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Editorial

EDITORIAL

A Pós-Graduação na área da Farmácia está estruturada e, presentemente, consolida sua excelência acadêmico-científica para vencer grandes desafios, Como realidades sociais, a prática e a educação na área das Ciências Farmacêuticas estão relacionadas com os processos de desenvolvimento econômico, científico e tecnológico, além do cultural. Neste sentido, qualquer ângulo que se aproxime de grandes questões, quaisquer que sejam as soluções que se almejem oferecer, ou as respostas que se desejem apresentar, constata-se que, para vencer desafios, a área da saúde deve colocar a questão "inovação" no início e no centro de todas as políticas, para que ela perpasse todas as concepções e todas as ações. Sendo assim, não somente se reconhe o valor de gerar e difundir inovações para o desenvolvimento nacional bem como o caráter sistêmico, institucional e histórico desse processo, em que pese, de forma articulada, as dinâmicas das instituições, da economia e da política pública.

O momento é ímpar, excepcional, e algumas razões são ressaltadas.

O segmento farmacêutico ocupa posição estratégica no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação (SNCT/I) pela sua característica de ter um foco temático claramente identificado e priorizado nas políticas sociais e econômicas do governo brasileiro, como a Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação em Saúde (PNCTIS); a Política Industrial, Tecnológica e do Comércio Exterior (PITCE); e recente Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP).

Recomendados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a área da Farmácia conta atualmente com 34 Programas de Pós-Graduação stricto sensu, os quais oferecem 52 cursos em todas as regiões do país: 19 Doutorados, 30 Mestrados Acadêmicos e 3 Mestrados Profissionais. No triênio de avaliação 2003-2006 foram titulados 827 mestres e 256 doutores, o que representa um crescimento de 35 e 77 %, respectivamente, em relação ao triênio anterior. Ademais, cerca de 500 docentes orientadores que integram estes 52 cursos foram responsáveis pela geração e divulgação da pesquisa científica em importantes revistas de circulação internacional. Tal estrutura colocou a Farmácia na sexta posição entre as 46 áreas do conhecimento avaliadas pela CAPES no triênio 2004-2006, quando se considera o fator de impacto dos periódicos nos quais se concentram a parcela mais significativa de artigos publicados (apresentando fator de impacto mediano de 2,01/ISI-JCR).

Na mesma grandeza, resultado de um conjunto de fatores extremamente positivos, reflexo de ações mobilizadoras da representação da Área da Farmácia na CAPES e no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e do compromisso firmado desta com o Ministério da Saúde (MS) em nortear a pesquisa, desenvolvimento e inovação farmacêutica para atender os objetivos do Sistema Único de Saúde (SUS), merece destaque a criação da Rede Brasileira de Ciências Farmacêuticas (RBCF), a qual foi referendada por unanimidade pelos Coordenadores dos Programas de Pós-Graduação da Área da Farmácia, em reunião realizada na CAPES, em junho 2008, em Brasília. Sob a égide da Associação Brasileira de Ciências Farmacêuticas (ABCF), a criação da RBCF representa um marco histórico por trazer consigo a necessidade premente de construirmos uma agenda de ações integradas e bem articuladas que visem o fortalecimento do segmento farmacêutico como um instrumento valioso e indispensável para progresso País. A RBCF está constituída por oito redes temáticas, a saber: Rede Brasileira de Assistência Farmacêutica e Vigilância Sanitária, Rede Brasileira de Avaliação da Atividade Biológica, Rede Brasileira de Biotecnologia Farmacêutica, Rede Brasileira de Nanotecnologia Farmacêutica, Rede Brasileira de Produtos Naturais Bioativos, Rede Brasileira de Síntese de Fármacos, Rede Brasileira de Tecnologia Farmacêutica e Controle de Qualidade, e Rede Brasileira de Toxicologia.

Neste contexto, compreendendo a importância e transversalidade do tema "fármacos, medicamentos e insumos para diagnósticos", está sendo organizado o Instituto Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação Farmacêutica (inct_if) cujo objeto é promover a formação dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) dentro do Programa criado pela Portaria do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) Nº 429, de 17 de julho de 2008. Estes Institutos deverão ocupar posição estratégica no SNCT/I.

Colocada a ênfase no saber, no saber-fazer e no saber-ser, o inct_if representa a oportunidade de integrar acepções e ações da Área das Ciências Farmacêuticas para construção conjunta de um projeto capaz de contribuir para as necessidades em insumos para a saúde no País. Para tanto, chamamos à atenção para as considerações dadas a seguir, sobre as quais se deve sustentar uma proposta de tal envergadura:

  • sabemos, de um lado, que a evolução dos cuidados de saúde e o surgimento de novos medicamentos contribuem para a melhoria permanente das condições de saúde da população;

  • de outro lado, os gastos com saúde vêm crescendo em ritmo acelerado, representando uma proporção crescente da renda nacional, preocupando usuários, governos e sociedade nos mais diversos países;

  • tais preocupações são particularmente graves no caso de países retardatários como o Brasil: o país não produz fármacos, mediamentos e insumos para diagnóstico suficientes para atender a demanda nacional, importando a totalidade dos princípios ativos e insumos com alto valor agregado de que necessita, amargando assim completa dependência externa neste setor econômico, com inequívocas implicações em termos da autonomia nacional, da balança comercial e do orçamento da saúde pública;

  • para superar este constrangimento, torna-se necessário incentivar atividades de pesquisa, desenvolvimento e transferência de tecnologia visando à inovação nas empresas nacionais de fármacos e medicamentos, assim como kits diagnósticos, promovendo a competitividade, de forma a diminuir riscos tecnológicos de inovação e estimular a ampliação das atividades inovadoras, inclusive àquelas resultantes de cooperação entre empresas nacionais e estrangeiras;

  • tal esforço é ainda mais urgente, sabendo-se que o mercado brasileiro de medicamentos está entre os dez maiores mercados do planeta, movimentando cerca de 8,5 bilhões de dólares por ano e se constituindo, portanto, em mercado atrativo para os grandes agentes nacionais e internacionais do setor. É preciso desenvolver competências para que o país e a sociedade brasileira tirem proveito do interesse por este mercado que têm as grandes multinacionais do setor farmacêutico;

  • todos os países que se desenvolveram e passaram a competir em melhores condições com os países avançados associaram uma indústria forte com uma base endógena de conhecimento, de aprendizado e de inovação. Dessa forma, um país que pretende chegar a uma condição de desenvolvimento e de independência requer, ao mesmo tempo, indústrias fortes e inovadoras, e um sistema de saúde inclusivo e universal;

  • todavia, na área da saúde essa visão é problemática, uma vez que os interesses empresariais se movem pela lógica econômica do lucro e não para o atendimento das necessidades da saúde. Com base em dados de comércio exterior tem-se demonstrado como a desconsideração da lógica do desenvolvimento nas políticas de saúde levou a uma situação de vulnerabilidade econômica do setor que pode limitar os objetivos de universalidade, eqüidade e integralidade. Nesse contexto, existiria uma ruptura cognitiva e política com as visões antagônicas que colocam, de um lado, as necessidades da saúde e, de outro, da indústria;

  • sendo assim, a questão da Saúde no Brasil perpassa o contexto do desenvolvimento nacional e da política industrial, além daquele relativo à produção de conhecimento e formação profissional. Se um dos elementos cruciais para o alcance da independência mencionada acima é a capacidade nacional de produção de fármacos, medicamentos e insumos para diagnóstico, entendemos que o desenvolvimento requer forte e contínua articulação entre os Estados, a Universidade e a Empresa: a construção de um complexo industrial e inovador em Saúde conduzida pela ação coordenada destes agentes sob a determinação das necessidades da população brasileira permite articular a lógica sanitária e do desenvolvimento econômico.

Do lado do governo, o Estado brasileiro já deu sinais de que está comprometido com esta meta de desenvolver competências tecnológicas e industriais nacionais para a produção de fármacos e medicamentos, considerando-se que:

  • a PNCTIS, parte integrante da Política Nacional de Saúde, formulada no âmbito do SUS, estabeleceu os parâmetros e disponibiliza recursos para o fomento à pesquisa;

  • a Política Industrial destacou a produção de fármacos entre as indústrias prioritárias para o país e, desde 2004, os empresários vêm contando com linhas de fomento coordenadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);

  • a Linha de Ação 9, do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação do MCT (PACTI 2007-2010) elegeu "Insumos para a Saúde" como prioridade estratégica por atuar de maneira decisiva para acelerar o desenvolvimento de um ambiente favorável à inovação nas empresas do complexo industrial da saúde;

Do lado acadêmico, sabemos que o país dispõe das competências de pesquisa necessárias para a realização de tais metas:

  • decorrente da política de pós-graduação e desenvolvimento científico que o país vem operacionalizando desde a década de oitenta, existem no Brasil inúmeros grupos de pesquisa que atuam no planejamento racional e síntese de substâncias biologicamente ativas candidatas a fármacos, bem como o seu desenvolvimento até medicamentos utilizando tecnologias farmacêuticas clássicas/robustas, nanotecnologia e biotecnologia;

  • esses grupos de pesquisa oferecem a base necessária indispensável que torna possível um projeto de tão grande importância;

  • proposto pela Andifes, começa a tomar forma o Programa de Apoio à Pós-Graduação das Instituições Federais de Ensino Superior (PAPG-IFES 2009-2012), cuja concepção se baseia em reduzir as assimetrias regionais, intra-regionais e entre estados, assim como aquelas existentes entre as áreas de conhecimento, por meio da pós-graduação. Deste modo, propõe-se a contribuir para o desenvolvimento científico, tecnológico e social da nação, em especial, apoiar as áreas prioritárias da PITCE-PDP e do PACTI;

  • finalmente, uma das iniciativas do governo federal direcionada para a cadeia produtiva farmacêutica foi a criação do Pólo Farmoquímico e de Biotecnologia de Pernambuco, criado para estimular a descentralização a produção técnica e científica e diminuição das assimetrias brasileiras que, ao lado de outras iniciativas semelhantes no país, incluindo os laboratórios públicos de produção de medicamentos, poderão atender no futuro prioritariamente a demanda do SUS.

O momento, como se vê, é oportuno para que se dê mais um e decisivo passo adiante, rumo à independência nacional no setor de fármacos, medicamentos e outros insumos para a saúde. Entendemos que a academia deve se associar ao esforço nacional de desenvolvimento da farmoquímica brasileira, sabendo que esta deve ser uma indústria intensiva em pesquisa e desenvolvimento e que vem intensificando suas interações com a pesquisa realizada em universidades e institutos oficiais. A nossa visão é de que o modelo de Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia adequa-se integralmente a esta necessária aproximação entre os três pilares do desenvolvimento de tal indústria num país de desenvolvimento retardatário como o Brasil: academia, indústria e governo.

Desta forma, a primeira grande iniciativa conjunta da área da Farmácia e outras áreas do conhecimento será a construção do inct_if, constituído por laboratórios associados em Redes Temáticas, o qual viria a ser, nesta visão, uma estrutura capaz de articular pesquisadores em redes integradas, para o desenvolvimento de pesquisas com aplicações tecnológicas concretas que possam contribuir para a construção e consolidação de um complexo industrial e inovador em saúde no país. Um esforço inicial, neste sentido, será o mapeamento dos insumos para a saúde nos quais o inct_if se concentrará a curto e médio prazo, seja por sua importância relativa ao perfil epidemiológico da população brasileira, seja sobre o impacto que causam sobre as contas públicas. Além de equipar laboratórios e oferecer infra-estrutura científica para os diversos grupos que se associaram a esta iniciativa, o inct_if não pode, assim, deixar de cobrir também a montagem de estruturas eficientes de transferência de tecnologia, de formatos variados: apoio para a criação de novas empresas de base tecnológica farmoquímica, farmacêutica e de produtos para diagnóstico, desenvolvimento de novos fármacos ou novas rotas tecnológicas em cooperação com empresas já existentes e laboratórios oficiais, licenciamento de tecnologias desenvolvidas pelas redes e formação de pessoal qualificado para equipar estruturas de pesquisa e desenvolvimento nos laboratórios públicos e privados. Uma unidade de suporte e proteção à propriedade intelectual mostra-se, assim, essencial, ao lado de um esforço de articulação interinstitucional capaz de associar este esforço aos instrumentos de fomento de organizações tais como o BNDES e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Intensa articulação internacional capaz de contemplar o intercâmbio científico e a inserção de empresas brasileiras em parques tecnológicos e mercados competitivos deverá também ser buscada.

Compreendemos, desta forma, que o inct_if será tanto mais efetivo, quanto mais articulado aos anseios da sociedade seus objetivos venham a ser. Daí a importância desta forte interação universidade-institutos de pesquisa-indústria-governo, com vistas à criação de novas tecnologias que cheguem efetivamente ao consumo da população. Com isso, não deixamos de considerar a importância da ciência básica, ao contrário entendemos ser essa absolutamente essencial e mesmo a razão da aproximação entre as grandes indústrias farmacêuticas e a academia em anos recentes. Mas entendemos que o modelo a ser estimulado pelo inct_if será um que requer esta interação, assim como o apoio da ciência ao desenvolvimento de uma indústria brasileira apoiada na excelência da ciência nacional.

Dulcineia Saes Parra Abdalla

Suely Lins Galdino

Ana Cristina Fernandes

Ivan da Rocha Pitta

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2008
  • Data do Fascículo
    Set 2008
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