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Cinematismos/babilaques/leituras 1 1 Este artigo foi escrito no âmbito do “Seminário Internacional Eisenstein #5 - Cinematismos”, realizado na Fundação Casa de Rui Barbosa, nos dias 19, 30 e 31 de Agosto de 2018.

Cinematisms/babilaques/readings

Resumo

Neste ensaio pretendo, num primeiro momento, articular as teorias de Serguei Eisenstein do “cinematismo” e do “êxtase”, pensadas na relação do cinema com outras obras, para ler os babilaques de Waly Salomão, uma série de fotografias de cadernos, onde caligrafia, imagem, poesia e outras questões como luz, cena e sombras se interconectam. Penso também, como forma de leitura, nas críticas de Josefina Ludmer e Florencia Garramuño. Em um segundo momento pretendo fazer a leitura de alguns babilaques a fim de mostrar como eles trabalham a relação com outras artes e como isso tem a ver com um enfrentamento do presente, mesmo após décadas de sua feitura.

Palavras-chave:
Eisenstein; Cinematismo; Waly Salomão; Babilaques

Abstratc

The aim of this paper is first to read Waly Salomão’s Babilaques by referring to Sergei Eisenstein's theories of cinematism and of ecstasy, which he developed regarding cinema and other art forms. The babilaques consist of a series of photographs of notebooks in which handwriting, pictures and poetry come together under different effects of lighting and shading. Josefina Ludmer and Florencia Garramuño’s critiques are also referred to in my analysis. Secondly, I will examine two or three babilaques so that I may demonstrate how they put together different art forms. Finally, I will argue that the babilaques and the procedures utilized relate to our present, even though they are decades old.

Keywords:
Eisenstein; Cinematism; Waly Salomão; Babilaques

Résumé

Dans cet essai, je propose une lecture des Babilaques de Wally Salinão à partir des théories de Sergueï Eisenstein: celle du cinématisme et celle de l’extase, développées pour penser aux rapports entre le cinéma et d’autres arts. Les babilaques sont une série de photographies des cahiers où l´écriture se mêle à la poésie sous des nuances d’ombre et de lumière. Pour comprendre ce travail, je fais référence à des critiques élaborées par Josefina Ludmer et par Florencia Garramuño. Dans un deuxième moment, je propose l’analyse de quelques babilaques afin de montrer comment ceux-ci mettent en relation de différentes formes d’art. Finalement, je fais des considérations sur comment les babilaques et les procédés sur lesquels ils sont basés gardent toujours une forte relation avec notre présent, même après de décennies.

Mots-clés:
Eiseinstein; Cinématisme; Waly Salomão; Babilaques

Cinematismos

Pensar em “cinematismo” em um espaço que Serguei Eisenstein é a figura espectral é, em primeiro lugar, buscar definições do termo e, em segundo lugar, medir sua produtividade na contemporaneidade. Para isso, lembro-me de Jacques Aumont e Michel Marie que, no “Dicionário teórico e crítico de cinema”, definem “cinematismo” um neologismo criado por Eisenstein, para designar o caráter cinematográfico de algumas experiências artísticas: “Se certas formas - plásticas, literárias, dramáticas e poéticas - procedem de uma cinematograficidade, é porque existem leis profundas que regem produções significantes”. Essa “ideia está, portanto, ligada à pesquisa dessas leis, sobretudo em torno da estrutura ‘extática’ das obras” (AUMONT; MARIE, 2018AUMONT, J.; MARIE, M. Cinematismo, êxtase. In: AUMONT, J.; MARIE, M. Dicionário teórico e crítico de cinema. 5a. ed. Campinas: Papirus Editora, 2018., p. 51, grifos meus).

Eisenstein sempre se interessou pelas relações entre o cinema e outras artes - vinculação que ele considerou como “realmente orgânica”, “em particular com o cinema norte-americano”, e a “linha genética de descendência” ser para ele “bastante consistente” (EISENSTEIN, 2002EISENSTEIN, S. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002., p. 176). Há dois movimentos em jogo na fala de do cineasta russo: um parece ser o movimento orgânico e o outro o da “linha genética”, ambos que se cruzam, é claro, mas parecem ter finalidades distintas.

Com o olhar voltado para o passado, geneticamente - numa relação de intermidialidade anacrônica - Eisenstein, no ensaio “Dickens, Griffith e nós”, aproxima o cineasta D.W. Grifith ao escritor Charles Dickens a partir da “repetição de quadros paralela”, que aquele aprendeu com este. Ao comentar “After many years” (1908), dizendo que se pode contar uma história indo e vindo, e questionado sobre isso, o cineasta norte-americano responde: “Dickens não escreve desse modo?” (p. 180). E mais adiante, Eisenstein afirma: “Griffith chegou à montagem através do método da ação paralela, e foi levado à ideia da ação paralela por - Dickens!” (p. 183). Eisenstein - buscando as relações entre literatura e cinema - analisa trechos de “Oliver Twist” (1838) como se fosse o roteiro de uma “[...] transição calculada de elementos puramente visuais a um inter-relacionamento com elementos sonoros” (p. 191). Enfim, vê que existe uma linha aproximando literatura e cinema, Dickens e Griffith, e essa seria a linha “genética” de interrelações. Por um lado, o cineasta russo está mais interessado, por motivos de afirmação do cinema, em encontrar a “linha genética” nos procedimentos literários. Duas passagens são significativas nesse sentido: “[...] para mim é sempre agradável reconhecer de novo e de novo o fato de que nosso cinema não carece de pais”. E mais adiante: “[...] cada parte deste passado em seu momento de história mundial impulsionou a grande arte da cinematografia” (EISENSTEIN, 2002EISENSTEIN, S. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002., p. 203).

Por outro lado, Eisenstein está interessado em afirmar a supremacia da montagem soviética em relação à montagem norte-americana. Como ele afirma: “[...] a montagem se tornou em meio de adquirir uma unidade de ordem superior - um meio, através da imagem de montagem, de adquirir uma personificação orgânica de uma concepção ideológica singular”. Continuando, ele finaliza: “abarcando todos os elementos, partes, detalhes da obra cinematográfica” (EISENSTEIN, 2002EISENSTEIN, S. A forma do filme. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002., p. 219, grifos dele). Tendo, assim, encontrado uma linha genética - seja na literatura - e afirmado a supremacia ideológica - ao valor do que é visto, e não apenas ao que é visto - ele parece satisfeito. Mas não é minha intenção pensar a relação Einstein/passado do cinema, mas aquilo que o termo “cinematismo” sugere: a procedência de uma cinematograficidade e a pesquisa das leis em torno do caráter “extático” das obras. Não que a primeira relação não pareça instigante, mas a segunda é mais produtiva ao pensar uma literatura - ou uma arte qualquer - que seja atravessada por aspectos cinematográficos, que estabeleça relações de intermidialidades entre o cinema e outras práticas artísticas.

Que obras precedem de uma cinematograficidade? Aquelas que, de certa maneira, criam relações com um ou outro aspecto do cinema. Nesse sentido, Eisenstein parece falar da importância do cinema nas práticas relacionais das artes, pensar no presente e para o futuro, encontrando procedimentos que formas “literárias, plásticas, dramáticas e poéticas” utilizam. A vinculação que o cinema estabelece com outras artes é uma prática “realmente orgânica” - para usar expressão de Eisenstein - que, justamente por ser orgânica, se apresenta em inúmeras experiências. Perto temporalmente dele, o movimento nas pinturas de Marcel Duchamp, o corte nos versos de Maiakovski e Oswald de Andrade, a própria utilização do cinema em peças, entre outras práticas. Posso alongar um pouco o tempo, me distanciando de Eisenstein, e lembrar-me do uso da fotografia nos epigramas e diários de Bertolt Brecht, o uso do vídeo nas instruções performáticas de Yoko Ono, a relação do cinema com os trabalhos seriais de Andy Warhol, a tensão entre palavra-imagem em Jean-Luc Godard. Além de práticas contemporâneas que reanimam esses procedimentos, em outros contextos e noutras proposições.

Interessante que o “cinematismo” está relacionado “à pesquisa dessas leis”, o que envolve uma investigação de procedimentos diversos “em torno da estrutura ‘extática’ das obras”. Mas o que seria essa estrutura? A criação de uma teoria perceptiva que tem como ponto alto o “êxtase”. Buscado na filosofia e na religião, esse conceito foi usado por Eisenstein para “[...] designar e caracterizar a relação emocional e afetiva do filme com seu espectador”. E Aumont e Marie (2018AUMONT, J.; MARIE, M. Cinematismo, êxtase. In: AUMONT, J.; MARIE, M. Dicionário teórico e crítico de cinema. 5a. ed. Campinas: Papirus Editora, 2018., p. 113-114) continuam:

O êxtase é o despertar da atividade emocional (e também intelectual) do espectador, em seu mais alto grau. Ele não deve, portanto, ser confundido com a ideia de uma contemplação ou de enlevo, mas representa um processo, a um só tempo, psicológico e semiótico, pelo qual o espectador adere à obra, a compreende e a sente do interior - com a condição, é claro, de a obra ter sido produzida para promover essa reação. Isso tem notáveis consequências quanto à forma fílmica: a teoria do êxtase, em seu inventor e promotor, é inteiramente correlativa a uma teoria da montagem (a montagem vertical, a que se funda sobre o cálculo de todas as dimensões sensoriais e formais a um só tempo).

As relações de intermidialidade são, nesse sentido, atravessadas pela teoria da recepção eisensteiniana, que não é contemplação extática, mas o começo das emoções e da compreensão da obra - um grau afetivo e racional que o procedimento da montagem principia. Em outras palavras - o êxtase - é resultado de um procedimento que faz o espectador aderir, compreender e sentir a obra “do interior” dela mesmo; dela mesmo se o objeto for configurado como um objeto estético. Anota-se o poder que a feitura do filme, em seu mais alto grau procedimental - a montagem - leva o espectador a extasiar e perceber que isso é resultado daquilo. Em segundo lugar, inserem-se no processo de recepção as emoções, afetos e sentimentos que, aparentemente, estariam de fora do processo formalista e construtivista, que, em um primeiro momento, levariam o espectador a uma tomada de posição dialética e de construção crítica e cívica do mundo, em contrapartida ao cinema norte-americano ou ao cinema mais tradicional, que aparentemente levariam à diversão, ao espetáculo. São essas emoções, justamente, no meio formalista/construtivista, que chamam a atenção.

A palavra êxtase no contexto vanguardista é um pouco absurda. De certa forma, ela parece tão deslocada quanto seria “catarse” para o cinema soviético do começo do século. Não deixo de imaginar “êxtase” como consequência de uma contemplação religiosa. A etimologia da palavra - gr. ékstasis, eós - significa “deslocamento, movimento para fora”. São colocados para fora, então, os sentimentos que fazem todo o processo do espectador aderir à obra, compreendê-la e senti-la. Chama-me bastante atenção isso com a nomenclatura utilizada, “êxtase”. Uma hipótese, radical, seria pensar que a tomada de posição de um espectador de um filme de Eisenstein seria, ao mesmo tempo, dialética, crítica, cívica e emocional - compreendo o funcionamento da sociedade czarista, me engajo na luta dos soldados e sinto raiva da matança na escadaria? Assim o filme se torna um objeto estético superpotente. Mas lembro de que a teoria do “êxtase” é grudada, se posso dizer isso - ao estudo das relações entre as artes. É essa relação e o caráter extático dela que pretendo investigar, ou apontar, na produção poética de fins da década de 1970 do poeta Waly Salomão, os babilaques.

A solicitação das teorias de Eisenstein, sobretudo a do cinematismo, é interessante uma vez que, ao procurarem as leis que geram as relações entre artes, de movimentos que procedem do cinema, dão espaço para as emoções. Em relação à produtividade delas no contemporâneo é possível articular ao pensamento sobre a intermidialidade com uma perspectiva literária sobre o tema, além de pensar os babilaques de Waly Salomão com uma leitura do “atordoamento” e do “percurso” de Florencia Garramuño, já que essa produção de Waly “escapa” de categorizações fixas, justamente, por colocar em cena uma série de mídias em tensão e ainda no campo das literaturas pós-autônomas de Josefina Ludmer.

Em segundo lugar, em uma espécie de teoria da recepção, há o “êxtase” e seu argumento das emoções que, por um lado, problematiza uma ênfase no efeito do objeto estético pelo objeto estético, em um tipo de neoformalismo ou estruturalismo exacerbado, deixando entrar nesse processo aquilo que pareceria estar de fora. Assim, ao invés de ser pensada como um retorno erudito, ou não potente, a presença de Eisenstein provoca um pensamento capaz de dialogar com o pensamento contemporâneo, e a ele se aliar para apontar a crise que envolve as categorias, e assim mostrar a vitalidade de uma compreensão das relações entre as artes. Por último, é importante destacar, a influência mesma do cinema russo, ou por uma mostra enviesada disso, como sua referência a Jean-Luc Godard ou de forma direta solicitando a figura, também potente, de Dziga Vertov. Enfim, de mostrar como o poeta dialogou, sempre de forma tensa e produtiva, com o cinema, desde seu primeiro livro, Me segura, de 1972 e de suas ligações nada ortodoxas com a poesia marginal, e com seu flerte com as práticas concretas. É dessa maneira que penso a leitura de Waly Salomão, entre suas relações com outras artes e provocando efeitos de emoção.

Babilaques

Babilaque é possivelmente um neologismo derivado de “badulaque”, que tem uma série de acepções, desde a culinária (“espécie de ensopado de vísceras”, “doce de coco ralado com mel”) até acepções de uso pejorativo, como a usada no plural, “badulaques”, “coisa miúda e de pouco valor”, passando pelo uso regional baiano, “móvel de má qualidade” (HOUAISS, 2001HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 375, p. 375). A palavra “badulaques” lembram títulos de livros de Waly Salomão, Armarinho de miudezas e também Gigolô de bibelôs, onde a tipologia textual é variada e híbrida, lembrando um pouco os significados de badulaque. Mas essa palavra que lembra coisa e troço (e lembro assim de outro título de Waly, Me segura que vou dar um troço), deu em “babilaque” - uma junção de todas essas acepções criaram um caldo que faz jus ao procedimento de montagem de Waly. Leio em Me segura ..., por exemplo, “Criação = encaixar tudo e não se decidir por coisa alguma” (SALOMÃO, 1972SALOMÃO, W. Me segura que eu vou dar um troço. Guanabara: José Alvaro Editor, 1972., p. 10). Quando promove isso, Waly pretende que as próprias coisas montadas entrem em relações de força que gerarão significados múltiplos, uma espécie mesmo de ensopado - daí o gosto diverso que os ingredientes proporcionam - ou uma espécie de móvel que vacila por não ser montado segundo as “regras”, mas é no vacilo que a montagem se destaca e ganha potência. Ou ainda no subtítulo do volume, “Alguns cristais clivados”, quando a clivagem sugere caminhos fragmentados de leitura e interpretação. Babilaques são um pouco disso tudo.

Formados por 20 séries de fotografias, feitas por Waly entre 1975 a 1977, entre Nova York, Rio de Janeiro e Salvador, os Babilaques são um trabalho cinemático. Entre a fotografia e a poesia, entre a caligrafia e o desenho, entre a colagem e a montagem de planos, feitos em simples cadernos de espiral, em cenários vários, esse trabalho de Waly potencializa as relações interartes. Publicados esparsamente em revistas, e de forma total em 20072 2 Sobre isso, Luciano Figueiredo, em texto que abre Babilaques, afirma: “Espanta-nos, hoje, o fato de não terem sido direcionadas ou absorvidas pelo circuito de artes-plásticas, permanecendo, ao mesmo tempo, pouco conhecido pelos poetas e o mundo literário” (FIGUEIREDO, 2007, p. 14). , em exposição e livro de mesmo nome, essa experiência de Waly colocou em cena, uma quantidade de referências e práticas que tanto na época de sua criação, quanto hoje - e sobretudo hoje - nos faz pensar sobre as relações entre cinema e poesia. A recepção do livro diz um pouco disso.

Luciano Figueiredo, em texto que abre o livro, afirma que Babilaques trata-se de uma “expressão amalgâmica” que envolve a relação “[...] entre as diferentes artes e realizadas em fotografias que registram, em ângulos e luzes particulares, espacializações de palavras, construções e desconstruções semânticas, ideogramas, textos manuscritos, montagens, desenhos e colagens” e finaliza ele, “[...] todos executados em cadernos de espiral pautados, de diferentes formatos, intencionalmente assumidos como valores estruturais” (FIGUEIREDO, 2007, p. 11-12). Não apenas a relação entre a fotografia e a escrita - seja ela qual for - em cadernos, mas a tensão entre uma série de outros valores e procedimentos. E o próprio caderno - num jogo de abrir e fechar, dobrar e desdobrar -configura um dos procedimentos dos Babilaques - aí é interessante lembrar-se da importância da dobra. Como afirma Michel Melot, em Livro, o livro nasceu da dobra. Ela permite “[...] com um só movimento, se passar de um a outro lado, de pensar a descontinuidade na continuidade e o contínuo no descontínuo” (MELOT, 2012MELOT, M. Livro. São Paulo: Ateliê Editorial, 2012., p. 49). Assim, o caderno se torna o protótipo do livro e dos movimentos tensos entre continuidade e descontinuidade aproveitados em Babilaques.

Antonio Cicero, em “Os babilaques de Waly Salomão”, no sentido de uma prática inter-relações diz que são “[...] diferentes espécies de arte que, ao se cruzarem, se fertilizam, revitalizando tanto a linguagem verbal (a palavra), normalmente parasitada pelo ‘sentido ao pé-da-letra’, isto é, convencional, quanto ‘o campo sensorial de experiência’” (CICERO, 2007, p. 26). A palavra ganha uma potência quase ideogrâmica, e o “campo sensorial da experiência” torna possível o começo de uma experiência extática - como pretendia Eisenstein - que libera a emoção do formalismo procedimental da prática montada por Waly para depois junta-los outra vez: o “pé-da-letra” é colocado em tensão, numa espécie de desalienação do processo da fala. Já Arnaldo Antunes, no texto “Interfaces da linguagem poética”, afirma assim qualidades dos Babilaques:

As possibilidades de leituras não-lineares, aberta pela maneira fragmentária de dispor as frases na página [...] e a construção cuidadosa (apesar de denotar displicência) do cenário, luz, enquadramento, mise em scène, que compõem as situações que envolvem a escrita” (ANTUNES, 2007, p. 35, grifos meus).

Todos eles deixam, de forma clara ou não, a proposição que os babilaques são não-poemas visuais, já que esta designação eliminaria a presença e a importância efetiva dos outros elementos e composições aí amalgamados. Interessante aí é a forma como o próprio Waly os define, em nota sobre os babilaques3 3 Nota até, então, inédita, datada de março de 1979, RJ. : “PERFORMANCE POÉTICO-VISUAL”, destacando o “caráter INTERRELACIONAL de textos, objetos, luzes, planos, texturas, imagens, cores, superfícies”. Interessante ainda é a maneira como ele pensa a fotografia, responsável pelo registro das performances: “A fotografia - com seus elementos composicionais próprios: luz, cor, ângulo, corte - transforma e ficciona a PERFORMANCE POÉTICA” (SALOMÃO, 2007SALOMÃO, W. Babilaques: alguns cristais clivados. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria/ Kabuki Produções Culturais, 2007., p. 21).

Ficcionalizar e transformar a performance é, de alguma maneira, ficcionalizar o documento que a fotografia pode ser em sua “essência”. Apenas uma certeza sobre a fotografia, aquilo que ela “reproduz ao infinito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente” (BARTHES, 2015BARTHES, R. A câmera clara. Edição Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015., p. 16). “Essa fatalidade” - para lembrar uma expressão de Roland Barthes - define ontologicamente a experiência da fotografia: alguma coisa posou na frente de uma câmera por uma única vez, alguma coisa esteve ali e será repetida assim ad infinitum. Cada babilaque - o caderno em espiral desdobrado ou não e seu conteúdo específico - retém assim o tempo em que foi fotografado, cada “performance poética” é única. Mas, ao mesmo tempo, cada documento sendo ficcionalizado ganha uma potência de movimentos e clivagens - por conta mesmo do procedimento, a fotografia, que a princípio a transformaria em “fatalidade”, realidade repetida. Luz, cor, ângulo e cortes possibilitam a problematização da ideia de documento, ou melhor, colocam em cena uma tensão entre ele e a ficção. Resultado disso nos Babilaques: o aspecto “extático” e o “despertar da atividade emocional (e também intelectual)” do processo. Cada babilaque torna-se, assim, uma aventura cinética4 4 Quando digo aventura penso, a partir de leitura de A câmera clara, de Roland Barthes, na possibilidade de romancear uma fotografia, apesar do impasse dela não poder ser aprofundada “por causa de sua força de evidência” (Barthes, 2015, p. 89). Mas como a “evidência pode ser irmã da loucura” (p. 96), a fotografia, através da teoria do punctum, torna-se o começo de um romance ou, mais produtivamente, de uma aventura. Quando digo cinético, lembro que Aumont e Marie (2018, p. 114) falam que o “[...] êxtase foi, por vezes, apreciado sobretudo pela crítica de inspiração lyotardiana, em particular, por seu caráter de excesso: ele seria o que transborda o logos, o que faz do filme um ‘festival de afetos’ (Barthes) e o que leva para figuralidade - associada por Jean François Lyotard às pulsões e outros processos primários no sentido de Sigmund Freud”. - a coisa esteve ali, posada para uma câmera, e cada uma das cenas compostas me despertam - para lembrar o vocabulário de Eisenstein - outras coisas. E outras coisas são as clivagens: a cada vez que vejo um babilaque um caminho de leitura é aberto. Cada babilaque me faz enfrentar o tempo presente sem o risco - ou perigo/incidente - de parar documentalmente em algum lugar e dali não sair, de repetir a cena sem me aventurar por ela, sem trazer outras cenas e lê-las como um documento-ficcional de uma época, uma estética e de uma emoção.

Aquilo que a crítica de Babilaques parece sugerir, contemporaneamente, é que esses objetos não tem um lugar específico na história das formas estéticas. É possível pensar que eles, assim como outras produções da década de 1970, já encenam uma prática das literaturas pós-autônomas, da inespecificidade e do não pertencimento. Ao comentar os textos da década de 2000, Josefina Ludmer afirma que muitos deles “atravessam a fronteira da literatura”, se colocando “fora e dentro, como numa posição diaspórica”. “É como se estivessem em êxodo”. Nesse sentido, “[...] aparecem como literatura, mas não podem ser lidos com critérios ou categorias literárias”, aplicando “À literatura uma drástica operação de esvaziamento”. Categorias como autor, já que os Babilaques são feitos em conjunto com sua companheira - Martha - e escritura, que se encontra explodido, desde a relação intermídia de fotografia e palavra, caligrafia e desenho, planos e cenários, não permitem o reconhecimento de uma forma escrita como categoria. Além da tensão entre documento e ficção - a ideia de ficcionar a performance, nos levam a pensar que “são e não são literatura, são ficção e realidade” (LUDMER, 2013LUDMER, J. Aqui América Latina: uma especulação. Belo Horizonte: Editora da UFMG , 2013., p. 128). Babilaques, montados como aquele móvel de má qualidade - o badulaque - não fica de pé como objeto estético reconhecido pela crítica. É uma experiência que promove, de forma crítica, ou em crise, outras formas de leitura.

Por isso não é exagero pensá-la como forma pós-autônoma de literatura. E como formas pós-autônomas, nas palavras de Ludmer, “Estão instaladas localmente, dentro de uma realidade cotidiana, a fim de produzir presente, sendo que esse é precisamente seu sentido” (2013, p. 127). Por um lado, produzir presente é entrar em um acordo, mesmo no passado, na época de sua produção, onde o procedimento é o mais importante, já que é o motivo criador das cenas em jogo. Por outro, é pensar que, mesmo produzida em outra época, distante há mais de 40 anos, é o presente que aí aparece outra vez. Não é projeto, o que remeteria a um futuro - o que na América Latina é um adiamento de sentidos e, portanto, de enfrentamento com o contemporâneo - nem história da literatura, fossilizado na década de 1970 do século passado.

Outra crítica que pensa também a partir da crise das caracterizações estéticas é Florencia Garramuño. Em “Formas da impertinência”, Florencia elege o atordoamento - palavra solicitada “pelo que tem de abalo e perturbação” - para ler o trabalho Fruto estranho de Nuno Ramos. Mas expande sua leitura em crise “[...] para pensar numa grande quantidade de movimentos e gestos da estética contemporânea que exploram formas diversas do não pertencimento” (GARRAMUÑO, 2014GARRAMUÑO, F. Formas da impertinência. In: KIFFER, A.; GARRAMUÑO, F. Expansões Contemporâneas; literaturas e outras formas, Belo Horizonte: Editora da UFMG, p. 91-108. 2014., p. 91). Interessante é como ela pensa o Fruto estranho de Nuno, “[...] como, aliás, muitas práticas contemporâneas, incluída a literatura”, como um “espaço-tempo sensorial”, que através da “[...] própria utilização de suportes e meios diferentes, escoa contrário a uma ideia de especificidade formal e, inclusive, estética”. Daí, ela não se interessar em “[...] descrever a instalação como um todo, mas discutir o evento e pensar nas consequências que Fruto estranho traz para pensamento sobre a arte no seio da cultura contemporânea” (p. 93). A obra de Nuno funciona então como um problema para quem pensa numa leitura ancorada nas categorias estéticas da história da arte e, como incluída a literatura, nas categorias estéticas dos gêneros. A virada de Garramuño pode ser instigante como exemplo de trazer esse “espaço-tempo sensorial” para a crítica da arte e da literatura, um pouco como o conceito de “extático” sugerido por Eisenstein.

Um dos efeitos que interessam à crítica argentina é a ideia da obra como “percurso”, “[...] num atordoamento em que o itinerário se transforma na busca de um modo de habitar um espaço atravessado por diferenças e heterogeneidades dramáticas, sem apaziguamentos” (GARRAMUÑO, 2014GARRAMUÑO, F. Formas da impertinência. In: KIFFER, A.; GARRAMUÑO, F. Expansões Contemporâneas; literaturas e outras formas, Belo Horizonte: Editora da UFMG, p. 91-108. 2014., p. 95). A obra como percurso permite uma leitura onde a experiência do olhar busca um itinerário, mas não encontra: os elementos em cena nos babilaques chocam-se uns com os outros, produzindo sentidos que não se apaziguam. Atravessa as diferenças como se fossem emendas a mostra, melhor, como se Waly fizesse mesmo questão de mostrar que há passagens entre os elementos. Atordoado, o leitor/observador dos babilaques também procura outra forma de lê-los, impulsionados por uma crise de categorias e entre em outra crise, deixando entrar na recepção deles uma série de emoções - os babilaques também se configuram como um “espaço-tempo sensorial”. A leitura que intento fazer deles é atravessada por essas perspectivas, mas pretendo minimamente descrever os babilaques e imaginar aventuras cinéticas possibilitadas por eles a partir dessa disjunção entre obra e estética, me enveredando pelas “diferenças e heterogeneidades” dramáticas que Waly coloca em cena.

Leituras

Abro em um dos babilaques chamado “As mandíbulas do tubarão imperialista versus sombra chinesa de capim de caboclo” feito em Salvador, Itapoã, 1976 (Figura 1). Lê-se como informação adicional: “Dramatização em 5 quadros”. Logo no primeiro quadro, um primeiro plano do avião - um caça norte-americano chamado AT-280 Trojan - com o bico pintado como se fosse um tubarão, cheio de dentes e um olhar ameaçador. A sombra do capim caboclo aparece no meio da foto, na parte dos espirais do caderno, sem perigo para o avião. Nos três próximos quadros a sombra vai chegando perto e se torna ameaça para o avião, e no último quadro a sombra alcança o motor, como se o avião fosse avariado gravemente. As pranchas do caderno estão sob dois lençóis e fotografadas lado a lado - o avião parece se movimentar um momento, tentado fugir da sombra chinesa de capim de caboclo (Figura 1). Parece um roteiro de cinema e não apenas uma série de imagens: sombra, quadro, movimentos do caça norte-americano, e o avião avariado, como se fosse o fim desse plano. Além da graça, que é ver um caça perder para a sombra chinesa de um capim caboclo, como se a natureza fosse a desgraça para a máquina. É essa a aventura de percurso que o babilaque, inicialmente, me mostra.

Figura 1
As mandíbulas do tubarão imperialista versus sombra chinesa de capim de caboclo, 1976.

A guerra do Vietnã já tinha acabado em 1976, mas é nela que minha aventura pensa em segundo lugar, mas especificamente, em A chinesa, de Jean-Luc Godard (1967). Isso por conta da palavra “chinesa” na expressão “sombra chinesa” e no cenário de “tubarão imperialista”, caças norte-americanos, e no embate que acontece no babilaque e o que acontece no filme. A cena de A chinesa está na parte “Os imperialistas ainda estão vivos” e Yvonne - a personagem camponesa que se juntou aos jovens parisienses - vestida de vietnamita é atacada por caças de brinquedo Trojan, os mesmos que estão no babilaque de Waly, enquanto seus dois colegas conversam sobre o imperialismo (o bom e o mau comunismo, a situação mesma do Vietnã, entre outras coisas, num discurso repetitivo sobre essas situações) e ela, já bastante machucada, gritando “socorro, socorro, socorro” é ignorada pelos companheiros durante toda cena.

Parece clara a crítica de Godard a um tipo de ativismo que desconhece a real situação do espaço/causa que, aparentemente, defendem, olhando para longe e deixando de ver o que está perto. Enviesada a homenagem que Waly faz ao cineasta nesse babilaque. Homenagem que passa pela noção de montagem godardiana, pelo uso de certas cores, pela forma como a palavra aparece junto com a imagem5 5 Sobre o uso da palavra no cinema de Jean-Luc Godard, conferir o capítulo “Jean-Luc Godard e a parte maldita da escrita” de Philippe Dubois (2011). , entre outras coisas6 6 Aliás, é possível, a partir dos Babilaques, pensar o quanto há da prática godardiana de montagem em Me segura. . Essa forma de olhar o passado cinematográfico como homenagem se distingue de um olhar que paralisa a prática procedimental godardiana, uma vez que ela se repete noutro tempo e noutro espaço - se o imperialismo era uma realidade em 1967, ele também era em 1976. Não só isso que faz da homenagem de Waly uma petrificação de gestos, pois ele faz uma “performance poética” com os procedimentos do cinema de Godard, ou seja, ele coloca em prática um cinematismo, juntando fotografia, tempo, cores, sobras e meio ambiente em cena. É um “espaço-tempo sensorial”.

Outro cineasta que aparece, agora de forma direta em Babilaques, é Dziga Vertov no “Vertozigagens” de 1975 (mais especificamente de 24/07/1975), feito em Nova York (Figura 2). Nele, um caderno em espiral, que mais parece um bloco de notas, está aberto em cima de uma camisa listrada. Colocado lado a lado com uma página de livro onde aparecem três fotografias: uma de Vertov pulando e paralisado por conta do fotograma e dois frames de O homem da câmera. Esse caderno/bloco parece tapar a página anterior de um livro, que pela época pode ser Kino: a history of the russian and soviet film de Jay Leyda ou algum texto de Annette Michelson, ambos os pesquisadores que resgataram, 40 anos depois, o filme e os escritos de Dziga Vertov. Na página que está ao lado das fotos, no bloco de notas, há um texto em forma de poema:

O homem com a câmera de Cinema Dziga Vertov Vertozigagens eu e Martha Vertov é o Picasso do cinema com Picasso quero dizer que Vertov é o Picasso e o Malevitch e o Tatlin e o Mondrian e o Cézanne e o Maiakovski e o Marinetti O olho sem crises monótonas de consciência ARRANJOS DINÂMICOS

Figura 2
Vertozigagens, 1975

A série de nomes listados como predicados nominais de Vertov já aparecem como uma lista cinemática. E acompanha o título do babilaque, numa espécie de zig-zag da história das artes e da literatura - cada autor e suas qualidades vão passando para outro, com o primeiro e último sujeito, Dziga Vertov. A forma gramatical utilizada para predicar algo é um recurso visual que transforma o poema em um poema quase em movimento. Os frames, ao lado da foto do pulo de Vertov, são frames em que o cinegrafista aparece no meio da multidão ou subindo uma ponte: é a câmera filmando a câmera, num gesto de reflexibilidade cinematográfica e numa mise-en-scène meta-fílmica que atravessa O homem da câmera. Assim a mise-en-scène do poema aparece ao lado da mise-en-scène fotográfico-fílmica, equivalendo-os. Entre elas, a foto de Vertov pulando ou no meio do pulo em câmera lenta. A anedota diz que ele pulou do segundo andar de um prédio e seu irmão gravou a imagem, fazendo um fotograma dela. Annette Michelson, ao comentar a foto, lembra-se do diário de Vertov e do comentário que ele mesmo fez sobre o acontecimento:

Dei um salto perigoso para uma câmera lenta. Não reconheci minha face na tela. Meus pensamentos estavam estampados na minha face - irresolução, vacilação e firmeza (uma luta dentro de mim mesmo) e, mais uma vez, a alegria da vitória.

Primeira ideia do cine-olho como um mundo percebido sem uma máscara, como um mundo da verdade nua (que não pode ser escondida) (MICHELSON, 1979MICHELSON, A. O homem da câmera: de mágico a epistemólogo. Cine-olho, n. 8/9, 1979., p. 13).

Irresolução, vacilação, firmeza e alegria reconhecidas através de um fotograma em seu rosto - uma série de sentimentos que poderiam estar ligados ao começo da teoria do êxtase de Eisenstein, mas Vertov insiste na ideia de “um mundo da verdade nua”, quase um realismo do cine-olho. Por “Cine-olho”, como afirma Vertov, “entenda-se o que o olho não vê” “como o microscópio e o telescópio do tempo”. Ou ainda, “como a possibilidade de ver sem fronteiras ou distâncias”. “Cine-olho” ainda pode ser a “possibilidade de tornar visível o invisível” (VERTOV, 2008VERTOV, D. Textos. In: XAVIER, I. (org.). A experiência do cinema. 4a. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal/Embrafilmes, 1983., p. 261-262). Todas as afirmações ressaltando a modernista vantagem da câmera sobre o olho humano. A compreensão do mundo da “verdade nua” é, nesse sentido, desmascarada pela câmera, mas, por outro lado, pode ser compreendida como tornar de novo a pessoa uma máscara de sentimentos, o que, por vias inversas, é a compreensão mais produtiva da configuração da subjetividade. Engraçada a escolha de Dziga Vertov para um dos babilaques mais cinéticos, justo ele que afirma, em outro manifesto: “NÓS depuramos o cinema dos Kinoks dos intrusos: música, literatura, e teatro” (VERTOV, 2008VERTOV, D. Textos. In: XAVIER, I. (org.). A experiência do cinema. 4a. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal/Embrafilmes, 1983., p. 248, grifos meus). Curiosamente Vertov, que era “contra a miscigenação das artes” para encontrar o ritmo próprio do cinema, com seu pulo nos mostre o cinematismo. Isso significa dizer que o lance pode ser nos aventurar no fotograma em pausa dele e ver tanto o que ele viu - o microscópio do tempo - quanto o que Waly, nessa escolha, tenha deixado para a gente ver: o telescópio do tempo, uma espécie de documento ficcionalizado que nos permite pensar na aventura de vacilação e firmeza, irresolução e alegria, de uma subjetividade em formação/transformação. Daí, ao lado dos frames e do poema em movimento escrito por Waly, esteja um olho “sem crises monótonas de consciência”, capaz de ARRANJOS DINÂMICOS, que talvez tenha colocado em seu trabalho a relação entre as artes de maneira enviesada e não como um mundo da verdade.

Além de resgatar Vertov, quase na mesma época em que Annette Michelson e Jay Leyda e um pouco depois de Godard, com seu grupo de cinema político Dziga Vertov, Waly Salomão faz um dos mais interessantes babilaques, colocando em situação extática alguém que aparentemente não concordava com a interrelação entre as artes. Novamente nos aventuramos no percurso: vemos um homem que revolucionou o cinema com seu O homem da câmera - o filme mais montado de todos os tempos -, que depois foi “afastado” por divergências com o partido, enfrentava, mas não conseguia vencer, a burocracia dos dirigentes do cinema soviético, teve roteiros modificados, outros prometidos, mas que não foram rodados. Um homem que trabalhava bastante quando tinha trabalho, passa meses sem nenhum trabalho. Enfim, o babilaque de Waly Salomão resgata isso tudo, tudo que o olho humano não vê sem a ajuda da câmera - performamos o documento, com a ajuda da evidência fotográfica primeiro, mas depois passando por cima dela, numa aventura cinemática ou de um cinematismo aventureiro. Não deixando, assim, de sermos afetados pela capacidade extática do objeto, identificando-nos e, por vezes, não nos identificando com as emoções que surgem - uma espécie de empatia que a arte, ou melhor, a relação entre elas é capaz de promover, apesar da crise de categorias genéticas e estéticas que os babilaques encenam.

Referências bibliográficas

  • AUMONT, J.; MARIE, M. Cinematismo, êxtase. In: AUMONT, J.; MARIE, M. Dicionário teórico e crítico de cinema 5a. ed. Campinas: Papirus Editora, 2018.
  • BARBOSA, H. M. Jean-Luc Godard Rio de Janeiro: Gráfica Record Editora, 1968.
  • BARTHES, R. A câmera clara Edição Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
  • DUBOIS, P. Jean-Luc Godard e a parte maldita da escrita. In: DUBOIS, P. Cinema, vídeo, Godard São Paulo: CosacNaify, 2011, p. 259-288.
  • EISENSTEIN, S. A forma do filme Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
  • GARRAMUÑO, F. Formas da impertinência. In: KIFFER, A.; GARRAMUÑO, F. Expansões Contemporâneas; literaturas e outras formas, Belo Horizonte: Editora da UFMG, p. 91-108. 2014.
  • HOUAISS, A. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2001, p. 375
  • LUDMER, J. Aqui América Latina: uma especulação. Belo Horizonte: Editora da UFMG , 2013.
  • MELOT, M. Livro São Paulo: Ateliê Editorial, 2012.
  • MICHELSON, A. O homem da câmera: de mágico a epistemólogo. Cine-olho, n. 8/9, 1979.
  • SALOMÃO, W. Me segura que eu vou dar um troço Guanabara: José Alvaro Editor, 1972.
  • SALOMÃO, W. Babilaques: alguns cristais clivados. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria/ Kabuki Produções Culturais, 2007.
  • VERTOV, D. Textos. In: XAVIER, I. (org.). A experiência do cinema 4a. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal/Embrafilmes, 1983.
  • 1
    Este artigo foi escrito no âmbito do “Seminário Internacional Eisenstein #5 - Cinematismos”, realizado na Fundação Casa de Rui Barbosa, nos dias 19, 30 e 31 de Agosto de 2018.
  • 2
    Sobre isso, Luciano Figueiredo, em texto que abre Babilaques, afirma: “Espanta-nos, hoje, o fato de não terem sido direcionadas ou absorvidas pelo circuito de artes-plásticas, permanecendo, ao mesmo tempo, pouco conhecido pelos poetas e o mundo literário” (FIGUEIREDO, 2007, p. 14).
  • 3
    Nota até, então, inédita, datada de março de 1979, RJ.
  • 4
    Quando digo aventura penso, a partir de leitura de A câmera clara, de Roland Barthes, na possibilidade de romancear uma fotografia, apesar do impasse dela não poder ser aprofundada “por causa de sua força de evidência” (Barthes, 2015BARTHES, R. A câmera clara. Edição Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015., p. 89). Mas como a “evidência pode ser irmã da loucura” (p. 96), a fotografia, através da teoria do punctum, torna-se o começo de um romance ou, mais produtivamente, de uma aventura. Quando digo cinético, lembro que Aumont e Marie (2018AUMONT, J.; MARIE, M. Cinematismo, êxtase. In: AUMONT, J.; MARIE, M. Dicionário teórico e crítico de cinema. 5a. ed. Campinas: Papirus Editora, 2018., p. 114) falam que o “[...] êxtase foi, por vezes, apreciado sobretudo pela crítica de inspiração lyotardiana, em particular, por seu caráter de excesso: ele seria o que transborda o logos, o que faz do filme um ‘festival de afetos’ (Barthes) e o que leva para figuralidade - associada por Jean François Lyotard às pulsões e outros processos primários no sentido de Sigmund Freud”.
  • 5
    Sobre o uso da palavra no cinema de Jean-Luc Godard, conferir o capítulo “Jean-Luc Godard e a parte maldita da escrita” de Philippe Dubois (2011DUBOIS, P. Jean-Luc Godard e a parte maldita da escrita. In: DUBOIS, P. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: CosacNaify, 2011, p. 259-288.).
  • 6
    Aliás, é possível, a partir dos Babilaques, pensar o quanto há da prática godardiana de montagem em Me segura.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2019

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2018
  • Aceito
    20 Dez 2018
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