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Canibalismo literário: exotismo e orientalismo sob a ótica de Milton Hatoum

Resumos

Este artigo examina a apropriação realizada por Milton Hatoum, em Relato de um certo Oriente (1989) e Dois Irmãos (2000), do conceito de orientalismo de Edward Said (1990). Sustentamos a hipótese que o escritor manauara explora criticamente a distinção e separação entre Oriente e Ocidente que caracterizam os textos nomeados por Said de orientalistas, não essencializando essa diferenciação, mas antes brincando com ela. Hatoum indica-nos, assim, que as diferenças não são naturais, mas modificam-se através dos encontros e da convivência com o Outro. Também buscaremos expor a hipótese de que o escritor ocupa uma posição fronteiriça singular - dentro e fora do Oriente, do Ocidente e da Amazônia -, similar à de Said. Apresentaremos ainda o papel fundamental desempenhado por ele na difusão da obra do crítico no Brasil e, por fim, a importância, na sua formação, dos chamados textos orientalistas.

Hatoum; Said; orientalismo


This essay examines the appropriations of Edward Said's concept of orientalism by Miltom Hatoum in his novels Relato de um certo oriente (1989) and Dois Irmãos (2000). We develop the hypothesis that, as a native of the Amazonian city of Manaus, Hatoum critically explores the distinction and separation between East and West in the texts Said refers to as orientalist by playfully approaching rather than essentializing it. Hatoum thus indicates that, rather than being natural, the differences are transformed by encounters and by close contact with the Other. We explore the hypothesis that the writer assumes a singular border position - within and outside the East, the West and the Amazon - which is similar to that occupied by Said. We then discuss Hatoum's role in the diffusion of Said's work in Brazil and, finally, the importance of so-called orientalist texts in the author's academic background.

Hatoum; Said; orientalism


Cet article examine l'appropriation réalisée par Milton Hatoum, dans Relato de um certo Oriente (1989) et Dois Irmãos (2000), du concept d'orientalisme d'Edward Said (1990). Nous avons comme hypothèse que l'écrivain né à Manaus, en Amazonie, explore critiquement la distinction et la séparation entre l'Orient et l'Occident qui caractérisent les textes nommés par Said d'orientalistes, n'essencialisant pas pour autant cette différenciation, mais, au contraire, en jouant avec elle. Hatoum nous indique ainsi que les différences ne sont pas naturelles mais se modifient à travers les rencontres et la connaissance de l'Autre. Nous chercherons aussi à développer l'hypothèse selon laquelle l'écrivain occupe une position très singulière - à l'intérieur et à l'extérieur de l'Orient, de l'Occident et de l'Amazonie - comparable à celle de Said. Nous présenterons encore le rôle fondamental joué par lui dans la diffusion de l'oeuvre du critique au Brésil et, finalement, l'importance, dans sa formation intellectuelle, des textes connus comme orientalistes.

Hatoum; Said; orientalisme


Canibalismo literário: exotismo e orientalismo sob a ótica de Milton Hatoum

Daniela Birman* * Daniela Birman é jornalista e doutora em Ciência da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente faz pós-doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC-UFRJ), com bolsa do CNPq.

RESUMO

Este artigo examina a apropriação realizada por Milton Hatoum, em Relato de um certo Oriente (1989) e Dois Irmãos (2000), do conceito de orientalismo de Edward Said (1990). Sustentamos a hipótese que o escritor manauara explora criticamente a distinção e separação entre Oriente e Ocidente que caracterizam os textos nomeados por Said de orientalistas, não essencializando essa diferenciação, mas antes brincando com ela. Hatoum indica-nos, assim, que as diferenças não são naturais, mas modificam-se através dos encontros e da convivência com o Outro. Também buscaremos expor a hipótese de que o escritor ocupa uma posição fronteiriça singular - dentro e fora do Oriente, do Ocidente e da Amazônia -, similar à de Said. Apresentaremos ainda o papel fundamental desempenhado por ele na difusão da obra do crítico no Brasil e, por fim, a importância, na sua formação, dos chamados textos orientalistas.

Palavras-chave: Hatoum; Said; orientalismo.

ABSTRACT

This essay examines the appropriations of Edward Said's concept of orientalism by Miltom Hatoum in his novels Relato de um certo oriente (1989) and Dois Irmãos (2000). We develop the hypothesis that, as a native of the Amazonian city of Manaus, Hatoum critically explores the distinction and separation between East and West in the texts Said refers to as orientalist by playfully approaching rather than essentializing it. Hatoum thus indicates that, rather than being natural, the differences are transformed by encounters and by close contact with the Other. We explore the hypothesis that the writer assumes a singular border position - within and outside the East, the West and the Amazon - which is similar to that occupied by Said. We then discuss Hatoum's role in the diffusion of Said's work in Brazil and, finally, the importance of so-called orientalist texts in the author's academic background.

Key words: Hatoum; Said, orientalism.

RÉSUMÉ

Cet article examine l'appropriation réalisée par Milton Hatoum, dans Relato de um certo Oriente (1989) et Dois Irmãos (2000), du concept d'orientalisme d'Edward Said (1990). Nous avons comme hypothèse que l'écrivain né à Manaus, en Amazonie, explore critiquement la distinction et la séparation entre l'Orient et l'Occident qui caractérisent les textes nommés par Said d'orientalistes, n'essencialisant pas pour autant cette différenciation, mais, au contraire, en jouant avec elle. Hatoum nous indique ainsi que les différences ne sont pas naturelles mais se modifient à travers les rencontres et la connaissance de l'Autre. Nous chercherons aussi à développer l'hypothèse selon laquelle l'écrivain occupe une position très singulière - à l'intérieur et à l'extérieur de l'Orient, de l'Occident et de l'Amazonie - comparable à celle de Said. Nous présenterons encore le rôle fondamental joué par lui dans la diffusion de l'oeuvre du critique au Brésil et, finalement, l'importance, dans sa formation intellectuelle, des textes connus comme orientalistes.

Mots-clés: Hatoum; Said; orientalisme.

Um "certo oriente"

Ao longo da leitura do romance de estréia de Milton Hatoum, deparamo-nos com numerosas referências ao nosso imaginário sobre o Oriente, como suas iguarias típicas, a reza voltada para Meca, o aprendizado do árabe, a citação das Mil e uma noites, referências que serão mescladas à descrição e à narrativa sobre o povo, os costumes e a fauna do Amazonas. As culturas presentes em Relato de um certo Oriente1 1 A partir de então o romance poderá ser chamado apenas de Relato. ,*1 *1 (HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. Doravante, RCO: seguido da página correspondente.) são, portanto, de grande contraste, fáceis de atrair e de serem lidas ou transformadas em objetos exóticos - tanto na sua dimensão amazônica quanto na oriental.

Contudo, de modo geral, o escritor não explora a categoria do exótico, entendida aqui como uma espécie de barreira à experiência de encontro ou de conhecimento daquele que difere de nós; uma forma de ver o Outro que o cristaliza, enquadrando-o numa diferença inalcançável. Nesse contexto, se o exótico implica reconhecimento da diferença, ele prioriza a irredutibilidade desta no lugar da potencialidade do encontro; isso mesmo quando o indivíduo se deixa atravessar e perturbar pelo Outro. Como veremos, Hatoum não enfatiza esse olhar que congela e isola imagens do amazonense, do oriental ou do índio da região. Ele buscará antes explorar temas como o trânsito entre territórios, culturas, e criará personagens marcados por diferentes costumes.

Já o título do romance nos indica que não se trata de uma narrativa sobre "o" Oriente, mas que ela se origina de um "certo oriente". A escolha soa natural, afinal, a trama se passa em grande parte em Manaus, e não em terras orientais. O autor, entretanto, poderia ter optado por afirmar a existência de um "pedaço do Oriente", "puro", no território brasileiro, ao invés de apontar para seu caráter singular e permitir a interpretação - para quem sabe ou descobre que o romance narra a história de uma família libanesa no Brasil - da existência de uma miscigenação ou hibridização das culturas. Com efeito, este "certo Oriente" recriado por Hatoum não é natural nem possui uma essência, mas resulta de uma construção (seja esta entendida como fictícia ou não, caso o intérprete opte por uma leitura mais realista do livro). Situado no extremo Norte do Brasil, ele não constitui um universo fechado; é integrado por indivíduos de diferentes países, além de migrantes e amazonenses, de diversas etnias, que se afetam e se deixam afetar uns aos outros.

Além do título, o leitor se deparará ao longo de todo o livro com outros exemplos de que esse mundo criado pelo autor é único, não podendo ser reduzido a estereótipos sobre a Amazônia ou o Oriente. E a linha fronteiriça que o separa dos territórios vizinhos, nesse caso, só pode ser considerada fruto de uma constelação de vontades e acontecimentos, uma construção que não é visível (ao menos não com os olhos, como presença). Assim, diferentemente da narradora do Relato, que procurou "ver", do rio ou à grande altura, sua cidade, outra voz do romance, ao nos relatar sua chegada ao Amazonas, enfatiza o caráter arbitrário desta linha divisória:

"A viagem terminou num lugar que seria exagero chamar de cidade. Por convenção ou comodidade, seus habitantes teimavam em situá-lo no Brasil; ali, nos confins da Amazônia, três ou quatro países ainda insistem em nomear fronteira um horizonte infinito de árvores." 2 2 Trata-se da voz do marido de Emilie, personagem sem nome que, ao lado dela, criou a narradora do Relato e seu irmão. Indicamos que o trecho citado está entre aspas por já integrar, no romance, uma citação. Repetiremos esse procedimento ao longo do artigo, pois consideramos significativo o fato de a quase totalidade do texto do Relato encontrar-se isolada por esse sinal de pontuação. E assim o leitor poderá identificar, em cada uma das citações, aquelas que estão num capítulo do livro abrangido por aspas. Do mesmo modo, quando o trecho destacado do romance de Hatoum for menor do que três linhas (e já constituir uma citação no interior do romance), ele aparecerá aqui duas vezes entre aspas. Ressaltamos que também fazemos questão de inserir colchetes no início e/ou no final do trecho destacado para enfatizarmos sua localização no interior de uma longa citação. ,*2 *2 (RCO: 71.)

Nesse contexto, gostaríamos de sugerir e sustentar a hipótese de que Hatoum explora e brinca no Relato - procedimento ao qual dará prosseguimento em Dois irmãos*3 *3 (HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Doravante, DI: seguido da página correspondente.) - com a diferenciação e a separação entre Oriente e Ocidente que marcam os textos nomeados por Edward Said de orientalistas. Esta distinção foi incorporada ao nosso olhar, discurso e conhecimento sobre esse imenso território que constituímos como nosso Outro - e cuja oposição a nós está, portanto, na base de nossa "identidade ocidental". O sentido mais amplo de orientalismo é assim descrito por Said:

[...] um estilo de pensamento baseado em uma distinção ontológica e epistemológica feita entre o "o Oriente" e (a maior parte do tempo) "o Ocidente". Desse modo, uma enorme massa de escritores, entre os quais estão poetas, romancistas, filósofos, teóricos políticos, economistas e administradores imperiais, aceitou a distinção básica entre Oriente e Ocidente como ponto de partida para elaboradas teorias, épicos, romances, descrições sociais e relatos políticos a respeito do Oriente, dos seus povos, costumes, "mente", destino e assim por diante.*4 *4 (SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990: 14. )

Said refere-se ainda a outros dois sentidos do termo, os quais não trabalharemos aqui, mas que consideramos importante lembrar por serem todos os três entendidos como interdependentes. Estes se dirigem à dimensão acadêmica (todos professores e pesquisadores do oriente seriam, assim, orientalistas) e àquela institucional do orientalismo, cujas "raízes" podem ser localizadas, sem muito rigor, no final do século XVIII. Neste último caso, o orientalismo seria entendido também como uma "instituição organizada para negociar com o Oriente [...], como um estilo ocidental para dominar, reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente."*5 *5 (Ibidem: 15.)

Como James Clifford nos chama a atenção em ensaio sobre o título de Said, segundo as duas últimas acepções do termo aqui citadas, o orientalismo diz respeito e preocupa-se com um suposto Oriente, ao passo que, de acordo com o primeiro sentido, ele "existe meramente como a construção de uma operação mental questionável."*6 *6 (CLIFFORD, James. "On orientalism". The predicament of culture. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1988: 260. Nós traduzimos.) E será, pois, essa operação mental, assim como seu questionamento radical realizado por Said, que nos interessará aqui, operação que constitui o ponto de partida de qualquer estudo, discurso ou ficção que se produz sobre o Oriente - o que não significa, porém, que estes necessariamente a aceitem.

Negociações, influências e intertextualidade

Embora consideremos que Hatoum parta, no Relato, desta separação e diferenciação entre Oriente e Ocidente, é fundamental enfatizarmos que ele não a essencializa nem se refere a ela de modo acrítico, mas antes brinca com a distinção, mostrando-nos como as diferenças não são dadas, podendo-se alterar no convívio com os outros, e como os personagens, comportamentos e hábitos existentes no território único que ele constrói não podem ser submetidos a um olhar redutor ou a uma imagem estereotipada. Desse modo, a interpretação desse universo particular deve levar em conta o trânsito entre as culturas (questionando, portanto, a suposta "separação" existente entre estas) e o ato político implicado na eleição de imagens como símbolo de um mundo tão heterogêneo. Deve, portanto, considerar as culturas, segundo Clifford, "não como organicamente unificadas ou tradicionalmente contínuas, mas antes como negociadas [...]."*7 *7 (Ibidem: 273. Tradução e grifo nossos.)

Dessa forma, neste "certo Oriente", Emilie, a matriarca libanesa da família, cristã fervorosa, casa-se com um muçulmano, o que a leva a viver desavenças e arranca-rabos com o marido. Nada, porém, que abale o casamento, ganhe dimensões trágicas ou ultrapasse o âmbito da briga de casal. Os dois chegam, antes do casamento, a fazer ""[...] um pacto para respeitar a religião do outro, cabendo aos filhos optarem por uma das duas ou por nenhuma [...]"".*8 *8 (RCO: 69.) E o vigor com o qual cada um dedica-se à sua crença não impede que o espaço do quarto conjugal seja partilhado por imagens das duas religiões. Assim, no cômodo do casal, estátuas de santos convivem com um tapete do qual Emilie não tinha conhecimento

"[...] [de que] a geometria dos desenhos simbolizava a criação [...]. E que bem no centro do tapete, num meio círculo desbotado pelo contato assíduo de um corpo agachado para orar, havia uma caixa ou um cofre que encerra o Livro das Revelações, representado por um pequeno quadrado amarelo. [...]"*9 *9 (RCO: 44.)

O casal não se adéqua, portanto, ao estereótipo de intolerância e guerra entre cristãos e muçulmanos integrante da visão comumente aceita do Oriente e do Líbano, parecendo antes um exemplo irônico e crítico deste estereótipo, ou uma referência à difundida imagem da tolerância religiosa nacional. E as brigas, os acessos e os revides entre os dois, incluindo o pacto de respeito pela crença do outro, podem ser lidos como integrantes das negociações às quais nos referimos acima, constitutivas das identificações culturais e pessoais.

Uma dessas desavenças se iniciou num remoto Natal, quando o marido de Emilie se enfureceu com o método empregado para a matança dos carneiros, que morriam vagarosamente após terem sido embriagados e estrangulados. Segundo ele, um martírio que ""só pode ser obra de cristão"".*10 *10 (RCO: 36.) Emilie empregou duas estratégias para lidar com a revolta do marido. Num primeiro momento, agiu de modo conciliador. Embora ele tenha abandonado a casa na noite da grande celebração cristã e destruído imagens de santos e do menino Jesus pertencentes a ela, encarregou a empregada, logo no dia seguinte do desentendimento, de sair em busca dele:

"[...] Durante o tormento da madrugada [depois da saída do marido de casa e de Emilie já ter descoberto a destruição de suas preciosas estátuas] ela não esquecera de separar para ele uma travessa de comida e uma bandeja de doces, frutas secas e uma cumbuca cheia de compota de goiaba. Ela cochichava à empregada que o rancor de um homem apaixonado se amaina com carinho e quitutes. [...]."*11 *11 (RCO: 46.)

Após o retorno para casa, a desavença continua, mas perde o peso e a gravidade. Durante dias, Emilie terá seus santos ocultados pelo marido. E Hakim, seu filho mais velho, lhe revelará, cotidianamente, o local do esconderijo. Desta vez, porém, ela revidará a provocação na mesma moeda, mudando, dessa forma, de estratégia. Emilie esperará o mês sagrado dos muçulmanos, o Ramadã, para esconder o "Livro":

"[...] Ela esperou com paciência o mês de junho, e na manhã do vigésimo sétimo dia as portas da Parisiense foram trancadas com ferrolho e cadeado. A casa e a loja se tornaram um cárcere sem luz onde meu pai procurava encontrar às cegas os quatro anjos da Glorificação e as vinte e oito casas lunares onde habitam o alfabeto e o homem na sua plenitude. [...]."*12 *12 (RCO: 48.)

A estratégia parece dar resultado, pois ao menos esse episódio não tem mais nenhum prolongamento citado no romance. E como demonstramos, o diálogo entre o cristianismo e o islamismo fervorosos de nossos personagens pode ser interpretado como uma negociação a partir da qual eles se desentendem, provocam-se e chegam a acordos - provisórios, como todos, mas, na maior parte das vezes, pacíficos.

Já a imagem da tolerância religiosa brasileira se fará presente no comportamento da matriarca, que adere a "superstições" da Amazônia e cumpre uma promessa, após a morte do irmão, que tem ares do conhecido sincretismo religioso nacional (prática que implica ao menos uma parcela da mencionada tolerância). Assim, a cada ano, na data de aniversário da morte do irmão, Emilie, depois de caminhar até a igreja, onde ""[...] orava os responsos de Santo Antônio [...]"",*13 *13 (RCO: 85.) seguia até o local em que Emir se suicidou, na ""[...] boca do igarapé dos Educandos, onde jogava na água um vaso com flores e um retrato do irmão. [...]""*14 *14 (RCO: 85.)

O vínculo entre este "certo Oriente" e aquele retratado em Dois Irmãos é traçado pelo próprio Hatoum, com discrição. Logo no início do segundo romance do autor, o narrador faz referência a uma "amiga quase centenária"*15 *15 (DI: 12.) de Zana, a mãe libanesa dos gêmeos do livro, cuja história de ódio o narrador nos transmite. Internada numa clínica, pouco antes de morrer, Zana perguntou em árabe, para a filha e a tal amiga, se os dois filhos se haviam reconciliado. Já quase no final do romance, no antepenúltimo capítulo, a intertextualidade entre os dois títulos é explicitada pelo autor com a breve aparição da personagem Emilie, do Relato, sugerindo-nos ser ela a amiga citada no início do livro:

"Não quero ver mais ninguém", dizia Zana quando batiam na porta. Só com uma visita ela foi paciente: a velha matriarca Emilie, que raramente passava em casa. Quando aparecia, Emilie ouvia tudo, todos os lamentos, e depois falava em árabe, a voz alta, mais tranqüila, sem alarde. Ouvi aquela voz: os sons atraentes e estranhos de sua melodia; e vi aquela mulher, ainda tão forte no fim da vida [...].*16 *16 (DI: 249-250.)

Se Hatoum expressa claramente assim a ligação entre os dois romances, indicando que a leitura do segundo leva àquela do primeiro, outros vínculos e semelhanças entre as duas obras já sugerem que elas tratam do mesmo território singular, "ficcionalizado" pelo autor. E embora no segundo título as referências ao Oriente surjam de modo mais esparso e com menos imponência, elas continuam a se mesclar aos sons, aos cheiros e às iguarias amazônicas, como no Relato. A família retratada em Dois Irmãos também é formada por mãe cristã e pai muçulmano. E se nesta trama eles não enfrentam entre si conflitos referentes à diferença religiosa, deparam-se com resistências externas, pois as cristãs maronitas da cidade

não aceitavam a idéia de ver Zana casar-se com um muçulmano. Ficavam de vigília na calçada do Biblos [restaurante do pai de Zana], encomendavam novenas para que ela não se casasse com Halim. Diziam a Deus e o mundo fuxicos assim: que ele era um mascateiro, um teque-teque qualquer, um rude, um maometano das montanhas do sul do Líbano que se vestia como um pé-rapado [...].*17 *17 (DI: 52.)

Ao decidir aceitar a proposta de casamento, Zana impôs suas condições, negociou: "tinham de casar diante do altar de Nossa Senhora do Líbano, com a presença das maronitas e católicas de Manaus."*18 *18 (DI: 53.) E se Halim aceitou os termos propostos, também encontrou uma forma de dar o troco nas ratas de igreja durante a cerimônia, celebrada na Nossa Senhora dos Remédios. Ainda no altar, tascou um beijo voraz em sua esposa, demonstrando falta de recato e de reverência tanto ao padre quanto às beatas.

Os encontros (e as trocas) do "Oriente" com o "Ocidente" permeiam os dois romances de Hatoum até no vocabulário selecionado. Com efeito, ambos os livros amalgamam termos originados do árabe (azáfama, alpercata, alforje, sufi, açucena), outros vindos do tupi (curica, caboclo, tucum), palavras típicas do Amazonas ou das regiões Norte e Nordeste, provenientes ou não do tupi (cunhantã, chichuta, curumim, maracajá), além de uma grande variedade de nomes próprios e termos que designam guloseimas e frutos característicos (esfiha, tâmara, tabule, cupuaçu).3 3 Evidentemente, seria necessário um estudo minucioso do vocabulário empregado no Relato e em Dois Irmãos para dar conta da diversidade de origem dos termos, além do uso de palavras estrangeiras e de nomes próprios. Não pretendemos com esses exemplos realizar nem muito menos esgotar tal estudo, mas apenas indicar a riqueza e hibridez deste vocabulário. Por meio desta reunião de palavras de diferentes origens, Hatoum parece nos indicar como as falas de seus personagens são dificilmente separáveis, pois não são enunciadas por identidades estanques. Ele ressalta ainda assim que tal hibridez vocabular integra nosso cotidiano sem que muitas vezes nem percebamos. Afinal, lembra-nos Hatoum em ensaio sobre Manaus, no qual enfatiza a presença nem sempre notada da cultura indígena nas cidades amazônicas: "Basta pronunciarmos o nome de uma fruta, de um peixe, de uma árvore, ou o nome de uma cidade (Manaus), para que reacenda em nós uma chama dessa tradição indígena, dessa ausência que nos anima e que, mesmo à revelia, se faz presente e presença".*19 *19 (HATOUM, Milton. "Amazonas - Capital Manaus". In: NUNES, Benedito. Crônica de duas cidades. Belém: Secult, 2006: 52. )

Quem fala

Gostaríamos de lembrar três dados biográficos de Hatoum relacionados a seu vínculo com o Oriente e com o chamado orientalismo. Consideramos, assim, profícuo manter presentes algumas informações elementares sobre "quem fala", sob a condição de não procurarmos aplicar ou adequar essas informações à interpretação dos romances; explicar a obra pela biografia do autor. Nesse contexto, não pretendemos, ao apresentar esses dados, examinar ou imaginar supostos sentimentos, intenções ou modos de subjetivação do escritor. Essas observações biográficas serão feitas no sentido de apontar o lugar de partida dos romances.

A primeira dessas informações constitui a ascendência árabe de Hatoum. O escritor é filho de mãe amazonense de origem libanesa, cristã, e de pai libanês, muçulmano. Durante cinqüenta anos, seu pai levou sua mãe à igreja aos domingos. Isso não o afastou, contudo, do hábito de rezar o Alcorão. Impossível esquecer, nesse contexto, a caracterização dos casais das famílias nucleares dos dois primeiros romances do autor. Ao relatar essas lembranças, Hatoum critica o estereótipo preconceituoso que reduz diferentes sociedades a uma imagem de intolerância e radicalidade:

Sempre vi meu pai levando minha mãe à igreja. Ele esperava no carro e depois voltavam os dois para casa. [...] minha mãe conta que quando foi a Beirute e quis conhecer uma igreja importante, os parentes do meu pai, que são muçulmanos, a levaram para a igreja. Há um clichê, um estereótipo de que o Islã é intolerante, radical. Isso é um discurso forjado. Você não pode colocar um bilhão de muçulmanos no mesmo balaio.*20 *20 ("O arquiteto da memória". 11 out. 2004. Disponível em: http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,1355392,00.html. Acesso em: 11 maio 2007. )

Nascido em Manaus, Hatoum viveu nesta cidade até os quinze anos, quando se mudou para Brasília (onde morou nos turbulentos anos de 68 e 69) e depois ganhou o mundo. O autor passou os anos 1970 em São Paulo (cidade na qual se formou em arquitetura) e viveu ainda em Barcelona, Madri e Paris. Após dezoito anos fora, em 1984 retornou a Manaus, onde foi professor da Universidade Federal do Amazonas. Em 1999, depois de cerca de quinze anos, deixou a cidade de novo. Desde então, mora em São Paulo. Em seu percurso, Hatoum viveu ainda em outros locais, dentro e fora do Brasil, como Taubaté, onde foi professor de uma faculdade de arquitetura, e os Estados Unidos, país para o qual viajou como escritor-residente de Berkeley, Stanford e Yale.*21 *21 (cf. PIZA, Daniel. "Relato de um certo Hatoum". O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 mar. 2001. Caderno 2: 6-7; TOLEDO, Marleine Paula Marcondes e Ferreira de. Milton Hatoum: itinerário para um certo relato. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006; ERCILIA, Maria. "Milton Hatoum em entrevista". Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 nov. 1990. Revista d': 4-8. )

Através da apresentação deste resumo biográfico, procuramos mostrar que o escritor ocupa uma posição singular - podendo, evidentemente, ser explorada com maior ou menor intensidade por ele, radicalizada ou minimizada. Dependendo do ponto de vista, Hatoum pode ser visto como um ocidental; como um brasileiro ou amazonense (se quisermos enfatizar a diferença desse estado em relação ao resto do país); como um oriental nascido no Brasil; ou como um cidadão cosmopolita que viveu em grandes metrópoles (morando numa delas hoje). Não há, porém, por que priorizar um desses pontos de vista em detrimento dos outros, de modo que preferimos supor que ele incorporou todas essas influências. Filtrando-as, claro.

De acordo com essa perspectiva, Hatoum poderá se localizar ao mesmo tempo dentro e fora do Oriente, constituir-se simultaneamente como um ocidental e um oriental a olhar o Oriente.4 4 Ressaltamos que se trata de uma opção, visto que ele pode sempre investir numa determinada identificação e fechar-se para outras; opção, contudo, que além de nos parecer ter sido a sua e constituir aquela que ele defende publicamente, se faz sem dúvida mais presente na sua vida do que na daqueles que sempre viveram num mesmo lugar, pátria também de seus familiares. Posição similar, lembramos, à do crítico palestino Edward Said. Como se sabe, Said nasceu em Jerusalém, estudou em escolas de língua inglesa e se formou nos Estados Unidos, onde foi professor em Columbia e se engajou na causa palestina. A duplicidade deste intelectual, que não pode ser inteiramente identificado nem ao mundo ocidental nem ao oriental sem que se perca grande parte da riqueza de sua crítica e de sua fala, se faz presente em seu próprio nome, tal como ele mesmo observa, com humor:

[...] levei quase cinqüenta anos para me acostumar, ou, mais exatamente, para me sentir menos desconfortável, com "Edward", um nome ridiculamente inglês atrelado à força ao sobrenome inequivocamente árabe Said. Verdade que minha mãe me explicou que eu havia recebido o nome Edward em homenagem ao príncipe de Gales, que fazia bela figura em 1935 [...], e que Said era o nome de vários tios e primos. [...] Durante anos, dependendo das circunstâncias específicas, eu pronunciava rapidamente o "Edward" e enfatizava o "Said"; em outras ocasiões, fazia o contrário, ou então juntava um nome no outro de modo tão rápido que nenhum dos dois soava claro. A única coisa que eu não podia tolerar [...] era a reação descrente e [...] desalentadora: Edward? Said?*22 *22 (SAID, Edward W. Fora do lugar. São Paulo: Companhia das Letras, 2004: 19-20. )

Já Hatoum fez uma declaração semelhante à do crítico, em entrevista concedida a José Castello: "Estou marcado por essa dualidade: dois países, duas línguas, duas culturas, duas religiões".*23 *23 (CASTELLO, José. "Milton Hatoum reclama a volta da indignação". O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 nov. 1998. Caderno 2: 4. ) E da mesma forma que ele pode se localizar no limiar do Oriente, também tem a possibilidade de se posicionar simultaneamente dentro e fora da Amazônia, pois nasceu e viveu lá, mas sempre na condição de filho de pai estrangeiro e de mãe de origem libanesa. Nesse contexto, a tal separação e distinção aceita entre Oriente e Ocidente torna-se problemática, ou ao menos questionável, visto que o autor é constituído por encontros, choques e intercâmbios entre diferentes culturas, podendo perceber que esse tal "Oriente" só existe e só é construído a partir do contato e dos jogos de força que são estabelecidos com o "Ocidente". A fronteira, logo, é inventada, e pode sempre mudar de lugar. Ou, como o próprio escritor afirma, em artigo de 1996: "[...] as culturas circulam e perambulam tanto quanto Ibn Battuta, o viajante incansável, o maior escritor-andarilho do mundo árabe."*24 *24 (HATOUM, Milton. "Diálogo entre mundos". Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 mar. 1996. Caderno Mais!: 5. )

Este posicionamento de Hatoum também é similar ao dos narradores romanescos criados por ele5 5 Referimo-nos aqui à narradora principal do Relato, personagem anônima, a Nael, narrador de Dois Irmãos, e a Lavo, principal narrador de Cinzas do Norte. (HATOUM, Milton. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.) - embora, não custa lembrar, não afirmemos com isso que ele seja "causa" ou "explique" a criação desses personagens. Estes últimos podem, pois, ser caracterizados como fronteiriços - situados entre uma cidade e outra; entre a casa e a rua; a família e fora dela -, localização propícia à crítica aos limites aceitos como naturais e constitutivos de nosso saber, discursos e práticas, e à indagação sobre possibilidade de narrar, que poderá levar à verticalização da linguagem e à reflexividade do romance.

A segunda informação que consideramos pertinente ressaltar consiste no forte vínculo e conhecimento de Hatoum da obra de Said - o que reforça a hipótese de que o escritor faz referência à tese sobre orientalismo defendida pelo crítico palestino, porém, não pode servir como uma espécie de "prova" a esta hipótese. Contudo, o escritor manauara não constitui mero leitor de Said, tendo desempenhado papel significativo na difusão da obra dele no Brasil. É ele, por exemplo, quem assina as orelhas da edição citada de Orientalismo, além de aparecer nessa publicação brasileira como o nome responsável pela sua indicação editorial. Logo após os ataques terroristas do 11 de Setembro de 2001, Hatoum recomendou publicamente a leitura deste livro de Said, considerado por ele "fundamental para se compreender o que estamos vivendo".*25 *25 ("A bibliografia básica da crise". Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 set. 2001. Suplemento Idéias: 1. ) O título, segundo ele, torna-se "atualíssimo" depois dos mencionados ataques e do decorrente agravamento do racismo contra os árabes e o mundo islâmico: "Vivemos em mundos misturados. Separar é para dominar, como faziam os portugueses e espanhóis no processo de colonização. Esta falta de compreensão do que é diferente é o caminho mais direto para a intolerância e para o racismo",*26 *26 (Ibidem.) afirmou.

Mais recentemente, Hatoum selecionou os textos de Said reunidos em Reflexões sobre o exílio e outros ensaios*27 *27 (SAID, Edward W. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. ) e traduziu outro título do autor, Representações do intelectual,*28 *28 (Idem. Representações do intelectual: as Conferências Reith de 1993. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. ) sobre o qual ainda escreveu um artigo, publicado após a morte do crítico numa obra em sua homenagem.*29 *29 (cf. HATOUM, Milton. "Edward Said e os intelectuais". Em: CLEMESHA, Arlene (org.). Edward Said: trabalho intelectual e crítica social. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2005: 29-33. ) Nesse ensaio, o escritor expressa sua admiração por Said, cujo trabalho intelectual não poderia ser desvinculado de sua atividade como militante da causa palestina, e apresenta brevemente as influências diretas exercidas sobre o crítico, no título em questão, por três intelectuais: Sartre, Gramsci e Adorno. E é ao falar deste último e da inspiração que ele despertou em Said, com seu Mínima Moralia, que Hatoum aborda a temática do exílio. Para o escritor, a condição de exilado de Said "alimentou" sua produção intelectual, incluindo aí a elaboração do seu Orientalismo:

A dúvida reiterada, a ausência de uma verdade absoluta, a instabilidade dos que não têm uma pátria ou nacionalidade, tudo isso ele reivindica não apenas ao exilado, mas também àqueles (todos nós) que podem refletir sobre a questão do exílio e de alguma forma sentir ou assimilar a angústia, o desespero e a aflição de quem não pode regressar ao seu lar e país.*30 *30 (Ibidem: 32.)

Contudo, não é somente com a cultura árabe e com a obra de Said que Hatoum mantém intimidade, mas também com os textos orientalistas dos quais esta última trata. Em depoimento publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 1991, ele nos conta que sua aprendizagem da cultura árabe-amazonense, à qual era vinculado afetivamente, cresceu através de leituras sobre esses dois universos tão distintos, incluindo aí os chamados títulos orientalistas. Nesse contexto, lembramos, embora o escritor possa questionar ou manter um posicionamento crítico em relação à rígida separação entre Ocidente e Oriente e à essencialização redutora desses universos marcados pela heterogeneidade, ele, como qualquer outro indivíduo, não pode negar a invenção dessa distinção como parte integrante e ativa de seu saber e de seu ser, assim como Said, por exemplo, frisou a dimensão pessoal de seu estudo, relacionada ao fato de ele "ter sido constituído como 'um oriental'".*31 *31 (SAID, Edward W. Orientalismo. Op. cit.: 37.) Ele pode, porém, além de perceber como essa separação é construída, não natural, incorporar e se nutrir dos encantos e das diferenças, proveitosos não apenas para a formação de novos discursos e crenças, mas também para a desintegração de antigos hábitos e saberes - dissolução, desse modo, dos velhos limites. Nesse contexto, ele assimilaria o que fosse de seu interesse (e, claro, estivesse a seu alcance), como num "ritual de canibalismo literário". Hatoum escreve, nesse sentido:

Eu apreciava alguns escritores europeus que, sintonizados com o renascimento oriental, escreveram obras que valorizam a cultura "excêntrica", em oposição a uma cultura que se pretende mais complexa e artificial, produzida no "centro", na Europa. Nossas peregrinações ao Oriente procuravam às vezes uma outra pátria, ou um lugar ideal para o sonho e o devaneio, como alguém que busca na paisagem estrangeira o avesso da casa em que habita. Para Gérard Nerval, o Egito é um país de mistérios e enigmas [...]. Outras vezes esses escritores se armam de um projeto etnocêntrico, em que a glória pessoal de uma descoberta geográfica se mescla aos serviços prestados à pátria. O projeto literário serve ao expansionismo colonial. [...] Diante de textos tão díspares, fiz como um leitor que pratica um ritual de canibalismo literário, assimila o que lhe dá prazer. Com isso, quero dizer que a literatura árabe foi tão importante quanto os textos orientalistas, e esse duplo interesse residia sobretudo no encanto da linguagem, como nos contos de As mil e uma noites ou na Viagem ao Oriente, de Nerval.*32 *32 (HATOUM, Milton. "Mil e uma noites em busca de um estilo". O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 out. 1991. Cultura: 1. )

Canibal literário, Hatoum mescla e filtra diferentes imagens, referências e citações das culturas árabe e amazônica, criando em seus dois primeiros romances um universo singular no qual habitam as respectivas famílias de ascendência libanesa que ocupam o centro das suas tramas. Universo este que, com suas diferenças e peculiaridades, atrai o leitor das outras regiões do país, mas com o qual este leitor também estabelece identificações e se deixa afetar tanto pelo encanto quanto pelo horror que são capazes de despertar as evocações da nossa imagem. Pois, como Hatoum explicitará em sua obra, o encontro e a mútua influência entre as diferenças, dos quais tratamos aqui, não implicam, infelizmente, na concretização das idéias de igualdade ou justiça.

Recebido em 24/04/2008

Aprovado em 30/06/2008

  • *1 (HATOUM, Milton. Relato de um certo Oriente. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
  • *3 (HATOUM, Milton. Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
  • *4 (SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990: 14.
  • *6 (CLIFFORD, James. "On orientalism". The predicament of culture. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1988: 260.
  • *19 (HATOUM, Milton. "Amazonas - Capital Manaus". In: NUNES, Benedito. Crônica de duas cidades. Belém: Secult, 2006: 52.
  • *20 ("O arquiteto da memória". 11 out. 2004. Disponível em: http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,1355392,00.html. Acesso em: 11 maio 2007.
  • *21 (cf. PIZA, Daniel. "Relato de um certo Hatoum". O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 mar. 2001. Caderno 2: 6-7;
  • TOLEDO, Marleine Paula Marcondes e Ferreira de. Milton Hatoum: itinerário para um certo relato. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006;
  • ERCILIA, Maria. "Milton Hatoum em entrevista". Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 nov. 1990. Revista d': 4-8.
  • *22 (SAID, Edward W. Fora do lugar. São Paulo: Companhia das Letras, 2004: 19-20.
  • *23 (CASTELLO, José. "Milton Hatoum reclama a volta da indignação". O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 nov. 1998. Caderno 2: 4.
  • *24 (HATOUM, Milton. "Diálogo entre mundos". Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 mar. 1996. Caderno Mais!: 5.
  • *25 ("A bibliografia básica da crise". Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 set. 2001. Suplemento Idéias: 1.
  • *27 (SAID, Edward W. Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
  • *28 (Idem. Representações do intelectual: as Conferências Reith de 1993. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
  • *29 (cf. HATOUM, Milton. "Edward Said e os intelectuais". Em: CLEMESHA, Arlene (org.). Edward Said: trabalho intelectual e crítica social. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2005: 29-33.
  • *32 (HATOUM, Milton. "Mil e uma noites em busca de um estilo". O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 out. 1991. Cultura: 1.
  • 5 Referimo-nos aqui à narradora principal do Relato, personagem anônima, a Nael, narrador de Dois Irmãos, e a Lavo, principal narrador de Cinzas do Norte. (HATOUM, Milton. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.)
  • *
    Daniela Birman é jornalista e doutora em Ciência da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente faz pós-doutorado no Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC-UFRJ), com bolsa do CNPq.
  • *1
    (HATOUM, Milton.
    Relato de um certo Oriente. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. Doravante, RCO: seguido da página correspondente.)
  • *2
    (RCO: 71.)
  • *3
    (HATOUM, Milton.
    Dois irmãos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. Doravante, DI: seguido da página correspondente.)
  • *4
    (SAID, Edward W.
    Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1990: 14. )
  • *5
    (Ibidem: 15.)
  • *6
    (CLIFFORD, James. "On orientalism".
    The predicament of culture. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1988: 260. Nós traduzimos.)
  • *7
    (Ibidem: 273. Tradução e grifo nossos.)
  • *8
    (RCO: 69.)
  • *9
    (RCO: 44.)
  • *10
    (RCO: 36.)
  • *11
    (RCO: 46.)
  • *12
    (RCO: 48.)
  • *13
    (RCO: 85.)
  • *14
    (RCO: 85.)
  • *15
    (DI: 12.)
  • *16
    (DI: 249-250.)
  • *17
    (DI: 52.)
  • *18
    (DI: 53.)
  • *19
    (HATOUM, Milton. "Amazonas - Capital Manaus". In: NUNES, Benedito.
    Crônica de duas cidades. Belém: Secult, 2006: 52. )
  • *20
    ("O arquiteto da memória". 11 out. 2004. Disponível em:
  • *21
    (cf. PIZA, Daniel. "Relato de um certo Hatoum".
    O Estado de S. Paulo, São Paulo, 26 mar. 2001. Caderno 2: 6-7; TOLEDO, Marleine Paula Marcondes e Ferreira de.
    Milton Hatoum: itinerário para um certo relato. São Paulo: Ateliê Editorial, 2006; ERCILIA, Maria. "Milton Hatoum em entrevista".
    Folha de S. Paulo, São Paulo, 25 nov. 1990. Revista d': 4-8. )
  • *22
    (SAID, Edward W.
    Fora do lugar. São Paulo: Companhia das Letras, 2004: 19-20. )
  • *23
    (CASTELLO, José. "Milton Hatoum reclama a volta da indignação".
    O Estado de S. Paulo, São Paulo, 14 nov. 1998. Caderno 2: 4. )
  • *24
    (HATOUM, Milton. "Diálogo entre mundos".
    Folha de S. Paulo, São Paulo, 10 mar. 1996. Caderno Mais!: 5. )
  • *25
    ("A bibliografia básica da crise".
    Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 set. 2001. Suplemento Idéias: 1. )
  • *26
    (Ibidem.)
  • *27
    (SAID, Edward W.
    Reflexões sobre o exílio e outros ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. )
  • *28
    (Idem.
    Representações do intelectual: as Conferências Reith de 1993. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. )
  • *29
    (cf. HATOUM, Milton. "Edward Said e os intelectuais". Em: CLEMESHA, Arlene (org.).
    Edward Said: trabalho intelectual e crítica social. São Paulo: Editora Casa Amarela, 2005: 29-33. )
  • *30
    (Ibidem: 32.)
  • *31
    (SAID, Edward W.
    Orientalismo. Op. cit.: 37.)
  • *32
    (HATOUM, Milton. "Mil e uma noites em busca de um estilo".
    O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 out. 1991. Cultura: 1. )
  • 1
    A partir de então o romance poderá ser chamado apenas de
    Relato.
  • 2
    Trata-se da voz do marido de Emilie, personagem sem nome que, ao lado dela, criou a narradora do
    Relato e seu irmão. Indicamos que o trecho citado está entre aspas por já integrar, no romance, uma citação. Repetiremos esse procedimento ao longo do artigo, pois consideramos significativo o fato de a quase totalidade do texto do
    Relato encontrar-se isolada por esse sinal de pontuação. E assim o leitor poderá identificar, em cada uma das citações, aquelas que estão num capítulo do livro abrangido por aspas. Do mesmo modo, quando o trecho destacado do romance de Hatoum for menor do que três linhas (e já constituir uma citação no interior do romance), ele aparecerá aqui duas vezes entre aspas. Ressaltamos que também fazemos questão de inserir colchetes no início e/ou no final do trecho destacado para enfatizarmos sua localização no interior de uma longa citação.
  • 3
    Evidentemente, seria necessário um estudo minucioso do vocabulário empregado no
    Relato e em
    Dois Irmãos para dar conta da diversidade de origem dos termos, além do uso de palavras estrangeiras e de nomes próprios. Não pretendemos com esses exemplos realizar nem muito menos esgotar tal estudo, mas apenas indicar a riqueza e hibridez deste vocabulário.
  • 4
    Ressaltamos que se trata de uma opção, visto que ele pode sempre investir numa determinada identificação e fechar-se para outras; opção, contudo, que além de nos parecer ter sido a sua e constituir aquela que ele defende publicamente, se faz sem dúvida mais presente na sua vida do que na daqueles que sempre viveram num mesmo lugar, pátria também de seus familiares.
  • 5
    Referimo-nos aqui à narradora principal do
    Relato, personagem anônima, a Nael, narrador de
    Dois Irmãos, e a Lavo, principal narrador de
    Cinzas do Norte. (HATOUM, Milton. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Aceito
      30 Jun 2008
    • Recebido
      24 Abr 2008
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