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Avaliação da biocompatibilidade de implantes mamários de silicone esterilizados por calor seco e pelo óxido de etileno

Biocompatibility assessment of silicone gel breast implants sterilized by dry-heat and by ethylene oxide

Resumos

Os implantes mamários de silicone têm sido empregados, tanto nas cirurgias de aumento de mama, quanto na reconstrução do tecido mamário. A segurança biológica deste tipo de implante deve ser garantida, pois, em função da esterilização estes materiais, podem sofrer alterações oriundas dos processos esterilizantes por comprometimento da estrutura química dos polímeros. O objetivo deste trabalho consistiu na avaliação da biocompatibilidade de implantes mamários preenchidos com gel de silicone, de superfície lisa e texturizada submetidos à esterilização por calor seco e óxido de etileno. Empregou-se, para tanto, método in vitro, avaliando a citotoxicidade pelo método de captura do vermelho neutro, utilizando a linhagem celular NCTC clone 929. Os resultados obtidos demonstraram não haver comprometimento da biocompatibilidade dos biomateriais submetidos aos dois processos (calor seco e óxido de etileno), assim como comprovaram a eficácia de ambos na esterilização dos implantes.

Implantes mamários; Silicone; Biocompatibilidade; Esterilização; Vermelho neutro; Óxido de etileno; Calor seco


Silicone breast implants have been widely used for mammary augmentation and reconstruction surgery. Biological safety of these implants can be altered by sterilization methods. This study consisted of the biocompatibility assessment of smooth and textured silicone gel breast implants sterilized by dry-heat and ethylene oxide through cell viability, employing neutral red uptake method. The NCTC clone 929 cell were employed and the results showed no cytotoxicity of implants after both sterilization processes.

Breast implants; Silicone; Biocompatibility; Sterilization; Neutral red uptake; Ethylene oxide; Dry-heat


TRABALHOS ORIGINAIS

Avaliação da biocompatibilidade de implantes mamários de silicone esterilizados por calor seco e pelo óxido de etileno

Biocompatibility assessment of silicone gel breast implants sterilized by dry-heat and by ethylene oxide

Janice Campos de AzevedoI; Áurea Silveira CruzII; Terezinha de Jesus Andreoli PintoI,* * Correspondência: T. J. A. Pinto Departamento de Farmácia Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo Av. Prof. Lineu Prestes, 580 Bloco 15 05508-900 - São PAulo, SP - Brasil E-mail: tjapinto@usp.br

IDepartamento de Farmácia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo

IIInstituto Adolfo Lutz

RESUMO

Os implantes mamários de silicone têm sido empregados, tanto nas cirurgias de aumento de mama, quanto na reconstrução do tecido mamário. A segurança biológica deste tipo de implante deve ser garantida, pois, em função da esterilização estes materiais, podem sofrer alterações oriundas dos processos esterilizantes por comprometimento da estrutura química dos polímeros. O objetivo deste trabalho consistiu na avaliação da biocompatibilidade de implantes mamários preenchidos com gel de silicone, de superfície lisa e texturizada submetidos à esterilização por calor seco e óxido de etileno. Empregou-se, para tanto, método in vitro, avaliando a citotoxicidade pelo método de captura do vermelho neutro, utilizando a linhagem celular NCTC clone 929. Os resultados obtidos demonstraram não haver comprometimento da biocompatibilidade dos biomateriais submetidos aos dois processos (calor seco e óxido de etileno), assim como comprovaram a eficácia de ambos na esterilização dos implantes.

Unitermos: Implantes mamários. Silicone. Biocompatibilidade. Esterilização. Vermelho neutro. Óxido de etileno. Calor seco.

ABSTRACT

Silicone breast implants have been widely used for mammary augmentation and reconstruction surgery. Biological safety of these implants can be altered by sterilization methods. This study consisted of the biocompatibility assessment of smooth and textured silicone gel breast implants sterilized by dry-heat and ethylene oxide through cell viability, employing neutral red uptake method. The NCTC clone 929 cell were employed and the results showed no cytotoxicity of implants after both sterilization processes.

Uniterms: Breast implants. Silicone. Biocompatibility. Sterilization. Neutral red uptake. Ethylene oxide. Dry-heat.

INTRODUÇÃO

Os tecidos e órgãos do corpo humano estão sujeitos a doenças e injúrias, que, se não tratadas, podem levar à dor, restrição dos movimentos e perda da função. Em muitos casos o tratamento envolve a remoção do tecido ou órgão afetado e sua substituição por um enxerto de tecido vivo ou um análogo artificial - um biomaterial (Williams, 1985). O termo biomaterial refere-se a um material natural ou sintético destinado a interagir com sistemas biológicos para avaliar, tratar, aumentar ou substituir um órgão, tecido ou função do organismo (Williams, 1999).

Dentre os diversos biomateriais poliméricos disponíveis, o silicone tem sido empregado como substituinte de tecidos moles e cartilagens (Seal, Otero, Panitch, 2001). Por ser resultante da polimerização do dimetilsiloxano, o silicone pode se apresentar nas formas físicas: fluida, gel e elastomérica, decorrentes do comprimento e ramificações da cadeia do polímero.

A mama é um dos inúmeros tecidos e estruturas que podem ser substituídos por próteses de silicone em cirurgias de aumento ou de reconstrução mamária após mastectomia. Quando as próteses são implantadas, deve-se garantir a condição de esterilidade das mesmas. Dentre os métodos de esterilização empregados, o calor seco, por fazer uso de temperaturas elevadas, pode promover a hidrólise e/ou fusão da matriz do polímero, comprometendo a biocompatibilidade dos implantes. A esterilização química gasosa por óxido de etileno tem como vantagem propiciar tratamento eficaz a temperaturas relativamente baixas, porém os resíduos do gás, por serem agentes alquilantes, podem reagir com grupos funcionais do polímero provocando alterações das propriedades do silicone, comprometendo o biomaterial. O objetivo deste estudo foi avaliar a biocompatibilidade de implantes mamários de silicone após terem sido submetidos aos processos de esterilização. Para esta avaliação foi empregado método in vitro de avaliação da citotoxicidade dos materiais, através da técnica de cultura de célula empregando o corante vital vermelho neutro.

MATERIAL E MÉTODOS

Amostras

Foram analisados dois modelos de próteses mamárias, obtidas junto a produtor nacional, constituindo-se os implantes de invólucros de silicone elastomérico vulcanizado, de superfície lisa e de superfície texturizada, ambos cheios com silicone na forma de gel, com volumes de 220 mL.

Métodos

Esterilização dos implantes mamários

A biocarga inicial dos implantes não-esterilizados foi determinada pela contagem microbiana empregando método de filtração por membrana (USP, 2004). Após a determinação quantitativa (Tabela I) e qualitativa (Tabela II) da biocarga dos implantes, procedeu-se à esterilização por calor seco (121 ºC, por 32 horas) de 110 unidades não esterilizadas de cada modelo de prótese mamária. Para a esterilização por óxido de etileno (48 ºC/55% UR/300 min/750 mg/L), também foram empregadas 110 unidades de cada tipo de implante, sendo os parâmetros definidos de acordo com orientação da ISO 11135:1994.

Comprovação da esterilidade

O teste de esterilidade foi realizado por método direto (USP, 2004), empregando 100 unidades de cada tipo de implante submetidas aos diferentes processos de esterilização. Os implantes foram cortados, empregando tesouras estéreis e os fragmentos obtidos foram transferidos para tubos de ensaio contendo cerca de 80 mL de meios de cultura. Foram empregados o caldo tioglicolato (Oxoid®), para detecção de bactérias aeróbias e anaeróbias e caldo caseína de soja (Oxoid®), para detecção de bolores e leveduras, incubados por 14 dias a 32,5 ± 2,5 ºC e 22,5 ± 2,5 ºC, respectivamente.

Avaliação da citotoxicidade

Foi empregada a linhagem celular NCTC clone 929 (ATCC CCL1), sendo a citotoxicidade avaliada pelo método de captura do vermelho neutro (Borenfreund, Puerner, 1985). No procedimento, utilizaram-se extratos obtidos por imersão de fragmentos dos implantes com área de 4 cm2, colocados em meio de Eagle sem soro a 37 ºC por 24 horas. Este extrato foi diluído a 50, 25, 12,5 e 6,25% no meio de Eagle. Após incubação de uma suspensão da linhagem celular NCTC clone 929 (2,5 x 105 céls/mL) em microplacas de 96 poços de fundo chato, por 24 h a 37 ºC em atmosfera contendo 5% de CO2, foi adicionado, a cada poço, volume de 0,2 mL dos extratos e suas diluições, assim como os controles positivo e negativo, respectivamente extrato de fragmentos de látex (0,1g de látex/mL de meio de Eagle e extrato de papel de filtro atóxico (4 cm2/mL). Após incubação nas mesmas condições, o meio contendo as amostras foi desprezado e substituído por meio de Eagle sem soro contendo 50 mg/mL de vermelho neutro, incubando-se novamente as microplacas. Após 3 horas de incubação, o meio de cultura foi removido e as células lavadas duas vezes com 0,2 mL de solução fosfatada tamponada, em seguida com 0,2 mL de solução aquosa de formaldeído 40% contendo 1% de CaCl2, para remover o corante não incorporado. Uma solução aquosa de ácido acético 1% em etanol 50% foi adicionada para extrair o corante incorporado. Após 10 minutos de agitação as placas foram levadas para leitura da densidade óptica num leitor de microplacas (Organon Teknika Reader 530) equipado com filtro de 540 nm. O extrato do controle positivo foi diluído na proporção de 2:1, sendo esta diluição empregada no preparo das concentrações de trabalho. Os controles foram avaliados nas concentrações de 100, 50, 25, 12,5 e 6,25%. Para o controle de células foi empregado o meio de Eagle com 5% de soro fetal bovino. A viabilidade celular foi determinada pela razão entre a densidade óptica de cada diluição e a densidade óptica do controle de células.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os valores da biocarga dos implantes de silicone de superfície lisa e texturizada (Tabela I), embora não tenham sido utilizados na determinação dos parâmetros dos processos de esterilização empregados, são cruciais para a eficácia da esterilização, uma vez que, para uma população microbiana exposta a um processo letal, a perda da viabilidade ocorre de maneira regular, ou seja, uma proporção constante da população sobrevivente é inativada a cada incremento de exposição ao agente letal e sendo esta carga microbiana baixa, há maior probabilidade de se atingir a condição de esterilidade (Lambert, 2003).

Além da quantificação da biocarga, a identificação dos microrganismos permite determinar a origem da contaminação (pessoal, insumos, processo produtivo). Os microrganismos isolados das amostras dos implantes (Tabela II) caracterizam-se por serem oriundos, em sua maioria, da microbiota humana, indicando contaminação pelo pessoal. A presença do Bacillus cereus, comumente encontrado no solo e na vegetação, indica contaminação por poeira (Koneman et al., 2001; Hugo, 1990).

A realização do teste de esterilidade das amostras submetidas aos processos de esterilização (calor seco e óxido de etileno) resultou em ausência de crescimento microbiano (Tabela III), comprovando, assim, a eficácia dos processos de esterilização. Apesar de processo convencionalmente utilizado, a condição atípica da esterilização empregada para o calor seco (121 ºC), temperatura usualmente empregada para autoclavação, visou minimizar os riscos de toxicidade. Contudo houve necessidade de exposição por período de tempo mais longo (32 h).

A comprovação da biocompatibilidade dos implantes de silicone após serem submetidos à esterilização visa atender ao exigido por normas internacionais (ISO 10993-1:1997, ISO 14607:2002). Inúmeros métodos in vitro têm sido empregados na avaliação da biocompatibilidade de biomateriais (Wodtke et al., 2003; Ignatius, Claes, 1996), sendo o método de captura do vermelho neutro empregado tanto na avaliação da biocompatibilidade de correlatos (Montanaro et al., 2001; Pariente, Kim, Atala, 2001) como também na avaliação de produtos cosméticos e suas matérias-primas (Lee et al., 2000; Jones et al., 2003). O uso deste método in vitro deve-se à sua sensibilidade e reprodutibilidade (Cruz, 2003), comparativamente aos métodos in vivo, aliado à tendência da substituição do uso de animais (Eisenbrand et al., 2002). Neste método, ao se determinar a viabilidade celular para diferentes concentrações dos extratos obtidos com as amostras é possível o cálculo do IC50, ou seja, a concentração que provoca a perda de 50% da viabilidade celular, sendo que neste estudo, este cálculo não foi possível pois para todas as concentrações avaliadas, a viabilidade celular foi superior a 50% (Tabelas IV e V ).

CONCLUSÕES

O alto índice de viabilidade apresentado pelas células expostas aos extratos das amostras de implantes de silicone demonstra o não comprometimento da biocompatibilidade dos implantes de silicone, após terem sido submetidos aos processos esterilizantes por calor seco e óxido de etileno, garantindo o atendimento às normas internacionais bem como a segurança biológica das próteses mamárias como biomateriais implantáveis.

Recebido para publicação em 01 de março de 2005.

Aceito para publicação em 25 de maio de 2005.

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  • *
    Correspondência:
    T. J. A. Pinto
    Departamento de Farmácia
    Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo
    Av. Prof. Lineu Prestes, 580 Bloco 15
    05508-900 - São PAulo, SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      25 Maio 2005
    • Recebido
      01 Mar 2005
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