Acessibilidade / Reportar erro

Palavras dos Editores

No presente volume da Alea, desponta em primeiro plano o dossiê dedicado aos 150 anos da publicação de Le Spleen de Paris (1869BAUDELAIRE, Charles. Le Spleen de Paris. In: Oeuvres complètes de Charles Baudelaire. Tome IV. Paris: Michel Lévy, 1869.), de Charles Baudelaire. Organizado por dois pesquisadores brasileiros e dois pesquisadores franceses, o conjunto de artigos aborda por vieses diversos a coletânea de “pequenos poemas em prosa” que constituiria um marco singular na poesia da segunda metade do século XIX em sua reivindicação de uma forma nova que desse conta das experiências de transformação do cotidiano impostas pela “vida moderna”. Como dizem os organizadores em sua apresentação do dossiê, os textos “ratificam a importância de Baudelaire e de seus poemas em prosa para a literatura moderna e testemunham do vigor dos estudos baudelairianos no Brasil como na França”.

Na seção de Artigos que acompanha o dossiê, reunimos sete ensaios. Quatro circulam por temas variados da poesia, dois se interessam por problemas dos gêneros narrativos e um último texto tem um perfil teórico-historiográfico.

O primeiro dos textos voltados para o estudo da poesia apresenta os principais preceitos poéticos elaborados por Richard Wagner em seu tratado Opera and Drama (1893WAGNER, Richard. Opera and Drama. Tr. William Ashton Ellis. In Richard Wagner’s Prose Works, vol. 2. London: K. Paul, Trench, Trübner, 1893.), bem como suas reverberações na poesia modernista hispano-americana, enfatizando o modo como os estudos sobre a musicalidade na poesia simbolista e modernista têm se apropriado da preceptiva músico-poética do artista alemão para dar fundamento a suas análises. O segundo artigo é dedicado à poesia de Carlos Drummond de Andrade, em particular, a seu livro póstumo O amor natural. A autora distingue como o sentimento do mundo não é alheio ao discurso erótico do livro. Nessa linha, instaura um espaço crítico que se distancia de grande parte dos comentaristas da obra do poeta brasileiro que vislumbram “o desaparecimento do mundo” e “a recusa da história” na cena íntima desse livro.

Já o terceiro texto desse conjunto, distinguindo a potência da palavra poética e sua capacidade de articular logos e mitos na expressão de um universo poético, propõe um exercício interpretativo de um texto de Orides Fontela, “Kant (Relido)”, onde se imbricam passagens Kant com a releitura do mito de Gaia e Uranos na obra de Hesíodo. E o último e quarto artigo desse núcleo, trata da imitação da forma testamentária pela poesia medieval francesa. O autor explica o caminho que percorre o testamento poético do final do século XII até ser adaptado à lírica cortês do século XV pelos poemas pertencentes à querela literária da Belle Dame sans Mercy, de Alain Chartier, especula sobre o modo como a paródia da forma testamentária foi assumida pelos diversos gêneros cômicos da época e, finalmente, fundamenta como os dois poemas longos em forma de testamento atribuídos ao poeta francês François Villon são uma paródia da estrutura e das personagens do testamento amoroso da época.

Na sequência, o núcleo de artigos voltados para o estudo de textos narrativos reúne dois trabalhos dedicados a estudar a autoficção e o gênero testemunhal, respetivamente. No primeiro, visando à investigação do papel do nome real de terceiros no jogo literário que enseja a autoficção de Christine Angot, o autor coteja seus romances com correspondências, notas e manuscritos da escritora e questiona, no nível da recepção, o efeito que tem um nome real identificável na leitura do romance. O segundo artigo remete à obra testemunhal de Primo Levi e ao lugar que o escritor italiano concede à figura do estrangeiro na sua escrita. Ciente de que a percepção do estrangeiro oscila sempre entre dois polos, identificação e embate, a autora ilustra como, na obra de Levi, prevalece sempre a hospitalidade como motor dos relacionamentos humanos, representando em suas narrativas o encontro com o estrangeiro sob o signo oposto a qualquer conflito.

Encerra a seção e o volume um texto que reflete sobre a Teoria da Literatura de Aguiar e Silva (1976AGUIAR E SILVA, Vítor M. de. Teoria da Literatura. São Paulo: Martins Fortes, 1976. ), um livro que foi referência para gerações de pesquisadores em Portugal e no Brasil. O artigo discute como se engendrou a matriz teórica desse programa, analisa o conceito do literário implicado nesse modelo de História que a Teoria da Literatura propõe e estuda as alternativas que Aguiar e Silva oferece ao catálogo periodológico das histórias literárias de seu tempo, com atenção especial à sua visão do Maneirismo e do Barroco, destacando os ecos desse projeto e os retos teóricos que ainda convoca.

Como já é habitual na revista Alea, participam como autores pesquisadores de diferentes instituições brasileiras (Universidade de São Paulo, Universidade de Campinas, Universidade Federal de Santa Catarina, Universidade Federal de Uberlândia, Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Universidade Estadual de Rio de Janeiro e Colégio Pedro II do Rio de Janeiro) e do mundo. No caso do dossiê dedicado à obra de Charles Baudelaire, participam pesquisadores especialistas na obra do grande poeta francês que trabalham em diferentes instituições francesas (Université Aix-Marseille, Université Paris-Nanterre, Université Paris Sorbonne, Institut Catholique de Paris, Université Sorbonne Nouvelle - Paris 3 e Université de Nantes). A todos os autores nosso agradecimento.

Ao leitor, desejamos, como sempre, uma ótima leitura.

Referências

  • AGUIAR E SILVA, Vítor M. de. Teoria da Literatura São Paulo: Martins Fortes, 1976.
  • BAUDELAIRE, Charles. Le Spleen de Paris. In: Oeuvres complètes de Charles Baudelaire Tome IV. Paris: Michel Lévy, 1869.
  • WAGNER, Richard. Opera and Drama Tr. William Ashton Ellis. In Richard Wagner’s Prose Works, vol. 2. London: K. Paul, Trench, Trübner, 1893.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2019
Programa de Pos-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras -UFRJ Av. Horácio Macedo, 2151, Cidade Universitária, CEP 21941-97 - Rio de Janeiro RJ Brasil , - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: alea.ufrj@gmail.com