Acessibilidade / Reportar erro

Malraux, la recherche de l'absolu

RESENHAS

Malraux, la recherche de l'absolu

Michaël de Saint-Créron

Paris: La Martinière, 2004

O livro de Michaël de Saint-Chéron é um livro de admiração: nasce de uma proximidade com Malraux e de uma longa intimidade com sua obra. Segundo o próprio autor, não se trata nem de uma biografia, nem de um ensaio universitário, pois tem por objetivo "apreender o percurso interior de um homem que, durante toda a sua vida, [...] não deixou de procurar a verdade, a ‘realidade absoluta’, depois da morte de Deus" (: 9-10). Por isso, convida-nos a acompanhar essa "aventura espiritual" em diferentes momentos de sua vida e de sua obra.

O livro se divide em oito partes. Na primeira, "Une jeunesse contre le colonialisme et le fascisme" [Uma juventude contra o colonialismo e o fascismo], trata-se do jovem escritor, de seu espírito independente e de sua formação autodidata. Acentua-se aí o surgimento de certos temas fundamentais em Malraux, como o sofrimento e a morte, apesar do tom um tanto "farfelu" desses primeiros escritos. Fala-se ainda das viagens de Malraux à Indochina, do caso das estátuas roubadas e do engajamento contra o colonialismo ao lado de Paul Monin, enfatizando-se o germe do pensamento revolucionário que sustentaria Les conquérants [Os conquistadores] e La condition humaine [A condição humana]. Em seguida, é a questão da luta contra o fascismo que constitui o interesse do pesquisador, que nos faz reviver alguns momentos significativos de L’espoir [A esperança] na Espanha de 1936.

A segunda parte, "La voix de la France" [A voz da França], ocupa-se do período da Resistência e da Brigada Alsácia-Lorena, e do engajamento político de Malraux pela libertação da França. A ação e as viagens do ministro do general De Gaulle pela difusão da cultura francesa constituem outro dos eixos da reflexão de Saint-Chéron.

Segue "La fascination pour Israel" [A fascinação por Israel], em que o autor, ao evocar a declaração de De Gaulle depois da guerra dos Seis-dias, diante da qual Malraux se calou, busca provar a admiração do escritor pelo povo judeu, embora confesse achar estranho seu silêncio em face do genocídio cometido pelo regime nazista e das revoltas dos judeus nos campos e nos guetos a partir de 1943: "Tratava-se, para ele, de uma esfera proibida da qual só os judeus podiam falar" (: 62). Só depois é que Malraux falará disso para denunciar as atrocidades dos campos de extermínio e para reafirmar "a misteriosa vontade de viver daqueles que foram confrontados com a barbárie" (: 64). O que o autor evidencia é a luta incessante do homem contra o Mal: "Não seria essa parte do homem a transcendência que habita a alma humana?" (: 65).

O capítulo "L’Inde éternelle" [A Índia eterna] permite a Saint-Chéron se estender sobre a idéia da busca "de um Absoluto inesgotável que transcenderia até o Ser", segundo as palavras de Malraux em Antimémoires [Antimemórias]. É a Índia, mais que qualquer outra civilização, o país que o fascinará sobremodo, sem que ele mesmo conheça a razão. O autor sublinha o encantamento de Malraux pela arte hindu e relembra que as grutas de Ellora e de Elephanta representaram, para ele, momentos privilegiados de revelação e de meditação, como se estivesse diante do mundo "que a arte transmite sem o desvelar", nas palavras do próprio escritor de Antimémoires. "Mas Malraux não tem a intenção de ‘conhecer’ o pensamento indiano", afirma Michaël de Saint-Chéron, citando Malraux: "Eu tentava captar os grandes rumores da Índia que me obsedavam" (: 86). Ao buscar acentuar a diferença entre hinduísmo e budismo, e entre a alma budista e a alma grega na visão de Malraux, o autor acaba por salientar a ruptura radical do autor de L’homme précaire et la littérature [O homem precário e a literatura] com a Índia e o budismo, pois afirma: "que a morte existe, e que só à morte responda a Crucifixão invoca o patético". Malraux recusa ou aceita o patético? Trata-se de uma questão que seria preciso nuançar.

O capítulo 5, "L’art, entre métamorphose et antidestin" [A arte entre metamorfose e antidestino], sublinha o interesse de Malraux pela arte desde sua juventude: sua relação com os pintores da época, a ação do ministro em prol da difusão da cultura e da arte com a criação das Casas de Cultura, a organização das grandes exposições, a contratação de artistas de renome para obras públicas, como as abóbadas da Ópera de Paris e do Teatro do Odeon, e, enfim, o empréstimo da Vênus de Milo e da Joconda a museus estrangeiros. A seguir, é da idéia central de La métamorphose des dieux [A metamorfose dos deuses] que trata: "que a obra de arte se metamorfoseia mas não é imortal" (: 98), questões que constituíram reflexões importantes dos escritos sobre a arte de Malraux (metamorfose, poder criador, antidestino, intemporal, sobrevida da arte etc). Examinando rapidamente os textos mais conhecidos do escritor de arte, o autor nos faz revisitar, entre outros, Les voix du silence [As vozes do silêncio], La psychologie de l’art [A psicologia da arte] e o famoso discurso da Fundação Maeght, apresentando ao mesmo tempo comentrários – contra e a favor – sobre a recepção da história da arte empreendida por Malraux, bem como as relações freqüentemente apontadas entre sua obra e a de certos filósofos, como Spengler, Kant, Benjamin e Hegel. É importante observar ainda as alusões à amizade de Malraux com alguns pintores, entre os quais Chagall, e os trechos de cartas inéditas, lidos com prazer.

O sexto capítulo, "Le sens du monde" [O sentido do mundo], ocupa-se do que Saint-Chéron chama de "a última descoberta capital no domínio do espírito" feita por Malraux: a biologia. Depois de salientar que Malraux "havia formulado várias críticas com relação à ciência" (: 123), pela qual só veio a interessar-se tardiamente, o autor, lembrando o discurso proferido na inauguração da Casa franco-japonesa de Tóquio, diz que "Malraux tivera a intuição de que a ciência, se destronava o homem no universo, reduzindo-o a um acidente, era também uma das vias pelas quais os homens podiam se aproximar na tomada de consciência universal da sobrevida da Terra" (: 128). Mas a seqüência do capítulo não me parece convencer que a biologia possa ser vista como um "novo antidestino", ao menos não vejo com clareza que papel atribuir à ciência no lugar de Malraux, salvo o de "tornar inteligível a espécie", de acordo com as palavras do próprio Michaël de Saint-Chéron (: 129).

O penúltimo capítulo diz respeito ao engajamento de Malraux em Bangladesh em 1971. O autor apresenta os fatos e a situação política que deram origem aos conflitos, sem esquecer as reações que as posições de Malraux puderam provocar. Por fim, a intervenção de Malraux na política internacional foi vista pela Índia e por Bangladesh como uma nova experiência da fraternidade, tal qual sua participação em 1936 em favor da República espanhola.

O último capítulo, intitulado "La mort et l’autre" [A morte e o outro], retorna à proposta inicial do texto e levanta o complexo problema da transcendência que atravessa a obra de Malraux e já ensejou interpretações muito diversas. A questão que permanece sem solução, a meu ver, é a do sentido dessa transcendência de que Malraux freqüentemente fala. Não acredito que se possa aliar com toda a simplicidade morte e transcendência, como se esses dois termos fossem sinônimos. Que Malraux tenha tido várias experiências da morte, sua biografia no-lo prova, e Michaël de Saint-Chéron no-lo mostra em suas páginas finais. Mas a consciência da morte e as tentativas de escapar a ela ou de transcendê-la (seja por uma crença ou pela meditação que o obseda no Oriente, seja pela arte cujo lado intemporal o fascina ou pelo legado da fraternidade que reúne os mesmos sentimentos universais do amor e da paz) são coisas que deveriam ser nuançadas.

Que significa a transcendência, um substituto desse homem e desse Deus mortos (desse Deus que ele escreve, no entanto, com maiúscula?) (: 10)? Que significa a fraternidade, um meio profano de comunhão entre os homens, a mensagem de um profeta e não de um Deus incarnado? Ainda não sei, na verdade, se é possível separar a transcendência do divino. Saint-Chéron se refere a uma "inesgotável busca de uma transcendência sem divino" que tendo a aceitar. Gosto do sintagma: "transcendência sem divino", mas não me parece tão evidente quanto para Baudelaire, por exemplo. Como justificar, então, esses textos impregnados de uma mística religiosa que a teologia católica não saberia recusar? Trata-se de uma contradição, de um pensamento que evolui em um vai-e-vem que se acentua, por exemplo, diante da morte, negando e aceitando Deus? Essa fascinação pela morte e o problema do Mal se aproximam de uma reflexão filosófica sobre o absurdo do mundo ou seria isso a marca de uma civilização herdeira do sofrimento e da cruz? Seria a transcendência a tentativa de escapar à fatalidade da morte, que leva o escritor, o artista e o combatente a procurar todas as soluções possíveis, mesmo que precárias e provisórias? "Se a morte não é um... caminho para Deus, não há talvez nada a dizer. Creio, entretanto, que há sempre lugar para a caridade... Não é ateu quem quer!", são palavras de Antimémoires que Saint-Chéron torna suas em seu texto (: 151). Tantas questões que me (nos) provocam!

Malraux, la recherche de l’absolu termina com a afirmação de que Malraux terá sido dominado até o fim pela transcendência: uma transcendência para uma "forma diferente de ser" (: 158). Essa transcendência fica por definir. Precisa ser definida. Tal qual o agnosticismo de Malraux. Tal qual o absoluto. Se Michaël de Saint-Chéron não nos traz todas as respostas, é que parece hesitar, também ele, diante da hesitação do próprio Malraux. O desafio é nosso.

Edson Rosa da Silva

[UFRJ]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Set 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: alea.ufrj@gmail.com