Lannes, 2001).

O uso do rotor vane é o melhor método para testar dispersões com uma estrutura tixotrópica fraca (Schramm, 1994), justificando, assim, seu uso para a determinação da tensão de cisalhamento de chocolates.

A Tabela II mostra os valores encontrados para cada amostra usando-se o cilindro concêntrico e o rotor vane e as diferenças estatísticas entre sensores num mesmo parâmetro e entre os "chocolates" num mesmo sensor.

A escolha dos melhores parâmetros para análise (taxa de cisalhamento e torque) se deu pelo melhor coeficiente de determinação (R2), em que para os valores escolhidos todos os coeficientes encontrados foram maiores que 0,99.

Observou-se que, pela análise de variância (Tukey), foi encontrada diferença, em 5% de significância, entre as medições com o vane e cilindro para tensão de cisalhamento e viscosidade nos três tipos de "chocolates".

Na comparação entre os resultados obtidos para os três tipos de chocolate, não se observou diferença significativa em nível de 5%, apenas para a tensão de cisalhamento determinada com o cilindro concêntrico.

Os resultados obtidos com o rotor vane foram geralmente menores do que os obtidos com o cilindro, que pode ser devido à sua geometria não causar grande agitação durante a análise.

Os resultados obtidos para análises feitas com o cilindro concêntrico (viscosidade e tensão de cisalhamento) são bem próximos a resultados utilizados pela indústria, mesmo utilizando equipamentos diferentes para análise. O "chocolate" branco apresentou tensão de cisalhamento alta (10,40 Pa), quando comparada a marca comercial (1,60-4,00 Pa); e o "chocolate" ao leite apresentou viscosidade um pouco abaixo da faixa (2,20 Pa.s) comparada a um mesmo tipo de marca comercial (2,5-4,0 Pa.s). Porém estes produtos podem ser direcionados para outras aplicações, nas quais os valores encontrados sejam adequados.

Encontrou-se repetibilidade nos resultados tanto para o sensor vane como para o cilindro concêntrico.

Na Figura 2 podemos observar que os valores de tensão de cisalhamento obtidos com o sensor vane foram sempre inferiores aos valores obtidos com o cilindro concêntrico, repetindo o que ocorreu em trabalhos anteriores realizados com chocolates (Medeiros, Lannes, 2001).


CONCLUSÕES

Com um processamento simplificado, obtiveram-se produtos com características de chocolate com alta qualidade, otimizando-se, assim, o produto inicialmente sugerido pela Embrapa, com formulação mais simplificada. Foi observado que não houve necessidade de método de modificação para melhora das propriedades físicas da gordura de cupuaçu e a quantidade de manteiga de cacau adicionada foi muito pequena, obtendo-se um produto final com custo bem reduzido, pois o cupuaçu, apesar de ser encontrado apenas em mercados locais, exibe baixo custo, sendo o similar de chocolate formulado, uma alternativa viável para a indústria brasileira.

As propriedades reológicas do produto líquido dão início a uma série de propriedades que atestam suas excelentes características. Ensaios complementares serão apresentados posteriormente.

Recebido para publicação em 19 de julho de 2002.

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  • *
    Correspondência: S.C.S. Lannes Departamento de Tecnologia Bioquímico-Farmacêutica FCF/USP Av. Prof. Lineu Prestes, 580 - bloco 16 / Cid. Universitária São Paulo-SP E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Recebido
      19 Jul 2002
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