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Biopoesia

TRADUÇÕES

Biopoesia1 1 Publicado inicialmente em Cybertext Yearbook 2002-03, editado por Markku Eskelinen e Raine Koskimaan, da Universidade de Jyvaskyia, Finlândia, 2003, p. 184-185 (em inglês). Republicado em inglês e alemão em p0es1s: The Aesthetics of Digital Poetry, editado por Friedrich W. Block, Christiane Helbach e Karin Weinz (Ostfildem-Ruit, Alemanha, Hatje Cantz Editores, 2004), p. 244-249. Republicado em finlandês no jornal literário Nuori Voima, nº 4/5, 2004, p. 27. Republicado em hebraico no Hearat Shulaym 8/9, Jerusalém, 2004, p.s.n. Republicado na Estônia no jornal on line Kirikiri - www.kirikiri.ee/print.php3?id_article=111, em dezembro de 2005. Republicado em inglês em Notre Dame Review, nº 19, inverno de 2005, p. 145-148. Republicado em inglês no Technoetic Arts, vol. 3, n. 1, 2005, p. 13-17. Republicado em finlandês em nokturno.org, um sítio mantido pela sociedade de poesia Nihil Interit, a revista literária Nuori Voima e a casa publicadora Savukeidas, em outubro de 2005. Republicado em Engineering nature: art and consciousnesss in the post-biological era (Engenharia da natureza / Engenharia Natural: arte e consciência na era pós-biológica), editado por Roy Ascott (Bristol: Intellect, 2006). Republicado em francês em Formule, n. 10, maio 2006, "Littérature Numérique et domaines voisins", Paris.

Eduardo Kac

A partir dos anos 1980, a poesia saiu efetivamente da página impressa. Desde os primeiros tempos do Minitel2 2 Minitel são terminais específicos de videotextos instalados na França a partir de 1978. O sucesso foi tão grande que em 1986 já haviam sido instalados três milhões de Minitel, que ofereciam aos usuários os serviços interativos os mais diversos: teleconsultas, telecompras, etc. (NT) até o surgimento do computador pessoal (PC) como um ambiente de escrita e leitura, temos presenciado o desenvolvimento de novas linguagens poéticas. Vídeo, holografia, programação, dispositivos portáteis e Internet têm expandido as possibilidades e o alcance dessa nova poesia. Agora, num mundo de clones, quimeras e seres transgênicos, é tempo de considerar novas direções para a poesia in vivo. Proponho abaixo o uso da biotecnologia e de organismos vivos como um novo campo para a criação verbal.

1) Performance do microrrobô - escreva e faça performance com um microrrobô na linguagem das abelhas, para uma audiência de abelhas, numa dança semificcional e semifuncional.

2) Escrita atômica - posicione átomos com precisão e crie moléculas para enunciar palavras. Dê expressão a essas palavras moleculares em plantas e deixe-as germinar novas palavras através de mutação. Observe-as e aprecie o aroma da gramatologia molecular das flores que resultam dessa criação atômica.

3) Interação dialógica com mamíferos marinhos: componha texto sonoro manipulando parâmetros gravados de tom e freqüência da comunicação de golfinhos, para uma audiência de golfinhos. Observe como uma audiência de baleias responde e vice-versa.

4) Poesia transgênica: sintetize ADN de acordo com códigos inventados para escrever palavras e frases usando combinações de nucleotídeos. Incorpore essas palavras e frases de ADN no genoma de organismos vivos, os quais, então, serão passados aos seus descendentes, combinando com palavras de outros organismos. Por meio de mutação, perda natural e do intercâmbio de ADN, novas palavras e sentenças surgirão. Leia o transpoema novamente como seqüenciamento do ADN mutante.

5) Telefante infra-sônico - os elefantes podem sustentar poderosas conversações infra-sônicas a distâncias tão longas como 13 quilômetros. Essas podem ser percebidas por humanos particularmente sensíveis como variações de pressões de ar. Crie composições infra-sônicas que funcionem como chamadas para elefantes a longa distância e transmita-as de longe a uma população de elefantes da floresta.

6) Escrita amébica: mantenha a escrita num meio como ágar usando as colônias de amebas como substância de inscrição e observe seu crescimento, movimento e interação até que o texto se transforme ou desapareça. Observe a escrita amébica ao microscópio e em escala macroscópica simultaneamente.

7) Sinalização à base de luciferase (luciferissignos) - crie pirilampos-poetas manipulando genes que codificam bioluminescência, capacitando-os a usar suas luzes para dispositivos criativos, além dos usos habituais encontrados na natureza (por exemplo, assustar e afastar os predadores e atrair parceiros ou criaturas menores para devorar).

8) Composição biocromática dinâmica - use a linguagem cromática da lula para criar seqüências cromáticas que comuniquem idéias concebidas a partir do mundo-próprio3 3 O autor usou "squid Umwelt", fazendo uso da palavra em alemão "Umwelt", como empregada por Jakob von Uexküll. Literalmente, a palavra significa meio-ambiente, mas Uexküll a emprega no sentido do mundo subjetivo de cada ser vivo, ou seja, seu universo fenomenológico. Em português: mundo-próprio. (NT) da lula, mas sugerindo outras possíveis experiências.

9) Literatura aviária: ensine um papagaio cinza africano não simplesmente a ler, a falar e manipular símbolos, mas a compor e apresentar suas obras literárias.

10) Poética bacterial: duas idênticas colônias de bactérias dividem uma mesma placa de Petri. Uma colônia codifica um poema X num segmento de DNA, enquanto a outra tem um poema Y. Como elas competem pelos mesmos recursos, ou compartilham material genético, talvez somente uma colônia venha a sobreviver, talvez novas bactérias venham a emergir através da transferência horizontal do novo gene poético.

11) Xenográfica - transplante um texto vivo de um organismo para outro, e vice-versa, de tal forma que crie uma tatuagem in vivo.

12) Texto-tecido - cultive tecidos vivos em forma de palavras-estruturas. Cresça o tecido lentamente até que as formas das palavras-estruturas produzam uma fina película que as cubra e apague.

13) Proteopoética - crie um código que converta palavras em aminoácidos e escreva diretamente uma proteína-poema tridimensional, evitando, assim, o uso de um gene para codificar a proteína. Sintetize a proteína-poema. Modele-a em meios digitais e não digitais. Expresse-a em organismos vivos.

14) Agroverbália - use um feixe de elétrons pra escrever diferentes palavras na superfície das sementes. Deixe as plantas crescerem e observe como as palavras produzem plantas robustas. Plante sementes em diferentes formações. Explore a hibridização de significados.

O poema é composto em linguagem natural diretamente com uma elevada incidência estatística das quatro letras que representam as bases adenina, citosina, guanina e timina. O conjunto das letras restantes é formado por quatro consoantes e duas vogais. Com o objetivo de diminuir a ambigüidade na seqüência nucleotídica (de modo que o código seja claro) e ao mesmo tempo mantê-la o mais curta possível (para melhorar a eficiência molecular), às quatro consoantes foram atribuídas letras duplas representando os ácidos nucléicos. As duas vogais foram correspondidas com letras triplas representando os ácidos nucléicos.

15) Nanopoesia - estabeleça significados para pontos quânticos e nanosferas de cores diferentes. Expresse-os em células vivas. Observe como os pontos e as esferas se movem e em quais direções, e leia os quantumvocábulos e as nanopalavras enquanto eles se movem através da estrutura interna tridimensional da célula. Ler é observar trajetórias vetoriais dentro da célula. O significado geral do poema se modifica continuamente à medida que certos quantumvocábulos e nanopalavras estão próximos ou se afastam uns dos outros. A célula inteira é o substrato da escrita, como um campo de significado potencial.

16) Semântica molecular - crie palavras moleculares dando significados fonéticos a átomos individuais. Com nanolitogafia dip-pen,4 4 Nanolitografia dip-pen é um método de escrita direta que utiliza a ponta de prova de um microscópio de força atômica para definir padrões sobre uma superfície. (NT) posicione moléculas em uma superfície dourada atomicamente plana e, assim, escreva um novo texto. O texto é feito de moléculas que são elas mesmas palavras.

17) Carbograma assintático - crie sugestivas nanoarquiteturas verbais medindo apenas poucos bilionésimos de um metro de diâmetro.

18) Metáforas metabólicas - controle o metabolismo de uma grande população de microorganismos dispersa em meio espesso, de tal forma que as palavras efêmeras possam ser produzidas por suas reações às específicas condições ambientais, tal como a exposição à luz. Permita que essas palavras vivas se dissipem naturalmente. Escrita e leitura se constituem no eventual desaparecimento do texto.

19) Audição háptica - implante um microchip auto-alimentado que emita um poema sonoro via contato (via pressão). O som não é suficientemente amplificado para ser ouvido através da pele. O ouvinte tem que fazer um contato físico com o poeta para que o som viaje do microchip que está dentro do corpo do poeta para o corpo do ouvinte. O ouvinte se torna o meio pelo qual o som é transmitido. O poema entra no corpo do ouvinte não através dos ouvidos, mas por dentro, através do próprio corpo.

20) Escriptogênese - crie um organismo vivo inteiramente novo, que nunca tenha existido antes, reunindo primeiramente átomos em moléculas por meio da "Escrita Atômica" ou "Semântica Molecular". Depois, organize essas moléculas num cromossomo mínimo, mas funcional. De modo idêntico sintetize um núcleo para esse cromossomo ou introduza-o num núcleo existente. Faça o mesmo para toda a célula. A leitura ocorre através da observação das transformações citopoetológicas do cromossomo escriptogênico ao longo da vida do organismo unicelular, incluindo sua reprodução, multiplicação, e evolução.

Tradução de Jorge Luiz Antonio

(revisada e autorizada pelo autor)

Eduardo Kac nasceu no Rio de Janeiro em 1962 e começou a tornar-se conhecido por seu trabalho de holografia digital, que o projetou internacionalmente nos anos 1980. Em 1989, foi para os Estados Unidos para fazer seu mestrado em Artes Plásticas no The School of the Art Institute of Chicago, instituição em que é hoje Professor Titular, e concluiu seu doutorado na Universidade de Wales, Reino-Unido.

Kac ganhou inúmeros prêmios e expôs sua obra no Brasil, nos Estados Unidos, na França, no Japão, na Coréia, entre muito outros países. Além disso, tem obras nas coleções permanentes do Museu de Arte Moderna de Nova York, no Museu de Arte Moderna de Valência, no Museu ZKM de Karlsruhe e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, entre outros.

Paralelamente ao seu trabalho plástico, redigiu, desde então, inúmeros artigos e ensaios, publicados em jornais e revistas, e reunidos em livros, no Brasil e no exterior.

Excelente documentação sobre a obra de Kac pode ser encontrada em oito idiomas no site http://www.ekac.org.

Os textos que leremos a seguir são amostras da reflexão de Kac a respeito da linguagem da arte e da poesia a partir dos meios e suportes disponibilizados pela ciência e pelos avanços da linguagem digital, recuando incontornavelmente os limites da escrita...

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    Publicado inicialmente em
    Cybertext Yearbook 2002-03, editado por Markku Eskelinen e Raine Koskimaan, da Universidade de Jyvaskyia, Finlândia, 2003, p. 184-185 (em inglês). Republicado em inglês e alemão em
    p0es1s: The Aesthetics of Digital Poetry, editado por Friedrich W. Block, Christiane Helbach e Karin Weinz (Ostfildem-Ruit, Alemanha, Hatje Cantz Editores, 2004), p. 244-249. Republicado em finlandês no jornal literário
    Nuori Voima, nº 4/5, 2004, p. 27. Republicado em hebraico no
    Hearat Shulaym 8/9, Jerusalém, 2004, p.s.n. Republicado na Estônia no jornal on line
    Kirikiri -
    www.kirikiri.ee/print.php3?id_article=111, em dezembro de 2005. Republicado em inglês em
    Notre Dame Review, nº 19, inverno de 2005, p. 145-148. Republicado em inglês no
    Technoetic Arts, vol. 3, n. 1, 2005, p. 13-17. Republicado em finlandês em
    nokturno.org, um sítio mantido pela sociedade de poesia
    Nihil Interit, a revista literária Nuori Voima e a casa publicadora
    Savukeidas, em outubro de 2005. Republicado em
    Engineering nature: art and consciousnesss in the post-biological era (Engenharia da natureza / Engenharia Natural: arte e consciência na era pós-biológica), editado por Roy Ascott (Bristol: Intellect, 2006). Republicado em francês em
    Formule, n. 10, maio 2006, "Littérature Numérique et domaines voisins", Paris.
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    Minitel são terminais específicos de videotextos instalados na França a partir de 1978. O sucesso foi tão grande que em 1986 já haviam sido instalados três milhões de Minitel, que ofereciam aos usuários os serviços interativos os mais diversos: teleconsultas, telecompras, etc. (NT)
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    O autor usou "squid Umwelt", fazendo uso da palavra em alemão "Umwelt", como empregada por Jakob von Uexküll. Literalmente, a palavra significa meio-ambiente, mas Uexküll a emprega no sentido do mundo subjetivo de cada ser vivo, ou seja, seu universo fenomenológico. Em português: mundo-próprio. (NT)
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    Nanolitografia dip-pen é um método de escrita direta que utiliza a ponta de prova de um microscópio de força atômica para definir padrões sobre uma superfície. (NT)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008
    Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
    E-mail: alea.ufrj@gmail.com